Acórdão n.º 32/2011, de 28 de Novembro de 2011, do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 587/2011)

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ACÓRDÃO Nº 32/11 - 28.NOV. 2011 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 24/2011-R

(Processo nº 587/2011)

I - RELATÓRIO

1.
O Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E., inconformado com o teor do Acórdão n.º 31/2011, de 03.05, 1.ª S/SS, deste Tribunal, e que recusou o Visto ao contrato de empreitada para a "Remodelação dos Serviços de Urgência da Unidade Hospitalar Padre Américo", celebrado em 29.03.2011, com a empresa "ANORTE-Engenharia e Construção, Lda.", pelo preço de € 4 050 560,02 [s/IVA], veio do mesmo interpor recurso, concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
"(...)
1. O Regulamento Para Aquisição de Bens e Contratação de Empreitadas do Centro Hospitalar Tâmega e Sousa EPE é conforme aos princípios da concorrência e da transparência, tendo em conta o concreto regime legal de pré-contratação aplicável no âmbito dos Hospitais, E.P.E.
2. O Recorrente foi transformado em Entidade Pública Empresarial (E.P.E.) por força do Decreto-Lei n.º 326/2007, de 28 de Fevereiro, aplicando-se-lhe o regime definido nos capítulos II, III e IV do Dec. Lei n.º 223/2005, de 29 de Dezembro, sendo-lhe aplicável o Código dos Contratos Públicos.
3. O artigo 5.º, n.º 3, do mesmo Código determina que a parte II do Código, relativa aos procedimentos pré-contratuais, não se aplica à formação dos contratos a celebrar pelos hospitais E.P.E. de valor inferior aos montantes estabelecidos nos termos das alíneas b) e c) do artigo 7.º da Directiva n.º 2004/18/CE (como é o caso).
4. O n.º 6 do mesmo artigo estabelece que à formação destes contratos se aplicam os princípios gerais da actividade administrativa, as normas que concretizem preceitos constitucionais constantes do Código do Procedimento Administrativo e, eventualmente, as normas desse Código.
5. Os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, expresso na ordem jurídica interna (no CCP), e na comunitária, através das Directivas europeias de contratação pública (em especial a Directiva n.º 2004/18/CE), com a definição de um conjunto de procedimentos para a formação de contratos públicos admitem excepções.
6. Essas excepções foram utilizadas pelo Recorrente através do citado Regulamento Para Aquisição de Bens e Contratação de Empreitadas, tendo em conta a ampla margem de manobra que o direito comunitário lhe concede.
7. A jurisprudência comunitária citada no Acórdão impugnado reconhece às entidades adjudicantes que se encontrem na posição do Recorrente uma ampla discricionariedade na definição de critérios a aplicar às referidas situações em que não se justifica ou não é possível utilizar os procedimentos concorrenciais abertos.
8. A jurisprudência comunitária vem considerando que os princípios gerais do Direito Comunitário constantes do Tratado e, muito em especial, o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, da concorrência e da transparência devem ser observados pelas entidades adjudicantes, o que as vincula por exemplo, entre outras, a uma obrigação de transparência.
9. Assim, é à entidade adjudicante que está cometida a tarefa de avaliar, discricionariamente, a observância de tais princípios.
10. Foi publicada a COMUNICAÇÃO INTERPRETATIVA DA COMISSÃO sobre o direito comunitário aplicável à adjudicação de contratos não abrangidos, ou apenas parcialmente, pelas directivas comunitárias relativas aos contratos públicos (2006/C 179/02).
11. De acordo com tal comunicação, cabe a cada entidade adjudicante decidir se o contrato a adjudicar pode apresentar um interesse potencial para os agentes económicos situados noutros Estados-Membros.
12. Do ponto de vista da Comissão, a decisão tem de ser sustentada numa avaliação das circunstâncias particulares do caso, como sejam o objecto do contrato, o seu valor, as particularidades do sector em questão (dimensão e estrutura do mercado, das práticas comerciais, etc,) e também da localização geográfica do lugar de execução.
13. Para a celebração de contratos não abrangidos pelas directivas relativas aos contratos públicos, a entidade adjudicante procederá a uma avaliação da importância do contrato em questão à luz das circunstâncias particulares a cada caso.
14. É neste contexto que o Conselho de Administração do Recorrente aprovou um "Regulamento Para Aquisição de Bens e Contratação de Empreitadas", que constitui um regulamento administrativo externo.
15. O art. 4.º n.º 5 do Regulamento Para Aquisição de Bens e Contratação de Empreitadas do Recorrente obedece àqueles sobreditos princípios gerais.
16. O vínculo jurídico derivado do referido regulamento tem verdadeira natureza normativa, pois as suas disposições projectam-se numa actividade de gestão pública - a realização dum concurso de direito público - que se processa ou consuma não através de consenso (ou, sequer, consentimento) dos interessados do concurso, mas através de actos unilaterais e impositivos da Administração adjudicante, que lançou o procedimento.
17. O Recorrente se encontra vinculado (auto-vinculado) a uma pré-ordenação normativa que, previamente criou e instituiu, não podendo violá-la, estando obrigado a observá-lo.
18. Ao Tribunal de Contas está vedado, por ausência de atribuição legal, a declaração de ilegalidade das normas regulamentares referidas, que só podem ser objecto de declaração de ilegalidade nos termos do disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos - o artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro.
19. O n.º 1 do artigo 72.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, só permite a impugnação de normas no contencioso administrativo de «declaração da ilegalidade das normas».
20. Nos termos dos artigos 72.º, n.º 1, e 73.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cabe ao Ministério Público instaurar acção administrativa especial tendente à declaração, com força obrigatória geral, da ilegalidade das normas.
21. Assim o Tribunal de Contas apenas poderá invocar a inconstitucionalidade das normas nos termos gerais, não o tendo feito ao limitar-se a considerar ilícitas as normas regulamentares em apreço.
22. Independentemente do sobredito facto, a verdade é que tais normas estão em perfeita consonância com a legalidade e os princípios da legalidade, transparência e concorrência, já referidos.
23. Compete à entidade adjudicante apreciar, antes da definição dos termos do anúncio do concurso, o eventual interesse transfronteiriço de um contrato cujo valor estimado seja inferior ao limiar previsto pelas regras comunitárias, sendo certo que essa apreciação pode ser sujeita a fiscalização judicial.
24. Não existe legislação que estabeleça, a nível nacional ou local, critérios objectivos que indiquem a existência de um interesse transfronteiriço certo, como o refere o n.º 31 do Acórdão SECAP.
25. A comunicação interpretativa da Comissão indica, no ponto 2.1.2, que «incumbe às entidades adjudicantes decidir quanto ao meio mais apropriado para a publicitação dos seus contratos».
26. O contrato submetido a visto apresenta especificidades locais (em termos de União Europeia) e têm um potencial reduzido para os contratos transfronteiriços.
27. O Acórdão recorrido ao invocar o Código dos Contratos Públicos, comparando os valores limiares que dele constam ao ajuizado contrato está a formular juízo meramente conclusivo e não se alicerça em qualquer dado de facto que lhe permita retirar essa conclusão pelo que, por falta de fundamentação de facto, nesta parte, o Acórdão seja nulo, por violação do disposto no art. 668.º, n.º 1 - b) Cod. Proc. Civil.
28. E essa conclusão, além do mais, é ilícita, pois se a questão em apreço se prende com o limiar dos valores dos contratos em sede de direito comunitário, para proporcionar concorrência transfronteiriça, então, essa referência nunca poderia ter sido feita ao mercado português, mas sim, ao mercado comunitário.
29. A decisão impugnada fundamenta-se na invocada protecção deste tipo de transacções, não sendo curial que se invoque o mercado português e o Código dos Contratos Públicos - que expressamente proclama a sua inaplicabilidade ao Recorrente -, em vez de se fazer enfoque no mercado comunitário.
30. O Acórdão recorrido, fez incorrectas interpretação e violação dos art.ºs 5.º n.º 3 e 6.º do Código dos Contratos Públicos, 7.º - b) e c) da Directiva 2004/18/CEE, 72.º n.º 1 e 73.º n.º 4 do Cod. Proc. Trib. Administrativos, e arts. 28.º e 29.º do Regulamento Para Aquisição de Bens e Contratação de Empreitadas aprovado e homologado pelo órgão representativo e deliberativo do recorrente, violando-os.
31. O decidido pelo Tribunal de Contas sendo inovatório relativamente, ao Recorrente (porque apôs visto em contratos de empreitada aos quais foi aplicável o citado regulamento), afecta o princípio da confiança e da segurança procedimental nos processos de concurso que o recorrente, entretanto, vem prosseguindo, pelo que, pelo menos, mereceria ter sido concedido o visto, com recomendações.
32. A decisão 1043/09 foi proferida pouco tempo depois de Centro Hospitalar ter sido criado por fusão de dois hospitais, estando no início da prossecução das suas atribuições legais, funcionando com as duas unidades hospitalares se tratassem.
33. A obra a que se refere o Acórdão recorrido e a decisão n.º 1043/09 foi efectuada na unidade hospitalar de Amarante, com projecto e acompanhamento procedimental por parte da ARS Norte.
34. O Centro Hospitalar Recorrente não vem executando quaisquer procedimentos de empreitada de obra pública, pelo que a inobservância do n.º 1 do art.º 31.º do Dec. Lei 12/04 não foi dolosa, mas deveu-se a acto fortuito, inexperiência, quando não ignorância, assim ficando expressa a negligência dos serviços.
35. Não já qualquer facto que demonstre a existência de dolo, pelo que, sempre deveria ter havido lugar a concessão de visto com recomendações.

