Acórdão n.º 31/2011, de 3 de Maio de 2011, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 587/2011)

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ACÓRDÃO Nº 31/2011 - 03/05/2011 - 1ª SECÇÃO/SS

PROCESSO Nº 587/2011 - 1ª SECÇÃO

I. RELATÓRIO

 O Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, EPE, remeteu a este Tribunal, para fiscalização prévia, o contrato de empreitada de "Remodelação dos Serviços de Urgência da Unidade Hospitalar Padre Américo", celebrado, em 29 de Março de 2011, entre aquela entidade e a empresa ANORTE - Engenharia e Construção, Lda., pelo preço de €4.050.560,02, acrescido de IVA.

II. DOS FACTOS

Para além do referido no número anterior e nos pontos subsequentes, são dados como assentes e relevantes para a decisão os seguintes factos:

a) Por deliberação do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (CHTS), de 17 de Janeiro de 2011, foi autorizada a abertura de um procedimento por Convite com vista à celebração do contrato para a execução da empreitada em causa;

b) O preço base do procedimento foi de 4.252.000,00;

c) Como fundamento para a escolha do referido procedimento invocou-se o disposto nos artigos 6.º e 28.º do Regulamento de Aquisição de Bens, Serviços e Empreitadas do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, EPE;

d) De imediato foram enviados convites para a apresentação de propostas a 5 empresas: Trado - Construção e Obras Públicas, Lda. (com sede em Ermesinde), Arlindo Correia & Filhos, SA, (com sede em Braga), ANORTE - Construção e Engenharia, Lda. (com sede em Paredes), MRG - Engenharia e Construção, SA, (com sede em Seia) e EDINORTE - Edificações Nortenhas, SA (com sede no Porto);

e) Foram apresentadas propostas por 4 das 5 empresas convidadas, tendo a empresa Trado - Construção e Obras Públicas, Lda., declarado não apresentar proposta por o resultado do estudo de preços que efectuou a ter "projectado para um montante substancialmente superior ao preço base do convite";

f) O artigo 14.º do Convite estabeleceu a exigência de que o adjudicatário fosse titular do alvará de Empreiteiro Geral de Edifícios de Construção Tradicional da 1.ª Categoria (Edifícios e Património Construído), em classe correspondente ao preço total apresentado na proposta, bem como de alvarás em várias Subcategorias das 1.ª, 2.ª, 4.ª e 5.ª Categorias, em classe correspondente ao preço da proposta da parte dos trabalhos em causa;

g) O artigo 13.º do Convite estabeleceu como critério de adjudicação o do mais baixo preço;

h) Por deliberação do Conselho de Administração do Hospital, de 14 de Março de 2011, a obra foi adjudicada à proposta apresentada pela ANORTE - Construção e Engenharia, Lda., que havia proposto o preço mais baixo;

i) Pela Decisão n.º 1043/09 - Setembro.18- 1.ª S/SDV, que recaiu no processo de fiscalização prévia n.º 1184/2009, relativo a um outro contrato de empreitada celebrado pelo CHTS, este Tribunal recomendou que, no futuro, se desse rigoroso cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, na linha da jurisprudência deste Tribunal sobre o referido preceito legal.

III. FUNDAMENTAÇÃO

1. Do procedimento de formação do contrato.

A primeira questão que importa resolver é a de saber se o contrato em apreciação podia ter ser adjudicado através de um procedimento por "Convite".

