Acórdão n.º 6/2011, de 18 de Fevereiro de 2011, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1766/2010)

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ACÓRDÃO Nº 6 /2011 - 18/02/2011 - 1ª SECÇÃO/SS

PROCESSO Nº 1766/2010 - 1ª SECÇÃO

 

I. RELATÓRIO

A Câmara Municipal de Fafe remeteu ao Tribunal de Contas, para efeitos de fiscalização prévia, a empreitada para execução dos trabalhos respeitantes à "Requalificação da Avenida das Forças Armadas e Rua de Itália", naquele concelho, adjudicada por aquele Município à empresa "SINOP - António Moreira dos Santos, S.A.", em 26.10.2010 e pelo valor de € 725 075,37, acrescido de IVA à taxa legal aplicável.

II. DOS FACTOS 

Para além da materialidade referida em I, consideram-se assentes, com relevância, os factos seguintes:

1. A adjudicação da empreitada em causa foi precedida de concurso público urgente, invocando-se, para tanto, o disposto no art.º 52.º, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18.06., e os art.os 155.º e seguintes, do Código dos Contratos Públicos;
2. Mediante deliberação da Câmara Municipal, tomada em 09.09.2010, foi autorizado o início do procedimento pré-contratual, a qual também aprova o programa do procedimento e o caderno de encargos.
3. A escolha do tipo de procedimento pré-contratual referido - concurso público urgente - sobrevindo àquela deliberação da Câmara Municipal tomada em 09.09.2010, assenta em Informação interna, que acolhe, e onde se destaca que a via procedimental a seguir deverá ser o concurso público urgente, uma vez que o projecto em causa é co-financiado por fundos comunitários e a mesma permite encurtar os prazos procedimentais;
4. O Aviso de abertura do mencionado concurso foi enviado para publicação no Diário da República, tendo sido publicado em 06.10.2010 [vd. D.R. n.º 194, II.ª Série, de 06.10.2010];
5. No ponto 9. do Anúncio de abertura do concurso estabeleceu-se que o prazo para a apresentação das propostas é de 48 horas [até às 17 horas do 2.º dia], contado a partir do dia e hora do envio do referido Anúncio para o Diário da República;
6. Ao concurso em causa apresentaram-se dez [10] concorrentes, tendo sido excluída uma proposta [de "Construções Camposinhos Ferreira, Lda.], em razão desta ter sido apresentada extemporaneamente, ou seja, para além do prazo previsto no art.º 146.º, n.º 2, al. a), do Código dos Contratos Públicos;
7. O prazo de execução da obra é de 240 dias e a contar da celebração do contrato;
8. A obra foi consignada em 29.11.2010;
9. O preço-base da empreitada orça os € 891 644,48;
10. O critério de adjudicação foi o do preço mais baixo;
11. A empreitada em apreço não foi objecto de celebração de contrato escrito;
12. Questionada a Câmara Municipal acerca das razões em que assentava a adopção do procedimento pré-contratual referido [de natureza urgente], a mesma elaborou e remeteu a resposta seguinte:

§ "Por se tratar de uma obra co-financiada e inserida no Programa de Acção de contrato de Financiamento outorgado em 29.12.2009, que prevê na cláusula n. 4 o cumprimento da programação financeira constante do mesmo, ou seja, até 31.12.2011, terá a obra de estar concluída, física e financeiramente;
Mais se esclarece que o projecto da referida obra, apenas ficou concluído em 08.09.2010;
Face ao atrás referido e tendo em conta o disposto no art.º 52.º, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, o Município avançou, face à urgência, à modalidade de concurso público urgente.";

13. O percurso procedimental inerente à adjudicação da empreitada em causa desenvolveu-se pelas seguintes fases:

§ Deliberação para a abertura do procedimento - 09.09.2010;

§ Envio do anúncio para publicação em Diário da República - 06.10.2010;

§ Apresentação das propostas - 48 horas a contar do dia e hora de envio do anúncio para publicação em Diário da República [até às 17 horas do 2.º dia a contar da data do envio do presente anúncio];

§ Deliberação da adjudicação e dispensa de contrato escrito - 04.11.2010;

§ Remessa do processo para fiscalização prévia do Tribunal de Contas - 02.12.2010.