A final, e peticionando, o recorrente adianta que o presente recurso merece provimento, devendo, em consequência, ter lugar a concessão do Visto com recomendações e proceder-se à revogação do Acórdão impugnado.

2.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, em douto e alongado Parecer, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, sustentando-se, para tanto, na preterição [aliás, indevida], por parte do recorrente, da adopção de um procedimento totalmente aberto e concorrencial que observasse os princípios que informam a contratação pública, pois, pese embora o preceituado no art.º 5º, n.º 3, do C.C. Públicos, nenhuma circunstância se perfila como obstativa do seguimento das exigências contidas na designada "Comunicação Interpretativa da Comissão" - 2006/C-179/02, de 01.08, a qual, reiteradamente, apela à aplicação dos mencionados princípios.
Ainda no domínio de tal Parecer, o ilustre Procurador-Geral Adjunto sugere, por um lado, recomendação dirigida à Assembleia da República no sentido de ser ponderada a alteração às regras constantes do art.º 5º, n.º 3, do C.C. Públicos e, por outro, solicita que, em sede de Acórdão, se ordene a entrega de cópia deste ao Ministério Público no sentido de, junto da competente jurisdição administrativa, ser suscitada a [des]conformidade legal do Regulamento Interno.

3.
Foram colhidos os Vistos legais. 

II. FUNDAMENTAÇÃO

Ao longo do Acórdão recorrido, objecto do presente recurso, considerou-se estabelecida, com relevância para a presente análise, a factualidade inserta no introito deste aresto e, ainda, a seguinte:

1.
Por deliberação do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa [C.H.T.S.], de 17 de Janeiro de 2011, foi autorizada a abertura de um procedimento por Convite com vista à celebração do contrato para a execução da empreitada em causa;

2.
O preço base do procedimento foi de € 4 252 000,00;

3.
Como fundamento para a escolha do referido procedimento invocou-se o disposto nos artigos 6.º e 28.º do Regulamento de Aquisição de Bens, Serviços e Empreitadas do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E.;

4.
De imediato, foram enviados convites para a apresentação de propostas a 5 empresas: "Trado - Construção e Obras Públicas, Lda." [com sede em Ermesinde], "Arlindo Correia & Filhos, S.A.", [com sede em Braga], "ANORTE - Construção e Engenharia, Lda." [com sede em Paredes], "MRG - Engenharia e Construção, S.A.", [com sede em Seia] e "EDINORTE - Edificações Nortenhas, S.A." [com sede no Porto];

5.
Foram apresentadas propostas por 4 das 5 empresas convidadas, tendo a empresa "Trado - Construção e Obras Públicas, Lda.", declarado não apresentar proposta por o resultado do estudo de preços que efectuou a ter "projectado para um montante substancialmente superior ao preço base do convite";

6.
O artigo 14.º do Convite estabeleceu a exigência de que o adjudicatário fosse titular do alvará de Empreiteiro Geral de Edifícios de Construção Tradicional da 1.ª Categoria [Edifícios e Património Construído], em classe correspondente ao preço total apresentado na proposta, bem como de alvarás em várias Subcategorias das 1.ª, 2.ª, 4.ª e 5.ª Categorias, em classe correspondente ao preço da proposta da parte dos trabalhos em causa;

7.
O artigo 13.º do Convite estabeleceu como critério de adjudicação o do mais baixo preço;

8.
Por deliberação do Conselho de Administração do Hospital, de 14 de Março de 2011, a obra foi adjudicada à proposta apresentada pela "ANORTE - Construção e Engenharia, Lda.", que havia apresentado o preço mais baixo;

9.
Pela Decisão n.º 1043/09 - Setembro.18 - 1.ª S/SDV, que recaiu no processo de fiscalização prévia n.º 1184/2009, relativo a um outro contrato de empreitada celebrado pelo C.H.T.S., este Tribunal recomendou que, no futuro, se desse rigoroso cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, na linha da jurisprudência deste Tribunal sobre o referido preceito legal.
Eis, pois, a factualidade que suportará a aplicação do direito, conforme exercício que, de seguida, encetaremos.  

III. O DIREITO

Conforme decorre do Acórdão recorrido, a decisão de recusa do Visto ao contrato de empreitada em causa, celebrado entre o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E., e a empresa "ANORTE - Engenharia e Construção, Lda.", assenta, básica e essencialmente, no seguinte:

- Muito embora a formação do contrato em apreço não se mostre abrangida, directamente, pelo regime vertido no Código dos Contratos Públicos e Directivas de contratação pública, os procedimentos que a integram deverão assegurar adequada e prévia publicitação da vontade de contratar, por forma a garantir a observância dos princípios da igualdade da transparência e, mui especialmente, da concorrência;
- «In casu», o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E., ao abrigo do Regulamento para a aquisição de Bens, Serviços e Contratação de Empreitadas, aprovado por deliberação [de 10.05.2010] do respectivo Conselho de Administração, limitou-se a endereçar cinco convites a empresas por si selecionadas para a apresentação de propostas, facto que, manifestamente, restringe a concorrência, e, consequentemente, mingua o universo de eventuais interessados em contratar;
- O Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E., organismo de direito público e entidade adjudicante não deu, pois, adequada publicitação à sua vontade de contratar, incumprindo, deste modo, os princípios gerais da actividade administrativa, as normas concretizadoras de princípios constitucionais atinentes e constantes do Código de Procedimento Administrativo [vd. art.os 5.º e 6.º] e a que, nos termos do art.º 6.º, do C.C.P., deve obediência;
- As normas regulamentares [vd. art.os 6.º e 28.º] invocadas [constantes do Regulamento para Aquisição de Bens, Serviços e Contratação de Empreitadas, ou, abreviadamente, C.T.H.S.] como fundamento para o procedimento adoptado não se adequam ou conformam com a salvaguarda dos princípios da igualdade, da concorrência e da transparência;
- Para além do exposto, e na violação do disposto no art.º 31.º, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 09.01, a entidade adjudicante, no programa do procedimento, exigiu que a adjudicatária detivesse as habilitações  referenciadas no n.º 2, daquela norma, não admitindo que os concorrentes fossem titulares de uma única subcategoria em classe que cobrisse o valor global da obra, habilitações que, muito embora consideradas pelo n.º 1, ainda daquele normativo, como suficientes, não foram reconhecidas como tal;
- A contratação da obra com a adopção de um procedimento que se revela não suficientemente concorrencial e a exigência de habilitações técnicas segundo a forma descrita constituem, de um lado, violação dos princípios da igualdade, da concorrência e transparência ínsitos aos Tratados Europeus, C.R.P., C.P.A., e art.os 1.º, n.o 4 e 5.º, n.º 6, do Código dos Contratos Públicos, e, do outro, infracção ao disposto no art.º 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 09.01;
- E porque se trata de ilegalidades passíveis de alterar o resultado financeiro do contrato e também violadoras das normas, de natureza financeira, contidas nos art.os 42.º, n.º 6, e 47.º, n.º 2, da Lei de Enquadramento Orçamental, deparam-se os fundamentos da recusa do Visto aludidos nas alíneas b) e c), do n.º 3, do art.º 44.º, da Lei n.º 98/97, de 26.08.