1.1. Do princípio da concorrência

O princípio da concorrência é, de há muito, um dos princípios axilares da contratação pública, tanto no âmbito nacional como no comunitário.
Tal sucede, aliás, na generalidade dos Estados de Direito, como não podia deixar de ser, já que se apresenta como imprescindível à protecção do princípio fundamental da igualdade, que lhes é inerente, e, simultaneamente, como a melhor forma de proteger os interesses financeiros públicos.
Na ordem jurídica portuguesa, e, tal como tem sido expresso na doutrina e na jurisprudência, estão constitucionalmente estabelecidos os princípios da igualdade e da concorrência e a obrigação de a Administração Pública os respeitar na sua actuação (1), seja em que circunstâncias for, em nome simultaneamente dos valores fundamentais, da ordem económica e da prossecução do interesse público.
Estes princípios constitucionais aplicam-se a qualquer actuação da Administração Pública, mesmo que de gestão privada (2) e têm uma especial incidência em matéria de Contratação Pública.
Nessa linha, o Código dos Contratos Públicos (CCP) (3) estabelece, no n.º 4 do seu artigo 1.º, que à contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência.
Estes princípios estão também claramente estabelecidos na ordem jurídica comunitária a que nos encontramos vinculados.
Os tratados europeus afirmam um objectivo de integração económica, a realizar através do respeito pelas «liberdades fundamentais» (livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais), de onde deriva a obrigatoriedade de os Estados Membros da União Europeia legislarem e agirem de modo a assegurarem a mais ampla concorrência possível e a prevenirem quaisquer favorecimentos.
Como se referiu, entre outros, nos processos do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) n.ºs C-458/03, Parking Brixen, e C-324/98, Telaustria, quando uma autoridade pública confia o exercício de uma actividade económica a terceiros, aplica-se o princípio da igualdade de tratamento e as suas expressões específicas, nomeadamente o princípio da não-discriminação, bem como os artigos 43.º e 49.º do Tratado CE (4), sobre a liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços. O TJCE afirma ainda que estes princípios implicam uma obrigação de transparência, que consiste em assegurar a todos os potenciais concorrentes um grau de publicidade adequado, que permita abrir o mercado de bens e serviços à concorrência.
Ainda que as directivas emitidas para a coordenação dos procedimentos nacionais de adjudicação de contratos públicos excluam do seu âmbito algumas áreas da contratação bem como contratos que não atinjam determinados montantes, o TJCE tem sido claro e afirmativo no sentido de que os princípios referidos se aplicam mesmo que não sejam aplicáveis as directivas relativas aos contratos públicos, uma vez que derivam directamente dos Tratados (5).
Os princípios da igualdade e da concorrência impõem-se, pois, à actividade contratual pública, tanto por via constitucional como por via comunitária.
Ora, o respeito pelos princípios em causa, e, em particular, pelo princípio da concorrência, implica que se garanta aos interessados em contratar o mais amplo acesso aos procedimentos, através da transparência e da publicidade adequada.
É também esse o modo de garantir a melhor protecção dos interesses financeiros públicos, já que é em concorrência que se formam as propostas competitivas e que a entidade adjudicante pode escolher aquela que melhor e mais eficientemente satisfaça o fim pretendido.
As teorias dos jogos e dos leilões demonstram matematicamente que assim é, sendo que, nos termos do artigo 42.º, n.º 6, da Lei de Enquadramento Orçamental (6), nenhuma despesa pode ser autorizada ou paga sem que satisfaça os princípios da economia e da eficiência.
Em suma, o respeito pelo princípio da concorrência e seus corolários subjaz a qualquer actividade de contratação pública, por força de imperativos comunitários, por directa decorrência de normas constitucionais, por previsão da lei aplicável à contratação e por imposição da legislação financeira e dos deveres de prossecução do interesse público e de boa gestão.
Donde resulta que para a formação de contratos públicos devem ser usados procedimentos que promovam o mais amplo acesso à contratação dos operadores económicos nela interessados.

1.2. Dos procedimentos de contratação pública

As Directivas europeias de contratação pública (em especial a Directiva n.º 2004/18/CE) e, no plano nacional, o Código dos Contratos Públicos, estabelecem um conjunto de procedimentos a seguir, consoante as situações, para a formação de contratos públicos.
Em ambos os casos são estabelecidos como regra procedimentos concorrenciais abertos.
No entanto, ambos os diplomas estabelecem também excepções à utilização desses procedimentos concorrenciais abertos, admitindo que há situações em que não se justifica ou não é possível desenvolvê-los.
A este respeito importa ter presentes dois aspectos bem clarificados na jurisprudência do TJCE, os quais são também plenamente transponíveis e aplicáveis no plano exclusivamente nacional.
Em primeiro lugar, as directivas comunitárias de contratação pública (tal como a Parte II do Código dos Contratos Públicos), procedendo à definição de procedimentos a utilizar na adjudicação de contratos públicos, têm de ser vistos como meros instrumentos de realização dos princípios e objectivos mais amplos referidos no ponto anterior. Donde resulta que, mesmo quando os procedimentos típicos estabelecidos nas directivas ou na legislação nacional não sejam aplicáveis, a entidade pública está vinculada a adoptar práticas de contratação que salvaguardem a concorrência.
Por outro lado, sempre que a lei estabeleça excepções aos procedimentos concorrenciais mais abertos deve ser-se muito rigoroso e exigente na interpretação e na aplicação dessas excepções, procurando sempre a salvaguarda máxima do princípio da concorrência e admitindo a realização de procedimentos total ou parcialmente fechados apenas quando não haja alternativa concorrencial possível.

