Acórdão n.º 41/2011, de 24 de Maio de 2011, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 509/2011)

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ACÓRDÃO Nº 41/2011 - 24/05/2011 - 1ª SECÇÃO/SS

PROCESSO Nº 509/2011 - 1ª SECÇÃO

 

 I. RELATÓRIO

A Câmara Municipal de Castro Daire remeteu ao Tribunal de Contas, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada para "Abertura e Pavimentação da ligação Faifa-Mós", celebrado entre aquele Município e a Sociedade "Embeiral - Engenharia e Construção, S.A.", em 11.03.2011, no valor de € 679 593,75 [s/IVA].

II. DOS FACTOS

Para além da materialidade referida em I., consideram-se assentes, com relevância, os seguintes factos:

1.
O contrato em apreço foi precedido de concurso público urgente, invocando-se, para tanto, o disposto no art.º 52.º, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18.06, e os art.os 155.º e seguintes, do Código dos Contratos Públicos;

2.
O anúncio de abertura do concurso foi publicado no Diário da República n.º 208, II Série, de 26.10.2010;

3.
A escolha do tipo de procedimento pré-contratual acima referido assentou na circunstância do projecto em causa ser co-financiado por fundos comunitários [conseguindo, assim, uma taxa de comparticipação de 80%];

4.
Em 28.10.2010, a Câmara Municipal de Castro Daire deliberou a abertura do procedimento de concurso público urgente [ratificando, também, a decisão do Presidente da edilidade, de 26.10.2010, no sentido de autorizar a publicitação da abertura do concurso], aprovando, também, o projecto, o programa de procedimento e o caderno de encargos, tudo em ordem à execução da empreitada referida em I. ;

5.
Ao concurso em causa apresentaram-se sete concorrentes, não se verificando alguma exclusão;

6.
O critério de adjudicação foi o do mais baixo preço;

7.
A adjudicação da empreitada à concorrente "Embeiral - Engenharia e Construção, S.A.", foi efectuada em 11.11.2010 e mediante deliberação da Câmara Municipal de Castro Daire;

8.
O prazo de execução da obra é de 12 meses;

9.
O contrato de financiamento do projecto foi celebrado 25.03.2011, entre o Município de Castro Daire e a Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Centro, sendo que a comparticipação desta última, não reembolsável, atinge o valor máximo de € 612 818,28;
O prazo de execução do contrato de financiamento expira em 30.11.2011;

10.
O preço-base da empreitada orça os € 926 868,50;

11.
A consignação da obra ocorreu em 14.03.2011;

12.
No ponto 9. do Anúncio de abertura do concurso estabelece-se que o prazo para a apresentação das propostas é de 24 horas, a contar da data do envio do presente anúncio, que, como se documenta, ocorreu em 26.10.2010, pelas 16h31;

