Acórdão n.º 34/2011, de 6 de Dezembro de 2011, do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 137/2011)

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ACÓRDÃO Nº 34/11 - 06.DEZ. 2011 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 15/2011-R

(Processo de fiscalização prévia nº 137/2011)

SUMÁRIO:

1. O procedimento de concurso público urgente é um mecanismo de natureza excepcional, que sacrifica interesses normalmente acautelados num procedimento ordinário de concurso público, e que, por isso, só deve ser utilizado em função de uma efectiva urgência que se sobreponha àqueles interesses e que, dessa forma, justifique a utilização dessa modalidade excepcional. Por isso, carece de ser devidamente justificado, devendo ainda ter-se presente que quaisquer poderes discricionários da administração estão limitados pela observância dos princípios gerais da actuação administrativa, de que se destaca o princípio da proporcionalidade.

2. O disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 deve ser conjugado com o regime constante dos artigos 155.º do CCP quanto à necessidade de demonstrar que a utilização de um procedimento normal resultaria ineficaz ou revelar-se-ia inidóneo para dar, em tempo oportuno, a resposta necessária a uma circunstância de risco ou perigo iminente e actual.

3. O acto de escolha do procedimento deve ser fundamentado nos termos estabelecidos no artigo 38.º do CCP e nos artigos 124º, nº1, e 125º, nº1, do CPA, contendo os motivos de facto que provocam a actuação administrativa.

4. Nos termos do artigo 158.º do CCP, a entidade adjudicante tem uma razoável margem de liberdade na fixação do prazo para apresentação de propostas, mas o enquadramento sistemático, as finalidades prosseguidas, os valores prejudicados e os princípios aplicáveis impõem que a Administração observe cuidados e princípios nessa fixação. Tratando-se de um concurso, que visa assegurar o mais amplo acesso possível ao procedimento por parte dos interessados em contratar, o prazo deve ser fixado de tal modo que sejam observados os princípios da proporcionalidade e da concorrência, tendo em conta a complexidade do contrato e o tempo necessário à elaboração de propostas.

5. As propostas para a realização de empreitadas envolvem uma análise aprofundada dos requisitos pretendidos e dos projectos, um eventual confronto com os locais e condições físicas em que as obras deverão ter lugar e a formação de preços ajustados às circunstâncias específicas de cada caso. Esse ajustamento exige tempo para a formulação de propostas sérias. Por isso, este Tribunal tem considerado que o prazo mínimo de vinte e quatro horas é manifestamente inadequado aos concursos de empreitada e que prazos curtos para apresentação de propostas só podem ser considerados justificados em face de circunstâncias que concretamente o imponham.

6. No caso, nem foi demonstrada a verificação de uma situação de urgência nem foi justificada a fixação de um curto prazo para apresentação de propostas.

7. As ilegalidades assinaladas são susceptíveis de alterar o resultado financeiro e, desse modo, enquadram o fundamento de recusa de visto previsto na alínea c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC, pelo que se nega provimento ao recurso.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2011

Relatora: Helena Abreu Lopes

 

ACÓRDÃO Nº 34/11 - 06.DEZ. 2011 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 15/2011-R

(Processo de fiscalização prévia nº 137/2011)

RELATÓRIO

I.1. Pelo Acórdão n.º 21/2011 - 5.ABR.2011- 1.ª S/SS, o Tribunal de Contas recusou o visto ao contrato de empreitada relativo ao "Arranjo Urbanístico do Monte Calvário em Campo de Besteiros", celebrado em 18 de Janeiro de 2011, entre o Município de Tondela e a sociedade "Orbisource-Ambiente, Lda.", pelo valor de € 377.357,07, acrescido de IVA.

