Acórdão n.º 55/2011, de 5 de Julho de 2011, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 760/2011)

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ACÓRDÃO Nº 55/2011 - 05/07/2011 - 1ª SECÇÃO/SS

PROCESSO Nº 760/2011 - 1ª SECÇÃO

 I - OS FACTOS  

1. A Câmara Municipal de Lisboa (doravante designada por CM ou por CML) remeteu, para fiscalização prévia, um contrato de empreitada relativo à "Conclusão da 3.ª Fase do Canil/Gatil Municipal de Monsanto", celebrado entre o Município de Lisboa e a empresa "TECNIGER - Sociedade Técnica de Construções e Comércio, SA.", em 2 de maio de 2011, pelo valor de 630.000,04 € acrescido de IVA à taxa legal aplicável.

2. Para além dos factos referidos no número anterior, são dados ainda como assentes e relevantes para a decisão os seguintes:
a) O contrato acima referido foi precedido de concurso público de âmbito nacional, cujo anúncio foi publicado no Diário da República, II Série, de 2 e dezembro de 2010;
b) A obra apresenta um prazo de execução de 270 dias, tendo ocorrido a consignação em 30 de maio de 2011 (1);
c) No nº 15.3 do programa do procedimento, em matéria de habilitação dos concorrentes, estabeleceu-se "que o adjudicatário deverá ser detentor da:

a) A 1.ª categoria - Edifícios e Património Construído - Empreiteiro Geral ou Construtor Geral de Edifícios de Construção Tradicional, a qual tem que ser de classe que cubra o valor global da proposta;
b) A 8.ª subcategoria da 1ª categoria, 1.ª e 10.ª subcategorias da 4.ª categoria, nas classes correspondentes à parte dos trabalhos a que respeitam, caso o concorrente não recorra à faculdade conferida no nº 3 do artigo 81.º do CCP, e desde que não seja posto em causa o artigo 383.º do referido código."

d) Tendo-se solicitado à CML que esclarecesse por que por que razão "não foi exigida uma só subcategoria referente à 1.ª categoria, adequada ao tipo de obra e em classe que cubra o valor global da mesma, em cumprimento do disposto no artigo 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro", vieram os serviços daquele órgão autárquico referir o seguinte (2):
"A Câmara Municipal de Lisboa tem conhecimento do regime jurídico aplicável ao exercício da actividade de construção, o qual estabelece que nos concursos de obras públicas deve ser exigida uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, sem prejuízo da eventual exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes, de acordo com o n.º 1 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro.
Face ao conhecimento do regime legal aplicável e após a recomendação do Tribunal de Contas quanto ao cumprimento do n.º 1 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, a CML tem sempre exigido a subcategoria respeitante ao tipo de trabalho mais expressivo, o que não aconteceu no procedimento em causa devido a um lapso de escrita. Todavia, tal lapso contraria o entendimento seguido pela CML em todos os procedimentos concursais por si promovidos, facto que pode ser comprovado pelo TC dado os inúmeros processos de visto recentemente ai remetidos pela CML";
e) Na informação elaborada pelo Gabinete de Coordenação do Núcleo de Obras da Direcção Municipal de Ambiente Urbano da CML (3), "para efeitos de abertura de procedimento concursal da presente empreitada" refere-se "[a]lvará de construção com as seguintes autorizações:

- 1.ª Categoria - Edifícios e Património Construído - Empreiteiro Geral ou Construtor Geral de Edifícios de Construção Tradicional, em classe correspondente ao valor contratual;
-
1ª Subcategoria da 4.ª categoria - Instalações eléctricas de utilização de baixa tensão, em classe correspondente ao valor dos trabalhos;
-
10ª Subcategoria da 4.ª categoria - Aquecimento, ventilação e ar condicionado, em classe correspondente ao valor dos trabalhos";

f) Nos Acórdãos n.º 117/2008, de 8 de outubro de 2008, nº 144/2006, de 2 de maio de 2006 e nº287/2006, de 19 de setembro de 2006, todos proferidos em subsecção da 1ª Secção deste Tribunal, foi identificada a violação do nº1 do artigo 31º do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de janeiro, e em todos eles foi formulada recomendação à CML no sentido de em futuros procedimentos ser respeitada a referida disposição legal.

