Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14 de Julho de 2011 (proc. 7408/11)

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Sumário:

1. Dada a natureza instrumental pura deste despacho, o despacho que seleccionou a matéria de facto relevante não faz caso julgado formal.
2. A recepção das propostas no CCP é uma formalidade essencial, como resulta dos seus arts. 146º-2 e 184º-2
3. O facto pressuposto de uma presunção legal, como a do art. 469º-1-b-2 do CCP, deve ser seleccionado para os "factos assentes" na condensação do processo ou para a base instrutória. Esta presunção do CCP é iuris tantum.
4. Na prova do contrário (art. 347º do CC), há que convencer o juiz da existência do facto oposto, tornar psicologicamente certo o facto contrário.
5. A proposta é definida no CCP (art. 56º-1) como a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo. Trata-se de um processo documental e de um acto jurídico-público da autoria de particulares, cuja natureza é mista, pois contém um pedido de participação no procedimento, um acto de adesão ou promessa de adesão contratual às cláusulas subtraídas à concorrência e ainda uma proposta negocial.
6. O julgador da matéria de facto deve, pelo menos, apontar as razões mais importantes para a sua convicção, bem como o porquê e o como dessas razões, num quadro que visa persuadir, na medida do razoável, as partes e seus advogados - art. 653º-2 do CPC

Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

C......... - LOGÍSTICA, ..................., Lda., com os sinais dos autos, intentou no T.A.C. de Lisboa processo urgente de contencioso pré-contratual contra PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS do XVIII Governo Constitucional (sendo órgão autor do acto o Secretário-Geral da Presidência do Conselho de Ministros) e, como contra-interessados, OUTROS, pedindo o seguinte:

a) Ser anulada a decisão do júri em admitir ao procedimento de ajuste directo n005BS- SGPPCMI 2010 a G............ Empresa de Transportes Lda., bem como o acto de adjudicação a mesma do serviço de mudança pelo valor base de Eur: 50000,00,

b) Ser condenada a demandada a proferir decisão que exclua a G........... Empresa de Transportes Lda. do procedimento concursal e ordene em primeiro lugar a aqui demandante, adjudicando-lhe o serviço de 7825 horas de trabalho de mudança pelo valor de Eur: 50000, 00

c) Deverá em consonância ser revogado o acto de adjudicação do serviço de mudança a G..........

Por decisão do T.A.C. citado, foi o processo julgado improcedente.

Inconformada, a autora deduziu o presente recurso de apelação, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

A aqui recorrente propôs a acção de processo de contencioso pré-contratual, subjacente ao presente recurso pedindo a anulação da decisão da Ré em adjudicar a Aquisição de serviços de mudanças posto a concurso por procedimento de Ajuste Directo n° 05BS­SGPCMj 2010 à G......... -Empresa ............. SA e em consequência que a Ré fosse condenada a proferir decisão que excluísse a contra interessada G........ ............ S.A, classificada em 1Q lugar, do aludido concurso, e ordenasse em 1Q lugar a aqui recorrente, bem como em momento posterior, na sequência da junção aos autos em 28 de Outubro de 2010 (fls. 1494-1505 do presente processo) do contrato de aquisição de serviços de mudanças celebrado entre a Ré Presidência do Conselho de Ministro, e contra interessada Empresa de Transportes G........., que fosse declarada a anulação deste contrato, como consequência da invalidade do acto de adjudicação do serviço de mudanças posto a concurso por procedimento de Ajuste Directo n° 05BS-SGPCMj 2010.

Para tanto alegou que por oficio n° 596jDSPAj 2010 datado de 04-02-2010, a Presidência do Conselho de Ministros através da sua secretária convidou a aqui autora juntamente com mais cinco outras empresas a apresentar proposta no âmbito do procedimento de ajuste directo n° 05BS-SGPCMj 2010 para aquisição de serviços de mudanças, fixando como único critério de adjudicação o de maior número de horas prestadas pelo preço base de € 50 000,00 sem IVA.

Alegou ainda que de acordo com o oficio convite as propostas deveriam ser apresentadas até às 17h00 do dia 12 de Fevereiro de 2010 através de endereço electrónico ecompras@.sg.gcm.gov.Qtou através do fax n° 213927607,

Sendo certo contudo, que a G........ - Empresa ................ S.A., contra interessada, graduada em 1Q lugar por ter proposto prestar 10000 horas de serviço de mudanças pelo preço de € 50000, apresentou a sua proposta por telecópia em 13 de Fevereiro pelas 00h59, isto é, fora de prazo.

Discutida a causa ficou demonstrado em sede de sentença ora recorrida e para o que interessa:

1)- A secretária - Geral da Presidência do Conselho de Ministros abriu procedimento de ajuste directo ( n° 05BS-SGPCMj201O) para a prestação de serviços de mudanças, com duração estimada de dois anos, para o qual se prevê um custo total, avaliado como preço base 50.000,00 ( cinquenta mil euros) ao qual haverá que adicionar o correspondente IVA à taxa legal em vigor ( cfr. Caderno de encargos, clausula 1ª nº 1)

2)- Nos convites à apresentação de propostas definiu-se prazo de entrega das propostas até às 17hOO do dia 12 de Fevereiro de 2010 através do endereço electrónica ecompras(àJsg. gcm .gov.gt»

3)-Foi a autora notificada do relatório preliminar 4)- Ao que se pronunciou

5)-Foi elaborado o seguinte relatório final ( ... )

"(...)"