Por sua vez, o recorrente assenta a discordância
relativamente ao Acórdão recorrido em razões, de facto e de direito, que sintetiza em conclusões 1.ª a 35.ª, acima transcritas, e que, com relevância para a economia do Acórdão em curso, se espraia pelo argumentário seguinte:

- O Regulamento para Aquisição de Bens e Contratação de Empreitadas do C.H.T.S., E.P.E., mostra-se conforme aos princípios da concorrência e da transparência;
- A jurisprudência comunitária citada no Acórdão recorrido concede ampla discricionariedade, na definição da via procedimental, às entidades com a natureza jurídica de que também goza a entidade recorrente [até por força do disposto no art.º 5.º, n.º 3, do C.C.P.];
- A vinculação decorrente do citado Regulamento reveste-se de natureza verdadeiramente normativa, impondo-se à entidade recorrente;
O Tribunal de Contas não detém competência para declarar a ilegalidade das normas constantes daquele Regulamento, o qual conforme o art.º 4.º, n.º 1, do E.T.A.F., é cometida aos Tribunais Administrativos e mediante impulso do Ministério Público [vd. art.os 72.º e 73.º, do C.P.T.A.];
- Inexiste legislação que identifique os critérios de aferição do interesse transfronteiriço do contrato em apreço e similares;
- O Acórdão recorrido, ao invocar os "valores-limiar" constantes do C.C.P. e comparando-os com os constantes do presente contrato, formula um juízo meramente conclusivo, sem apoio factual;

Daí que o Acórdão seja nulo, por violação do disposto no art.º 668.º, n.º 1, al. b), do Código do Processo Civil;

- A inobservância do art.º 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 09.01, não se mostra dolosa, devendo-se, fundamentalmente, a alguma inexperiência dos Serviços;
- No contexto descrito, deveria ter sido concedido o Visto, embora com recomendações.

Sumariada a matéria sob controvérsia, urge identificar as questões daí emergentes e que, com relevância, para a análise em curso, são as seguintes:

- Natureza jurídica do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E.;
- O procedimento adoptado e a eventual violação dos princípios da concorrência, igualdade e da transparência, ainda à luz dos art.os 1.º, n.º 4, 5.º, n.os 3 e 6, do Código dos Contratos Públicos, dos Tratados Europeus, da Constituição da República Portuguesa e do Código de Procedimento Administrativo;
- Da discricionariedade da entidade recorrente na fixação da via procedimental tendente à formação do contrato;
- Habilitações técnicas exigidas no domínio do procedimento e respectiva [in]conformação legal;
- Do Regulamento para Aquisição de Bens, Serviços e Contratação de Empreitadas [doravante, e abreviadamente, Regulamento], respectiva caracterização jurídica e aptidão vinculativa;
- Da declaração de ilegalidade de normas integradoras do Regulamento e o Tribunal competente;
- Da nulidade do Acórdão recorrido;
- Da concessão ou não do Visto e correspondente fundamentação legal.

A. Da natureza jurídica do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E. .

1.
O Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E., assumiu a condição de entidade pública empresarial por força da publicação do Decreto-Lei n.º 326/2007, de 28.09, com referência, ainda, ao Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29.12, onde, como é sabido, se situam os respectivos Estatutos [vd. art.º 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 326/2007].
Adentro do Decreto-Lei n.º 233/2005, diploma legal que incorpora os Estatutos da entidade hospitalar recorrente, destacam-se normas, que, pela sua relevância para a economia do aresto em apreço, importa proceder à respectiva convocação e sumariação do respectivo conteúdo.
Assim, e desde logo, o art.º 5.º, n.º 1, do diploma legal em causa [Decreto-Lei n.º 233/2005], identifica as entidades públicas empresariais como pessoas colectivas de direito público, dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
Mais adiante, o art.º 6.º, do mesmo diploma legal, proclama a superintendência do Ministério da Saúde sobre tais entidades públicas empresariais, a qual se estende à aprovação dos respectivos objectivos e estratégias, à definição de normas de organização e actuação hospitalar, à homologação dos regulamentos internos e, por fim, à determinação de auditorias e inspecções ao correspondente funcionamento.
Ainda nos termos do art.º 10.º, do citado Decreto-Lei n.º 233/2005, aos Ministérios das Finanças e da Saúde compete, no domínio da Tutela, aprovar os planos de actividade e orçamentos de tais entidades empresariais, autorizar a realização de investimentos e contracção de empréstimos [embora nas condições estabelecidas nas als. d) e f), daquela norma], autorizar, também, cedências de exploração de serviços hospitalares, para além de outras atribuições aí elencadas.
De igual modo, aqueles Ministérios exercem o controlo financeiro sobre os hospitais E.P.E., nos termos regulados no art.º 11.º, do citado Decreto-Lei n.º 233/2005, sendo que o correspondente financiamento é assegurado pelo Ministério da Saúde [vd. art.º 12.º].
E, agora, no âmbito dos Estatutos de tais entidades, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 233/2005, importa sublinhar que aí se prevê a detenção pelo Estado do capital  estatutário de tais entidades, a competência dos Ministros das Finanças e da Saúde para a designação dos membros do Conselho de administração e do Fiscal único [órgãos sociais do hospital, E.P.E.], incluindo-se, ainda, em tais Estatutos, a previsão das atribuições de tais entidades, as quais constarão de regulamentos internos, de necessária homologação pelo Ministro da Saúde.

2.
Originariamente, como é sabido, o art.º 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 233/2005, estipulava que a aquisição de bens e serviços, e, bem assim, a contratação de empreitadas pelos hospitais, E.P.E., reger-se-iam pelas normas de direito privado, mas sem prejuízo da aplicação do regime do direito comunitário relativo à contratação pública.
E, lembramos, que o n.º 2, do citado art.º 13.º, impunha que os Regulamentos Internos dos Hospitais, E.P.E., garantissem o cumprimento da regra contida no n.º 1, daquela norma, e, em qualquer caso, devia ser assegurada a observância dos princípios da livre concorrência, da transparência e da boa gestão e, também, a fundamentação das decisões tomadas.
O referido art.º 13.º foi objecto de revogação mediante o art.º 14.º, n.º 1, al. o), do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01, diploma legal que aprovou o Código dos Contratos Públicos, mas tal não subentende, como explicitaremos ulteriormente, que as entidades públicas empresariais não se mostrem subordinadas aos princípios estruturantes de toda a contratação pública e que se vertem no art.º 1.º, n.º 4, daquele diploma legal [C.C.P.].

3.
O Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, E.P.E., é, ainda, uma pessoa colectiva com natureza pública, criada para satisfazer necessidades de interesse geral [sem carácter industrial e comercial], financiada pelo Estado, cabendo, também, a este  último a designação dos titulares da administração, direcção e fiscalização respectivas, para além do próprio controlo da gestão.
Reúnem-se, assim, os critérios que enformam a sua condição de entidade adjudicante [vd. art.º 2.º, n.º 2, al. a), do C.C.P., e art.º 9.º, da Directiva n.º 2004/18/CE].

4.
Na consideração do expendido, é seguro afirmar que o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E., se assume, inquestionavelmente, como um organismo de direito público e integrador da Administração Pública, sendo ainda entidade adjudicante.
Caracterização que norteará, também, a análise em curso, e, particularmente, a aplicabilidade, em toda a dimensão, dos ditames decorrentes dos princípios estruturantes da contratação pública, e, que, como é sabido, se confundem com a concorrência, igualdade e transparência.

B. Dos Princípios que regem a Contratação Pública e respectiva aplicabilidade ao caso em apreço.

O art.º 5.º, n.º 3, do C.C.P., dispõe que a parte II deste mesmo diploma legal não é aplicável à formação dos contratos, a celebrar pelos hospitais, E:P.E., a menos que as empreitadas por estas implementadas assumam um valor igual ou superior ao referido na alínea c), do art.º 7.º, da Directiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março (1). 
Assim, sob o impulso do sustentado em alegações de recurso, e, atenta a fundamentação vertida no Acórdão sob impugnação, impõe-se indagar se a formação do contrato em apreço, embora de valor inferior ao limiar estabelecido naquela Directiva Comunitária, deveria subordinar-se aos princípios estruturantes da contratação pública [igualdade, concorrência e transparência] e, de qualquer modo, sob que expressão procedimental.

Exercício a que procederemos, de seguida.