I.2. A recusa do visto, proferida, em 5 de Abril de 2011, ao abrigo da alínea c) do nº 3 do artº 44º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) (1), teve por fundamento ilegalidades na utilização da figura do concurso público urgente, tal como previsto no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e nos artigos 155.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP) (2).
A decisão recorrida considerou que não se mostrava existir uma situação de urgência na efectivação da obra que justificasse a adopção do concurso público urgente e que foi fixado um prazo insuficiente para a apresentação das propostas.

I.3. Inconformado com o Acórdão, o Município veio dele interpor recurso, em 14 de Abril de 2011, pedindo a concessão de visto ao contrato.
Em defesa do pretendido apresentou as alegações processadas de fls. 3 a 8 dos autos, que aqui se dão por reproduzidas, e de que se destacam os seguintes argumentos:
a) "(...) Neste caso concreto, a realização do concurso público urgente, por parte do Município de Tondela, advém das alterações ocorridas no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, que permitiu a realização deste procedimento concursal, apenas e só (essa foi a intenção clara do legislador), permitir a aceleração dos processos concursais que visavam o total aproveitamento dos fundos do QREN e nesse sentido foi assinado um memorando de entendimento entre o Governo e a ANMP, ao qual foi dado ampla divulgação pública.
Ao mesmo tempo, e para que não restassem dúvidas, a possibilidade de recorrer a este modelo de concurso está consignado em pressupostos inalteráveis e claríssimos! Assim:
1.º Ao facto de obrigatoriamente ter de ser um projecto financiado por fundos comunitários;
2.º O valor do contrato, ou seja, inferior ao referido na alínea b) do artº 19º do CCP;
3.º Os critérios de adjudicação, ou seja, o mais baixo preço.
Portanto, a urgência em nossa opinião (e foi assim que interpretamos no momento de decisão da abertura deste procedimento), tem a ver exclusivamente com o facto de se tratarem de obras financiadas pelo QREN, e para mais rapidamente se colocarem no "terreno" investimentos estruturantes e ao mesmo tempo dinamizar a economia local.
Em suma, a urgência neste procedimento está exclusivamente no facto indiscutível de ser uma obra financiada pelo QREN e pela necessidade de satisfazer o prazo para candidatar a obra em causa (...)"
b) (...) Quanto ao facto de ser apenas 3 dias (72 horas), a lei apenas estabelece o prazo mínimo de 24 horas, não especifica em qualquer momento o tempo desejável e necessário para a realização do respectivo concurso. Teria sido prudente, se houvesse dúvidas, que deveria ter sido o legislador a graduar os prazos do concurso e a natureza da obra de acordo com os montantes financeiros e os Municípios teriam cumprido seguramente essas normas legais! O próprio legislador deixou essa discricionariedade à entidade adjudicante, que o fixasse (prazo de entrega de propostas) em cada caso concreto, em termos de poder optar pelo que entendesse mais adequado à prossecução do interesse público subjacente ao contrato a celebrar (...).;

c) O recorrente invoca ainda a circunstância de terem concorrido 11 empresas como facto que confirmaria a salvaguarda dos princípios de igualdade e concorrência;

d) Mais sublinha os prejuízos que decorrem da recusa do visto, designadamente, prejuízos financeiros, perda de co-financiamento comunitário e exclusão da utilização de fundos do QREN.

I.4. O Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal de Contas emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, uma vez que o procedimento não evidenciou respeito pelos princípios gerais da contratação pública, designadamente quanto ao prazo concedido para a apresentação das propostas, o qual inviabilizou um procedimento verdadeiramente aberto e concorrencial.