1.3. Do regime legal de pré-contratação aplicável no âmbito dos Hospitais e Centros Hospitalares E.P.E.

O Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa foi criado (7) com a natureza de Entidade Pública Empresarial (E.P.E.) pelo Decreto-Lei n.º 326/2007, de 28 de Fevereiro, que também aprovou os respectivos Estatutos, remetendo, salvo algumas especificidades, para os Estatutos constantes do Anexo II ao Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de Dezembro.
O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 326/2007 determina ainda que ao referido Centro Hospitalar se aplique o regime definido nos Capítulos II, III e IV do Decreto-Lei n.º 233/2005.
De acordo com o artigo 13.º deste último diploma, a aquisição de bens e serviços por ele efectuada reger-se-ia pelas normas de direito privado, sem prejuízo da aplicação do regime do direito comunitário relativo à contratação pública. Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, os regulamentos internos dos hospitais E.P.E. deviam garantir aquela prescrição, "bem como, em qualquer caso, o cumprimento dos princípios gerais da livre concorrência, transparência e boa gestão, designadamente a fundamentação das decisões tomadas".
O referido artigo 13.º foi revogado pelo artigo 14.º, n.º 1, alínea o), do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, que aprovou o Código dos Contratos Públicos.
Um Hospital ou um Centro Hospitalar E.P.E. é uma pessoa colectiva que foi criada para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral, que, não obstante a sua designação, não tem uma natureza empresarial, no sentido em que não tem carácter industrial ou comercial, e tem um modelo de financiamento e controlo de gestão que preenche os critérios referidos na alínea c) do n.º 9 do artigo 1.º da Directiva 2004/18/CE e na alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do Código dos Contratos Públicos.
Deve, assim, ser considerado um organismo de direito público e uma entidade adjudicante para efeitos da aplicação daquela Directiva e daquele Código.
Ora, nos termos do artigo 19.º do Código dos Contratos Públicos, a adjudicação de contratos de empreitada de valor igual ou superior a € 1.000.000 pelas entidades adjudicantes referidas no n.º 2 do artigo 2.º tem de ser precedida da realização de concursos públicos ou concursos limitados por prévia qualificação.
No entanto, o artigo 5.º, n.º 3, do mesmo Código determina que a parte II do Código, relativa aos procedimentos pré-contratuais, não se aplica à formação dos contratos a celebrar pelos hospitais E.P.E de valor inferior aos montantes estabelecidos nos termos das alíneas b) e c) do artigo 7.º da Directiva n.º 2004/18/CE (como é o caso (8)).
O n.º 6 do mesmo artigo estabelece que à formação destes contratos se aplicam os princípios gerais da actividade administrativa, as normas que concretizem preceitos constitucionais constantes do Código do Procedimento Administrativo e, eventualmente, as normas desse Código.
Ou seja, determina-se expressamente que os princípios referidos nos pontos III.1.1.e III.1.2. deste Acórdão se aplicam aos contratos celebrados pelos Hospitais E.P.E., mesmo nos casos dos contratos cujos valores estejam abaixo dos limiares fixados para aplicação da directiva comunitária e aos quais não se apliquem as regras pré-contratuais estabelecidas no Código dos Contratos Públicos.
O CHTS juntou ao presente processo um "Regulamento para Aquisição de Bens, Serviços e Contratação de Empreitadas", aprovado por deliberação do Conselho de Administração de 10 de Maio de 2010, e vigência a partir de 1 de Junho de 2010, que se encontra a fls. 5 e seguintes dos autos.
Do referido Regulamento extraem-se as seguintes normas, com relevância para o presente caso:

Capítulo I, Artigo 2.º:
"Âmbito de aplicação
1. O presente regulamento aplica-se aos procedimentos tendentes à formação de contratos de empreitadas de obras públicas (...) realizados pelo CHTS, excluídos do n.º 3 do artigo 5.º do Código dos Contratos Públicos (...).
2. Por conseguinte, o presente regulamento é aplicável à formação dos contratos a celebrar pelo CHTS até aos seguintes limites:
a) De empreitada de obras públicas, cujo valor seja inferior ao referido na alínea c) do artigo 7.º da Directiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março - 4.845.000, IVA excluído;
b) (...)"