1.
Conforme se exara no Acórdão recorrido, o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E., juntou ao processo cópia de "Regulamento para a Aquisição de Bens, Serviços e Contratação de Empreitadas" aprovado por deliberação do respectivo Conselho de Administração e em vigor a partir de 01.06.2010, onde, com relevância para a análise em curso, se prescreve o seguinte:
"(...)
Capítulo I, Artigo 2.º:
"Âmbito de aplicação
1. O presente regulamento aplica-se aos procedimentos tendentes à formação de contratos de empreitadas de obras públicas (...) realizados pelo CHTS, excluídos do n.º 3 do artigo 5.º do Código dos Contratos Públicos (...).
2. Por conseguinte, o presente regulamento é aplicável à formação dos contratos a celebrar pelo CHTS até aos seguintes limites:
a) De empreitada de obras públicas, cujo valor seja inferior ao referido na alínea c) do artigo 7.º da Directiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março - € 4.845.000, IVA excluído;
b) (...)"

Capítulo I, Artigo 3.º:
"Princípios conformadores da contratação ao abrigo do Regulamento
1. Sem prejuízo do respeito pelos princípios fundamentais da contratação pública constantes dos Tratados Comunitários, à formação dos contratos referidos no artigo anterior são aplicáveis os princípios gerais da actividade administrativa, as normas que concretizam preceitos constitucionais constantes do Código do Procedimento Administrativo e, quando estejam em causa contratos com objecto passível de acto administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos, as normas constantes do Código do Procedimento Administrativo, com as necessárias adaptações.
2. São especialmente aplicáveis os seguintes princípios:
a) (...)
b) (...)
c) Princípio da Publicidade e da transparência - na formação dos contratos do CHTS deve garantir que existe uma adequada publicidade da sua decisão de contratar (...);
d) Princípio da Igualdade - na formação dos contratos do CHTS deve proporcionar iguais condições de acesso e de participação dos interessados em contratar, não podendo privilegiar ou prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever, nenhum interessado, nomeadamente, em função da sua nacionalidade;
e) (...)
f) Princípio da concorrência - na formação dos contratos o CHTS deve assegurar o mais amplo acesso ao procedimento dos interessados em contratar, estimulando a máxima auscultação do mercado sem prejuízo do princípio da proporcionalidade;
g) Princípio da Proporcionalidade - na formação dos contratos deve ser escolhido o procedimento mais adequado ao interesse público a prosseguir, ponderando-se os custos/benefícios decorrentes da respectiva utilização (...);

Capítulo II, Artigo 4.º:
"Tipo de procedimentos
1. Para a formação dos contratos referidos no artigo 2.º do Regulamento, o CHTS adopta um dos procedimentos a seguir enunciados cujos pressupostos e tramitação se encontram descritos no Capítulo III, que passamos a enunciar:
a) Processo de Aquisição Directa;
b) Processo com convite;
c) Processo com publicitação obrigatória.
2. Os referidos procedimentos são utilizados para a formação de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços cujo valor seja inferior a € 193.000, IVA excluído, e de empreitadas de obras públicas de valor inferior a € 4.845.000, IVA excluído.
(...)"

Capítulo II, Artigo 6.º:
Contratação de Empreitadas de Obras Públicas - Escolha do tipo de procedimento
1. Processo de Aquisição Directa para a celebração de contratos de realização de empreitadas de obras públicas cujo valor não ultrapasse o valor de € 500.000, IVA excluído;
2. Processo com Convite para a celebração de realização de empreitadas de obras públicas de valor superior a € 500.001, IVA excluído.
(...)"

Capítulo II, Artigo 7.º:
"Locação, aquisição de bens móveis e serviços - Escolha do tipo de procedimento
1. Processo de Aquisição Directa para celebração de contratos de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços cujo valor não ultrapasse o valor de € 40.000, IVA excluído.
2. Processo com convite para a celebração de contratos de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços de valor superior a 40.001€ e igual ou inferior a € 100.000, IVA excluído.
3. Processo com publicitação para a celebração de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis, de aquisição de serviços valor superior a €100.001, IVA excluído.
(...)"

Capítulo III, Artigo 28.º:
"Processo com Convite
1. No Processo com convite, o CHTS convida directamente as entidades a apresentar proposta, mediante envio de convite por qualquer meio de transmissão escrita ou electrónica de dados, não podendo o número de entidades ser inferior a 3 (três).
2. No processo com convite, ao abrigo do n.º 2 do art. 6.º, de valor superior a 2.500.000€, o número de entidades não poderá ser inferior a 5 (cinco).
(...)"

Capítulo III, Artigo 29.º:
"Processo com Publicitação
1. O Processo com Publicitação Obrigatória obriga a publicação de anúncio em dois jornais de grande circulação, devendo ser igualmente publicitado no site do CHTS.
2. No caso de procedimento de valor superior a € 100.001, IVA excluído, e inferior aos limites de valor abrangidos no presente Regulamento, o procedimento obriga, para além dos requisitos constantes do número anterior, à prestação de caução e à realização de audiência prévia de 3 (três) dias úteis.
3. Na formação de contratos de empreitadas de obras públicas de valor superior a € 193.000, IVA excluído, e inferior aos limiares de valor abrangidos pelo presente Regulamento, o procedimento obriga, para além dos requisitos constantes nos números anteriores, à celebração de contrato.

Visto o citado Regulamento [interno], logo se intui a inclusão expressa de normas atinentes à formação dos contratos de valor inferior ao estabelecido nas alíneas b) e c), do art.º 7.º, da Directiva n.º 2004/18/CE para aquisição de bens serviços e empreitadas, normação essa, que, e sublinhe-se, apela à convocação dos princípios fundamentais da contratação pública constantes dos Tratados Comunitários, dos princípios gerais da actividade administrativa e das normas que concretizam preceitos constitucionais constantes do Código de Procedimento Administrativo.
Ainda no âmbito daquele Regulamento, e na previsão de obrigatória aplicação de demais princípios envolventes da contratação pública, referenciam-se a publicidade, a transparência, a igualdade, a proporcionalidade e a concorrência como lenitivos de tal tarefa [vd. art.º 3.º, n.º 2, als. c) , d), f) e g)].
Porém, e conforme se prevê nos art.os 6.º e 28.º, do Regulamento do C.H.T.S., acima transcritos, no domínio da contratação de empreitadas de obras públicas, a formação do contrato poderá seguir a via procedimental da aquisição directa [obras públicas com valor não superior a € 500,00, sem IVA] e do convite  [empreitadas com valor superior a € 500,001, sem IVA], sendo que este último se materializa no envio de convites à apresentação de propostas a entidades em número não inferior a três, mas passando a ser de cinco sempre que o valor do contrato seja superior a € 2 500 000,00.
O procedimento sob análise apresenta-se, assim, e de algum modo, como tributário das regras contidas no sobredito Regulamento, e, mais particularmente, daquelas que foram objecto de oportuna transcrição. Daí que, razões de metodologia e de análise, imponham a indagação da confirmação do teor das regras regulamentares acima transcritas com os citados princípios da igualdade da transparência e da concorrência, e, mais restritamente, a compatibilização do procedimento adoptado com os referidos princípios.

1.1.
Tal como se sustenta em alegações de recurso, é pacífico que o Regulamento, de cariz administrativo, corporiza normação de carácter geral e execução permanente, dimanando de autoridade administrativa sobre matéria própria da sua competência(2).Reveste-se, pois, de carácter geral e pessoal.
E, ainda na dissecação do conceito jurídico de regulamento e apoiados em doutrina (3) amplamente firmada, importa reter que os regulamentos podem ser classificados de "complementares", se elaborados para assegurar a execução de uma lei e o desenvolvimento das suas normas básicas, e de internos, se dirigidos ao modo de funcionamento e organização de determinada unidade orgânica. Para além disso, é comummente aceite, que, no plano material, os regulamentos distinguem-se da lei por lhe faltar novidade, sendo que o Direito incorporado no Regulamento não possui o mesmo valor que o estatuído na lei [de resto, o Regulamento só pode estatuir adentro dos limites indicados na lei ou para execução das suas normas].