9)- A Empresa de Transportes G........ Ldª apresentou a sua proposta no dia 12 de Fevereiro de 2010 até às 17.00h»

Por ter sido alegado nos arts 12Q e 13Q da PI, não ter sido impugnado, ao invés confirmado pela contra interessada Empresa de Transportes G........... no art° 49Q da sua Contestação deveria ter sido considerado demonstrado que a proposta desta concorrente enviada por telecopia mencionava no canto superior esquerdo ({ 13 de Fevereiro de 2010 00:59» ( art° 490Q do CPC aplicável ex vi art° 1Q do CPTA)

Na verdade a materialidade considerada demonstrada no ponto 9 da sentença objecto do presente recurso não esgota esta última questão que serve de fundamento a presunção estabelecida no art° 469 n° 1 al. b) do Código dos Contratos Públicos aprovado pelo decreto-lei n° 18/ 2008 de 29/01, rectificado pela Declaração de rectificação n° 18-Aj 2008 de 28/03 com as alterações introduzidas pela lei n° 59/2008 de 11 /09 e pelos D.L. n° 223/ 2009 de 11/09 e n° 278/ 2009 de 2/10

Tal materialidade é assim relevante para a boa decisão da causa pelo que deveria ter sido atendida em sede de decisão, e ter sido considerado demonstrada já no despacho saneador.

E que ao invés do decidido por despacho inserto a fls. 1387 a 1389, os factos provados por acordo ou documento devem necessariamente serem incluídos nos factos assentes

Assim deve ser aduzida aos factos assentes nova alínea que inclua a seguinte materialidade ({ A proposta da concorrente Empresa de Transportes G........... enviada por telecopia mencionava no canto superior esquerdo ({ 13 de Fevereiro de 2010 00:59»

Pelo que violou o tribunal "a quo" ou mal interpretou o disposto nos arts 511Q n°s 1 e 2, 264Q n° 2, 653Q n° 2 do CPC aplicável ex vi art° 1Q do CPTA

O tribunal "a quo" alicerçou a prova da materialidade que veio a ser acolhida no ponto 9Q da sua fundamentação fáctica, nos depoimentos das testemunhas José ........... e de António ..............................,

Ao arrepio do disposto nos arts 393Q do Código civil que proíbe a prova testemunhal relativamente a factos ou declaração negocial que deva ser reduzido a escrito, ou necessitar de ser provado por escrito

Como é o caso das comunicações das propostas apresentadas em concurso público subsumível ao código dos contratos públicos aprovado pelo Decreto-lei n° 18/2008 de 29 de Janeiro de acordo com o seu art° 13Q do, conjugado com os seus arts 467Q e 468 n° L

Pelo que a prova da atempada comunicação da proposta da Concorrente Empresa de Transportes G......... apenas se poderia realizar mediante a apresentação de outro meio probatório de valor igualou superior, isto é por documento, o que não se veio a verificar (art° 364Q n° 1 do Cód. Civil e 655Q 2 do CPC aplicável ex vi art° 1Q do CPTA)

Face ao exposto deverá ser eliminada a materialidade vertida no ponto 9 da Fundamentação fáctica da sentença.

Ainda que pretendendo socorrer-se da demais documentação junta aos autos e a que alude de forma genérica o acórdão recorrido, sem com isso, fazer a sua análise crítica, sempre se dirá

Que o registo fornecido pela PT corresponde a uma mera informação prestado por correio electrónico sem qualquer valor probatória por este não se encontrar sequer assinado digitalmente por forma a comprometer a própria PT prime,

Não foi emitida pela sua direcção, e ignora-se ao abrigo de que poderes tal informação é prestada

Tanto mais, que se encontra totalmente descontextualizada e desprovida de qualquer sustentáculo probatório mecânico que pudesse confirma-la, uma vez que não foi junto qualquer relatório completo de comunicações efectuadas pela contra interessada nesse mesmo dia 12 de Fev. de 2010, que corroborasse a exactidão da informação prestada

Assim, tal documento configura apenas e tão só testemunho escrito, legalmente inadmissível nos termos do art° 522Q do CPC "a contrario sensu" aplicável ex vi art° 1Q do CPTA.

Porém tal documento apenas faz referência a uma comunicação mantida entre a Ré e contra interessada no dia 12 de Fev. 2010, pelas 16: 57, com duração de 2min. 42 através do n° 213927607 que corresponde ao n° de telefone da concorrente conforme se infere das notas de rodapé da sua proposta, sem contudo especificar o tipo de comunicação em causa (chamada de voz ou envio de telecopia), ou indicar por qualquer forma o envio de alguns escritos que pudessem corporizar a aludida proposta.

Assim tal documento só por si é insuficiente para alicerçar a materialidade vertida no ponto 9Q da fundamentação fáctica do acórdão,

Tanto mais que o horário aí referido, não coincide com o horário constante do relatório de recepção de fax de folhas 170 destes autos, onde na linha em que foi manuscrito pela própria ré o nome da contra interessada empresa de transportes G........., consta como tendo sido recepcionado onze folhas pelas 16: 34,

E aquele horário encontra-se, ainda em dissonância com a alegação vertida no art° 7Q da contestação da Ré, e nos arts 46Q e 47Q da contestação daquela contra interessada onde aí afirmam o envio da proposta pelas 16: 34, configurando tal alegação como confissão das mesmas, quanto ao horário de envio da proposta (art° 38Q, 515Q, 664Q do CPC aplicável ex i art° 1Q do CPTA e arts 352, 354Q e 356Q Do Cód. Civil)

Por outro lado, nenhuma relevância pode ser atribuída ao relatório de faxes junto a fls. 170 destes autos, cuja força probatória foi impugnada, bem como o seu respectivo teor, tendo presente, que no mesmo, e na linha do fax recebido pelas 16:34 com onze folhas e duração de 2min. 41 segs não aparecia o numero da telecopia emissora, tendo sido manuscrito o nome da Empresa G......... em momento posterior, e nessa medida adulterado o seu teor,

Pelo que nada permite presumir que a comunicação das 16: 34 aí mencionada correspondesse a recepção da proposta da Empresa de Transportes G..........

De sublinhar em todo o caso que a duração da comunicação detectada pela PT prime e coincidente com a comunicação registada no relatório de faxes de fls. 170, pelas 16: 34, diverge contudo da duração registada na proposta da empresa de G......... no canto superior esquerda a qual iniciou a sua recepção/ envio com a página 1 pelas 00: 59 com a primeira folha e findou com a folha 11 às D1:01., pelo que a transmissão demorou 00: 01: 02,

Pretendendo a Ré e contra interessada Empresa de Transportes G......... Ldª, demonstrar o facto presumido que decorre da data e hora aposta no canto superior esquerdo da proposta da Empresa de Transportes G........., caso se entenda que o comando previsto no art° 469Q n° 1 al. b) do código dos contratos públicos aprovado pelo Decreto-lei n° 18/2008 de 29 de Janeiro encerra uma presunção assente no facto provado consubstanciado na data impressa no relatório de envio de faxes, cabia-lhe provar que a mesma chegou ao conhecimento da Ré até às 17h00 do dia 12 de Fevereiro de 2010, o que não fez.