Capítulo I, Artigo 3.º:
"Princípios conformadores da contratação ao abrigo do Regulamento
1. Sem prejuízo do respeito pelos princípios fundamentais da contratação pública constantes dos Tratados Comunitários, à formação dos contratos referidos no artigo anterior são aplicáveis os princípios gerais da actividade administrativa, as normas que concretizam preceitos constitucionais constantes do Código do Procedimento Administrativo e, quando estejam em causa contratos com objecto passível de acto administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos, as normas constantes do Código do Procedimento Administrativo, com as necessárias adaptações.
2. São especialmente aplicáveis os seguintes princípios:
a) (...)
b) (...)
c) Princípio da Publicidade e da transparência - na formação dos contratos do CHTS deve garantir que existe uma adequada publicidade da sua decisão de contratar (...);
d) Princípio da Igualdade - na formação dos contratos do CHTS deve proporcionar iguais condições de acesso e de participação dos interessados em contratar, não podendo privilegiar ou prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever, nenhum interessado, nomeadamente, em função da sua nacionalidade;
e) (...)
f) Princípio da concorrência - na formação dos contratos o CHTS deve assegurar o mais amplo acesso ao procedimento dos interessados em contratar, estimulando a máxima auscultação do mercado sem prejuízo do princípio da proporcionalidade;
g) Princípio da Proporcionalidade - na formação dos contratos deve ser escolhido o procedimento mais adequado ao interesse público a prosseguir, ponderando-se os custos/benefícios decorrentes da respectiva utilização (...);
(...)"

Capítulo II, Artigo 4.º:
"Tipo de procedimentos
1. Para a formação dos contratos referidos no artigo 2.º do Regulamento, o CHTS adopta um dos procedimentos a seguir enunciados cujos pressupostos e tramitação se encontram descritos no Capítulo III, que passamos a enunciar:
a) Processo de Aquisição Directa;
b) Processo com convite;
c) Processo com publicitação obrigatória.
2. Os referidos procedimentos são utilizados para a formação de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços cujo valor seja inferior a 193.000, IVA excluído, e de empreitadas de obras públicas de valor inferior a 4.845.000, IVA excluído.
(...)"

Capítulo II, Artigo 6.º:
Contratação de Empreitadas de Obras Públicas - Escolha do tipo de procedimento
1.Processo de Aquisição Directa para a celebração de contratos de realização de empreitadas de obras públicas cujo valor não ultrapasse o valor de 500.000, IVA excluído;
2. Processo com Convite para a celebração de realização de empreitadas de obras públicas de valor superior a 500.001, IVA excluído.
(...)"

Capítulo II, Artigo 7.º:
"Locação, aquisição de bens móveis e serviços - Escolha do tipo de procedimento
1. Processo de Aquisição Directa para celebração de contratos de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços cujo valor não ultrapasse o valor de 40.000, IVA excluído.
2. Processo com convite para a celebração de contratos de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços de valor superior a 40.001e igual ou inferior a 100.000, IVA excluído.
3. Processo com publicitação para a celebração de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis, de aquisição de serviços valor superior a 100.001, IVA excluído.
(...)"

Capítulo III, Artigo 28.º:
"Processo com Convite
1. No Processo com convite, o CHTS convida directamente as entidades a apresentar proposta, mediante envio de convite por qualquer meio de transmissão escrita ou electrónica de dados, não podendo o número de entidades ser inferior a 3 (três).
2. No processo com convite, ao abrigo do n.º 2 do art. 6.º, de valor superior a 2.500.000, o número de entidades não poderá ser inferior a 5 (cinco).
(...)"