I.5. Corridos os demais vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. DOS FACTOS

Da factualidade fixada no Acórdão recorrido e constante do processo de 1.ª instância ressaltam-se os seguintes aspectos:

A) O contrato foi precedido de concurso público urgente, com invocação do disposto no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e nos artigos 155.º e seguintes do CCP;

B) A abertura do procedimento pré-contratual foi autorizada por deliberação da Câmara Municipal de Tondela, de 22 de Junho de 2010, a qual não continha qualquer explicitação das razões factuais para a escolha do procedimento de concurso público urgente;

C) Questionada a autarquia sobre as razões em que se baseou para a adopção do procedimento pré-contratual de natureza urgente, veio a mesma referir:
"(...) O Governo aprovou legislação, nomeadamente o ponto 2, do artigo 52º do Decreto-Lei nº 72-A/2010, de 18 de Junho de 2010, que tem como o principal objectivo promover o rápido orçamento do nível de execução dos Programas Operacionais do QREN e promover a inclusão da actividade económica e do emprego.
Ao mesmo tempo, foram aprovadas regras excepcionais em termos de co-financiamento do Programa Operacional da Região Centro (PORC) (no âmbito do acordo assinado a 9 de Março de 2010 entre o Ministério da Economia, Inovação e Desenvolvimento e a Associação Nacional de Municípios Portugueses), segundo as quais, foi elevado para 80% o valor de co-financiamento sobre o valor elegível dos projectos.
No quadro desse acordo, e consequentemente, as Comunidades Intermunicipais - CIM, foram informadas que havia também um prazo limite para aceder a novas candidaturas (dentro das CIMS) e no âmbito do Balcão Permanente, que termina em 30 de Outubro.
Corporizando estes objectivos do Governo, a informação enviada, projecta um quadro onde se espera que as CIM e Municípios que melhor execução apresentem, poderão, naturalmente, vir a ter mais recursos financeiros para realizar novos projectos.
Por outro lado, o citado Dec. Lei 72-A/2010, de 18 de Junho, que prevê as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2010, aprovado pela Lei nº 3-B/2010 de 28 de Abril, prevê o recurso a Concursos Públicos Urgentes, quando se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários, e o valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 19º do CCP e o critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.
Ora, o Município pretende realizar um conjunto de obras que se encontram definidas no seu Plano de Actividades e que se enquadram nas obras estratégicas plasmadas no âmbito do Plano de Acção da CIM Dão-Lafões, as quais para serem objecto de candidatura têm de evidenciar um determinado grau de maturidade, o qual não será garantido, tendo presente as datas e os prazos estipulados, sem recurso ao instrumento citado no artigo 52º do Dec. Lei 72-A/2010.
Todas estas razões levam, naturalmente, do ponto de vista Estratégico e Financeiro, a promover a realização destes investimentos, para o que se torna imprescindível recorrer à modalidade de concurso público urgente, de forma a não perder a oportunidade de admissibilidade e aprovação das candidaturas cujos projectos e respectivos valores se descriminam (...)."

E na Informação nº 285 do Departamento Técnico de Planeamento Urbanístico e Edifícios Públicos (3), também se afirmou:
"(...) Esta obra por estar incluída na relação de obras a submeter a candidaturas a fundos comunitários por o seu valor base referido anteriormente ser inferior ao referido na alínea b) do artº 19 do CCP reúne os requisitos para que possa ser adoptado o procedimento de adjudicação por concurso público urgente nos termos do nº 2 do artigo 52º do Decreto-Lei nº 72-A/2010 de 18 de Junho.

D) O anúncio de abertura do concurso foi enviado para publicação no Diário da República, 2.ª Série, em 23 de Agosto de 2010, e foi publicado nesse mesmo dia;

E) O anúncio de abertura do concurso estabeleceu que as propostas deveriam ser apresentadas no prazo de 3 dias a contar da data do envio do anúncio para publicação no Diário da República;

F) O critério de adjudicação era o do mais baixo preço;

G) Ao concurso foram apresentadas 11 propostas, tendo sido excluídas 2;

H) A adjudicação foi efectuada em 9 de Setembro de 2010 e o contrato celebrado em 18 de Janeiro de 2011;

I) O financiamento comunitário da obra foi aprovado em 17 de Dezembro de 2010;

J) Sobre o prazo concedido para a apresentação de propostas, referiu-se na Informação nº 285 do Departamento Técnico de Planeamento Urbanístico e Edifícios Públicos:
"(...)Considera-se que o prazo mínimo necessário para a apresentação das propostas tendo em conta o volume, tipo e complexidade dos trabalhos a executar e o valor da obra não deverá ser inferior a 3 dias." 