13.
Questionada a Câmara Municipal de Castro Daire sobre as razões em que assentava a adopção do procedimento pré-contratual com natureza urgente e, bem assim, a fixação de 24 horas para a apresentação das propostas, a mesma aduziu, com relevância, o seguinte:
(...)
1.1 Ao concurso público urgente da "ABERTURA E PAVIMENTAÇÃO DA LIGAÇÃO FAIFA - MÓS" apresentaram proposta sete concorrentes, com propostas extremamente competitivas como se pode verificar pelo Quadro 1 em que se comparam as propostas apresentadas para o caso em apreço - concurso público urgente e o concurso da obra "RECTIFICAÇÃO E BENEFICIAÇÃO DA E.M. MÕES - À E.N.2 - TROÇO ENTRE MOITA E RIO DE MEL", concurso público que foi publicado em DR no dia 24/06/2010 e obteve o visto do TC em 17/03/2011, Processo 1519/2010.
Porque os projectos de ambas as obras foram elaborados pela Divisão de Obras Municipais e Ambiente e referem-se a obras de características idênticas com trabalhos da mesma natureza e descrição dos artigos e especificações na generalidade iguais, como são os casos, entre outros, do movimento de terras, drenagem, pavimentação e guardas de segurança, verifica-se que, na globalidade e no caso vertente, conseguiu-se adjudicar, pelo concurso público urgente, com um ganho de 6,12%, o que prova, quer pelo n.° de concorrentes, quer pelo valor da adjudicação, que se cumpriu o principio da concorrência, não se afectando os princípios fundamentais que enformam o CCP, nomeadamente a sã e ampla concorrência. De referir que os concorrentes EMBEIRAL com sede em Viseu; F. P. Marinho e Irmãos com sede em Lamego; Construções Carlos Pinho com sede em Arouca; foram concorrentes aos dois concursos.
Quer num, quer noutro concurso, a distribuição geográfica dos concorrentes, prova que houve boa publicitação do acto garantindo assim que todos os interessados pudessem apresentar proposta. Repare-se que a distribuição geográfica dos concorrentes é muito semelhante e tal facto encontra explicação na proximidade temporal dos concursos e pelo facto destes empreiteiros possuírem em área próxima ao Município de Castro Daire infra-estruturas de apoio a estas obras, nomeadamente centrais de britagem e centrais de fabrico de tapete betuminoso, dois equipamentos fundamentais na formação de preço da proposta em face das quantidades de trabalho que incorporaram os projectos.
1.2 O facto de ser ter previsto o prazo de 24 horas para apresentar proposta resulta da interpretação e aplicação objectiva do n.° 2 do artigo 52° do DL 72-A/2010 de 18/06 e do CCP - Código dos Contratos Públicos - que estabelece o prazo mínimo de 24 horas para a publicitação de um concurso público com carácter de urgência. Na verdade, o Município viu-se obrigado a utilizar esta modalidade para conseguir cumprir os prazos preconizados nas candidaturas ao Balcão Permanente e suas alterações (Doc n.° 1), uma vez que no âmbito da contratualização entre a CCDRC - Programa Mais Centro - e a CIMRDL - Comunidade Intermunicipal da Região Dão Lafões terem consignado ao Município de Castro o montante financeiro de 4.088.107,37€ para financiamento das acções insertas nos cinco eixos, para o período do QREN (2007/2013) conforme a revisão de Julho de 2010 (Doc. n.° 2). Como se pode verificar no Eixo 3 estavam previstas as candidaturas das estradas Mões/Malhada 1a e 2a fase e Moita/EN2. Acontece porém que depois de serem concursados todos os projectos previstos no Doc. n.° 2 e conforme prova o email recebido em 09/05/2011 do Secretário Executivo da CIMRDL, Dr. Nuno Martinho, (Doc. n.° 3), o Município tinha à data de 26/10/2010 aprovados projectos no valor de 3.603.101,63E, ou seja, tinha à data um saldo de 485.005,74€ (4.088.107,37€-3.603.101,63€ (Doc n.° 3).
Em resultado do Memorando de Entendimento entre o Governo e a ANMP e em razão da baixíssima taxa de execução do QREN, o Mais Centro e a CIMRDL decidiram não respeitar como quota o valor atribuído a cada um dos municípios aquando do acordo de delegação de competências entre a CCDRC e a CIMRDL, alertando os municípios envolvidos que aqueles que mais trabalhassem mais recursos captariam. Esta filosofia de actuação tinha acolhimento no Memorando de Entendimento entre o Governo e a ANMP (Doc. n.° 4), tendo, por essa razão, o Governo legislado no sentido de agilizar os procedimentos de forma a que, por um lado, os municípios pudessem captar o maior volume de recursos possíveis e por outro ver consignado nas suas candidaturas o valor de comparticipação de 80%, desde que apresentassem as candidaturas até às 18h do dia 29/10/2010. Perante esta situação, o Município de Castro Daire tentou por todos os meios legais ao seu alcance (DL 72-A/2010 e CCP) captar o maior volume de recursos e concursou, seleccionou empreiteiro e candidatou até às 18h do dia 29/10/2010, entre outros, este investimento, o que só era possível com o lançamento do concurso público urgente, captando para o município o montante de 612.818,28€, ou seja, 127.812,54€ além da sua cota que, relembre-se, era de 4.088.107,37€. A aposta no concurso público urgente revelou-se acertada porque contribuiu para a resolução de um problema de acessibilidade do Município de Castro Daire - estrada de ligação a meia encosta da Serra de Montemuro ligando as povoações de Faifa (freguesia de Ester) e Mós (freguesia de Parada) - que muito contribuirá para a optimização dos transportes escolares, baixando o preço, já, espera-se, no ano lectivo de 2011/2012. Este investimento eleva a taxa de execução do QREN e da captação de mais recursos para Castro Daire, uma vez que as receitas próprias não vão além de uns parcos 29,50% do montante global da conta de gerência. Acresce aqui referir que, conforme o Doc n.° 3, o montante dos recursos captados além da quota já se eleva a 1.731.028,37€ (5.819.135,73€ - 4.088.107,37€), caso este e outros investimentos nas mesmas circunstâncias obtenham o competente visto do TC.
Ainda nos termos dos Regulamentos FEDER e remetendo ainda ao doc. n.° 3, o Município está obrigado a apresentar documentos de despesa no prazo máximo de 3 meses a contar da data de assinatura do contrato de financiamento (25/03/2011), prazo que termina em 25/06/2011. Acresce o facto de, nos termos do novo memorando de entendimento entre o Governo e a ANMP, este investimento vai ter um aumento da taxa de comparticipação de 80% para 85% (Doc. n.° 5) e a possibilidade de, com uma taxa de execução elevada, no final de 2011 candidatar-se à bolsa de mérito prevista para os municípios que tenham taxas de execução global de todos os projectos apresentados em 2010 e 2011 a partir de 50%. Mais uma vez quem mais trabalhar mais terá.
A interrupção da execução desta obra significaria a perda dessa possibilidade tão necessária a um Município de poucos recursos próprios como é Castro Daire.
De referir que o Município de Castro Daire só optou pelo concurso público urgente para conseguir taxas de comparticipação de 80% e para captar recursos financeiros além da cota que lhe foi imposta (4.088.107,37€)."  