Na verdade, o depoimento do José ..................... não releva para prova dessa materialidade, por aquele apenas ter testemunhado sobre o momento do envio da proposta da empresa de transportes G........., cuja hora exacta não pode sequer garantir, e importava neste caso averiguar e provar a hora e data da recepção da comunicação da proposta da contra interessada Empresa de transportes G..........

Por seu lado, o António Manuel de Albuquerque Pereira, técnico superior da Ré que integrou o júri do concurso de procedimento de ajuste directo ( n° 05BS-SGPCM/201O) para a prestação de serviços de mudanças, apesar de ter asseverado, segundo o próprio Tribunal a quo que a proposta da empresa G......... terá sido recepcionada até às 17 h00 do dia 12 de Fev. de 2010 , «( ... )digitalizando -a, com subsequente envio para o Director de Serviços Ricardo Santos, ( .... ) (observando sem prejuízo, não dar por exactamente certo e hora aí constante)»,

Certo é que esse envio para o director de serviço apenas se verificou pelas 17:42:30 conforme decorre de fls. 182,

Porém ficou assente no ponto 8 ai b) do relatório final, que o júri do concurso, integrado por esta mesma testemunha conforme se infere de I, ponto 1 desse mesmo documento, que também ele teve dúvidas quanto a extemporaneidade desta proposta, a qual só foi afastada com base no relatório de recepção de faxes, solicitados à D5PA- Direcção de serviços de Património e aquisições, e ainda no correio electrónico pelo qual a testemunha enviou a proposta ao Director.

Tivesse a testemunha a certeza da hora e data a que foi recepcionada a proposta da Empresa de Transportes G......... e não teria sido necessário ao júri socorrer-se destes dois documentos

Do confronto do dito depoimento com a análise deste documento apenas pode resultar a afirmação que a proposta da empresa de transportes G......... foi recepcionada até as 17: 47, mas nunca se poderá inferir da análise desta prova que a mesma fora recepção até as 17:00

Face ao exposto nenhuma prova credível, e isenta veio demonstrar que a Empresa de transportes G......... Ldª apresentou a sua proposta no dia 12 de Fevereiro de 2010 até às 17h00.

Na verdade, nenhuma das testemunhas que até são funcionários da ré e contra interessada Empresa de Transportes G......... veio indicar a hora exacta a que enviou ou recebeu a proposta, o que poderia vir a indiciar um depoimento credível

De qualquer das formas da análise do conjunta da prova produzida em instrução não se pode intuir com grau de certeza que a proposta enviada pela Contra Interessada Empresa de Transportes G......... Ldª, o tenha sido no dia 12 de Fev. de 2010 e até Às 17h00,

Tal prova incumbia a Ré e contra interessada Empresa de Transportes G........., pelo que nos termos do art° 516Q do Cód. de processo civil «A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita»

Face ao exposto mais uma vez deverá ser eliminada materialidade vertida no ponto 9Q da fundamentação fáctica.

Não tendo sido demonstrado o contrário deverá considerar-se provado que a empresa de Transportes G......... enviou a sua proposta, e esta foi recebida pela ré na data e hora inserta no seu canto superior esquerdo, isto é, no dia 13 de Fev. de 2010 pelas 00: 59, isto é de forma extemporânea.

Face ao exposto deve ser excluída a contra interessada G......... Empresa de Transportes S.A, do concurso por procedimento de Ajuste Directo n° 05BS-SGPCM/ 2010 e classificada em 1Q lugar, do aludido concurso a aqui recorrente, adjudicando -lhe o serviço pelas condições constantes da sua proposta.

Violou assim ou mal interpretou o Tribunal a quo o disposto nos arts 469 n° 1 al. b), 13Q, 467Q e 468, do Código dos Contratos Públicos aprovado pelo decreto-lei n° 18/ 2008 de 29/Ol, rectificado pela Declaração de rectificação n° 18-Aj 2008 de 28/03 com as alterações introduzidas pela lei n° 59/2008 de 11 /09 e pelos D.L. n° 223/ 2009 de 11/09 e n° 278/2009 de 2/10, os art° 38Q, 490, 511nQ 1 e 2, 264, 515Q, 522Q,529, 516, 655 614Q, 522Q "a contrario sensu", 653Q n° 2, 685Q-A, 685-B n° 1 do CPC aplicável ex vi art° 1Q do CPTA, e (art° 38Q, 515Q, 664Q do CPC aplicável ex i art° 1Q do CPTA e arts 352, 354Q e 356Q 349Q, 393Q, 364, e 349Q do Cód. Civil.

A C-I apresentou contra-alegações:

II. DOS FUNDAMENTOS 00 RECURSO

A fixação da materialidade assente e a motivação do Tribunal a quo, postas em causa pela Recorrente, não merecem qualquer censura, razão pela qual o presente recurso não procede, nem pode proceder.

Quanto à questão suscitada pela Recorrente sobre a matéria assente ("deverá ser aduzida a seguinte materialidade ao factos assentes «A proposta apresentada pela Empresa de Transportes G......... Lda., ostentava no canto superior esquerdo 13­Fev-2010 00:59»"), é por demais sabido que o teor dos documentos não tem de ser levado à matéria assente ou a questionário e pode ser considerado na sentença, se for relevante para a decisão da causa.

Foi precisamente isso que o Tribunal Q quo fez, quer na fixação da matéria assente e base instrutória, quer posteriormente na sentença.