II.2. DO PROCEDIMENTO DE FORMAÇÃO DO CONTRATO

II.2.1. Da modalidade de concurso público urgente

Conforme já foi acima referido, a empreitada em apreço foi contratada através de um procedimento de concurso público urgente.

Vejamos em que consiste esta modalidade de procedimento.

O concurso público urgente encontra-se regulado nos artigos 155.º a 161.º do CCP, regendo-se, com as necessárias adaptações, pelas disposições que regulam o concurso público, em tudo o que não esteja especialmente previsto nos artigos referidos ou que com eles não seja incompatível.
Um dos aspectos comuns às duas modalidades é o de qualquer interessado em contratar poder apresentar a sua proposta, o que significa que a figura do concurso público urgente está, tal como a do concurso público, integralmente sujeita aos princípios da concorrência, transparência e igualdade (cfr. artigo 1.º, n.º 4, do CCP). Isto implica, designadamente, a publicidade da oferta de contratar, a utilização de critérios objectivos de selecção e a fundamentação da escolha.
Só que, com base na necessidade de fazer face a uma situação de urgência, o legislador previu, para essa eventualidade, a possibilidade de a administração utilizar um procedimento acelerado de concurso público.

Esta aceleração faz-se, essencialmente, à custa do seguinte:

- O concurso é publicitado no Diário da República através de anúncio, do qual constam desde logo o programa do concurso e o caderno de encargos;
- O prazo mínimo para a apresentação de propostas pode ser reduzido até 24 horas, sendo que, em circunstâncias normais esse prazo não poderia nunca ser inferior a 9 dias ou, em caso de obras não manifestamente simples, a 20 dias;
- Não são admitidos pedidos de esclarecimentos para a boa compreensão e interpretação das peças do concurso;
- Não há lugar à identificação de eventuais erros ou omissões do caderno de encargos;
- Não se prevêem prorrogações do prazo para apresentação de candidaturas;
- Os concorrentes são obrigados a manter as suas propostas por apenas 10 dias, sem qualquer prorrogação;
- Os concorrentes não podem consultar as outras propostas apresentadas;
- Não há lugar à constituição de um júri para conduzir o procedimento;
- Não é possível pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas;
- Não há lugar à prestação de caução para garantia da celebração do contrato e do exacto e pontual cumprimento das obrigações dele decorrentes;
- O critério de adjudicação só pode ser o do mais baixo preço;
- Não são elaborados relatórios de análise das propostas;
- Não há lugar a audiência prévia antes de proferida a decisão de adjudicação;
- O adjudicatário deve apresentar os documentos de habilitação exigidos no prazo máximo de 2 dias a partir da notificação da adjudicação.

