Acórdão n.º 64/2009, de 31 de Março de 2009, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1805/2008)

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ACÓRDÃO N.º 64/2009 - 31.Mar.2009 - 1ª S/SS

(Processo n.º 1805/08)

  

DESCRITORES:

Alteração do Resultado Financeiro por Ilegalidade / Autorização de Despesas / Avaliação das Propostas / Competência / Critério de Adjudicação / Critério de Avaliação / Empreitada de Obras Públicas / Marcas e Patentes / Princípio da Imparcialidade / Restrição de Concorrência / Visto com Recomendações

SUMÁRIO:

1. Sendo a câmara municipal, a entidade competente para autorizar a despesa, a ela - ou a quem ela delegasse tal competência, ou autorizasse a respectiva subdelegação - competia a aprovação da respectiva minuta, de acordo com o estabelecido no art.º 98.º, n.º 1 do Código dos Contratos Públicos.

2. Uma vez que a minuta do contrato não foi aprovada, nem ratificada, pela câmara municipal, nem foi precedida de um acto administrativo que conferisse competência, para tal, a quem a aprovou, foi violado o disposto no art.º 98.º, n.º 1 do citado art.º 98.º, n.º 1 do Código dos Contratos Públicos.

3. O uso da expressão "nomeadamente" na ponderação do factor "Qualidade da Proposta", ao permitir que a avaliação do factor seja feita com recurso a outros elementos, e não, apenas aos indicados, viola o disposto no art.º 132.º, n.º 1, al. d) do Código dos Contratos Públicos.

4. Na elaboração do modelo de avaliação das propostas não é permitida a definição de fórmulas de avaliação de factores do critério de adjudicação que determinem a pontuação a atribuir em função da relação com outras propostas, que por aproximação, quer por distanciamento de cada uma das outras propostas (cfr. art.º 139.º, n.º 4 do Código dos Contratos Públicos).

5. A inclusão, na lista das espécies de trabalhos e no mapa de quantidades de trabalhos, de marcas comerciais, desacompanhadas da expressão "ou equivalente", viola o disposto no art.º 49.º, n.ºs 12 e 13 do Código dos Contratos Públicos.

6. As ilegalidades mencionadas são susceptíveis de, por um lado, criar perturbação que pode afectar, real ou potencialmente, o resultado financeiro do contrato, e, por outro, podem acarretar uma restrição da concorrência e comprometer a imparcialidade da Administração possibilitando ou potenciando o risco de favorecimento, o que constitui fundamento da recusa de visto nos termos do art.º 44.º, n.º 3, al. c) da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.

7. Não estando demonstrada a ocorrência de uma efectiva alteração do resultado financeiro do contrato, e não tendo a entidade adjudicante sido objecto de recomendações anteriores relativamente aos normativos violados, mostra-se justificada a concessão do visto com recomendações, prevista no n.º 4 do referido preceito legal.

Conselheiro Relator: António M. Santos Soares

ACORDÃO Nº 64 /09 - 31.MAR.09 - 1ªS/SS

Processo nº 1805/08

 

Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção:

I - RELATÓRIO

A Câmara Municipal de Soure remeteu, para fiscalização prévia, o contrato de empreitada celebrado em 23 de Dezembro de 2008, entre o Município de Soure e a empresa "Vidal Pereira e Gomes, Lda." pelo valor de 673.061,66 €, acrescido de IVA, tendo por objecto o "Centro Escolar da Freguesia de Samuel".

II - MATÉRIA DE FACTO

Para além do referido acima, relevam para a decisão os seguintes factos, que se dão como assentes:

A) O contrato em apreço foi precedido de concurso público, cujo aviso de abertura foi publicado no Diário da República, II Série, de 26 de Agosto de 2008;

B) O preço base do concurso foi de 674.517,42 €;

C) Ao concurso apresentaram-se 3 concorrentes, tendo sido excluídos dois, por terem apresentado um preço contratual superior ao preço base do concurso;

D) O prazo de execução da obra é de 12 meses, a contar da data da consignação;

E) A consignação da obra ocorreu em 12 de Janeiro de 2009;

F) A Câmara Municipal de Soure, em reunião havida em 13 de Novembro de 2008, deliberou aprovar a adjudicação, autorizar a despesa e delegar no seu Presidente, com possibilidade de subdelegação, competências para aprovar a minuta do contrato e a outorga do mesmo;