Com efeito, face ao teor contestação apresentada pelo Empresa de Transportes G......... Lda. e pela Presidência do Conselho de Ministros, ora Recorridas, conjugado com o teor do documento que formalizou a proposta da primeira, o que importava apurar sobre a data e hora de envio dessa proposta era o que constava do quesito único da base instrutória, ao qual foi dada resposta cabal pelos documentos juntos aos autos e pelos depoimentos das testemunhas apresentadas pelas Recorridas, e não tanto as indicações que resultavam do cabeçalho daquele documento, que, tendo sido considerado, e bem, pelo Tribunal a quo, irrelevante para a boa decisão da causa, não foram tomadas em consideração na sentença.

Assim, o acórdão recorrido, ao contrário do que a Recorrente sustenta, não violou o disposto nos artigos 511º, nºs 1 e 2, 490º, nº 2, 264º, nº 2, e 653º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pelo que nada há a aduzir à matéria de facto assente, devendo o recurso improceder nesta parte.

Quanto ao alegado "erro na apreciação da prova" pelo Tribunal a quo, também não assiste razão à Recorrente.

A interpretação que a Recorrente faz do disposto nos artigos 13º do DL nº 18/2008, de 29 de Janeiro, 467º, 468º, nº 1, 469º, nº 1, alínea b), do Código dos Contratos Públicos (CCP), e 350º, 364º, nº 1, 368º e 393º do Código Civil (CC) é, salvo melhor opinião, errada.

Ao contrário do que a Recorrente alega, as Recorridas impugnaram a data e hora de envio da proposta da ora Recorrida, constantes do cabeçalho da telecópia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 490º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, pelo que, aquele documento, ao contrário do que a Recorrente pretende, não faz prova plena desses factos - data e hora do envio. Acresce que a Recorrente confunde declaração negocial com a data da sua concretização, bem como os meios de prova admissíveis em relação a cada um destes factos.

Para a prova da declaração negocial (proposta da Recorrida) no caso dos autos exigia-se um documento particular. A telecópia era, como foi, o meio adequado à prova da declaração negocial da Recorrida, nos termos conjugados do disposto nos artigos 13º do DL nº 18/2008, de 29 de Janeiro, 468º, nº 1, do CCP, 364º, nº 1, 368º e 393º do CC. As testemunhas arroladas pelas Recorridas não fizeram prova da declaração negocial da Recorrida (sendo que a ocorrência dessa declaração nem sequer foi, por qualquer modo, posta em causa pela Recorrente, ao abrigo do disposto nos artigos 374º e 376º, nº 1, do CC), mas apenas da data e hora do envio da proposta, por serem estes os únicos factos abrangidos pelo quesito único da base instrutória - «A Empresa de Transportes G..........., Ldª!!, apresentou a sua proposta no dia 12 de Fevereiro de 2010?» - e, como tal, em discussão no julgamento, como adiante se demonstrará.

A presunção da data da declaração negocial, feita nos termos do 469º, nº 1, alínea b), do CCP, é ilidível (ao contrário do que a Recorrente parece sustentar) mediante prova em contrário, nos termos do artigo 350º, nº 2, do CC, que, no caso dos autos não estava sujeita aos requisitos dos artigos 364º, nº 1, e 393º, nº 1 e 2, do CC, e que, por isso podia ser feita, também, através de prova testemunhal. Ainda que assim não se entendesse, o disposto no artigo 393º, nº 2, do CC, não afasta a possibilidade de prova em contrário através de documento, mas apenas através de testemunhas. Ora, no caso dos autos, existem diversos documentos que reproduzem factos diferentes quanto à data e hora de envio da proposta da ora Recorrida, pelo que, competia ao Tribunal a quo analisar criticamente todos esses documentos, se necessário fosse, com a ajuda de prova testemunhal para interpretar e confirmar o contexto desses documentos, nos termos conjugados do disposto nos artigos 347º, 392Q, 3932, nºs 2 e 3, e 396Q do CC.

Assim, quanto ao quesito único, resultou provado que a ora Recorrida apresentou a sua proposta no dia 12 de Fevereiro de 2010, até às 17.00h, dessa forma se ilidindo a presunção resultante do artigo 4692, nº 1, alínea b), do CCP.

Porém, conforme se infere do teor da sentença recorrida, para a prova da matéria do quesito único contribuiu não só a prova testemunhal mas também e decisivamente a prova documental produzida, que aquela, livremente apreciada pelo Tribunal a quo, se limitou a interpretar, contextualizando-a, e confirmar.

Com efeito, a testemunha António Albuquerque, técnico superior jurista da Presidência do Conselho de Ministros, declarou, de forma clara, concisa, objectiva e isenta que a telecópia contendo a proposta da ora Recorrida foi recolhido no aparelho de fax de destino por um outro funcionário daquela Recorrida e entregue à testemunha no dia 12 de Fevereiro de 2010, seguramente até às 17h30, por ser esta a hora normal de saída daquele funcionário.

A testemunha esclareceu também que digitalizou a proposta da ora Recorrida, para salvaguarda, e remeteu-a por correio electrónico, às 17h47, no dia 12 de Fevereiro de 2010, para o Eng. Ricardo Santos, para que este a remetesse para o presidente do júri, conforme resulta do referido correio electrónico, que se encontra junto aos autos.

Esta testemunha esclareceu ainda, de forma cabal, o teor do relatório de transmissões de fax recebidos na Presidência do Conselho de Ministros naquela data, que se encontra junto aos autos, e o raciocínio lógico-dedutivo seguido pela Recorrida para concluir que a telecópia mencionada naquele relatório como tendo sido recebido às 16h34, corresponde à proposta apresentada pela ora Recorrida, designadamente, pela coincidência do número de folhas do fax identificadas naquele relatório, por um lado, e na proposta junta aos autos, por outro.

O raciocínio (correcto e exacto) desta testemunha só veio confirmar o teor da informação da PT Prime, de 29 de Março de 2010, que também se encontra junta aos autos, do qual resultava já a duração da transmissão do mencionado fax das 16h34 indicada naquele relatório.