Como facilmente se conclui, esta procedimentação envolve riscos acrescidos para a administração e diminuição significativa de garantias para os concorrentes, relativamente àquilo que é normalmente assegurado num concurso público.
Por um lado, sendo o prazo para apresentação de propostas diminuto e não havendo possibilidade de obter esclarecimentos ou rectificações aos cadernos de encargos, verifica-se o risco de os concorrentes se defenderem de eventuais incertezas através de empolamentos de preço ou, ao invés, através de fortes expectativas relativamente a correcções por trabalhos a mais. Em ambos os casos, as propostas poderão ser pouco ajustadas à realidade.
Acresce que a administração não poderá pedir quaisquer esclarecimentos sobre as propostas e que, se estiverem em causa documentos concursais (cadernos de encargos, projectos) mais elaborados, não é possível à entidade pública co-responsabilizar o adjudicatário pela identificação de eventuais erros (4), recaindo todos os custos de correcções futuras sobre a administração.
Sendo a tramitação do concurso muito rápida (a adjudicação terá de ser feita em 10 dias, já que é esse o prazo máximo de manutenção das propostas), a entidade adjudicante não dispõe de tempo para uma cuidada análise das propostas, que, designadamente, as avalie face ao que é exigido pelo caderno de encargos e face ao que é admissível em termos de programação dos trabalhos.
Estes riscos são ainda agravados pela não prestação de caução que garanta a boa execução contratual.
Em suma, a administração enfrenta a possibilidade de, nestas condições, obter más propostas e maus contratos e uma maior vulnerabilidade face ao incumprimento contratual e à probabilidade de enfrentar custos acrescidos com correcções futuras.
Por outro lado, os concorrentes podem dispor de muito pouco tempo para preparar as suas propostas, não podem esclarecer dúvidas nem obter rectificações das peças do concurso, não podem consultar as outras propostas nem prestar esclarecimentos sobre a sua, não têm acesso a relatórios de análise das propostas nem direito a ser ouvidos antes de proferida a decisão.
Por último, a não designação de um júri para conduzir o procedimento diminui as condições de colegialidade, imparcialidade e contraditório.
Estas circunstâncias significam que se prescinde no concurso público urgente de um conjunto de mecanismos que o legislador contemplou no âmbito do concurso público com o objectivo de garantir efectivas condições de concorrência, transparência, igualdade e imparcialidade bem como a adequada satisfação das necessidades públicas. O concurso público urgente é, pois, uma modalidade que envolve uma significativa diminuição dessas garantias e do respeito pelos princípios aplicáveis.
Nessa medida, o recurso ao concurso público urgente é indubitavelmente um mecanismo de natureza excepcional, que sacrifica interesses normalmente acautelados num procedimento ordinário de concurso público, e que, por isso, só deve ser utilizado em função de uma efectiva urgência que se sobreponha àqueles interesses e que, dessa forma, justifique a utilização dessa modalidade excepcional.

Mas mais.

Porque se trata de uma modalidade de concurso com os inconvenientes acima assinalados, o legislador rodeou a possibilidade da sua utilização de um conjunto de constrangimentos.
Desde logo, o artigo 155.º do CCP apenas previu a possibilidade da sua utilização para contratos de locação, de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços de uso corrente, assim afastando, por regra, a adopção dessa modalidade em casos de serviços de uso não corrente e de empreitadas de obras públicas.
Assim se compreende a obrigatoriedade de inclusão do programa de concurso e do caderno de encargos no anúncio do concurso, a não previsão dos mecanismos de esclarecimento e identificação de erros ou omissões do caderno de encargos e a possibilidade de fixação de um prazo tão curto para apresentação de propostas. Porque nas locações, na compra de bens móveis e nas aquisições de natureza corrente, os cadernos de encargos são normalmente simples, relativos a bens padronizados, e as propostas limitam-se, com frequência, a indicar o preço comercial do produto identificado.
Não é assim nos serviços não padronizados nem nas empreitadas de obras públicas.
Estas áreas envolvem uma reflexão mais aprofundada sobre as necessidades da entidade pública, uma análise dos requisitos pretendidos e dos projectos, um eventual confronto com os locais e condições físicas em que as obras deverão ter lugar e a formação de preços ajustados às circunstâncias específicas de cada caso.
Esse ajustamento exige tempo para a formulação de propostas sérias, incluindo a possibilidade de esclarecer dúvidas e identificar imprecisões e, certamente, por isso, não se admitiu aí a utilização da figura do concurso público urgente.
Sucede, no entanto, que o Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho (5), veio permitir que, durante o ano de 2010, e em determinadas circunstâncias, se pudesse adoptar o procedimento de concurso público urgente para a celebração de contratos de empreitada, o que foi também repetido, para 2011, no Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março (6).
Ou seja, previu-se que, excepcionalmente, se utilizasse em empreitadas de obras públicas um mecanismo já de si excepcional, o qual não foi justificadamente concebido para ser adoptado nesse âmbito.
Ora, essa dupla excepcionalidade impõe que se use de rigor e ponderação na identificação das situações em que é possível recorrer a esta modalidade de concurso bem como na aplicação das correspondentes regras.
Este rigor e ponderação devem, pois, ter em conta que estamos perante um mecanismo excepcional que carece de ser devidamente justificado e devem ter presente que quaisquer poderes discricionários da administração estão limitados pela observância dos princípios gerais da actuação administrativa, de que se destaca o princípio da proporcionalidade. 