III. O DIREITO

A materialidade junta ao processo, no confronto com a legislação aplicável, obriga, «in casu», a que ergamos, para apreciação e centralmente, a seguinte questão:

- Fundamento [ou não] legal da adopção do concurso público urgente enquanto procedimento pré-contratual.
- Das Ilegalidades e o Visto.

Passaremos à necessária análise.

1. Enquadramento normativo.
Breve análise.

Como é sabido, o procedimento reportado ao concurso público urgente mostra-se regulado na Secção VII, do Código dos Contratos Públicos.
Aí, e sob o art.º 155.º, do C.C.P., dispõe-se que, "em caso de urgência na celebração de um contrato de locação ou de aquisição de bens móveis ou de aquisição de serviços de uso corrente para a entidade adjudicante", pode adoptar- -se aquele tipo de procedimento, desde que, por um lado, o valor do contrato a celebrar seja inferior aos referidos no art.º 20.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do C.C.P., e, por outro, o critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.
O regime em causa não abrangia, assim, a celebração de contratos de empreitada, situação que, no entanto, veio a ser alterada pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18.06. [de execução orçamental].
Na verdade, o art.º 52.º, n.º 2, deste último diploma legal [Decreto-Lei n.º 72-A/2010], veio possibilitar, no ano de 2010, a adopção do procedimento de concurso público urgente, previsto no art.º 155.º, do C.C.P., também no domínio dos contratos de empreitada e sempre que:

- Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
- O valor do contrato seja inferior ao referido na al. b), do art.º 19.º, do C.C.P. ,
e
- O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.

Ainda de acordo com esta última norma, os concursos públicos urgentes no âmbito dos contratos de empreitada reger-se-ão pelas regras constantes do Código dos Contratos Públicos, excepto em matéria reportada à prestação de caução. E, sublinhe-se, é, ainda, aplicável, aos contratos de empreitada o disposto no art.º 158.º, do C.C.P., que fixa, para a apresentação de propostas, um prazo mínimo de vinte e quatro horas.

1.1.
Atenta a materialidade tida por provada, indagaremos, agora, se, no caso em apreço, ocorrem os pressupostos vertidos no art.º 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 72- -A/2010 e que, negativa ou positivamente, condicionarão a adopção do concurso público urgente enquanto procedimento.

1.2.
Conforme se fixou em I. e II., deste acórdão, e também resulta do processo, o presente contrato de empreitada destina-se à execução de trabalhos relacionados com a "Abertura e Pavimentação da ligação Faifa-Mós", sendo que se nos depara um projecto co-financiado no âmbito do Programa Operacional Regional do Centro, sequente a uma candidatura apoiada pelo FEDER, tendo o correspondente contrato de financiamento sido celebrado em 25.03.2011.
Trata-se, pois, de um projecto financiado por fundos comunitários.
Acresce que o valor do contrato é inferior ao valor estabelecido na al. b), do art.º 19.º, do C.C.P. .
E, por último, o critério de adjudicação é o do mais baixo preço.
Ocorrem, assim, os pressupostos exigidos na referida norma - art.º 52.º, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 - e que viabilizam a adopção [excepcional] do concurso público urgente enquanto procedimento, também no domínio da formação dos contratos de empreitada.