A testemunha José ..................., operador de sistemas da ora Recorrida, que também depôs de forma clara, concisa, objectiva e isenta, declarou que a telecópia contendo a proposta da Recorrida foi enviada por si, entre as 16h30 e as 16h50, no dia 12 de Fevereiro de 2010, a partir do aparelho de fax da empresa, para o número de fax da Presidência do Conselho de Ministros.

Esta testemunha logrou ainda esclarecer, de forma clara e precisa, a divergência entre as horas de envio da telecópia constantes da proposta e da informação da PT Prime (clarificando que estas não eram as correctas) e hora indicada no relatório de transmissões da Presidência do Conselho de Ministros (que apontou como sendo a correcta), bem como a divergência entre o número do aparelho de fax de origem identificado na proposta e o número indicado na informação da PT Prime.

Assim, a sentença recorrida, ao contrário do que a Recorrente sustenta, não violou o disposto nos artigos 13º do DL nº 18/2008, de 29 de Janeiro, 4679, 4689, n9 1, 4699, nº 1, alínea b), do CCP, e 350º, 364, nº 1, e 393º do CC, pelo que nada há a eliminar quanto à materialidade vertida no ponto 99 da fundamentação fáctica do acórdão recorrido, devendo o recurso improceder também nesta parte.

Quanto à alegação que "da análise dos depoimentos em que assenta a prova da materialidade vertida no ponto 9Q da sentença recorrida, não lograram os mesmos fazer prova do envio por parte da empresa G......... da sua proposta a 12 de Fev. de 2010", e às considerações feitas sobre "a documentação junta aos autos a que alude o douto acórdão ora posto em crise, sem contudo dela fazer uma análise crítica" não assiste, igualmente, razão à Recorrente.

Sobre este ponto, a Recorrida dá por reproduzido tudo quanto contra - alegou sobre a prova testemunhal e documental produzida pelas Recorridas nos parágrafos anteriores a propósito do "erro na apreciação da prova" pelo Tribunal a quo.

Deste modo, ao contrário do que a Recorrente sustenta, da análise do conjunto da prova produzida, o Tribunal a quo não só podia como devia ter concluído, como o fez, que a ora Recorrida apresentou a sua proposta no dia 12 de Fevereiro de 2010, até às 17.00h, já que os meios probatórios apresentados pelas Recorridas traduzem prova bastante e suficiente "capaz de abalar a prova que resulta do relatório de transmissão inserto no canto superior esquerdo da proposta da" ora Recorrida.

No caso, não tem lugar a aplicação do disposto no artigo 516Q do CPC, já que nenhuma dúvida existiu sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova.

A prova de que a ora Recorrida "apresentou a sua proposta no dia 12 de Fevereiro de 2010 até às 17h00" incumbia às Recorridas, que lograram fazer essa prova, de forma cabal e sem margem para qualquer dúvida.

As "sérias dúvidas" apontadas pela Recorrente, resultantes dos documentos e depoimentos apresentados, nomeadamente sobre "se o fax registado no documento de fls. 170 como tendo sido recebido pelas 16:34 do dia 12 de Fev. de 2010 correspondia à proposta da concorrente Empresa de Transportes G........." e "se a comunicação registada pela PT prime pelas 16: 57 desse mesmo dia correspondia ao envio da proposta", só podem existir na mente da Recorrente, sendo absolutamente desprovida de sentido a conclusão por esta formulada de que "face à total ausência de prova" (sublinhado nosso) "deverá ser considerado como não provado o ponto 9º da fundamentação de facto".

Face ao exposto, o presente recurso deverá também improceder nesta parte.

III. DA IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO E CONFIRMAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO

Considerando a materialidade assente e o direito aplicado é forçoso concluir que, no caso em apreço, não se verificaram as ilegalidades apontadas pela Recorrente, e, em consequência, pela inimpugnabilidade da deliberação do júri, nos termos conjugados do disposto nos artigos 268º, n° 4, da Constituição da República Portuguesa, 50º e seguintes, 89º, nº 1, alínea c), e 102º do CPTA.

Da mesma forma, o acto de adjudicação, de 15 de Março de 2010, é plenamente válido e eficaz, nos termos conjugados do disposto nos artigos 67Q, 124º e 125º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), 77º do CCP e 60º do CPTA, e bem assim o contrato de aquisição de serviços de mudanças celebrado na sequência do mesmo, até porque a Recorrente não requereu a suspensão da eficácia do acto de adjudicação, nos termos conjugados do disposto nos artigos 46º, nº 3, 50º e seguintes, 100º e seguintes, 112º e seguintes, 130º e 136º, nº 1, do CPTA, 149º e seguintes do CPA e 94º, 96º, 97º e 104º do CCP.

O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do CPTA, se pronunciar sobre o mérito do recurso (art. 146º nº 1 do CPTA).

Cumpre apreciar e decidir em conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS

Na 1ª instância, os factos provados foram os seguintes:

"(...)"

Ao abrigo do art. 712º-1-b CPC, adita-se o seguinte facto provado, pelos motivos abaixo indicados:

10º- A proposta da C-I G......... enviada por telecópia mencionava no canto superior esquerdo «13 de Fevereiro de 2010, 00:59» (facto provado por documento e não contestado por ninguém).


II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O âmbito do recurso jurisdicional, cujo objecto é a decisão recorrida, é delimitado pelo Recorrente nas conclusões das suas alegações (sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso), apenas podendo incidir sobre questões (coisa diversa de considerações, argumentos ou juízos de valor) que tenham sido ou devessem ser anteriormente apreciadas e não podendo confrontar o tribunal ad quem com questões novas.

Temos, pois, de resolver as seguintes questões:

1. Faltou um facto provado nos "factos assentes" aquando da condensação do processo?
2. Ocorreu ou não a previsão do art. 146º-2-a) do CCP, em consequência de um erro de julgamento da matéria de facto?[1]

Vejamos.

1. Faltou um facto provado nos "factos assentes" aquando da condensação do processo?

Como sabemos e faz todo o sentido, dada a natureza instrumental pura deste despacho, o despacho que seleccionou a matéria de facto relevante não faz caso julgado formal - v. arts. 650º-2-f, 264º-2-3 e 712º-1 CPC; AcSTJ de 24-5-88, in BMJ 377, p. 488; AcRL de 22-4-93, in CJ, IV, p. 217; e, por todos, ANTÓNIO GERALDES, Temas..., II, 3, nº 7.