II.2.2. Dos pressupostos para a aplicação da modalidade de concurso público urgente às empreitadas de obras públicas

Como acima apontámos, a autarquia adoptou, no caso, o concurso público urgente, invocando, para o efeito, o disposto no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e nos artigos 155.º e seguintes do CCP.
Como também já referimos, o artigo 52.º do referido Decreto-Lei n.º 72-A/2010 permitiu que, durante o ano de 2010, e em determinadas circunstâncias, pudesse adoptar-se aquela modalidade de procedimento para a formação de contratos de empreitada de obras públicas, o que, normalmente não seria consentido pelo regime do CCP.
Ora, estando nós precisamente perante um contrato de empreitada, importa apurar se, no caso, se verificaram as circunstâncias previstas naquela norma legal.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, a aplicação do regime dos artigos 155.º e seguintes do CCP a procedimentos de contratação de empreitadas só poderia ter lugar desde que cumulativamente:

a) Estivesse em causa um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato fosse inferior ao referido na alínea b) do artigo 19.º do CCP;
c) O critério de adjudicação fosse o do mais baixo preço.

Tanto os factos elencados como o teor do Acórdão recorrido apontam para a verificação, no caso, dos requisitos referidos (7).

II.2.3. Dos pressupostos específicos para a aplicação da modalidade de concurso público urgente

Mas é suficiente a verificação objectiva do co-financiamento comunitário para dar por constatada a situação de urgência que justifica o recurso a esta modalidade procedimental?

O recorrente sustenta que sim.

O acórdão recorrido, no seu ponto 7, claramente afirmou que "a verificação dos pressupostos fixados no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, não constitui por si só fundamento suficiente para a adopção do procedimento de concurso público urgente para a formação de contratos de empreitada. Deve entender-se que foi intenção do legislador que, verificados aqueles pressupostos, e havendo urgência, podiam as entidades adjudicantes fazer uso daquele tipo de procedimento em empreitadas".
Entendemos também que continua a dever aplicar-se ao caso o regime dos artigos 155.º e seguintes do CCP, com ele necessariamente articulando o estabelecido no referido artigo 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010.
Ora, aquele artigo estabelece que o procedimento de concurso público urgente só pode adoptar-se em caso de urgência, como, aliás, é de óbvio bom senso e é imposto pela excepcionalidade do instituto e pelo aplicável princípio da proporcionalidade.
Este requisito exprime-se por um conceito indeterminado, a preencher pelo recurso a valores e às circunstâncias de cada caso.
Considerando que estamos perante um desvio à tramitação normal do concurso público, que, como acima apontámos, implica o sacrifício de relevantes interesses públicos e de relevantes interesses dos concorrentes, entendemos que só poderia dar-se por verificada a exigida situação de urgência se se demonstrasse que a utilização de um procedimento normal resultaria ineficaz ou revelar-se-ia inidóneo para dar, em tempo oportuno, a resposta necessária a uma circunstância de risco ou perigo iminente e actual que se deva sobrepor àqueles interesses, por ameaçar seriamente a satisfação de um interesse público de maior relevo ou prioridade.
Ora, nem o acto de autorização da abertura do concurso em causa continha qualquer fundamentação factual que explicitasse por que razão era imprescindível adoptar um concurso público urgente nem essa explicitação foi sequer fornecida mais tarde.
Por outro lado, conforme se explicitou no acórdão recorrido, a sequência procedimental (autorização para a abertura de concurso em 22 de Junho de 2010, abertura em Agosto de 2010, adjudicação em Setembro de 2010 e contrato em Janeiro de 2011) evidenciou que a suposta urgência era muito relativa. Traduziu-se na adopção de um procedimento excepcional, mas não na observância da celeridade procedimental própria desse procedimento.
Considera-se que os argumentos apresentados em sede de recurso nada acrescentam à justificação da concreta situação cuja avaliação foi feita pela decisão recorrida. A situação fáctica evidenciada não configurava, e continua a não configurar, uma situação de urgência que justifique, de acordo com o princípio da proporcionalidade, o recurso à modalidade excepcional de concurso público urgente, em termos de sacrificar relevantes interesses públicos e relevantes interesses dos concorrentes.
Em consequência, entende-se que, tal como havia sido considerado em 1.ª instância, não se verifica um dos pressupostos legais para o recurso a esta modalidade de concurso.
Acresce que o acto de escolha do procedimento é ilegal também por violação do dever de fundamentação estabelecido no artigo 38.º do CCP e nos artigos 124º, nº1, e 125º, nº1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA). 