G) A minuta do contrato foi aprovada - e o contrato outorgado -, pela Vereadora Lic.ª Manuela Santos, no uso de competências que lhe foram delegadas por despacho proferido, em 31 de Março de 2006, pelo Presidente da Câmara Municipal;

H) O despacho do Presidente da Câmara Municipal de Soure de 31 de Março de 2006, referido na alínea anterior, que subdelegou competências na Vereadora mencionada na alínea G), foi produzido ao abrigo dos artigos 65º, nº2 e 69º, nº2, da Lei nº 169/99 de 18 de Setembro, e refere-se a todas as competências que a Câmara Municipal lhe delegou, através de uma deliberação que havia sido tomada em 10 de Novembro de 2005;

I) Questionada a Autarquia sobre a matéria descrita nas alíneas anteriores, e para providenciar pela ratificação do despacho que aprovou a minuta do contrato, veio a mesma a remeter, de novo, os despachos de delegação e subdelegação de competências referidos nas alíneas G) e H), sem que tenha procedido à mencionada ratificação.

J) Nos termos do ponto 12.1 do Programa de Concurso, o critério de adjudicação compreende a ponderação dos seguintes factores:

a) Preço - 70%;
b) Qualidade da Proposta - nomeadamente no que respeita à coerência e razoabilidade de preços, rigor na elaboração do plano de trabalhos (método aplicado para a sua elaboraçãocompatibilização com o cronograma financeiro, os recursos humanos e equipamentos disponibilizados para cada tarefa, a interdependência de tarefas e os condicionalismos à sua execução) - 30%.

K) No mesmo ponto 12.1 do Programa de Concurso, foram fixadas umas fórmulas que, na quantificação do factor "Preço", têm em consideração o preço mais baixo do conjunto das propostas consideradas e na quantificação do factor "Qualidade da proposta", têm em consideração o peso específico inicial máximo das propostas consideradas e o peso relativo das propostas; (1)

L) Questionado o Município de Soure sobre a matéria constante das alíneas J) e K), tendo em conta o disposto nos artigos 132º, nº1 e 139º, nº4 do Código dos Contratos Públicos, veio a entidade adjudicante dizer, em síntese, o seguinte:
"... o critério de adjudicação definido no procedimento, tem vindo a ser utilizado, ao longo de anos, na globalidade dos concursos públicos levados a cabo por este Município ao abrigo do anterior regime jurídico das empreitadas de obras públicas, tendo os respectivos contratos sido visados pelo Tribunal de Contas.
Com a entrada em vigor do CCP, e não havendo ainda experiência da sua implementação prática, o mesmo critério foi mantido sem qualquer alteração.
Considerando que no presente procedimento apenas foi admitida uma proposta, não houve lugar a aplicação dos critérios de análise das propostas na adjudicação da presente empreitada tendo, naturalmente, a empresa respondido ao solicitado, pelo que consideramos que esta questão se encontra de certo modo ultrapassada...".

M) Em grande parte dos artigos da lista das espécies de trabalhos necessárias para a execução da obra, bem como do mapa de quantidades de trabalhos, foram mencionadas várias marcas comerciais, desacompanhadas da expressão "ou equivalente", de que são exemplos as seguintes:

Nos items 6.1, 6.4 e 6.5 - "Danosa";
Nos items 7.2, 8.1, 8.2, 9.1, 10.3, 19.9 e 19.10 - "Cin";
No item 9.7 - "Etics" e "Viero";
Nos items 10.4 a 10.6, 10.8 e 20.1 - "Armstrong";
Nos items 11.1 e 11.2 - "Vicaima" e "JHF";
Nos items 11.4, 14.3 e 9.2 - "Kar";
Nos items 13.1.1 a 13.1.10, 13.3.5 e 13.3.6 - "Sanindusa";
No item 13.2 - "Rodi";
Nos items 13.3.1 a 13.3.4 - "Grohetec";
Nos items 18.1 a 18.3 - "Friemo";
No item 18.15 - "Marecos";
No item 18.9 - "Colged";
Nos items 24.7.3 a 24.7.6 - "Odel-lux";
Nos items 24.7.3 e 24.7.9 - "Indelague"
Nos items 24.7.14 e 24.7.15 - "Lledónels";
Nos items 27.2.1, 27.2.2 e 27.2.3 - "Merten";

N) Questionado o Município de Soure acerca da matéria constante da alínea anterior, face ao disposto no artigo 49º, nºs 12 e 13 do Código dos Contratos Públicos, veio o mesmo dizer que os projectos foram executados por um gabinete externo, sendo a justificação apresentada pelo projectista a de que "...as marcas e referências mencionadas correspondem a opções estéticas do projectista em produtos ou materiais cujo desenho/acabamento é singular e não têm alternativa no mercado...".