Capítulo III, Artigo 29.º:
"Processo com Publicitação
1. O Processo com Publicitação Obrigatória obriga a publicação de anúncio em dois jornais de grande circulação, devendo ser igualmente publicitado no site do CHTS.
2. No caso de procedimento de valor superior a 100.001, IVA excluído, e inferior aos limites de valor abrangidos no presente Regulamento, o procedimento obriga, para além dos requisitos constantes do número anterior, à prestação de caução e à realização de audiência prévia de 3 (três) dias úteis.
3. Na formação de contratos de empreitadas de obras públicas de valor superior a 193.000, IVA excluído, e inferior aos limiares de valor abrangidos pelo presente Regulamento, o procedimento obriga, para além dos requisitos constantes nos números anteriores, à celebração de contrato.
(...)"

Como acima referimos, à formação dos contratos em causa aplicam-se os princípios constitucionais e legais da actividade administrativa e contratual, tanto nacionais como comunitários.
Ora, as normas do referido Regulamento para Aquisição de Bens, Serviços e Contratação de Empreitadas do CHTS são de natureza regulamentar e não legal, e, portanto, enquanto expressão da vontade administrativa da entidade adjudicante, são integralmente condicionadas, na sua validade, pelo respeito dos referidos princípios.
Como acabámos de ver, o próprio Regulamento invoca e caracteriza esses princípios.
Mas, como veremos seguidamente, apesar de os invocar, não os respeita.