14. A empreitada foi adjudicada ao concorrente "SINOP - António Moreira dos Santos, S.A.".

15. O Protocolo relativo ao financiamento da empreitada em apreço foi celebrado em 29.12.2009 entre "Programa Operacional Regional do Norte - ON2" e o Município de Fafe e, na delimitação do prazo da respectiva execução, situa-se o fim da operação em 31.12.2011.

III. O DIREITO

A materialidade junta ao processo, no confronto com a legislação aplicável, obriga, «in casu», a que ergamos, para apreciação e centralmente, as seguintes questões:

- Fundamento [ou não] legal da adopção do concurso público urgente enquanto procedimento pré-adjudicatório.  

- [I] legalidade da não celebração de Contrato Escrito.

- Das Ilegalidades e o Visto

Passaremos à necessária análise.

1. Do Concurso Público Urgente.
Enquadramento normativo e Pressupostos

Como é sabido, o procedimento reportado ao concurso público urgente mostra-se regulado na Secção VII, do Código dos Contratos Públicos.
Aí, e sob o art.º 155.º, do C.C.P., dispõe-se que, "em caso de urgência na celebração de um contrato de locação ou de aquisição de bens móveis ou de aquisição de serviços de uso corrente para a entidade adjudicante", pode adoptar- -se aquele tipo de procedimento, desde que, por um lado, o valor do contrato a celebrar seja inferior aos referidos no art.º 20.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do C.C.P., e, por outro, o critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.
O regime em causa não abrangia, assim, a celebração de contratos de empreitada, situação que, no entanto, veio a ser alterada pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18.06. [de execução orçamental].
Na verdade, o art.º 52.º, n.º 2, deste último diploma legal [Decreto-Lei n.º 72-A/2010], veio possibilitar, no ano de 2010, a adopção do procedimento de concurso público urgente, previsto no art.º 155.º, do C.C.P., também no domínio dos contratos de empreitada e sempre que:

§ Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;

§ O valor do contrato seja inferior ao referido na al. b), do art.º 19.º, do C.C.P. ,

e

§ O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.

Ainda de acordo com esta última norma, os concursos públicos urgentes no âmbito dos contratos de empreitada reger-se-ão pelas regras constantes do Código dos Contratos Públicos, excepto em matéria reportada à prestação de caução. E, sublinhe-se, é, ainda, aplicável, aos contratos de empreitada o disposto no art.º 158.º, do C.C.P., que fixa, para a apresentação de propostas, um prazo mínimo de vinte e quatro horas.

1.1. Atenta a materialidade tida por provada, indagaremos, agora, se, no caso em apreço, ocorrem os pressupostos vertidos no art.º 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 e que, negativa ou positivamente, condicionarão a adopção do concurso público urgente enquanto procedimento.

1.2.
Conforme se fixou em I e II, deste acórdão, e também resulta do processo, a presente empreitada destina-se à requalificação da Avenida das Forças Armadas e Rua de Itália, sendo que nos depara um projecto co-financiado pelo Programa Operacional Regional do Norte - ON2, tendo o correspondente Protocolo de financiamento sido celebrado em 29.12.2009. Trata-se, pois, de um projecto financiado por fundos comunitários.
Acresce que o valor da empreitada [€725.075,37] é inferior ao valor estabelecido na al. b), do art.º 19.º, do Código dos Contratos Públicos.
E, por último, o critério de adjudicação é do mais baixo preço.
Ocorrem, assim, os pressupostos exigidos na referida norma - art.º 52.º, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 - e que viabilizam a adopção [excepcional] do concurso público urgente enquanto procedimento, também no domínio da formação dos contratos ou meras adjudicações de empreitadas.

1.3. Mas bastará a verificação daqueles pressupostos para concluirmos pela legalidade do procedimento adoptado [concurso publico urgente]?
A resposta conter-se-á na abordagem que, de seguida, desenvolveremos.