III - O DIREITO

1. Suscitam-se, no presente processo, três questões:

a) Uma, relacionada com a aprovação da minuta do contrato, pela senhora Vereadora Licª. Manuela Santos;
b) Outra, relativa à densificação dos factores do critério de adjudicação, designadamente do "preço" e da "Qualidade da proposta";
c) Uma terceira questão, concernente à inclusão, na lista das espécies de trabalhos e no mapa de quantidades de trabalhos, de marcas comerciais, desacompanhadas da expressão "ou equivalente".

2. Vejamos, então, a primeira questão supra enunciada, ou seja a de a minuta do contrato ter sido aprovada pela senhora Vereadora Lic.ª Manuela Santos.

Sobre a aprovação da minuta dos contratos, dispõe o artigo 98º do Código dos Contratos Públicos (CCP), o seguinte:

Artigo 98º
Aprovação da minuta do contrato
1 - Nos casos em que a celebração do contrato implique a sua redução a escrito, a respectiva minuta é aprovada pelo órgão competente para a decisão de contratar depois de comprovada a prestação de caução pelo adjudicatário.
2 - Nos casos previstos no número anterior, quando não haja lugar à prestação de caução, a minuta do contrato é aprovada pelo órgão competente para a decisão de contratar em simultâneo com a decisão de adjudicação.
3 - A aprovação da minuta do contrato a celebrar tem por objectivo verificar se o seu conteúdo está conforme à decisão de contratar e a todos os documentos que o integram nos termos do disposto nos nºs 2 e 5 do artigo 96º, sem prejuízo de serem propostos ajustamentos nos termos do disposto no artigo seguinte.
4 - Da minuta do contrato devem constar expressamente os termos ou condições da proposta adjudicada excluídos do contrato nos termos do disposto no nº4 do artigo 96º.

Como se vê, pois, do artigo 98º do CCP, a minuta do contrato é aprovada pelo órgão competente para a decisão de contratar.
Para ajuizar da competência para a decisão de contratar, necessário é abordar a competência para autorizar a despesa com o contrato de empreitada, ora submetido à fiscalização prévia deste Tribunal.
Para isso, importa atentar no que dispõem os artigos 18º, nº1, al. b) e 29º, nº2, do DL nº 197/99 de 8 de Junho. (2)
Ora, dispõem estes normativos, o seguinte:

Artigo 18º
Competência para autorizar despesas no âmbito das autarquias locais
1 - São competentes para autorizar despesas, com locação de bens e Serviços, as seguintes entidades:
a) Até 30.000 contos (3), os presidentes de câmara e os conselhos de administração dos serviços municipalizados;
b) Sem limite, as câmaras municipais, as juntas de freguesia, o conselho de administração das associações de autarquias locais e o órgão executivo de entidades equiparadas a autarquias locais.
2 - ...............................................................................

Artigo 29º
Autarquias locais
1- ............................................................
2- As competências atribuídas pelo presente diploma às câmaras municipais, às juntas de freguesia e aos conselhos de administração dos serviços municipalizados, podem ser delegadas nos seus presidentes até 150.000 contos, 20.000 contos e 50.000 contos, respectivamente. (4)