1.4. Do Procedimento por Convite

Nos termos do Regulamento acima referido, o procedimento por Convite traduz-se no endereçamento directo de convites para apresentação de proposta a 3 ou a 5 empresas (consoante o valor do contrato) que são escolhidas pelo Centro Hospitalar.
Este procedimento, que admite apenas as empresas convidadas, integra uma concorrência muito limitada, cujo âmbito é integralmente estabelecido pela entidade adjudicante.
Conforme decorre do probatório, neste caso concreto o CHTS solicitou directamente propostas a 5 fornecedores da sua escolha, todos eles da região norte do país. A concorrência foi, pois, restrita e, neste caso, até regionalmente orientada.
Ora vimos acima que, mesmo quando os procedimentos típicos estabelecidos nas directivas ou na legislação nacional não sejam aplicáveis, a entidade pública está autorizada a adoptar procedimentos mais flexíveis mas, ainda assim, está vinculada a adoptar práticas de contratação que salvaguardem a concorrência.
No que concerne a contratos não abrangidos pelas directivas de contratação pública, o TJCE, no acórdão tirado no processo T-258/06, refere-se à admissibilidade de não realização de um concurso público formal, no sentido de que a entidade adjudicante pode apreciar as especificidades de um contrato quanto à sua adequação às possíveis modalidades de recurso à concorrência e à flexibilidade dos meios de publicidade admitidos.
Mas tal decisão é inequívoca na afirmação reiterada de que os princípios impõem uma publicitação prévia antes da adjudicação do contrato público, por forma a que os eventuais interessados em concorrer possam manifestar o seu interesse em aceder à contratação.
Assim, e porque estamos perante contratos não abrangidos directamente pelo regime do CCP e das directivas de contratação pública, é possível adoptarem-se procedimentos eventualmente mais ágeis do que os consignados naqueles diplomas e é até possível estabelecer soluções adequadas à especificidade dos casos, quer em concreto quer por via regulamentar.
Mas, salvo casos devidamente justificados, os procedimentos adoptados devem ter como elemento fundamental a prévia publicitação da vontade de contratar, de modo a garantir o acesso ao procedimento de todos os eventuais interessados em concorrer.
Só dessa forma haverá observância dos princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, tal como são definidos na legislação nacional e comunitária, e tal como são definidos no artigo 3.º do próprio Regulamento em causa, ou seja, de modo a "garantir que existe uma adequada publicidade da sua decisão de contratar", a " proporcionar iguais condições de acesso e de participação dos interessados em contratar, não podendo privilegiar ou prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever, nenhum interessado, nomeadamente, em função da sua nacionalidade" e a "assegurar o mais amplo acesso ao procedimento dos interessados em contratar, estimulando a máxima auscultação do mercado" (9).
A adopção de uma regra abstracta de não publicitação conduz a que a afirmação daqueles princípios seja completamente vã.
Só se pode admitir a decisão de que um determinado contrato ou determinados contratos devem ser excepcionalmente subtraídos às regras da concorrência em função de circunstâncias específicas e fundamentadas numa justificação clara e aceitável à luz desses princípios.
Normas regulamentares, como as que foram invocadas, que permitem que a entidade adjudicante siga a regra de dirigir consultas a um número limitado de empresas, sem necessidade de justificar porque não efectua uma publicitação do procedimento, são normas que ofendem e impedem a realização dos princípios antes afirmados.
Porque um sistema em que, por regra, só trazemos ao procedimento as poucas empresas que livremente escolhemos é um sistema em que se privilegiam determinados operadores económicos, em que não se garante o mais amplo acesso ao procedimento dos interessados em contratar e em que não se estimula a máxima auscultação do mercado.
É que, na realidade, a consulta a 3 ou mesmo a 5 empresas, directamente escolhidas pela entidade adjudicante, não consubstancia uma consulta ao mercado, mas sim uma consulta a essas empresas. No regime de contratação pública, e tendo em conta a flexibilidade das formalidades seguidas, esse procedimento corresponde à figura do Ajuste Directo precedido de consultas.
As normas regulamentares invocadas não são, assim, adequadas nem conformes aos princípios da igualdade, concorrência e transparência, que, já vimos, deveriam respeitar e aplicar. Essas normas não evidenciam qualquer razão de ser para o relevante desvio que admitem relativamente ao princípio vinculante da concorrência nem prevêem ou exigem que a entidade adjudicante o faça em concreto.
O regime estabelecido nos artigos 6.º e 28.º do Regulamento do CHTS é, pois, incompatível com os princípios aplicáveis (10).
Também no que se refere ao caso em apreciação, constata-se que não foi fornecida qualquer justificação concreta para a não publicitação do procedimento. Foi tão só invocado o disposto nos artigos 6.º e 28.º do Regulamento e decidido proceder ao convite a 5 empresas escolhidas (11).
Como acima estabelecemos, a opção por um procedimento de adjudicação directa ou de consulta restrita só seria legítimo face aos princípios aplicáveis se se demonstrasse que não era, em concreto, possível adoptar qualquer outra solução procedimental que melhor acautele a concorrência, ou seja, se se demonstrasse que um procedimento aberto era inviável ou injustificado.
A obra representa uma despesa superior a € 4.000.000.
Para contratos de valor muito inferior a esse montante o Código dos Contratos Públicos exige a realização de concursos que garantam a mais ampla concorrência (12) e para valores próximos o Código e as Directivas Europeias exigem concursos de âmbito internacional (13).
Ou seja, mesmo não sendo directamente aplicáveis, aqueles diplomas indicam claramente que a natureza e a dimensão financeira do contrato em causa não permite afirmar a sua irrelevância para o mercado ou a irrelevância da concorrência para uma escolha conforme aos interesses financeiros públicos.
Outras razões seriam necessárias para demonstrar que a concorrência era inviável ou injustificada.
Ora, nem as normas regulamentares invocadas nem as circunstâncias concretas do caso fornecem uma justificação razoável nesse sentido ou demonstram que o recurso a uma solução verdadeiramente concorrencial não era possível.