1.2.
Lembrando, agora, o teor da normação contida nos Decretos-Lei n.os 326/2007 [que cria o C.H.T.S. como entidade pública empresarial] e 233/2005 [diploma criador de entidades públicas empresariais e respectivos Estatutos] e, mui particularmente, a circunstância de aí se prever a elaboração pelos hospitais E.P.E. de Regulamentos destinados à respectiva estruturação [institucional e funcional] orgânica, é de concluir, ainda suportados na caracterização conceptual [de Regulamento] acima realizadas, que o Regulamento em apreço [do C.H.T.S.] se identifica como um instrumento normativo com carácter interno [definição também vertida nos citados Decretos-Lei n.os 326/2007 e 233/2005] e complementar.
Na verdade, e explicitando, o Regulamento privativo do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E., visa, de um lado, assegurar a execução dos princípios e normas orientadoras contidas nos Decretos-Lei acima enunciados [233/2005 e 326/2007], e, do outro, definir, em concreto, o respectivo modo de funcionamento, nomeadamente, no domínio da aquisição de bens e serviços e contratação de empreitadas.
Donde decorre que, contrariamente, ao sustentado pelo recorrente, o Regulamento interno do C.H.T.S., à semelhança dos demais Regulamentos internos dos Hospitais, E.P.E., para além da sua submissão a homologação do Ministro da Saúde, carecem de habilitação legal expressa [contida, de resto, nos citados Decretos-Lei n.os 233/2005 e 326/2007] e devem conformar-se com as normas vertidas nos citados Decretos-Lei [n.os 233/2005 e 326/2007] e princípios aí inscritos, de modo expresso ou tácito.

1.3.
Como já salientámos noutro lugar [vd. III.A., deste Acórdão], o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E. [abreviadamente, C.H.T.S.] é uma entidade adjudicante, pois, indiscutivelmente, foi criada para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral, é maioritariamente financiada pelo Estado, que, também  controla a sua gestão e nomeia a respectiva administração e Fiscal único, e, por fim, só formalmente se assume como empresa, pois, em boa verdade, não possuí carácter industrial ou comercial [vd., a propósito, o art.º 2.º, do C.C.P.].
Repetindo-nos, o C.H.T.S. é, também, um organismo de direito público que se integra na Administração Pública.
Acresce que, revogado o art.º 13.º, do Decreto-Lei n.º 233/2005 [versão original], o qual prescrevia a aquisição de bens e serviços e contratação de empreitadas pelos Hospitais E.P.E sob as normas de direito privado [embora em subordinação às regras advenientes do direito comunitário], à formação dos contratos celebrados por tais entidades são, agora, aplicáveis, ainda nos termos do art.º 5.º, n.º 6 do C.C.P., os princípios gerais da actividade administrativa, e as normas que concretizem preceitos constitucionais constantes do Código de Procedimento Administrativo, e, quando estejam em causa contratos com objecto possível de acto administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos, as normas constantes do referido Código de Procedimento Administrativo, embora com as necessárias adaptações.
Sobre o acervo normativo elencado paira, naturalmente, a aplicabilidade dos princípios estruturantes da contratação pública previstos na parte I do Código dos Contratos Públicos [vd. art.º 1.º, n.º 4] e o direito comunitário que os informa.
Aqui chegados, é adequado concluir que o Regulamento Interno em causa, porque complementar ao estatuído no Decreto-Lei n.º 233/2005, não só deverá, no domínio da contratação de empreitadas, conformar-se com o teor deste último diploma legal, bem como conceder observância às normas e princípios constantes do C.C.P. e do direito comunitário que se mostrem aplicáveis [vd., de novo, os art.os 1.º, nº 4, 2.º e 5.º, n.os 3 e 6, do C.C.P. e Directiva Comunitária n.º 2004/18/CE].
Vejamos, de seguida, se o procedimento adoptado observa a normação mencionada e contida no Código dos Contratos Públicos, Direito Comunitário, Constituição da República e Código do Procedimento Administrativo, não deixando, obviamente, de o confrontar com o Regulamento que, afinal, o suporta.  

C. Do Procedimento e [In]observância dos princípios da Igualdade, Transparência e Concorrência

Como já salientámos, o art.º 5.º, n.º 3, al. a), do Código dos Contratos Públicos, prevê um regime dirigido à formação do contratos a celebrar pelos hospitais E.P.E., sendo que, segundo aquela norma, a parte II, do C.C.P., é inaplicável à formação de contratos de empreitada de obras públicas a celebrar pelos hospitais E.P.E., cujo valor se mostre inferior ao indicado (4) no art.º 7.º, als. b) e C), da Directiva n.º 2004/18/CE.
Por outro lado, e como já afirmámos, aos procedimentos implementados por tais entidades [também, adjudicantes] são aplicáveis os princípios gerais da actividade administrativa, as normas que concretizem preceitos constitucionais e constantes do C.P.A., e, ainda, as normas deste último diploma legal, mas com as necessárias adaptações.
Neste contexto, e porque a recusa do Visto sob impugnação radica, afinal, na violação dos princípios da concorrência, igualdade e transparência, induzida, de resto, por alegada ausência de adequada publicitação do procedimento, importará saber se, no domínio da formação de tal contrato, era exigível a observância dos referidos princípios e se tal teve lugar.

O que exercitaremos, de seguida.

1.
O Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-lei n.º 18/2008, de 29.01, prevê no seu art.º 1.º, n.º 4, que à contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência.
Por outro lado, a Directiva Comunitária n.º 2004/18/CE, transposta para o direito interno português e plasmada no Código dos Contratos Públicos, dispõe, também, que a adjudicação de um contrato deverá apoiar-se em critérios que garantam o acatamento dos princípios da transparência, da não discriminação e da igualdade de tratamento.
Assim, no domínio da contratação pública, o C.C.P. e a citada Directiva Comunitária postulam, como regra, a adopção de procedimentos concorrenciais abertos, via que se assume, também, como adequada à protecção do interesse financeiro público.

1.1.
Como afirmámos noutro lugar [vd. III.B., deste Acórdão], à formação do contrato em apreço, em razão do disposto no art.º 5.º, n.º 6, do Código dos Contratos Públicos, são aplicáveis os princípios gerais da actividade administrativa e as normas constantes do C.P.A. que concretizem preceitos constitucionais.
Ora, como é sabido, os art.os 5.º e 6.º, do C.P.A., impõem que a Administração Pública, nas suas relações com os particulares, se reja pelos princípios da igualdade e da imparcialidade, abstendo-se, assim, de privilegiar ou beneficiar algum administrado, ou, ainda, de o privar de algum direito para cujo exercício detenha legitimidade.
Normas que, afinal, dão expressão aos comandos contidos no art.o 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Assim, ainda no apelo àqueles princípios norteadores da actividade administrativa, inequivocamente aplicáveis à formação do contrato em apreço por força do citado art.º 5.º, n.º 6 [do C.C.P:], é imperioso afirmar que, muito embora o valor contratualizado seja inferior ao limiar [€ 4 845 000,00] fixado por Directiva Comunitária, o procedimento sob apreciação teria de ser informado pelos princípios de igualdade, que, no caso concreto, se definirá pela não discriminação de algum concorrente [efectivo ou potencial] no acesso à formação do contrato e pela privação do direito [devidamente legitimado] à apresentação de propostas.
Demonstrada a conexão necessária do princípio da igualdade com o princípio da concorrência, é seguro afirmar que a inobservância do primeiro dita a não materialização deste último.

2.
Já salientámos a presença do direito comunitário no domínio da normação disciplinadora da contratação pública.
Desde logo, e ilustrando, bastará lembrar que o C.C.P. substancia a transposição da Directiva n.º 2004/18/CE, que, deste modo, passou a constituir direito interno.
Importa, agora, abordar a hermenêutica e jurisprudência de raiz comunitária, certos de que contribuirão para o melhor esclarecimento da questão que nos ocupa - o procedimento adoptado e a eventual violação dos princípios estruturantes de toda a contratação pública.

2.1.
A propósito da subordinação dos contratos públicos, ainda que de valor inferior ao limiar comunitário, aos princípios inscritos na Directiva n.º 2004/18/CE e acima  elencados, o T.J.U.E. vem, insistentemente, decidindo que a transparência só se afirma, uma vez assegurada aos potenciais concorrentes a celebração de um contrato público adequado.
E, na ilustração da orientação seguida por aquele Tribunal, importa lembrar o teor do Acórdão "Teleaustria" [vd. proc.º n.º C-324/98], o qual, em nome das obrigações de transparência, preconiza a adopção de um grau de publicidade que permita assegurar a concorrência e controlar a imparcialidade dos processos de adjudicação, o Acórdão proferido no caso "Benet Mousten Vestergaard" [2001, proc.º C-59/00], que, sem equívoco, sustenta a observância obrigatória das regras fundamentais do Tratado, ainda que tais contratos se mostrem excluídos da subordinação às Directivas Comunitárias no que tange à contratação pública, e, por último, o Acórdão "Parking Brixen" [proc.º C- 458/03], ao insistir na salvaguarda da transparência, entendida como modo de garantir aos eventuais concorrentes a publicidade necessária, também indutora da abertura do mercado à concorrência.