Assim, no caso vertente, e atento o valor do contrato de empreitada remetido para fiscalização prévia do Tribunal de Contas (€ 673.324,50), a competência para autorizar a respectiva despesa, pertence à Câmara Municipal de Soure, mas é delegável no seu Presidente, nos termos dos referidos artigos 18º, nº1, al. b) e 29º, nº2, do DL nº 197/99 de 8 de Junho, e pode ser subdelegada, de acordo com o artigo 36º, nº1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA). (5)
Sucede que, no caso sub judice, a Câmara Municipal de Soure, em reunião havida em 13 de Novembro de 2008, deliberou aprovar a adjudicação, autorizar a despesa e delegar no seu Presidente, com possibilidade de subdelegação, competências para aprovar a minuta do contrato.
Todavia, a minuta do contrato veio a ser aprovada pela Vereadora Licª. Manuela Santos, no uso de competências que lhe haviam sido delegadas, pelo Presidente da Câmara Municipal, através de despacho proferido em 31 de Março de 2006.
Acontece, porém, que este despacho de 31 de Março de 2006 se refere a competências que haviam sido delegadas no Presidente da Câmara Municipal, por uma deliberação da Câmara Municipal de Soure tomada em 10 de Novembro de 2005.
Verifica-se, deste modo, que a aprovação da minuta do contrato, efectuada pela senhora Vereadora Licª.Manuela Santos, não foi precedida de um acto administrativo, produzido pelo senhor Presidente da Câmara Municipal de Soure, que, nela, subdelegasse a competência que a mesma Câmara delegou no seu Presidente, na reunião havida em 13 de Novembro de 2008.
Assim, o despacho da referida Vereadora, que aprovou a minuta de contrato, é um acto administrativo eivado do vício de incompetência, e, por isso, anulável, nos termos dos artigos 35º, nº1, a contrario, e 135º do CPA.
Na verdade, sendo a câmara municipal, a entidade competente para autorizar a despesa, com o presente contrato, a ela - ou a quem ela delegasse tal competência, ou autorizasse a respectiva subdelegação - competia a aprovação da respectiva minuta, de acordo com o estabelecido no artigo 98º, nº1, do Código dos Contratos Públicos, atrás mencionado.
Como este Tribunal afirmou, recentemente (6), deve atender-se à autorização da despesa, sendo, através da aprovação da minuta do contrato, que a entidade que autorizou a despesa, - ou aquela em que foi delegada ou subdelegada tal competência - verifica as demais concretizações da sua vontade de contratar e estabelece os termos que vinculam quem outorgará o contrato.
Refira-se, aliás, e por outra via, que o artigo 98º, nº3, do CCP, estipula que a aprovação da minuta do contrato a celebrar, tem por objectivo verificar se o seu conteúdo está conforme à decisão de contratar e a todos os documentos que o integram.
Por isso, uma vez que a minuta de contrato não foi aprovada, nem ratificada, pela câmara municipal, nem foi precedida de um acto administrativo que conferisse competência, para tal, a quem a aprovou, violado foi o disposto no artigo 98º, nº1, do citado Código dos Contratos Públicos.

3. Vejamos, seguidamente, a questão relativa à densificação dos factores do critério de adjudicação, designadamente, do "Preço" e da "Qualidade da proposta".
Como resulta da matéria de facto dada por assente nas alíneas I) e J) do probatório, na ponderação do factor "Qualidade da Proposta", estabeleceu-se que esta seria avaliada "nomeadamente (7) no que respeita à coerência e razoabilidade de preços, rigor na elaboração do plano de trabalhos (método aplicado para a sua elaboração, compatibilização com o cronograma financeiro, os recursos humanos e equipamentos disponibilizados para cada tarefa, a interdependência de tarefas e os condicionalismos à sua execução)".
O uso da expressão nomeadamente significa que a avaliação do factor "Qualidade da proposta" pode ser feita com recurso a outros elementos, e não, apenas, os indicados.
Tal situação, introduz uma margem de incerteza e de insegurança quanto à concreta definição da avaliação deste factor que não se coaduna com a consagração clara e inequívoca do método e dos elementos que influem na ponderação deste factor, o que pode consequenciar o favorecimento - ou desfavorecimento - de alguns dos potenciais concorrentes, em relação a outros, e, assim, comprometer a imparcialidade da Administração.

Ora o artigo 132º, nº1, al. n), do Código dos Contratos Públicos (CCP) dispõe:

Artigo 132º
Programa do concurso
1 - O programa do concurso público deve indicar:
...............................................................
n) O critério de adjudicação, bem como, quando for adoptado o da proposta economicamente mais vantajosa, o modelo de avaliação das propostas, explicitando claramente os factores e os eventuais subfactores relativos aos aspectos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno deencargos, os valores dos respectivos coeficientes de ponderação e, relativamente a cada um dos factores ou subfactores elementares, a respectiva escala de pontuação, bem como a expressão matemática ou o conjunto ordenado de diferentes atributos susceptíveis de serem propostos que permita a atribuição das pontuações parciais;
............................................................................

Mostra-se, pois, violado o disposto no artigo 132º, nº1, al. n) do CCP.
Por outro lado, na quantificação do mesmo factor "Qualidade da proposta", foi fixada uma fórmula que tem em conta o peso específico inicial máximo das propostas consideradas e o peso relativo das propostas.
A este respeito, há que ponderar o que dispõe o artigo 139º, nº 4, do citado Código dos Contratos Públicos:

Artigo 139º
Modelo de avaliação das propostas
1 - ......................................................................
2 - ......................................................................
3 - ......................................................................
4 - Na elaboração do modelo de avaliação das propostas não podem ser utilizados quaisquer dados que dependam, directa ou indirectamente, dos atributos das propostas a apresentar, com excepção dos da proposta a avaliar.
.........................................................................