1.3.
Mas bastará a verificação daqueles pressupostos para concluirmos pela legalidade do procedimento adoptado [concurso público urgente]?
A resposta conter-se-á na análise que encetaremos, de seguida.

1.3.1.
Previamente, vincaremos que o Decreto-Lei n.º 72-A/2010 é um diploma legal que disciplina a execução do Orçamento de Estado para 2010 e não a regulação de matérias respeitantes à contratação pública.
Por outro lado, e ainda como nota preliminar e introdutória, importa esclarecer que o art.º 155.º, do C.C.P., definindo os pressupostos da convocação do concurso público urgente, não detém, contudo, suficiente aptidão para disciplinar matéria relativa aos contratos de empreitada de obras públicas, atenta a maior complexidade que envolve o procedimento neste último domínio, bem distinto, seguramente, do reportado ao citado concurso público urgente.
Em abono do afirmado, e em ilustração comparativa, bastará adiantar que, segundo o art.º 157.º, n.º 2, do C.C.P., o programa de concurso e o caderno de encargos devem integrar o anúncio do concurso, solução impensável no âmbito do procedimento tendente à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas. E, ainda no reforço das especificidades que envolvem os procedimentos tendentes à celebração de um contrato de locação ou de aquisição de bens móveis e serviços, de um lado, e à celebração de contratos de empreitadas de obras públicas, do outro, impõe-se lembrar que, no concernente aos primeiros, o prazo mínimo para a apresentação das propostas é de vinte e quatro horas [vd. art.º 158.º, do C.C.P.], ao passo que, no tocante aos segundos, tal prazo [também mínimo] é de 20 dias a contar do envio do anúncio do concurso para publicação [vd. art.º 135.º, 1, do C.C.P.] .
Acentua-se, no entanto, que no âmbito da formação dos contratos de empreitada, mas apenas em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos, se estabelece um prazo mínimo para a apresentação de propostas que, apesar de tudo, se fixa em nove [9] dias.
Percorrida a diversidade de regimes, intui-se, desde já, a necessária prudência na aferição da legalidade do procedimento adoptado no caso que nos ocupa, sendo manifesto que, para tanto, não bastará aplicarmos, crua e linearmente, as regras privativas do concurso público urgente ao procedimento dirigido aos contratos de empreitadas de obras públicas.
Prudência essa que obrigará a um esforço interpretativo suplementar, repudiando orientações meramente sustentadas na literalidade da normação directamente aplicável. O que exercitaremos, de seguida.

1.3.2.
Conforme exigência ínsita ao art.º 157.º, n.º 1, e o C.C.P., a publicitação do concurso público urgente no Diário da República deverá ser efectuada mediante anúncio, a elaborar nos termos da Portaria n.º 701-A/2008, de 29.07 [vd. art.º 1.º, n.º 1, al. b) e Anexo II], devendo deste constar informação sobre o objecto do contrato [incluindo-se aí a respectiva designação e descrição abreviada do objecto].
«In casu», reconheça-se, mostra-se cumprida a injunção contida no sobredito art.º 157.º, n.º 1, do C.C.P. Pelo que, nesta parte, nenhuma censura suscita o procedimento adoptado e sob apreciação.
Porém, a aferição da [in] conformação legal do procedimento adoptado [concurso público urgente] impõe a dilucidação do conceito de "urgência" que, obviamente, deverá suportar, também, o recurso ao tipo de procedimento em causa, ou seja, o concurso público urgente.

1.3.3.
Como já assinalámos, o apelo ao concurso público urgente no domínio dos contratos de empreitadas de obras públicas apenas é possível por força da norma contida no art.º 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18.06., que, em rigor, introduz no ordenamento uma solução marcada pela excepcionalidade.
Mas a situação em apreço denuncia urgência?
Cumpre indagar.

1.3.4.
A expressão (1) "urgente", tal como referem Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho, sendo um conceito indeterminado, envolve uma definição normativa imprecisa que, em sede de aplicação, adquirirá significação específica.
A "urgência", constituindo um desvio à tramitação normal dos procedimentos administrativos (2), obriga a que averiguemos se, no caso em apreço, o recurso a procedimento diverso [dito "normal"] seria, ainda, idóneo para alcançar os fins definidos pela entidade adjudicante.
Desde logo, e apartando equívocos, importará distinguir a "urgência" da "celeridade". Esta última, na acepção de dever imposto à Administração [vd. art.º 57.º, do C.P. Administrativo], reconduz-se à prontidão e eficácia administrativa, ao passo que a "urgência" sobrevém, em regra, a circunstâncias dominadas pelo risco ou perigo iminente de que o interesse público prioritário não seja satisfeito.