II.2.4. Do prazo para a apresentação de propostas

O acórdão recorrido referiu ainda a insuficiência do prazo fixado para apresentação de propostas.
Como se refere nesse acórdão, o artigo 158.º do CCP estabelece que, num concurso público urgente, o prazo mínimo fixado para a apresentação das propostas é de vinte e quatro horas.
Daqui decorre que a entidade adjudicante tem uma razoável margem de liberdade na fixação desse prazo, mas, como também bem se assinala, o enquadramento sistemático, as finalidades prosseguidas, os valores prejudicados e os princípios aplicáveis impõem que a Administração observe cuidados e princípios nessa fixação.
Tratando-se de um concurso, que visa assegurar o mais amplo acesso possível ao procedimento por parte dos interessados em contratar, tanto no seu interesse como no interesse público, o prazo deve ser fixado de tal modo que sejam observados os princípios da proporcionalidade e da concorrência, tendo em conta a complexidade do contrato e o tempo necessário à elaboração de propostas. Isso mesmo resulta do disposto no artigo 63.º, n.º 2, do CCP, como se referiu em 1.ª instância.
E, como já acima referimos, se nas locações, na compra de bens móveis e nas aquisições de natureza corrente, os cadernos de encargos são normalmente simples, relativos a bens padronizados, e as propostas se limitam, com frequência, a indicar o preço comercial do produto identificado, para tanto podendo ser suficiente um prazo de vinte e quatro horas, já o mesmo não sucede nas empreitadas.
As propostas para a realização de obras envolvem uma análise mais aprofundada dos requisitos pretendidos e dos projectos, um eventual confronto com os locais e condições físicas em que as obras deverão ter lugar e a formação de preços ajustados às circunstâncias específicas de cada caso. Ora, esse ajustamento exige tempo para a formulação de propostas sérias.
Por isso, este Tribunal tem considerado que o prazo mínimo de vinte e quatro horas é manifestamente inadequado aos concursos de empreitada e que prazos curtos para apresentação de propostas só podem ser considerados justificados em face de circunstâncias que concretamente o imponham.
O artigo 35.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março, veio reconhecer este desajustamento e fixou um prazo mínimo de 15 dias para apresentação de propostas nos concursos públicos urgentes para a realização de empreitadas de obras públicas, exigência que, no entanto, não podemos aplicar de forma retroactiva.
A questão que se coloca é, então, a de saber se, no caso, um prazo de 3 dias era, por um lado, estritamente necessário e, por outro, suficiente para a identificação da existência do concurso por parte de potenciais concorrentes e para que os mesmos elaborassem propostas sérias.
A recorrente veio tão só alegar a discricionariedade do seu poder na fixação do prazo e o número razoável de propostas apresentadas.
Mas não forneceu qualquer fundamento para a necessidade e imprescindibilidade da fixação de um prazo tão curto.
Nem avança qualquer explicação que ultrapasse a observação feita na decisão de 1.ª instância de que, no contexto concreto de um procedimento que demorou vários meses a chegar à outorga do contrato, não se vislumbra necessidade ou justificação para o estabelecimento de um prazo tão exíguo para os concorrentes apresentarem propostas.
Ora, como acima se referiu, o poder de fixação do prazo em causa é discricionário, mas não arbitrário, e deve ser exercido de tal modo que sejam observados os princípios da proporcionalidade e da concorrência, o que, no caso e face ao que se constata, não ocorreu.
Como também se referiu em 1.ª instância, "dir-se-á que o facto de se terem apresentado 11 concorrentes é demonstração de que não houve restrição de concorrência e que, perante tal dado, igualmente foi assegurada a igualdade entre todos os potenciais interessados. Mas tais conclusões não poderão nunca ser demonstradas".