1.3.1. Previamente, vincaremos que o Decreto-Lei n.º 72-A/2010 é um diploma legal que disciplina a execução do Orçamento de Estado para 2010 e não a regulação de matérias respeitantes à contratação pública.
Por outro lado, e ainda como nota preliminar e introdutória, importa esclarecer que o art.º 155.º, do C.C.P., definindo os pressupostos da convocação do concurso público urgente, não detém, contudo, suficiente aptidão para disciplinar matéria relativa aos contratos de empreitada de obras públicas, atenta a maior complexidade que envolve o procedimento neste último domínio, bem distinto, seguramente, do reportado ao citado concurso público urgente.
Em abono do afirmado, e em ilustração comparativa, bastará adiantar que, segundo o art.º 157.º, n.º 2, do C.C.P., o programa de concurso e o caderno de encargos devem integrar o anúncio do concurso, solução impensável no âmbito do procedimento tendente à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas. E, ainda no reforço das especificidades que envolvem os procedimentos tendentes à celebração de um contrato de locação ou de aquisição de bens móveis e serviços, de um lado, e à celebração de contratos de empreitadas de obras públicas, do outro, impõe-se lembrar que, no concernente aos primeiros, o prazo mínimo para a apresentação das propostas é de vinte e quatro horas [vd. art.º 158.º, do C.C.P.], ao passo que, no tocante aos segundos, tal prazo [também mínimo] é de 20 dias a contar do envio do anúncio do concurso para publicação [vd. art.º 135.º, 1, do C.C.P.] .
Acentua-se, no entanto, que no âmbito da formação dos contratos de empreitada, mas apenas em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos, se estabelece um prazo mínimo para a apresentação de propostas que, apesar de tudo, se fixa em nove [9] dias.
Percorrida a diversidade de regimes, intui-se, desde já, a necessária prudência na aferição da legalidade do procedimento adoptado no caso que nos ocupa, sendo manifesto que, para tanto, não bastará aplicarmos, crua e linearmente, as regras privativas do concurso público urgente ao procedimento dirigido aos contratos de empreitadas de obras públicas.
Prudência essa que obrigará a um esforço interpretativo suplementar, repudiando orientações meramente sustentadas na literalidade da normação directamente aplicável. O que exercitaremos, de seguida.

1.3.2. Conforme exigência ínsita ao art.º 157.º, n.º 1, e o C.C.P., a publicitação do concurso público urgente no Diário da República deverá ser efectuada mediante anúncio, a elaborar nos termos da Portaria n.º 701-A/2008, de 29.07 [vd. art.º 1.º, n.º 1, al. b) e Anexo II], devendo deste constar informação sobre o objecto do contrato [incluindo-se aí a respectiva designação e descrição abreviada do objecto].
«In casu», reconheça-se, mostra-se cumprida a injunção contida no sobredito art.º 157.º, n.º 1, do C.C.P. Pelo que, nesta parte, nenhuma censura suscita o procedimento adoptado e sob apreciação.
Porém, a aferição da [in] conformação legal do procedimento adoptado [concurso público urgente] impõe a dilucidação do conceito de "urgência" que, obviamente, deverá suportar, também, o recurso ao tipo de procedimento em causa, ou seja, o concurso público urgente.

1.3.3. Como já assinalámos, o apelo ao concurso público urgente no domínio dos contratos de empreitada de obras públicas apenas é possível por força da norma contida no art.º 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18.06., que, em rigor, introduz no ordenamento uma solução marcada pela excepcionalidade.
Mas a situação em apreço denuncia urgência?
Cumpre indagar.

1.3.4. A expressão (1) "urgente", tal como referem Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho, sendo um conceito indeterminado, envolve uma definição normativa imprecisa que, em sede de aplicação, adquirirá significação específica.
A "urgência", constituindo um desvio à tramitação normal dos procedimentos administrativos (2), obriga a que averiguemos se, no caso em apreço, o recurso a procedimento diverso [dito "normal"] seria, ainda, idóneo para alcançar os fins definidos pela entidade adjudicante.
Desde logo, e apartando equívocos, importará distinguir a "urgência" da "celeridade". Esta última, na acepção de dever imposto à Administração [vd. art.º 57.º, do C.P. Administrativo], reconduz-se à prontidão e eficácia administrativa, ao passo que a "urgência" sobrevém, em regra, a circunstâncias dominadas pelo risco ou perigo iminente de que o interesse público prioritário não seja satisfeito.
Deslocando tais definições conceptuais para a caracterização da situação em apreço, afigura-se-nos que esta não reveste carácter urgente.
Senão, vejamos.