Resulta, assim, deste normativo, que não é permitida a definição de fórmulas de avaliação de factores do critério de adjudicação que determinem a pontuação a atribuir em função da relação com outras propostas, quer por aproximação, quer por distanciamento de cada uma das outras propostas, v. g., à proposta de mais baixo preço ou o peso específico inicial máximo das propostas.
Face ao que fica referido e à matéria de facto dada por assente nas alíneas I) e J) do probatório, mostra-se violado o disposto nos artigos 132º, nº1, al. n) e 139º, nº4 do Código dos Contratos Públicos.

4. Analisar-se-á, de seguida, a terceira questão enunciada, ou seja a da inclusão, na lista das espécies de trabalhos e no mapa de quantidades de trabalhos, de marcas comerciais, desacompanhadas da expressão "ou equivalente".
Como se alcança da matéria factual dada por assente na alínea L) do probatório, foram incluídas, na lista das espécies de trabalhos necessários à execução da obra e no mapa de quantidades de trabalhos, diversas marcas comerciais desacompanhadas da expressão "ou equivalente".

O artigo 49º do CCP, sob a epígrafe "Especificações técnicas", dispõe o seguinte, nos seus nºs 12 e 13:

Artigo 49º
Especificações técnicas
............................................................................
12 - É proibida a fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante ou uma proveniência determinados, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção, que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens.
13 - É permitida, a título excepcional, na fixação de especificações técnicas por referência, acompanhada da menção"ou equivalente", aos elementos referidos no número anterior quando haja impossibilidade de descrever, de forma suficientemente precisa e inteligível, nos termos do disposto nos nºs 2 a 4, as prestações objecto do contrato a celebrar.

Tem este normativo por escopo - à semelhança do que sucedia com o seu antecessor artigo 65º, nºs 5 e 6 do DL nº 59/99 de 2 de Março - proibir que, ainda que por via indirecta, se dificulte ou afaste a candidatura de empresas que não preencham determinados requisitos.
Podendo, embora, resultar, prima facie, do texto do artigo 49º do CCP, que tal proibição diga respeito ao caderno de encargos, o certo é que a lei quis proibir, com a utilização abusiva de especificações técnicas, que se viole a concorrência, ou, dito de outro modo, - e como se estipula no nº1 deste artigo 49º - quis permitir a participação dos concorrentes em condições de igualdade e a promoção da concorrência.
Tal desiderato, porém, só se consegue atingir se, como pensamos, tal proibição se estender a qualquer peça processual.
Não houve, neste âmbito, qualquer alteração da disciplina jurídica que resultava do artigo 65º, nºs 5 e 6, do DL nº 59/99 de 2 de Março, e sobre a qual se firmara jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal. (8)

5. Vejamos, de seguida, as consequências decorrentes da violação do disposto nos mencionados artigos 98º, nº1, 132º, nº1, al. n), 139º, nº4 e 49º, nºs 12 e 13 do Código dos Contratos Públicos.
Efectivamente, as ilegalidades cometidas poderão ser geradoras de nulidade ou de mera anulabilidade, sendo que o visto apenas poderia ser recusado, no caso em apreço, com fundamento em nulidade, atento o disposto no artigo 44º, nº3, al. a) da Lei nº98/97 de 26 de Agosto.
Ora, como resulta do que se disse acima, não estamos, seguramente, perante casos de nulidade:
Na verdade, os vícios atrás mencionados não se encontram previstos no artigo 133º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), dispositivo este que se refere aos actos administrativos feridos de nulidade.
De facto, nem se encontram incluídos no elenco dos actos indicados no nº2 daquele normativo, nem, por outro lado, existe qualquer norma que, para tais vícios, comine expressamente tal forma de invalidade dos actos administrativos (vide o nº1, do mesmo artigo 133º do CPA).
Por outro lado, o acto de adjudicação da empreitada contém todos os seus elementos essenciais, considerando-se como "elementos essenciais" os elementos cuja falta se consubstancie num vício do acto que, por ser de tal modo grave, torna inaceitável a produção dos respectivos efeitos jurídicos, aferindo-se essa gravidade em função da ratio que preside àquele acto de adjudicação (vide o nº1, 1ª parte, do citado artigo 133º do CPA). (9)
Não sendo as ilegalidades verificadas, geradoras de nulidade, só podem as mesmas conformar mera anulabilidade, o que afasta o fundamento de recusa de visto enunciado na alínea a), do nº3, do artigo 44º da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