Na p.i. alegou-se que a proposta da C-I G......... enviada por telecópia mencionava no canto superior esquerdo «13 de Fevereiro de 2010 00:59».

E isso era e é verdade. É um facto provado por documento, constante do p.a., e não contestado por ninguém.

A sua relevância central advém da presunção estabelecida no art. 469º-1-b-2 do CCP[2], conjugado com os arts. 13º do DL 18/2008[3] e 146º-2-a do CCP.

Pelo que deveria ter ido desde o início para os "factos assentes" antes da BI, em cumprimento do art. 511º-1 CPC.[4]

Não o tendo sido feito, cabe aqui aditar tal facto provado e assim regularizar tal falha, que retirou lógica e enquadramento jurídico correcto à prova do contrário a cargo da C-I, como veremos abaixo.

Portanto, procede esta reclamação ou impugnação.

Assim: ANTÓNIO GERALDES, Recursos em P.C., 3ª ed., p. 311.

2. Ocorreu ou não a previsão do art. 146º-2-a) do CCP, em consequência de um erro de julgamento da matéria de facto?

A) O julgamento da matéria de facto constitui o principal objectivo do processo declaratório, pois é dele que depende o resultado da acção (ANTÓNIO GERALDES, Recursos em P.C...., 3ª ed., p. 308).

A recorrente questiona o julgamento dos factos, concluindo que o facto provado nº 9 (A Empresa de Transportes G........., Ldª", apresentou a sua proposta no dia 12 de Fevereiro de 2010, até às 17.00h) não se provou na realidade.

Entende que o que se provou foi que:

A proposta da concorrente Empresa de Transportes G......... enviada por telecópia mencionava no canto superior esquerdo "13 de Fevereiro de 2010, 00:59".

Na p.i. invocou-se:

12º a Empresa de Transportes G......... Ldª apresentou a sua proposta composta por onze páginas, por telefax no dia 13 de Fevereiro de 2010 às 00h59, conforme se infere do cabeçalho das ditas páginas (documento III que se junta e se dá aqui por integralmente reproduzido), recebido nesse mesmo dia e hora pela entidade adjudicante.

13º Isto é após as 17h00 do dia 12 de Fevereiro de 2010, termo do prazo concedido para esse efeito.

14º Por essa razão, quando confrontada com o relatório preliminar, a aqui impugnante em sede de audiência prévia desde logo pugnou pela exclusão deste concorrente do procedimento nos termos do artº 146º nº 2 al. A) aplicável ex vi artº 124º nº 2 ambos do Código da Contratação Pública aprovado pelo Decreto-lei nº 18/ 2008 de 29 de Janeiro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei nº 278/ 2009 de 2 de Outubro, (facto admitido pela PCM - art. 4º da contest.)

15º Pugnando ainda pela manutenção do demais referido no Relatório preliminar, nomeadamente pela graduação dos demais concorrentes. (facto admitido pela PCM - art. 4º da contest.)

Na contestação, a PCM disse que a proposta foi recebida às 16:34h (art. 7º).

Na sua contestação, a C-I disse:

"(....)"

Portanto,

- a A. remeteu para o relatório referido no art. 469º-1-b do CCP (aos 59 m do dia 13),

- a R. referiu que a hora foi as 16:34h do dia 12 e

- a C-I invocou 3 momentos diferentes:

I. 16:34h do dia 12,

II. 8h menos 00:59m de dia 13 (isto é, 16:59h de dia 12) e ainda

III. 16:57h do dia 12.

O tribunal perguntou na B.I. apenas:

A Empresa de Transportes G........., Ldª, apresentou a sua proposta no dia 13 de Fevereiro de 2010, pelas 00,59 H?

Não deu relevância aos arts. 49, 55 e 56 acima transcritos da contest. da C-I, contraditórios.

E o tribunal respondeu a final:

A Empresa de Transportes G........., Ldª, apresentou a sua proposta no dia 12 de Fevereiro de 2010, até às 17.00h.

É este facto o cerne da questão, face ao disposto no cit. art. 13º do DP-CCP (DL 18/2008), e nos arts. 468º-1[5], 469º-1-b (cit.) e 146º-2-a (cit.) do CCP.

Nas alegações de recurso, em suma, a recorrente diz

I. que a C-I violou o prazo para apresentar a proposta à R,

II. que o tribunal recorrido deveria ter aditado aos factos provados o teor do art. 12º da p.i. (a Empresa de Transportes G......... Ldª apresentou a sua proposta composta por onze páginas, por telefax no dia 13 de Fevereiro de 2010 às 00h59, conforme se infere do cabeçalho das ditas páginas (documento III que se junta e se dá aqui por integralmente reproduzido), recebido nesse mesmo dia e hora pelo entidade adjudicante),

III. que os depoimentos testemunhais não permitiam a conclusão tirada pelo tribunal, nem deveriam ser permitidos ao abrigo do art. 393º[6] e 364º-1[7] CC,

IV. que o registo da PT não tem valor probatório (art. 522º CPC a contrario) e é vago, e que contradiz outras horas indicadas bem como o referido nos arts. 7 da cont. da R.[8] e 46-47 da cont. da C-I,

V. que o relatório de faxes foi impugnado, está incompleto, foi adulterado e refere durações diferentes da mensagem,

VI. que a testemunha José ..... só viu o envio, mas não a hora,

VII. que a testemunha António apenas permite concluir que o fax foi enviado até às 17:47h.,

VIII. que o facto nº 9 cit. devia ser eliminado,

IX. que falta aditar um facto, já provado aquando do saneador,

X. que os arts. 511º-1-2[9] 16º CPC[10] 653º-2[11] e 655º-2[12] lhe dão cobertura legal.

C) A proposta é definida no CCP (art. 56º-1) como a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo.