1.3.5. A Câmara Municipal de Fafe, instada a pronunciar-se sobre as razões que determinaram a opção pelo concurso público de natureza urgente, adiantou, como fundamento, e de relevante, que a obra em causa era "co-financiada no âmbito do Programa de Acção de Contrato de Financiamento outorgado em 29.12.2009", o qual, na cláusula quarta, prevê "o cumprimento da programação financeira até 31.12.2011, data em que a empreitada terá de estar concluída, física e financeiramente".
Ora, sendo certo que o prazo de execução da empreitada é de 240 dias e a data do fim da operação de financiamento se situa em 31.12.2011, não se vislumbra, assim, alguma circunstancia que impusesse o recurso ao procedimento de carácter urgente.
Assim, e muito embora o art.º 52, n.º 2, do Decreto-Lei nº 72-A/2010, de 08.06., admita "in casu" a adopção do concurso público urgente, insubsiste motivo para tal opção procedimental, por inverificação de alguma situação de urgência.
E, a propósito, ousamos afirmar que a entidade adjudicante em causa [o Município de Fafe] terá recorrido ao concurso público urgente, não pela premência da exiguidade do tempo, mas porque constituía a melhor forma [e, aparentemente, legal] de lograr o encurtamento do prazo procedimental.
É, de resto, o que decorre da Informação elaborada por técnico da Câmara Municipal de Fafe [vd. fls. 10 do processo], documento este que mereceu o acolhimento do Presidente daquela edilidade, materializado em despacho proferido a 24.06.2010 [vd. a expressão "avance para o concurso público urgente", exarada no despacho em causa].

1.4. Para além do exposto, o procedimento sob apreciação, permite, ainda, constatar que o prazo para apresentação da proposta [vd. anúncio de abertura do concurso] foi fixado em 48 horas e a contar do dia e hora do envio do referido anúncio para o Diário da República.
A manifesta exiguidade de tal prazo colide, obviamente, com o preceituado no art.º 57.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos, o qual, no domínio do procedimento de formação do contrato de empreitada, obriga a que as propostas apresentadas pelos concorrentes sejam constituídas por uma lista de preços unitários alusivos a todas as espécies de trabalhos previstos no projecto de execução, por um plano de trabalhos definido nos termos do art.º 361.º, do Código dos Contratos Públicos [sempre que o caderno de encargos seja integrado por um projecto de execução] e, ainda, por um estudo prévio [situação prevista no art.º 43.º, n.º 3 do Código dos Contratos Públicos].
Estes elementos já denunciam a complexidade da formação dos contratos ou meras adjudicações de empreitadas.
Mas, embora não olvidemos os limites mínimos legalmente fixados para a apresentação das propostas, tal prazo não se harmoniza, ainda, com o disposto no art.º 63.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos, o qual impõe às entidades adjudicantes a obrigação de, na indicação do mesmo [prazo], considerarem, obrigatoriamente, o tempo necessário para a sua elaboração [dependente da natureza, volume e complexidade do objecto do contrato a celebrar] e ainda a eventual abordagem, em concreto, dos locais e equipamentos.
Em suma, um prazo de quarenta e oito horas [previsto, mas não imposto, pelo art.º 158.º do CCP], sendo aceitável no âmbito da apresentação de propostas para fornecimento de bens móveis ou serviços, já se revela claramente insuficiente no âmbito da formação dos contratos ou meras adjudicações de empreitada.
Ademais, invoca-se, de novo, o art.º 135.º,n.º 1, do CCP, o qual, no âmbito da formação dos contratos de empreitada, apenas admite um prazo mínimo de 9 [nove] dias para a apresentação das propostas em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos.
Ora, a empreitada em causa visa a requalificação de uma avenida e de uma rua e o correspondente valor cifra-se em € 725 075,37. Trata-se, assim, de um projecto que já revela alguma complexidade e compreendendo trabalhos que, seguramente, não devem ser caracterizados como manifestamente simples.
Daí que, e repetindo-nos, não se nos afigure harmonizável o prazo [48 horas] fixado para a apresentação das propostas com a normal e expectável complexidade inerente à respectiva elaboração. 