2. Das habilitações técnicas exigidas.

Mesmo que se admitisse que a modalidade utilizada para a formação do contrato era, em si, compatível com os princípios acima referidos, o que já vimos que não sucede, o procedimento concretamente desenvolvido suscitaria outras reservas.
Conforme consta da alínea f) do ponto II, a entidade adjudicante exigiu que o adjudicatário fosse titular de alvará com a classificação de Empreiteiro Geral de Edifícios de Construção Tradicional da 1.ª Categoria (Edifícios e Património Construído), em classe correspondente ao preço total apresentado na proposta, para além de dever deter alvará em diversas Subcategorias para o valor dos respectivos trabalhos especializados.
Nesta matéria, refira-se que o artigo 31º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 12/04, de 9 de Janeiro, dispõe o seguinte:
"1 - Nos concursos de obras públicas e no licenciamento municipal, deve ser exigida uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, sem prejuízo da eventual exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes.
2 - A habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral, desde que adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global, dispensa a exigência a que se refere o número anterior."
Sobre a correcta interpretação e utilização destas normas nos procedimentos concursais para a realização de empreitadas de obras públicas, tem este Tribunal abundante e uniforme jurisprudência (14).
A mencionada jurisprudência afirma que a forma pela qual devem ser descritos os requisitos de habilitação técnica dos concorrentes nos documentos que disciplinam os procedimentos deve reflectir, de forma clara, as possibilidades a que se referem as citadas disposições do artigo 31.º, devendo fazer-se constar do programa do procedimento a exigência constante do n.º 1 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 12/2004 ou as duas hipóteses resultantes dos n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo, mas nunca apenas a habilitação referida no n.º 2.
No procedimento que precedeu o contrato em apreciação, ao exigir-se que o adjudicatário detivesse as habilitações referidas no n.º 2 do referido artigo 31.º (classificação de empreiteiro geral de Edifícios de Construção Tradicional da 1.ª Categoria (Edifícios e Património Construído), em classe correspondente ao preço total apresentado na proposta), não se admitiu que os concorrentes fossem titulares de uma única Subcategoria em classe que cobrisse o valor global da obra, habilitações que referenciadas no n.º 1 do mesmo artigo como suficientes, não foram no caso reconhecidas como tal.
A lei e a jurisprudência do Tribunal de Contas nesta matéria apontam claramente para que as entidades adjudicantes não possam limitar o acesso aos mercados públicos de empreitada aos detentores do alvará de empreiteiro geral, devendo, para o valor global da obra, exigir tão só a posse de alvará referente a uma única subcategoria, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo.
Este regime visa salvaguardar um mais amplo acesso ao mercado, obstando a que a entidade adjudicante estabeleça requisitos habilitacionais excessivos.
Ora, no caso, fizeram-se, precisamente, exigências de habilitação técnica superiores às estabelecidas na lei.
A Decisão n.º 1043/09, proferida em 18 de Setembro de 2009 pela 1.ª Secção deste Tribunal, num outro processo de empreitada do CHTS, recomendou, em data anterior ao lançamento do presente procedimento, "o rigoroso cumprimento, no futuro, do disposto no n.º 1 do artigo 31.º do DL 12/2004, de 9 de Janeiro", remetendo para a jurisprudência acima referida.
Não se compreende, pois, porque razão a ilegalidade em causa foi repetida no procedimento agora em causa.

3. Da relevância das ilegalidades verificadas

Conforme decorre do exposto, na contratação em apreço verificaram-se as seguintes ilegalidades:
- Contratação da obra por um procedimento não concorrencial de convites, não tendo sido justificado por que razão um procedimento aberto era inviável ou inadequado, o que constituiu violação dos princípios da igualdade, concorrência e transparência, resultantes dos Tratados europeus e da Constituição e lei portuguesas e dos artigos 1.º, n.º 4, e 5.º, n.º 6, do Código dos Contratos Públicos;
- Exigência de habilitações técnicas em violação do disposto no n.º 1 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro.

As ilegalidades verificadas implicam a susceptibilidade de alteração do resultado financeiro do procedimento.
Isto é, se não tivessem ocorrido as violações de lei referidas, é possível que tivessem sido obtidos resultados diferentes, com melhor protecção dos interesses financeiros públicos.
Enquadram-se, pois, tais violações no disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 44º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) (15), quando aí se prevê, como fundamento para a recusa de visto, "ilegalidade que ... possa alterar o respectivo resultado financeiro."
Sublinhe-se que, para efeitos desta norma, quando aí se diz "[i]legalidade que (...) possa alterar o respectivo resultado financeiro" pretende-se significar que basta o simples perigo ou risco de que da ilegalidade constatada possa resultar a alteração do respectivo resultado financeiro.
Para além disso, a realização de procedimentos concorrenciais e não discriminatórios protege ainda o interesse financeiro de escolha das propostas que melhor e mais económica e eficientemente se ajustam às necessidades públicas, dessa forma acautelando a adequada utilização da despesa pública envolvida e sendo instrumento da realização do disposto nos artigos 42.º, n.º 6, e 47.º, n.º 2, da Lei de Enquadramento Orçamental.
A não observância de procedimentos que acautelem a concorrência e a não discriminação implica, assim, também a violação das normas financeiras acabadas de referir, o que se enquadra na alínea b) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC. 