II - FUNDAMENTAÇÃO

3. A alínea f) do nº 1 do artigo 132º do CCP (4) dispõe que "[o] programa do concurso público deve indicar (...) [o]s documentos de habilitação, directamente relacionados com o objecto do contrato a celebrar".
E o nº 2 do artigo 81º do mesmo código prevê-se que "[n]o caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada (...) o adjudicatário (...) deve também apresentar os alvarás ou os títulos de registo emitidos pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P., contendo as habilitações adequadas e necessárias à execução da obra a realizar (...)".

4. Sobre a adequação e necessidade das habilitações exigidas dispõe o artigo 31º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 12/04, de 9 de janeiro, nos seguintes termos:
"1 - Nos concursos de obras públicas (...), deve ser exigida uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, sem prejuízo da eventual exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes.
2 - A habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral, desde que adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global, dispensa a exigência a que se refere o número anterior."
Sobre a correta interpretação e utilização destas normas nos procedimentos para a formação de contratos de empreitadas de obras públicas, tem este Tribunal abundante e uniforme jurisprudência (5).

5. A mencionada jurisprudência afirma que a forma pela qual devem ser descritos os requisitos de habilitação técnica dos concorrentes nos documentos que disciplinam os concursos deve refletir, de forma clara, as possibilidades a que se referem as citadas disposições do artigo 31.º, devendo fazer-se constar do programa do procedimento a exigência constante do n.º 1 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 12/2004 ou as duas hipóteses, em alternativa, resultantes dos nºs 1 e 2 do mesmo artigo.
Mas do nº1 do referido preceito legal resultam também duas outras importantes injunções: a de que deve ser exigida uma única subcategoria respeitante ao tipo de trabalhos mais expressivo e tal subcategoria deve ser em classe que cubra o valor global da obra.

6. Perante as citadas disposições legais que questão se deve suscitar no presente processo?
Vejamos.

Interpretando o disposto no programa do procedimento, conclui-se que se exigiu que o adjudicatário deveria apresentar alvará:
a) De empreiteiro geral ou construtor geral (edifícios de construção tradicional), da 1.ª categoria (edifícios e património construído), o qual teria que ser em classe que cobrisse o valor global da proposta; ou em alternativa
b) Com habilitações para a 8.ª subcategoria da 1ª categoria, 1.ª e 10.ª subcategorias da 4.ª categoria, nas classes correspondentes à parte dos trabalhos a que respeitam, no caso de não recorrer à faculdade conferida no nº 3 do artigo 81.º do CCP.
Face ao que dispõe a lei, como vimos, a entidade adjudicante pode exigir a detenção de alvará de empreiteiro geral "desde que adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global" e, em alternativa, "deve ser exigida uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, sem prejuízo da eventual exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes". Se a primeira alternativa referida foi considerada, na segunda, embora tenha sido genericamente referida, nela não foi estabelecida pela CML "uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra".
A CM não definiu pois, nesta alternativa, em que subcategoria o adjudicatário deveria ter classe que cobrisse o valor global da obra.

7. Houve pois, no procedimento, violação do disposto no nº1 do artigo 31º do Decreto-Lei nº 12/04, de 9 de Janeiro, na medida em que não foi exigida pela entidade adjudicante "uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo".