Trata-se de um processo documental e de um acto jurídico-público da autoria de particulares, cuja natureza é mista, pois contém um pedido de participação no procedimento, um acto de adesão ou promessa de adesão contratual às cláusulas subtraídas à concorrência e ainda uma proposta negocial (assim: MÁRIO e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos e outros..., 2011, p. 570-571).

A recepção das propostas é uma formalidade essencial, como resulta dos arts. 146º-2 e 184º-2 CCP (assim: AcSTA de 13-1-2011, Pr. nº 839/10; MÁRIO e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 878 e 908-909).

D) Antes de vermos a questão do julgamento de facto, temos de aferir da natureza do disposto no cit. art. 469º-1-b do CCP, transcrito atrás.

Trata-se de uma presunção legal (v. arts. 349º, 342º e 344º-1 CC) relativa, normal ou ilidível, iuris tantum (art. 350º-2 CC[13]), que cede perante a prova do contrário; e não absoluta, irrefutável ou iuris et de jure[14].

Portanto, a C-I tinha a possibilidade de provar em juízo que a sua proposta não foi apresentada à hora tardia (00:59m do dia 13) resultante da aplicação do art. 469º-1-b-2 CCP cit.

Se não provasse o contrário, teria de ser aplicado o art. 146º-2-b CCP, como pretendido pela A.[15]

Conseguiu a C-I fazê-lo?

No caso presente, sem gravação da prova, o que mais acessível está a este TCAS é a fundamentação do juízo feito com base nas provas, i.e. daquilo que é exigido no art. 653º-2 CPC (v., por todos, ANTÓNIO GERALDES, Recursos em..., 3ª ed., p. 326-338).

Por outro lado, irrelevam os arts. 364º-1 e 393º CC cit., porque não se trata de provar o teor da declaração negocial (proposta, aqui), mas sim de provar que se cumpriu o tempo de envio da proposta exigido no procedimento pré-contratual. Não está em causa a proposta em si, cujo teor ninguém põe em causa, mas apenas a sua apresentação em certo dia e certa hora. Neste contexto factual ainda e sob a égide do CCP, irreleva que os faxes ou telecópias façam prova nos termos previstos no art. 368º CC (prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão), já que a exactidão em causa é negada pelo autor do fax e não pelos demandados nos autos.

E) Ora, já vimos que:

- o fax referiu (registou) como hora de envio os 59 m do dia 13;

- a R. referiu na contestação que a hora da apresentação do fax com a proposta da C-I foi as 16:34h do dia 12 e

- a C-I invocou na contestação 3 momentos diferentes:

I. 16:34h do dia 12 (com base em doc.),

II. 8h menos 00:59m de dia 13 (isto é, 16:59h de dia 12), sem base documental, e ainda

III. 16:57h do dia 12 (com base em doc.).

O tribunal, para responder como respondeu ao único quesito da BI (quesito com que as partes se conformaram), entendeu:

«Fundamental nesta resposta foi o depoimento de António Manuel .............., Técnico Superior na Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros.

Asseverou a entrada, por fax, das propostas da G......... e da Urbanos, visionando o seu conteúdo, e mais as digitalizando, com subsequente envio para o Director de Serviços Ricardo ....., seguramente com entrada até às 17.h. até pelo tempo em que fez essa digitalização, pelo nº de páginas, e pelo n° de páginas do fax do Serviço (observando, sem prejuízo, não dar por exactamente certa a hora aí constante).

Tomou-se também em conta o depoimento de José ..................., ao serviço da G........., que, entre o mais, deu conta do funcionamento da central telefónica/fax, com escolha aleatória de um número, de entre vinte e quatro, disponível; explicação técnica que pareceu plausível e sem incompatibilidade com o que a propósito se encontra documentado; mais deu conta da metodologia de envio de propostas da empresa a concurso e garantiu, no caso, da tempestividade.

Mais contribuiu na convicção do Tribunal o registo junto fornecido pela PT, para além do mais que vem documentalmente junto com que os depoimentos prestados também foram confrontados.»

Este registo da PT refere a hora "16:57h" do dia 12.

Na prova do contrário (art. 347º CC), aqui necessária, há que convencer o juiz da existência do facto oposto, tornar psicologicamente certo o facto contrário (ANTUNES VARELA, Manual..., 2ª ed., p. 470-473; hoje, v. J P REMÉDIO MARQUES, A Acção Declarativa..., 3ª ed., 2011, p. 587 ss e 598 ss).

Ora, da fundamentação do tribunal a quo, essencial ao abrigo do art. 653º-2 do CPC (v., por todos, ANTÓNIO GERALDES, Temas..., II, 1997, 4, nº 7.3, p. 238 ss; e Recursos em P.C...., cit., loc. cit.), resulta que o tribunal recorrido não considerou os documentos que a A. diz serem irrelevantes, mas que assentou sobretudo a sua convicção em 2 depoimentos testemunhais e num documento conforme acima consta.

Nesta sede, como é sabido, o tribunal ad quem há-de ter parcimónia em desvalorizar o julgamento de facto da 1ª instância quando a prova não tenha sido gravada e haja fundamentação do juízo probatório com apreciação dos elementos de prova (assim: AcSTJ de 19-1-84, in BMJ-333º, p. 375; ANTÓNIO GERALDES, Recursos em P.C., 3ª ed., p. 313 a 315 e nota 445, e p. 333-334; ALBERTO DOS REIS, CPCA, V, p. 470; RODRIGUES BASTOS, Notas ao CPC, III, p. 335). É a situação presente.

Dúvida não há de que a ré não logrou provar o que invocara: que a proposta foi apresentada às 16:34h, até porque esse facto não foi à B.I.