IV. DECISÃO

Pelos fundamentos indicados, e nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 44.º da Lei nº 98/97, acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção, em recusar o visto ao contrato acima identificado.
Mais decidem remeter o presente acórdão ao Ministério Público, para que pondere suscitar junto da jurisdição administrativa a questão da conformidade legal do Regulamento para aquisição de bens, serviços e contratação de empreitadas do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, EPE, tendo, designadamente, em conta os aspectos acima abordados.
São devidos emolumentos nos termos do artigo 5º, n.º 3, do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas (16).

Lisboa, 3 de Maio de 2011

Os Juízes Conselheiros,
(Helena Abreu Lopes - Relatora)
(António Santos Soares)
(João Figueiredo)

Fui presente
(Procurador Geral Adjunto)
(Jorge Leal) 


(1) Cfr. artigos 81.º, alínea f), 99.º, alínea a), e 266.º da Constituição. 
(2) Cfr. artigo 2.º, n.º 5, do Código do Procedimento Administrativo. 
(3) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 18-A/2008, de 28 de Março, e alterado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 223/2009, de 11 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 278/2009, de 2 de Outubro, pela Lei n.º 3/2010, de 27 de Abril, e pelo Decreto-Lei n.º 131/2010, de 14 de Dezembro. 
(4) Hoje artigos 49.º e 56.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. 
(5) O recente acórdão de 20 de Maio de 2010, tirado no processo T-258/06, é bastante esclarecedor nessa matéria. 
(6) Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, alterada pela Lei Orgânica n.º 2/2002, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 23/2003, de 2 de Julho, pela Lei n.º 48/2004, de 24 de Agosto, pela Lei n.º 48/2010, de 19 de Outubro. 
(7) Por fusão do Hospital Padre Américo - Vale do Sousa, EPE, com o Hospital S. Gonçalo, EPE. 
(8) Por força do Regulamento (CE) n.º 1177/2009 da Comissão, de 30 de Novembro de 2009, publicado no JOUE, L 314/64, de 1 de Dezembro de 2009, esse valor é, para os contratos de empreitada, e a partir de 1 de Janeiro de 2010, de € 4.845.000,00. 
(9) Cfr. artigo 3.º do Regulamento, transcrito no ponto III.1.3. 
(10) Acresce que as normas do Regulamento em causa são confusas e contraditórias, já que resulta dos artigos 6.º, n.º2, 7.º e 28.º, n.º 2, do Regulamento que para a contratação de empreitadas por ele abrangidas (e ao contrário de que sucede com as aquisições) nunca é obrigatória a publicitação do procedimento, enquanto do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, parece decorrer a obrigatoriedade de publicitação para empreitadas de valor superior a € 193.000. 
(11) Cfr. alíneas c) e d) do ponto II. 
(12) Acima de €150.000 ou, no caso das entidades referidas no n.º 2 do seu artigo 2.º, acima de €1.000.000 - Cfr. artigo 19.º, alínea a), do CCP. 
(13) Como já assinalámos, acima de € 4.845.000 é exigido esse procedimento. 
(14) Vejam-se, designadamente, os Acórdãos da 1.ª Secção do Tribunal de Contas, proferidos em Subsecção, n.ºs 16/2004, 182/2004, 11/2005, 159/2005, 179/2005, 187/2005, 193/2005, 210/2005, 218/2005, 219/2005, 223/2005, 810/2005, 1088/2005, 1249/2005, 1290/2005, 9, 10 e 11/2006, 14/2006, 16/2006, 22/2006, 27/2006, 40/2006, 46/2006, 60/2006, 145/2008, 97/2009, 165/2009, 172/2009, 13/2010 e 15/2011, para citar apenas alguns. 
(15) Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto, 35/2007, de 13 de Agosto, e 3-B/2010, de 28 de Abril. 
(16) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de Maio, com as alterações introduzidas pela Lei nº 139/99, de 28 de Agosto, e pela Lei nº 3-B/2000, de 4 de Abril.