1.3.5.
A Câmara Municipal de Castro Daire, instada a pronunciar-se sobre as razões que determinaram a opção pelo concurso público urgente, limitou-se a afirmar [com relevância para a decisão em curso] que tal decorreu da necessidade de cumprir os prazos preconizados para as candidaturas ao Balcão Permanente, acrescentando, ainda, ser essencial o aproveitamento de fundos comunitários para uma obra indispensável ao concelho, que, como é sabido, não dispõe de verbas próprias para assegurar a sua execução.
A justificação apresentada legitima alguma compreensão.
No entanto, não fundamenta a necessidade urgente da obra em causa, nem, por outro lado, esclarece as razões que conduziram a edilidade a apresentar a candidatura no limite do prazo concedido para o efeito [ademais, sublinhe-se, o diploma legal - Decreto-Lei n.º 72-A/2010 - que permitiu o recurso ao concurso público urgente no domínio das empreitadas já havia sido publicado em 18.06].
Apesar das reservas formuladas a propósito da opção pelo concurso público urgente enquanto tipo de procedimento, admite-se que o iminente esgotamento do prazo para a formulação da candidatura [evitável, se adoptada uma conduta suficientemente diligente!] tenha, também, influenciado o apelo àquela via concursal.
Deste modo, e sem prejuízo da pertinência do reparo efectuado, admite-se que o recurso ao concurso público urgente tenha sobrevindo a um «quadro» caracterizado pela urgência.

1.4.
Para além do exposto, o procedimento sob apreciação, permite, ainda, constatar que o prazo para apresentação das propostas [vd. anúncio de abertura do concurso] foi fixado em 24 horas e a contar do dia e hora do envio do referido Anúncio para o Diário da República.
A manifesta exiguidade de tal prazo colide, obviamente, com o preceituado no art.º 57.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos, o qual, no domínio do procedimento de formação do contrato de empreitada, obriga a que as propostas apresentadas pelos concorrentes sejam constituídas por uma lista de preços unitários alusivos a todas as espécies de trabalhos previstos no projecto de execução, por um plano de trabalhos definido nos termos do art.º 361.º, do Código dos Contratos Públicos [sempre que o caderno de encargos seja integrado por um projecto de execução] e, ainda, por um estudo prévio [situação prevista no art.º 43.º, n.º 3 do Código dos Contratos Públicos].
Estes elementos já denunciam a complexidade da formação dos contratos ou meras adjudicações de empreitadas.
Mas, embora não olvidemos os limites mínimos legalmente fixados para a apresentação das propostas, tal prazo não se harmoniza, ainda, com o disposto no art.º 63.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos, o qual impõe às entidades adjudicantes a obrigação de, na indicação do mesmo [prazo], considerarem, obrigatoriamente, o tempo necessário para a sua elaboração [dependente da natureza, volume e complexidade do objecto do contrato a celebrar] e ainda a eventual abordagem, em concreto, dos locais e equipamentos.
Em suma, um prazo de vinte e quatro horas [previsto, mas não imposto, pelo art.º 158.º do C.C.P.], sendo aceitável no âmbito da apresentação de propostas para fornecimento de bens móveis ou serviços, já se revela claramente insuficiente no âmbito da formação dos contratos ou meras adjudicações de empreitada.
Ademais, invoca-se, de novo, o art.º 135.º,n.º 1, do C.C.P., o qual, no âmbito da formação dos contratos de empreitada, apenas admite um prazo mínimo de 9 [nove] dias para a apresentação das propostas em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos.
Ora, a empreitada em causa visa a abertura e pavimentação da ligação "Faifa- -Mós", compreendendo trabalhos [vd. Programa do Concurso] que, seguramente, não devem ser caracterizados como simples e envolvendo uma despesa de € 679 593,75 [s/IVA], a qual, manifestamente, não é negligenciável.
Daí que, e repetindo-nos, não se nos afigure harmonizável o prazo [24 horas] fixado para a apresentação das propostas com a normal e expectável complexidade inerente à respectiva elaboração.
E este juízo encontra conforto no teor do Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 01 de Março [diploma que rege a execução orçamental], o qual, embora mantenha a admissibilidade do concurso público urgente no domínio da celebração dos contratos de empreitada [ainda, ao abrigo do art.º 52.º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010], prevê, no seu art.º 35.º, n.º 6, que o prazo mínimo de apresentação de propostas no âmbito de tal tipo de procedimento é de 15 dias.