Quanto à C-I, que, apesar de ter invocado três diferentes horas na sua contestação, tinha o ónus de provar o contrário do resultante da aplicação ao caso do art. 469º-1-b-2 CCP (59m do dia 13), o tribunal concluiu que sim, i.e. que se alegou e demonstrou que "A Empresa de Transportes G........., Ldª, apresentou a sua proposta no dia 12 de Fevereiro de 2010, até às 17.00h." pelos 4 motivos acabados de transcrever:

1. - o depoimento de António ......... (Asseverou a entrada, por fax, das propostas da G......... e da Urbanos, visionando o seu conteúdo, e mais as digitalizando, com subsequente envio para o Director de Serviços Ricardo .........s, seguramente com entrada até às 17.h. até pelo tempo em que fez essa digitalização, pelo nº de páginas, e pelo n° de páginas do fax do Serviço (observando, sem prejuízo, não dar por exactamente certa a hora aí constante));

2. - o depoimento de José (ao serviço da G........., que, entre o mais, deu conta do funcionamento da central telefónica/fax, com escolha aleatória de um número, de entre vinte e quatro, disponível; explicação técnica que pareceu plausível e sem incompatibilidade com o que a propósito se encontra documentado; mais deu conta da metodologia de envio de propostas da empresa a concurso e garantiu, no caso, a tempestividade),

3. - o registo da PT cit., que refere a hora 16:57h do dia 12 (parece ser o constante do cit. art. 55º da contest. da C-I);

4. - a confrontação dos depoimentos cit. com documentos.

F) É isto suficiente para eliminar, ou melhor, contrariar a presunção legal resultante do art. 469º-1-b-2 do CCP, i.e. de que a proposta foi apresentada às 00.59m do dia 13? Ou seja, a prova produzida é suficiente para tornar psicologicamente certo que a proposta foi apresentada até às 17h do dia 12, como regulamentado?

O julgador da matéria de facto deve, pelo menos, apontar as razões mais importantes para a sua convicção, bem como o porquê e o como dessas razões, num quadro que visa persuadir, na medida do razoável, as partes e seus advogados - art. 653º-2 do CPC.

Ora, não obstante a B.I. poder ter sido elaborada doutra forma mais rigorosa, com alguns dos factos instrumentais alegados nas contestações, e não obstante o 4º elemento probatório referido ser vago, a verdade é que os 1º e 3º elementos de prova que descrevemos do texto recorrido, bem como a sua breve análise crítica, impõem razoavelmente a conclusão de que a apresentação foi feita antes das 17h do dia 12, ou melhor, não apontam para desrespeito do dever de analisar as provas ou do de fundamentação do juízo sobre a matéria de facto.

Pelo que se conclui que o tribunal acabou por responder de forma suficientemente correcta ao único facto ou quesito da BI.

E o facto provado que aditámos, sendo muito relevante como pressuposto óbvio da presunção iuris tantum cit., não altera o resultado final, pois acabou por ocorrer a prova do contrário da presunção legal resultante do facto aditado cit.

III. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do T.C.A.-Sul em não conceder provimento ao recurso, aditar um facto assente e manter o decidido a final no acórdão recorrido.

Custas a cargo da A.

Lisboa, 14-7-11

Paulo Pereira Gouveia

Cristina dos Santos

António Vasconcelos

_________________________ 

[1] Artigo 146.º

Relatório preliminar

1 - Após a análise das propostas, a utilização de um leilão electrónico e a aplicação do critério de adjudicação constante do programa do concurso, o júri elabora fundamentadamente um relatório preliminar, no qual deve propor a ordenação das mesmas.
2 - No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:

a) Que tenham sido apresentadas depois do termo fixado para a sua apresentação;

b) Que sejam apresentadas por concorrentes em violação do disposto no n.º 2 do artigo 54.º;

...

[2] Artigo 469.º CCP

Data da notificação e da comunicação

1 - As notificações e as comunicações consideram-se feitas:

a) Na data da respectiva expedição, quando efectuadas através de correio electrónico ou de outro meio de transmissão escrita e electrónica de dados, salvo o disposto no número seguinte;

b) Na data constante do relatório de transmissão bem sucedido, quando efectuado através de telecópia, salvo o disposto no número seguinte;

c) Na data indicada pelos serviços postais, quando efectuadas por carta registada;

d) Na data da assinatura do aviso, quando efectuadas por carta registada com aviso de recepção.

2 - As notificações e as comunicações que tenham como destinatário a entidade adjudicante ou o contraente público e que sejam efectuadas através de correio electrónico, telecópia ou outro meio de transmissão escrita e electrónica de dados, após as 17 horas do local de recepção ou em dia não útil nesse mesmo local, presumem-se feitas às 10 horas do dia útil seguinte.

[3]

Art. 13º DP-CCPComunicações e notificações

 

1 - Quando os documentos que constituem a proposta ou a candidatura possam ser apresentados em suporte papel, as notificações previstas no Código dos Contratos Públicos podem ser efectuadas através de correio ou de telecópia.

2 - No caso referido no número anterior, as comunicações entre a entidade adjudicante ou o júri do procedimento e os interessados, os candidatos, os concorrentes ou o adjudicatário podem ser feitas pelos meios nele referidos.

 

[4]O juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida.

[5] Artigo 468.º CCP

Comunicações

1 - Todas as comunicações entre a entidade adjudicante ou o júri do procedimento e os interessados, os candidatos, os concorrentes ou o adjudicatário relativas à fase de formação do contrato devem ser escritas e redigidas em português e efectuadas através de correio electrónico ou de outro meio de transmissão escrita e electrónica de dados.

...

[6] ARTIGO 393º CC

(Inadmissibilidade da prova testemunhal)

1. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.
2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.3. As regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento.

[7] Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.

[8] "(...)"

[9] Art. 511º CPC:

1 - O juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida.

2 - As partes podem reclamar contra a selecção da matéria de facto, incluída na base instrutória ou considerada como assente, com fundamento em deficiência, excesso ou obscuridade.

...

[10] Art. 516º CPC:

A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.

[11] Art. 653º CPC:

2 - A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.

[12] Liberdade de julgamento

1 - O tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

2 - Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.

[13] ARTIGO 350º

(Presunções legais)

1. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.

2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.

[14] Cfr. A. DOS REIS, CPCA, 3º, p. 248; OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito..., 1987, nº 275-C; J. BAPTISTA MACHADO, Introdução..., p. 111-112.

[15] Sobre o valor dos diversos meios de prova em juízo, v. ANTUNES VARELA, Manual de P.C., 2ª ed., p. 470 ss.