2. Da Não Celebração De Contrato Escrito.

Como resulta do processo em apreço, a entidade adjudicante não celebrou contrato escrito relativo à empreitada adjudicada à empresa "SINOP - António Moreira dos Santos, S.A.", fundando tal opção na disciplina contida no art.º 95.º, n.º 2, alínea b), do C. C. Públicos, que admite a não redução do contrato a escrito quando seja adoptado um concurso público urgente.
Ora, nesta parte, a orientação seguida pela entidade adjudicante apresenta-se destituída da boa prudência e sobrevém a uma leitura e interpretação da normação disponível sem preocupação sistémica.
Na verdade, e como melhor decorre do art.º 94.º do C. C. Públicos, a redução do contrato a escrito constitui a regra, sendo que a sua inexigibilidade enforma a excepção.
Por outro lado, como se infere da normação contida no art.º 95.º do C. C. Públicos, a dispensa de redução do contrato a escrito reporta-se à locação e aquisição de bens móveis ou serviços [de reduzido valor] e a contratos de empreitada relativa a obras de complexidade técnica muito reduzida e de valor não superior a € 15 000,00.
Ora, como já se salientou, a empreitada em causa já exibe elevada complexidade técnica e o correspondente valor orça os € 725 075,37.
Acresce que a dispensa de contrato escrito não poderá, ainda, basear-se na mera circunstância de ter sido adoptado como procedimento o concurso público urgente, pois, como já adiantámos, a referida dispensa não é, em regra, aplicável a empreitadas e o seguimento daquela via procedimental decorre de um diploma legal [Decreto-Lei n.º 72-A/2010] que, excepcionalmente e contrariando a sua normal vocação reguladora [disciplina a execução do Orçamento de Estado e não a contratação pública], admite, no âmbito das empreitadas, o apelo ao concurso público urgente.
Por último, e no reforço do entendimento que vimos seguindo, diremos, ainda, que o acolhimento de uma orientação que admitisse, sem dificuldade ou critério, a dispensa da celebração do contrato escrito, abalaria a coerência do complexo normativo ínsito ao Código dos Contratos Públicos que, nesta parte, e sublinhe-se, considera nulos os contratos a que faltem os elementos essenciais elencados no art.º 96.º, do CCP. Tamanha severidade do legislador não se adequaria, assim, ao seguimento de critérios conducentes à admissão fácil da própria ausência de contrato escrito.
Impunha-se, pois, a redução do contrato a escrito, ou, dito de outro modo, a adjudicação em causa deveria ter sido formalizada mediante a celebração de contrato escrito.

2.1. A não celebração de contrato escrito que, de resto, e contrariando a normação invocada [art.º 95.º, n.º 2, alínea b), do CCP] pela entidade adjudicante, não se mostra minimamente fundamentada [desconhecem-se as razões que suportaram a orientação perfilhada], para além de infringir o preceituado nos art.os 94.º e 95.º do CCP, impossibilita, ainda, o melhor controlo do cumprimento ou incumprimento das obrigações sobrevindas à implementação da adjudicação, não se acautelando, assim, o interesse público.
A ausência de contrato escrito que, afinal, constituiria um eficaz meio de controlo, ofende, pois, o princípio da transparência [vd. art.º 1.º, n.º4, do CCP].