2.2.
Em igual sentido converge, ainda, a mais relevante hermenêutica comunitária.
Com efeito, a Comunicação Interpretativa da Comissão [2006/C-179/02] incidente sobre o direito comunitário aplicável à adjudicação de contratos públicos não abrangidos pelas Directivas Comunitárias apela, com particular ênfase, à escrupulosa observância dos princípios gerais de contratação pública, aí destacando os princípios da transparência, da concorrência, da igualdade e não favorecimento ilegítimo e, por fim, os princípios da imparcialidade e da publicidade. Princípios que perpassam pelas regras fundamentais inscritas no Tratado.
Por outro lado, a referida Comunicação Interpretativa, no seu ponto 1.3., advoga que os princípios derivados do Tratado C.E. apenas são aplicáveis aos contratos com relevância nos segmentos da construção e funcionamento do mercado interno.
E tal relevância, ainda, segundo aquela Comunicação Interpretativa, será fixada pela entidade adjudicante, certamente na consideração de factores referentes ao objecto do contrato, respectivo valor, particularidades do sector em questão e lugar de execução.
Esta Comunicação Interpretativa, após impugnação deduzida pela R.F. da Alemanha, foi objecto de confirmação pelo T.J.C.E., que, em Acórdão de 20.05.2010 [vd. proc.º T-258/06], enjeita a presunção da não relevância para o mercado interno dos contratos públicos cujo valor se mostre inferior aos limiares comunitários, enfatiza a obrigação de acatamento dos princípios da igualdade e da transparência em caso de contratos com valor inferior ao delimitado pelas Directivas Comunitárias, e, por último, sublinha que a dispensa de publicidade prévia do Anúncio do procedimento apenas é admitida em casos de inadiável urgência e, quando, por motivos técnicos, apenas podem ser executados por um operador económico determinado.
Lembramos, ainda, a pertinência da doutrina vertida na referida Comunicação Interpretativa, considerados os problemas orçamentais com que se debatem os Estados-membros e a ingente necessidade de melhor gerir os dinheiros públicos.
Esta decisão de instância judicial comunitária, para além de sustentar o recurso à transparência no procedimento, atingível mediante o uso de publicidade adequada, insiste em advogar a observância dos princípios estruturantes da contratação pública [igualdade, transparência e concorrência], ainda que em situação de não aplicação da citada Directiva Comunitária [2004/18/CE].

2.3.
Sendo certo que o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E., é um organismo de direito público que integra a Administração Pública, que assume, legalmente, a condição de entidade adjudicante, e que, por força dos princípios que regem a actividade administrativa por si exercitada, deve obediência à Constituição, ao Código de Procedimento Administrativo, ao Código dos Contratos Públicos, e, ainda, às Directivas Comunitárias, sempre importará saber se, atento o valor do contrato [inferior ao limiar comunitário], se impunha procedimento diverso do adoptado.
Esta questão reconduz-se, obviamente, ao sustentado no ponto 1.3., da referida Comunicação Interpretativa, onde se afirma que os princípios derivados do Tratado C.E. apenas se aplicam às adjudicações de contratos "que tenham uma relação suficientemente estreita com o funcionamento do mercado interno" [comunitário]. Dito de outro modo, e «a contrario», mas ainda no esclarecimento conceptual da expressão "relevância para o mercado interno", sempre que a adjudicação de um contrato não apresentar interesse para operadores económicos situados em outros Estados-Membros, não se justificaria a aplicação de normas derivadas do direito primário comunitário.
Importa, pois, aquilatar da "relevância do presente contrato para o mercado interno", ocorrendo-nos, ainda, dos factos enunciados na sobredita Comunicação Interpretativa e que se espraiam pela natureza do objecto do mesmo contrato, respectivo valor, especificidade do sector onde se situa e lugar de execução.
E em coerência com o afirmado reconhece-se que, na ausência de critério quantitativo fixado por lei para aferir, com certeza, do grau de relevância do contrato para o mercado interno, urge apelar a argumentário legal e fáctico, que, equilibradamente, preencham tal conceito.

2.4.
Na consecução do desiderato enunciado em número que antecede, salienta-se o seguinte:

- O art.º 19.º, al. a), do C.C.P., impõe aos organismos de direito público a realização de concurso sempre que o valor do contrato seja igual ou superior a € 1 000 000,00 [vincula, mui especialmente, o Banco de Portugal e as demais entidades públicas indicadas no art.º 2.º, n.º 2, daquele diploma legal, identificáveis com o C.H.T.S, E.P.E., em razão da respectiva natureza, estruturação, escopo e modo de financiamento];
O legislador considera, assim, que as entidades tidas pelas Directivas como organismos de direito público se submetem, a partir do referido valor, ao Código dos Contratos Públicos, facto que impele à adopção do concurso público, real assegurador da mais ampla publicidade e concorrência;
- Por outro lado, a empreitada em causa assume o valor de € 4 050 560,02 [s/IVA], que se perfila como muito significativo;
Diremos, com segurança que, face à dimensão e características do mercado português, e, até, do mais vasto espaço comunitário, um contrato de tal valor assume indiscutível relevância em tais espaços económicos [nacional e comunitário].
Perante tais argumentos, considera-se coerente e equilibrado eleger tal valor [€ 1 000 000,00] como eixo de aferição da relevância para o mercado interno de um determinado contrato, cuja formação não se subordina à parte II, do Código dos Contratos Públicos.
E, decorrentemente, sempre que os "procedimentos concursais-tipo" previstos nas Directivas e legislação nacional não sejam de seguimento obrigatório, as entidades públicas em causa podem adoptar vias mais flexíveis no domínio da contratação, mas no tocante a empreitadas públicas que excedam tal valor [€ 1 000 000,00], a via procedimental trilhada não deixará de assegurar, em boa medida, a realização dos princípios da igualdade, da transparência e da concorrência.

2.4.1.
Perante o argumentário legal, doutrinário e jurisprudencial acima expendido, e a que, obviamente, emprestamos total adesão, enjeita-se, em consequência, o sustentado pelo recorrente em alegações e que, transcrevendo, se traduz no seguinte:
"(...)
Ao estabelecer limiares de aplicação das Directivas..., o legislador comunitário previa, expressamente, que abaixo desses valores deve, em princípio, presumir-se que os efeitos do mercado interno são aleatórios ou indirectos e, assim, concluir que não há interesse por parte dos concorrentes estrangeiros".

3.
Reconhecida a relevância do contrato para o mercado interno, atenta a orientação legal decorrente das regras contidas no art.º 5.º, n.º 6, do C.C.P., a Directiva Comunitária n.º 2004/18/CE e, ainda, a jurisprudência e doutrina comunitárias invocadas, urge proceder ao respectivo confronto com o procedimento adoptado, em ordem a aquilatar da bondade deste último.

3.1.
Conforme se infere do probatório inserto em II., deste Acórdão, a entidade recorrente autorizou a abertura de um procedimento com vista à celebração do contrato para a execução da empreitada em causa, solicitando-se, para o efeito e ao abrigo do art.º 28.º, do Regulamento acima já caracterizado, propostas a cinco empresas.
Trata-se, pois, de um procedimento por "Convite", coincidentemente dirigido a empresas previamente selecionadas pela entidade adjudicante e localizadas na região norte do país.