1.4.1.
A final, diremos, ainda, que a celeridade constitui referência de seguimento obrigatório nos domínios da actividade administrativa em geral, mas a mesma não poderá sobrepor-se ao cumprimento da lei estabelecida ou afrontar os princípios que a enformam, sob pena de perigarem os esteios que suportam o estado de direito.

2. Das ilegalidades.
2.1.
O art.º 38.º, n.º 1, da Directiva n.º 2004/18/CE, prescreve que as entidades adjudicantes, ao fixarem o prazo de recepção das propostas e dos pedidos de participação, devem considerar, em especial, a complexidade do contrato e o tempo necessário à elaboração das propostas.
E, cotejando os considerandos iniciais da citada Directiva, aí se salienta que a adjudicação de contratos celebrados por conta do Estado, autarquias locais..., reger-se-á pelos princípios da igualdade, proporcionalidade, transparência e concorrência, os quais, de resto, já se mostram plasmados no art.º 1.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos.
A doutrina, ainda, no reforço e explicitação daquele "enunciado" normativo, alicerça a observância do princípio da concorrência (3) na necessidade de satisfazer os interesses públicos pela forma mais vantajosa possível, substancia o princípio da proporcionalidade pela proibição do Estado-administrador configurar medidas que se revelam desnecessárias ou excessivamente restritivas (4) e define o princípio da igualdade pela não discriminação de algum concorrente [efectivo ou potencial] no âmbito do acesso ao procedimento pré-contratual e da respectiva tramitação.
Ora, a adopção do procedimento em apreço [concurso público urgente] afronta, claramente, os princípios da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade. E, desde logo, porque o prazo estipulado para a apresentação das propostas, sendo manifestamente injustificado e inadequado à complexidade e natureza do projecto em causa, detém aptidão para restringir o número dos concorrentes e eventuais futuros contratantes, impedindo-se, assim, e ainda, a optimização das propostas.
É certo que as entidades adjudicantes detêm margem de liberdade na fixação de obrigações e deveres ínsitos ao procedimento concursal, mas tal liberdade, para além de dever ajustar-se ao objecto do contrato, é ainda limitada pelos aludidos princípios da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade, a cuja observância se mostram legalmente vinculadas.
A violação de tais princípios e, por consequência, da normação que os consigna [vd. art.o 1.º, n.º 4, aliada, ainda, à inobservância das normas contidas nos art.os 155.º e 135.º, n.º 1, também do Código dos Contratos Públicos, constituem ilegalidades susceptíveis de alterarem o resultado financeiro do contrato.

3. Do Visto

Segundo o art.º 44.º, n.º 3, al. c), da Lei n.º 98/97, de 26.08., a verificação de ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado financeiro do contrato constitui fundamento de recusa do visto.
Acresce que, ainda de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, a densificação da expressão " ilegalidade que possa alterar o respectivo resultado financeiro", basta-se com o simples perigo ou risco de que, da ilegalidade cometida, possa resultar a alteração do correspondente resultado financeiro.
As ilegalidades enunciadas, porque susceptíveis de determinar a alteração do resultado financeiro do contrato em apreço, fundam a recusa do Visto [vd. art.º 44.º, n.º 3, al. c), da Lei n.º 98/97, de 26.08].  

IV. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1.ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção, recusar o Visto ao presente contrato.
Emolumentos legais [art.º 5.º, n.º 3, do Regime dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31.05.].
Lisboa, 24 de Maio de 2011  

Os Juízes Conselheiros,
(Alberto Fernandes Brás - Relator)
(João Alexandre T. Gonçalves de Figueiredo)
(Helena Maria Abreu Lopes)

Fui presente,
(Procurador-Geral Adjunto)
(António Cluny)


(1) Vd. C.P. Administrativo, Anotado, ED. 1996. 
(2) Vd. Ac. Da 1.ªS/SS, de 17.12.2010, in Proc. 1373/2010 e Maria da Glória Garcia, in "O Estado de Necessidade e Urgência em Direito Administrativo", R.OA. 59.º II. 
(3) Esteves de Oliveira, in Contratos Públicos - D.A. Geral, Tomo III. 
(4) Ac. do TCAN, de 25.03.2010, Proc. 01257/09.7BEPRT.