3. Das ilegalidades.

3.1. O art.º 38.º, n.º 1, da Directiva n.º 2004/18/CE, prescreve que as entidades adjudicantes, ao fixarem o prazo de recepção das propostas e dos pedidos de participação, devem considerar, em especial, a complexidade do contrato e o tempo necessário à elaboração das propostas.
E, cotejando os considerandos iniciais da citada Directiva, aí se salienta que a adjudicação de contratos celebrados por conta do Estado, autarquias locais..., reger-se-á pelos princípios da igualdade, proporcionalidade, transparência e concorrência, os quais, de resto, já se mostram plasmados no art.º 1.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos.
A doutrina, ainda, no reforço e explicitação daquele "enunciado" normativo, alicerça a observância do princípio da concorrência (3) na necessidade de satisfazer os interesses públicos pela forma mais vantajosa possível, substancia o princípio da proporcionalidade pela proibição do Estado-administrador configurar medidas que se revelam desnecessárias ou excessivamente restritivas (4) e define o princípio da igualdade pela não discriminação de algum concorrente [efectivo ou potencial] no âmbito do acesso ao procedimento pré-contratual e da respectiva tramitação.
Ora, a adopção do procedimento em apreço [concurso público urgente], para além de não assentar numa situação de urgência, afronta, claramente, os princípios da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade. E, desde logo, porque o prazo estipulado para a apresentação das propostas, sendo manifestamente injustificado e inadequado à complexidade e natureza do projecto em causa, detém aptidão para restringir o número dos concorrentes e eventuais futuros contratantes, impedindo-se, assim, e ainda, a optimização das propostas.
É certo que as entidades adjudicantes detêm margem de liberdade na fixação de obrigações e deveres ínsitos ao procedimento concursal, mas tal liberdade, para além de dever ajustar-se ao objecto do contrato, é ainda limitada pelos aludidos princípios da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade, a cuja observância se mostram legalmente vinculadas.
A violação de tais princípios e, por consequência, da normação que os consigna [vd. art.o 1.º, n.º 4, aliada, ainda, à inobservância das normas contidas nos art.os 155.º e 135.º, n.º 1, também do Código dos Contratos Públicos, constituem ilegalidades susceptíveis de alterarem o resultado financeiro do contrato.

3.2. Como acima [vd. III.2.] desenvolvemos a não celebração de contrato escrito viola, «in casu», o disposto nos art.os 94.º e 95.º, do CCP, e, por outro lado, afronta o princípio da transparência, vertido no art.º 1.º, n.º 4, do mesmo diploma legal.
Acresce que a ausência de qualquer argumento que permita compreender a opção tomada, ofende, também, o disposto nos art.os 124.º e 125.º, do Código de Procedimento Administrativo, que obriga à fundamentação dos actos administrativos. 

4. Do Visto

Segundo o art.º 44.º, n.º 3, al. c), da Lei n.º 98/97, de 26.08., a verificação de ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado financeiro do contrato constitui fundamento de recusa do visto.
Acresce que, ainda de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, a densificação da expressão " ilegalidade que possa alterar o respectivo resultado financeiro", basta-se com o simples perigo ou risco de que, da ilegalidade cometida, possa resultar a alteração do correspondente resultado financeiro.
As ilegalidades enunciadas, porque susceptíveis de determinar a alteração do resultado financeiro da adjudicação em apreço, fundam a recusa do Visto [vd. art.º 44.º, n.º 3, al. c), da Lei n.º 98/97, de 26.08].

IV. DECISÃO 
 

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1.ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção, recusar o Visto à presente adjudicação.
Emolumentos legais [art.º 5.º, n.º 3, do Regime dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31.05.].
Lisboa, 18 de Fevereiro de 2011 

Os Juízes Conselheiros, - (Alberto Fernandes Brás - Relator) - (Helena Maria Abreu Lopes) - (António Manuel dos Santos Soares

Fui presente,

(Procurador-Geral Adjunto) - (Jorge Leal)

 

Proc. nº 1766/2010  

Declaração de voto

  

Voto o presente Acórdão, concordando com a sua fundamentação, e, particularmente, com a ilegalidade do recurso ao procedimento de concurso público urgente.
Entendo, porém, que se verifica, ainda, o fundamento de recusa do visto estabelecido na al. a), do nº3, do artigo 44º da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto (LOPTC).
Efectivamente, uma vez que o contrato, aqui em apreço, não foi celebrado por escrito, é o mesmo nulo, nos termos das disposições conjugadas do artigo 133º, nº2, al. f) do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e dos artigos 94º, nº1, 95º, nº1, al. d) e 284º, nº2, todos do Código dos Contratos Públicos (CCP). 

(António M. Santos Soares)

 


(1) Vd. C.P. Administrativo, Anotado, ED. 1996.
(2) Vd. Ac. Da 1.ªS/SS, de 17.12.2010, in Proc. 1373/2010 e Maria da Glória Garcia, in "O Estado de Necessidade e Urgência em Direito Administrativo", R.OA. 59.º II.
(3) Esteves de Oliveira, in Contratos Públicos - D.A. Geral, Tomo III.
(4) Ac. do TCAN, de 25.03.2010, Proc. 01257/09.7BEPRT.