Mais:

- O procedimento seguido, traduzido em "Convite" a empresas e não ao mercado, revela-se "fechado" e, claramente, sem a publicitação adequada a garantir o acesso ao mesmo de um vasto universo de potenciais concorrentes;
- A via procedimental adoptada suscita, ainda, maior incompreensão, atendendo a que não se demonstra a inevitabilidade da orientação seguida.
Ao C.H.T.S., E.P.E., na condição de instituição pública e gestora de fundos públicos, impunha-se adoptar um procedimento que centrasse em prévia e alargada publicitação a sua vontade de contratar, aliás, a única forma de dar cumprimento aos princípios da transparência, da igualdade e da concorrência [de observância obrigatória no caso em apreço] e instrumento indissociável da melhor prática gestionária.
E, pese embora o facto de o contrato em causa não se submeter à disciplina procedimental constante da parte II., do Código dos Contratos Públicos, e, assim, serem admitidos procedimentos mais ágeis [ex: não exigência de concurso publico], tal não subentende a postergação da ampla e prévia publicitação da vontade de contratar, meio indispensável à salvaguarda da concorrência.
A não publicitação adequada da vontade de contratar determina, assim, a inobservância dos princípios da concorrência, da transparência e da igualdade, e, inerentemente, a normação nacional [art.os 81.º, 99.º e 266.º, da C.R.P., art.os 1.º, n.º 4 e 5.º, n.º 6, do C.C.P., e art.os 5.º e 6.º, do C.P.A.] e comunitária [Directiva n.º 2004/18/CE] aplicáveis. 

D. Da Discricionariedade.

1.
No domínio das alegações, a entidade recorrente sustenta que no âmbito da "celebração de contratos não abrangidos pelas directivas relativas à contratação pública, a entidade adjudicante procederá a uma avaliação da importância do contrato em questão à luz das circunstâncias particulares de cada caso".
Deste modo, ainda segundo o recorrente, concede-se ao recorrente uma ampla discricionariedade para, casuisticamente, avaliar a observância dos "designados princípios estruturantes da contratação pública" e adoptar, em conformidade, a atinente via procedimental.
A propósito da relevância do contrato em apreço para o mercado interno e da pertinência do seguimento de um procedimento que garanta, entre outros, a observância do princípio da concorrência, já nos pronunciámos ao longo deste Acórdão [vd. B. e C.] e por forma extensa.
Daí que nos dispensemos de insistir na argumentação que, afinal, configura o procedimento seguido como um instrumento de infracção aos referidos princípios envolventes da contratação pública e demais legislação nacional e comunitária.

O que se reafirma.

Porém, e suscitada a discricionariedade enquanto elemento ínsito à decisão administrativa, não deixaremos de, abreviadamente, atentar em tal conceito jurídico-administrativo e na respectiva repercussão no caso concreto.

O que faremos, de seguida.

2.
Tal como a doutrina vem sustentando (5), a Administração [incluindo a local] subordina-se à lei nos termos do princípio da legalidade. É, no entanto, verdade que a lei regula, diversamente, a prática dos actos a praticar pela Administração Pública, quer pormenorizando, quer concedendo uma considerável margem de liberdade aos órgãos administrativos [regulamentação imprecisa].
Caso o legislador opte pela pormenorização, o resultado confunde-se, habitualmente, com a total vinculação da Administração à lei. Situamo-nos, assim, no âmbito dos poderes vinculados, sendo que os actos administrativos exercidos sob tais poderes se consideram, também, actos vinculados.
Mas quando a lei é, reguladoramente, omissa, cabe à Administração Pública decidir segundo critérios que, em cada caso, se mostrarem mais consentâneos com a prossecução do interesse público. Posicionamo-nos, agora, no plano dos poderes e actos discricionários.
Ainda de acordo com a doutrina elaborada a propósito, não existem poderes e actos absolutamente vinculados, nem actos e poderes totalmente discricionários.
Dito de outro modo, os poderes e actos administrativos são, por regra, e simultaneamente, vinculados e discricionários. E, explicitando, diremos:

- No exercício dos poderes vinculados, a lei deixa, com habitualidade, uma margem mínima de escolha livre de um ou outro elemento enformador do acto, o que traduz alguma discricionariedade;
- No exercício dos poderes e prática de actos discricionários, a decisão surge livre em alguns aspectos, mas nunca o será quanto à competência [conferida por lei] nem quanto ao fim a prosseguir (6).
- O poder discricionário deriva, forçosamente, da lei, existindo apenas e na medida em que esta o atribua; "só pode ser exercido por aqueles a quem a lei o atribuir e para o fim com que a lei o confere" (7).
Relevando aquela explanação conceptual, a escolha do procedimento em apreço configura, seguramente, um poder predominantemente vinculado, embora movendo-se, também, no domínio de alguma discricionariedade.
É vinculado, porque a escolha do procedimento, e, mais restritamente, o modo de publicitação da formação do contrato, se subordina a critérios de relevância para o mercado interno definíveis por apelo à lei [vd. art.º 19.º, al. a), do C.C.P.] e doutrina comunitária, a princípios [concorrência, igualdade e transparência] também consagrados na lei, regulamentação e jurisprudência comunitária, e, ainda, a critérios de natureza material. É, ainda, vinculado, porque a forma procedimental seguida deverá assegurar o fim que a lei pretende realizar com tal acto, e, que, como é sabido, se confunde com a defesa do interesse financeiro público.
Na consideração do exposto, e como abundantemente expendemos acima, é de concluir que a via procedimental seguida pela entidade recorrente inconsiderou e não observou limitações decorrentes da lei e dos princípios aplicáveis e a que se encontrava vinculada. 

E. Da vinculação ao Regulamento.

A dado passo das alegações, a entidade recorrente, ao salientar a obrigação do cumprimento do Regulamento, afirma "encontrar-se auto-vinculada a uma pré- -ordenação normativa que, previamente criou e instituiu, não podendo violá-la...".
Afigura-se-nos que tal reflexão padece de ausência de fundamento bastante, brigando, mesmo, com a não inevitabilidade do procedimento seguido, e, ainda, com o princípio da legitimidade da não observância, «in totum», de regras incompatíveis com a estatuição contida em normas de carácter superior.
Na verdade, o Regulamento para Aquisição de Bens e Serviços e Contratação de Empreitadas, privativo do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E., embora erga o "processo por convite" à condição de tipo procedimental, guinda, ainda, o "processo com publicitação obrigatória" [vd. Cap. II, art.º 4.º] como opção procedimental.
Ora, sendo certo que a bondade do procedimento seguido e sob análise se mostra comprometida em razão da ausência de publicitação adequada, é de questionar o motivo porque a entidade recorrente, no âmbito da formação do contrato, não recorreu a outra via procedimental, também admitida pelo citado Regulamento, e, porventura, com aptidão para assegurar o cumprimento dos princípios norteadores da contratação pública [concorrência, igualdade e transparência].
Por outro lado, e vincando a não obrigatoriedade da adopção do procedimento seguido, importa lembrar [vd. reflexão vertida em B., deste Acórdão] que o Regulamento em causa, embora exiba carácter normativo, se reveste de natureza complementar [em relação à lei habilitante constante dos Decretos-Lei n.os 233/2005 e 326/2007] e tem natureza interna.
Como corolário desta asserção, e bem longe do "emparedamento" invocado no domínio das alegações, a solução normativa alternante repousava na afirmada normação interna [art.os 1.º, n.º 4 e 5.º, n.º 6, do C.C.P., art.os 81.º, 99.º e 266.º, da C.R.P., e art.os 5.º, e 6.º, do C.P.A.] e comunitária [Directiva n.º 2004/18/CE], solução esta enformada por normas de hierarquia superior e directamente aplicáveis.
E, trilhando tal percurso, suprir-se-ia a incompreensível contradição entre os art.º 3.º [proclama os princípios conformadores da contratação] e 28.º [regula o processo por convite], do Regulamento, a qual, conforme bem se afirma no Acórdão recorrido, torna vã a elencagem dos princípios incluídos neste última norma. 

F. Das Habilitações Técnicas.

Nesta parte, a entidade recorrente não contraria o fundamentado e decidido no Acórdão recorrido [vd. n.º 2], limitando-se a adiantar que a inobservância do art.º 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 09.01, não foi doloso, resultando, isso sim, de alguma inexperiência e alguma menor diligência dos serviços.
Pelo que, e correspondentemente, nenhuma razão impõe a alteração do aresto impugnado. 

G. Da nulidade do Acórdão.

Fundando-se no art.º 668.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, a entidade recorrente sustenta [vd. conclusão 27.ª] que "o Acórdão recorrido, ao invocar o Código dos Contratos Públicos, comparando os valores limiares que dele constam ao ajuizado contrato, está a formular um juízo meramente conclusivo e não se alicerça em qualquer dado de facto...", pelo que, o Acórdão é nulo (8)...".
Analisado o Acórdão sob impugnação, é seguro adiantar que o mesmo não enforma da nulidade que lhe é apontada ou outra, como, sucintamente, demonstraremos.