6. Por outro lado, como, relativamente às ilegalidades supra mencionadas, não estão em causa encargos sem cabimento em verba orçamental própria, nem violação directa de norma financeira, afastado está, também, o fundamento de recusa de visto mencionado na alínea b) do citado normativo, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

7. Importa, então, cuidar de saber se as ilegalidades atrás referidas preenchem o fundamento de recusa de visto indicado na alínea c) do nº3, do citado artigo 44º da Lei nº 98/97.
A resposta a esta questão só pode ser positiva:
De acordo com o artigo 44º, nº3, al. c) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, constitui fundamento de recusa de visto, a desconformidade dos actos, contratos e demais instrumentos geradores de despesa, ou representativos de responsabilidades, que implique ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado financeiro do contrato, submetido a fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
Muito embora não resulte do processo que a violação do disposto nos artigos 98º, nº1, 132º, nº1, al. n), 139º, nº4, e 49º, nºs 12 e 13 do Código dos Contratos Públicos, tenha tido por consequência a alteração do resultado financeiro do contrato, não há dúvida de que os vícios verificados são susceptíveis de, por um lado, criar perturbação que pode afectar, de forma real ou meramente potencial, o referido resultado financeiro, e, por outro, podem acarretar uma restrição da concorrência e comprometer a imparcialidade da Administração - e a garantia desta perante os administrados e as empresas - possibilitando ou potenciando o risco de favorecimento de uns, em prejuízo de outros.
Porém, porque não consta dos autos que o Município de Soure tenha sido objecto de recomendação anterior, deste Tribunal, quanto ao cumprimento dos normativos violados, e porque, como se referiu, no caso em apreço não ocorreu uma efectiva alteração do resultado financeiro do contrato, estão reunidas as condições que permitem o uso da faculdade prevista no artigo 44º, nº4, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto. 

IV - DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção:
a) Visar o contrato em apreço;
b) Recomendar ao Município de Soure que, em procedimentos futuros, deve cumprir rigorosamente o disposto nos artigos 98º, nº1, 132º, nº1, al. n), 139º, nº4 e 49º, nºs 12 e 13 do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro.
São devidos emolumentos (artigo 5º, nº1, al. b), do Regime Jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio). 

Lisboa, 31 de Março de 2009. 

Os Juízes Conselheiros - (António M. Santos Soares, relator) - (Helena Abreu Lopes) - (João Figueiredo)

Fui presente - O Procurador-Geral Adjunto - (Daciano Pinto)


(1) Vide fols. 7 do volume relativo ao Programa de Concurso
(2) Não obstante a revogação do DL nº 197/99 de 8 de Junho, operada pelo DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro, os artigos 18º e 29º do DL nº 197/99 de 8 de Junho mantêm-se em vigor, face ao disposto no artigo 14º, nº1, al. f) do mencionado DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro.
(3) Correspondentes a 149.639,36 €.
(4) Correspondentes a, respectivamente, 748.196,84 €, a 99.759,58 € e a 249.398,94 €.
(5) Nos termos do artigo 36º, nº1 do CPA, o delegante pode autorizar o delegado a subdelegar, salvo disposição legal em contrário.
(6) Nos acórdãos nº 13/09, de 4 de Fevereiro de 2009, e 45/09, de 3 de Março de 2009, proferidos em Subsecção, da 1ª Secção, e, respectivamente, nos Processos nºs 1556/08 e 1477/08.
(7) Negrito nosso.
(8) Vide, a título de exemplo, os Acórdãos da 1 Secção, do Tribunal de Contas, em Plenário, de 21 de Dezembro de 2006, in Rec. Ord. nº36/06 e de 12 de Junho de 2007, in Rec. Ord. nº 9/07 e, ainda, os Acórdãos, em Subsecção, nºs 49/08, de 1 de Abril de 2008; 68/08, de 20 de Maio de 2008; 19/09, de 4 de Fevereiro de 2009 e 38/09, de 18 de Fevereiro de 2009.
(9) Neste sentido, v. g., os Acórdãos nºs 30/05, de 15-11-2005, 27/07, de 13-2-2007 e 108/07, de 24-7-2007, da 1ª Secção, em subsecção, deste Tribunal.