8. Alegaram os serviços da CML que se tratou de um "lapso de escrita" pois conhecem bem as exigências fixadas pela lei e a interpretação que delas tem sido feita por este Tribunal.
Acontece, como acima se viu na alínea f) do nº 2, que a CML, e através dela, os seus serviços, já foi por três vezes alertada por este Tribunal para a necessidade de dar rigoroso cumprimento ao disposto no artigo 31º já referido.
É verdade que nos processos em que tais decisões foram proferidas, se tratava sobretudo da questão de exigência de empreiteiro geral, com exclusão da alternativa fixada no nº 1 do artigo 31º. Mas nelas se refere claramente que deve ser dado cumprimento rigoroso ao que se dispõe neste nº 1.
E, como se viu, os serviços da CML reconhecem saber qual a correta interpretação e aplicação da lei: "nos concursos de obras públicas deve ser exigida uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, sem prejuízo da eventual exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes".
A alegação de que se tratou de um lapso de escrita, desde logo não é aceitável. E, como se verifica, pelo que acima se referiu na alínea e) do nº 2, logo na informação que dá origem ao procedimento se adota uma formulação que embora tenha posteriormente evoluído, manifesta uma incorreta compreensão do disposto na citada disposição legal.
É verdade, como alegaram os serviços da CML, que em muitos outros procedimentos que correram seus termos naquela CM foram feitas corretamente as exigências em matéria de habilitações. O que não ocorreu neste. E é este que está a ser decidido.

9. A violação acima identificada no nº 7 pode ter afetado o universo de potenciais concorrentes à celebração do contrato, na medida em que não se definiu a subcategoria que a lei exige no nº 1 do muito citado artigo 31º .
Tendo-se afetado o universo de potenciais concorrentes pode ter-se perturbado o resultado financeiro que se poderia obter do procedimento.
Enquadra-se, pois, tal violação no disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 44º da LOPTC (6), quando aí se prevê "ilegalidade que ... possa alterar o respectivo resultado financeiro." Refira-se, a propósito, que, para efeitos desta norma, quando aí se diz "[i]legalidade que (...) possa alterar o respectivo resultado financeiro" pretende-se significar que basta o simples perigo ou risco de que da ilegalidade constatada possa resultar a alteração do respetivo resultado financeiro.

10. Há pois fundamento para recusa de visto.
Relembre-se que em três processos anteriores, já este Tribunal fez uso da faculdade que ao Tribunal é dada pelo nº 4 do artigo 44º da LOPTC.
Não há mais fundamentos para se continuar a fazer uso daquela faculdade 

III - DECISÃO

11. Nos termos e com os fundamentos expostos, nos termos da alínea c) do nº 3 do artigo 44º da LOPTC, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em subsecção, em recusar o visto ao contrato.
12. Mais se decide fixar emolumentos nos termos do artigo 5º, n.º 3, do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas (7).
Lisboa, 5 de julho de 2011 

Os Juízes Conselheiros,
(João Figueiredo - Relator)
(Alberto Fernandes Brás)
(Helena Abreu Lopes)

Fui presente
(Procurador Geral Adjunto)
(Jorge Leal) 


(1) Vide auto de consignação anexo ao ofício OF/24/DMF/DAAT/11, de 22.06.2011, da CML, a fl. 394 do processo. 
(2) Vide ofício OF/24/DMF/DAAT/11, de 22.06.2011, da CML, a fls. 306 e ss. do processo. 
(3) Informação 456/DHURS-NO/2010 de 12-07-2010, a fls 3 e ss. do proc 
(4) Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de janeiro, retificado pela Declaração de Retificação n.º 18-A/2008, de 28 de março e alterado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, pelos Decretos-Lei nºs 223/2008, de 11 de setembro, 278/2009, de 2 de outubro, pela Lei nº 3/2010, de 27 de abril, e pelo Decreto-Lei nº 131/2010, de 14 de dezembro. 
(5) Vejam-se, designadamente, os Acórdãos da 1.ª Secção do Tribunal de Contas, proferidos em Subsecção, n.ºs 16/2004, 182/2004, 11/2005, 159/2005, 179/2005, 187/2005, 193/2005, 210/2005, 218/2005, 219/2005, 223/2005, 810/2005, 1088/2005, 1249/2005, 1290/2005, 9, 10 e 11/2006, 14/2006, 16/2006, 22/2006, 27/2006, 40/2006, 46/2006, 60/2006, para citar apenas alguns. 
(6) Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas: Lei nº 98/97, de 26 de agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de dezembro, 1/2001, de 4 de janeiro, 55-B/2004, de 30 de dezembro, 48/2006, de 29 de agosto, 35/2007, de 13 de agosto, e 3-B/2010, de 28 de abril. 
(7) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei nº 139/99, de 28 de agosto, e pela Lei nº 3-B/2000, de 4 de abril.