1.
O art.º 668.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, confere nulidade à sentença [leia-se, no caso, Acórdão] sempre que a mesma não especifique os fundamentos de facto e de direito que a justificam.
Ora, centrando-nos na matéria erguida pela entidade recorrente como baseante da nulidade invocada, sublinha-se, desde já, que o Acórdão recorrido, na sustentação da relevância do contrato para os mercados nacional e comunitário, invoca motivação legal interna [vd. art.º 19.º do C.C.P.] e orientação legal comunitária [Directiva Comunitária n.º 2004/18/CE, transposta para o direito interno mediante o C.C.P. em vigor], e, bem assim, o valor do contrato, apoiando-se em tais razões para avalizar a pertinência da publicitação procedimental. Ou seja, convocam-se o direito e elementos de facto para legitimar a orientação seguida no Acórdão. E tal exercício substancia a fundamentação exigida na alínea b) do n.º 1 do art.º 668.º do C. P. Civil.
Por outro lado, o Acórdão recorrido não sugere, por ausência de apoio legal, algum procedimento de natureza concursal. Basta-se, isso sim, atenta a valia económica do contrato e a especificidade empresarial ao nível dos espaços nacional e comunitário, com o apelo à publicitação da formação do contrato por forma a salvaguardar as vantagens advenientes da concorrência.
Admite-se que o recorrente discorde da solução encontrada, mas, em nosso entender, não disporá de razões para apodar o Acórdão impugnado de infundamentado, seja na vertente fáctica, seja no plano do direito.
Soçobra, assim, a nulidade invocada. 

H. Da Declaração de Ilegalidade de Normas e O Tribunal de Contas.

Em sede de conclusões [vd. 18.ª], a entidade recorrente sustenta que, no âmbito do Acórdão recorrido, se consideraram ilícitas as normas constantes dos art.os 6.º e 28.º do citado Regulamento. E, adianta o recorrente, que tal opção decisória não integra a competência do Tribunal de Contas, mas a cometida aos Tribunais Administrativos.

Também, nesta parte, não assiste razão ao recorrente.

Senão, vejamos:

1.
É indubitável que, face aos art.os 72.º e 73.º do C.P.T.A., cabe aos Tribunais Administrativos a declaração da ilegalidade das normas, uma vez suscitada em acção própria [administrativa especial] pelo Ministério Público.
Porém, e contrariando o alegado pelo recorrente, o Acórdão em causa não proclama a ilegalidade de qualquer norma, limitando-se, tão-só, a salientar a sua [dos art.os 6.º e 28.º] incompatibilidade com os princípios da concorrência, da transparência e da igualdade, que, segundo o entendimento aí vertido, deveriam ter expressão no procedimento.
Para além disso, embora seja manifesto que a norma contida no citado art.º 28.º, do citado Regulamento, pelo seu teor, não assegura a observância dos princípios da concorrência, da igualdade e da transparência, urge realçar que o Acórdão recorrido não suporta aí a recusa do Visto.
Esta apoia-se, isso sim, no confronto estabelecido entre a normação aplicável e de valor superior [normação interna e comunitária - C.C.P., C.R.P., C.P.A. e Directivas Comunitárias] e o procedimento seguido, constituindo o citado Regulamento e, mais particularmente, os seus art.os 6.º e 28.º, matéria de reflexão necessária, atenta a circunstância de este último [procedimento] se escorar em tais normas regulamentares.
Ademais, e sublinhe-se, ao Tribunal de Contas, órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas [vd. art.º 214.º da C.R.P.], cabe a verificação da conformidade legal do acto gerador da despesa, seja no âmbito administrativo, seja no âmbito financeiro. E, no exercício de tais competências, melhor elencadas no art.º 1.º, n.º 1, da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, e a desenvolver aquando da submissão dos contratos a visto, inclui-se, necessariamente, a aferição da [i]legalidade do procedimento adoptado. Tarefa que, e lembremos, não pressupõe a declaração de ilegalidade de alguma norma.

2.
Apesar do exposto em 1. [H, deste Acórdão], e porque o Regulamento para Aquisição de Bens e Serviços e Contratação de Empreitadas denuncia incongruências, contradições e, até, incompatibilidades com as normas contidas no Código dos Contratos Públicos, Constituição da República e em Directivas Comunitárias, sufragamos o ordenado em Acórdão recorrido quanto à remessa do mesmo ao Ministério Público para, em sede própria [jurisdição administrativa], ser ponderada a sua eventual ilegalidade. 

IV. DAS ILEGALIDADES.
DO VISTO.

1. Das Ilegalidades.  

Com referência ao exposto ao longo deste Acórdão, e na confirmação do aresto recorrido, verificaram-se as ilegalidades, a saber:
-
Violação dos art.os 1.º, n.º 4, e 5.º, n.º 6, do Código dos Contratos Públicos, por não observância, no domínio procedimental, dos princípios da concorrência, igualdade e transparência, inscritos nos Tratados e Directivas Comunitárias, e, ainda, nos art.os 81.º, 99.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa, e 5.º e 6.º, do Código do Procedimento Administrativo;
- Violação do disposto no art.º 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, por exigência inadequada de habilitações técnicas;
- A violação do art.º 42.º, n.º 6, e 47.º, n.º 2, da Lei de Enquadramento Orçamental, por adopção de procedimento inadequado à boa utilização da despesa pública.

As ilegalidades enunciadas e a inobservância dos princípios acima referenciados, para além de afrontarem normas de natureza financeira, são, ainda, susceptíveis de alterar o resultado financeiro do contrato.

2 Do Visto.

Segundo o art.º 44.º, n.º 3, alíneas b) e c), da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, a verificação de ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado financeiro do contrato ou viole, directamente, norma financeira constitui fundamento de recusa de Visto.
Ainda de acordo com jurisprudência firmada neste Tribunal, a densificação da expressão "ilegalidade que possa alterar o respectivo resultado financeiro" basta-se com o simples perigo ou risco de que, da ilegalidade cometida, possa resultar a alteração do correspondente resultado financeiro.
As ilegalidades referidas obstam, pois, à concessão do visto.
E, muito embora a violação directa de norma financeira impedisse, só por si, a concessão do visto, importará lembrar que a ausência de publicitação, em procedimento dirigido à contratação de uma empreitada de tamanha valia, retira a este o necessário pressuposto concorrencial, afectando, ainda e negativamente, o resultado financeiro do contrato.
Assim, a recusa do visto repousaria, também, nesta última razão. 

V. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1.ª Secção, em Plenário, o seguinte:
-
Negar provimento ao recurso, mantendo o Acórdão recorrido nos seus precisos termos;
- Remeter cópia do presente Acórdão a suas Excelências os Ministros da Saúde e da Economia, no sentido de, à luz da doutrina e jurisprudência comunitárias [vd. Comunicação Interpretativa da Comissão n.º 2006/C- -179/02, de 01.08 e Acórdão de 20.05.2010, T-258/06], e, bem assim, da orientação seguida por este Tribunal de Contas, ser ponderada, via legislativa, a clarificação e melhor regulação da matéria contida no art.º 5.º, n.º 3, al. a) e n.º 6, do Código dos Contratos Públicos, por forma a que não subsistam dúvidas quanto à invocação dos princípios contidos no art.º 1.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos, relativamente a procedimentos com natureza e objecto idênticos aos do presente contrato;
- Entregar ao Ministério Público cópia do novo Regulamento para Aquisição de Serviços e Contratação de Empreitadas adoptado pelo Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E., no sentido de, em face do seu teor, ser ponderado o eventual abandono da suscitação da ilegalidade daqueloutro Regulamento [o primitivo] em vigor à data da formação do contrato sob apreciação e sugerida na parte decisória do Acórdão recorrido [vd. documento junto a fls. 134, do processo].
Emolumentos legais.
Registe e notifique.
Lisboa, 28 de Novembro de 2011.   

Os Juízes Conselheiros,
(Alberto Fernandes Brás - Relator)
(José Luís Pinto Almeida)
(António Augusto dos Santos Carvalho)

Fui presente,
(Procurador-Geral Adjunto)
(Jorge Leal)  


(1) O valor traduz-se, agora, em € 4 845 000,00. 
(2) Vd. Prof. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Tomo 1, 10.ª ed.,fls. 95. 
(3) Ainda, Prof. Marcello Caetano, in obra citada. 
(4) Montante de € 4 845 000,00. 
(5) Vd., Prof. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. II. 
(6) Prof. Freitas do Amaral, ob. cit. 
(7) Idem. 
(8) Sublinhado nosso.