II.3. Das ilegalidades verificadas

Conclui-se, assim, que, no caso, se verificaram as seguintes ilegalidades:

- Falta de um dos pressupostos para a adopção do concurso público urgente, por não se verificar a situação de urgência exigida pelo artigo 155.º do CCP;
- Falta de justificação para o curto prazo fixado para apresentação de propostas, em violação do disposto nos artigos 124º, nº1, e 125º, nº1, do CPA, e 63.º, n.º 2, do CCP.

Em 1.ª instância considerou-se que estas ilegalidades eram susceptíveis de alterar o resultado financeiro e, desse modo, enquadravam o fundamento de recusa de visto previsto na alínea c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC.
Acompanhamos também esse entendimento, na perspectiva de que, se tivesse sido adoptado um concurso público normal e fixado um prazo mais longo para apresentação de propostas, outros concorrentes e propostas poderiam ter surgido mas também na perspectiva de que, a ser esse o procedimento adoptado, outros mecanismos teriam existido para assegurar a imparcialidade e a obtenção de melhores propostas (designadamente, a intervenção de um júri, mais tempo disponível para a preparação das propostas e a possibilidade de identificar eventuais erros e omissões do projecto e co-responsabilizar o adjudicatário pelos mesmos). 

III. DECISÃO

Assim, pelos fundamentos expostos, acorda-se em Plenário da 1ª Secção em negar provimento ao recurso, mantendo a recusa de visto ao contrato.
São devidos emolumentos nos termos da al. b) do n.º 1 do artº 16° do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo ao Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de Maio.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2011 

Os Juízes Conselheiros,

(Helena Abreu Lopes - Relatora)
(António Santos Carvalho)
(Manuel Mota Botelho)

O Procurador-Geral Adjunto
(Jorge Leal)


(1) Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto, 35/2007, de 13 de Agosto, e 3-B/2010, de 28 de Abril. 
(2) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 18-A/2008, de 28 de Março, e alterado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 223/2009, de 11 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 278/2009, de 2 de Outubro, pela Lei n.º 3/2010, de 27 de Abril, e pelo Decreto-Lei n.º 131/2010, de 14 de Dezembro. 
(3) Vide fl. 32 do processo de 1.ª instância. 
(4) Cfr. artigo 378.º do CCP. 
(5) Decreto-Lei de execução orçamental para o ano de 2010. 
(6) Embora exigindo, nestes casos, a prestação de caução e, em 2011, também a fixação de um prazo mínimo de 15 dias para a apresentação de propostas. 
(7) O valor referido na alínea b) do artigo 19.º do CCP era, para 2010, de € 4 845 000. Cfr. Regulamento (CE) n.º 1177/2009 da Comissão, de 30 de Novembro de 2009, publicado no JOUE de 1 de Dezembro de 2009.