Acórdão n.º 29/2011, de 7 de Novembro de 2011, do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 22/2011)

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ACÓRDÃO Nº 29 /11 - 07.NOV. 2011 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 11/2011-R

(Processo de fiscalização prévia nº 22/2011)

SUMÁRIO:

1. O procedimento de concurso público urgente é um mecanismo de natureza excepcional, que sacrifica interesses normalmente acautelados num procedimento ordinário de concurso público, e que, por isso, só deve ser utilizado em função de uma efectiva urgência que se sobreponha àqueles interesses e que, dessa forma, justifique a utilização dessa modalidade excepcional. Por isso, carece de ser devidamente justificado, devendo ainda ter-se presente que quaisquer poderes discricionários da administração estão limitados pela observância dos princípios gerais da actuação administrativa, de que se destaca o princípio da proporcionalidade.

2. O disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 exige que estejamos perante um financiamento comunitário cujas condições de elegibilidade se verifiquem, o que no caso foi, e pode ser, demonstrado em sede de recurso.

3. O disposto naquele preceito legal deve ainda ser conjugado com o regime constante dos artigos 155.º do CCP, designadamente quanto à necessidade de demonstrar que a utilização de um procedimento normal resultaria ineficaz ou revelar-se-ia inidóneo para dar, em tempo oportuno, a resposta necessária a uma circunstância de risco ou perigo iminente e actual.

4. O acto de escolha do procedimento deve ser fundamentado nos termos estabelecidos no artigo 38.º do CCP e nos artigos 124º, nº1, e 125º, nº1, do CPA, contendo os motivos de facto que provocam a actuação administrativa.

5. Nos termos do artigo 158.º do CCP, a entidade adjudicante tem uma razoável margem de liberdade na fixação do prazo para apresentação de propostas, mas o enquadramento sistemático, as finalidades prosseguidas, os valores prejudicados e os princípios aplicáveis impõem que a Administração observe cuidados e princípios nessa fixação. Tratando-se de um concurso, que visa assegurar o mais amplo acesso possível ao procedimento por parte dos interessados em contratar, o prazo deve ser fixado de tal modo que sejam observados os princípios da proporcionalidade e da concorrência, tendo em conta a complexidade do contrato e o tempo necessário à elaboração de propostas.

6. As propostas para a realização de empreitadas envolvem uma análise aprofundada dos requisitos pretendidos e dos projectos, um eventual confronto com os locais e condições físicas em que as obras deverão ter lugar e a formação de preços ajustados às circunstâncias específicas de cada caso. Esse ajustamento exige tempo para a formulação de propostas sérias. Por isso, este Tribunal tem considerado que o prazo mínimo de vinte e quatro horas é manifestamente inadequado aos concursos de empreitada.

7. Não se pode afirmar, sem dúvidas, que o prazo de 5 dias para apresentar propostas, contendo-se nos limites da discricionariedade então aplicáveis, é, em concreto, manifestamente violador do princípio da proporcionalidade. No entanto, a sua fixação carecia de ser devidamente fundamentada.

8. De acordo com o disposto no artigo 157.º, n.º 2, do CCP e no artigo 1.º, n.º 1, alínea b), e Anexo II da Portaria n.º 701-A/2008, de 29 de Julho, o anúncio dos concursos públicos urgentes deve integrar o teor do respectivo Programa de Concurso e do respectivo Caderno de Encargos.

9. As ilegalidades assinaladas eram susceptíveis de alterar o resultado financeiro e, desse modo, enquadravam o fundamento de recusa de visto previsto na alínea c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC. Não obstante, as circunstâncias concretas do caso permitem e aconselham a utilização do mecanismo previsto no artigo no n.º 4 do mesmo artigo.

Lisboa, 7 de Novembro de 2011

Relatora: Helena Abreu Lopes

 

ACÓRDÃO Nº 29 /11 - 07.NOV. 2011 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 11/2011-R

(Processo de fiscalização prévia nº 22/2011)

RELATÓRIO

I.1. Pelo Acórdão n.º 17/11 - 22.MAR.2011- 1.ª S/SS, o Tribunal de Contas recusou o visto ao contrato de empreitada para a "Construção do Funicular de São João-Covilhã", celebrado em 21 de Dezembro de 2010, entre o Município da Covilhã e o consórcio formado pelas empresas "LIFTECH - Tecnologia para Elevadores, Lda." e "EFACEC - Engenharia e Sistemas, S.A.", pelo valor de € 1.549.963,85, acrescido de IVA.

I.2. A recusa do visto, proferida, em 22 de Março de 2011, ao abrigo da alínea c) do nº 3 do artº 44º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) (1), teve por fundamento ilegalidades na utilização da figura do concurso público urgente, tal como previsto no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e nos artigos 155.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP) (2).
A decisão recorrida considerou que não se verificavam no caso todos os pressupostos estabelecidos no n.º 2 do referido artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 para a aplicação do mecanismo excepcional em causa, uma vez que o requisito referido na alínea a) desse n.º 2 (tratar-se de um projecto co-financiado por fundos comunitários) não se encontrava preenchido.
Mais considerou que não se mostrava existir uma situação de urgência na efectivação da obra que justificasse a adopção do concurso público urgente, que foi fixado um prazo insuficiente para a apresentação das propostas e que o anúncio do concurso não obedeceu ao modelo legalmente fixado.

I.3. Inconformado com o Acórdão, o Município veio dele interpor recurso, em 12 de Abril de 2011, pedindo a concessão de visto ao contrato.
Em defesa do pretendido apresentou as alegações processadas de fls. 37 a 56 dos autos, que aqui se dão por reproduzidas, e de que se destacam os seguintes argumentos:
a) É inequívoco que o projecto em causa foi objecto de candidatura aprovada e de contrato de financiamento celebrado entre o Município da Covilhã e o Programa Operacional Regional do Centro em 1 de Março de 2010.
b) A decisão de financiamento pode ser objecto de pedidos de alteração, de acordo com o previsto no regulamento específico que estabelece as condições de acesso e as regras gerais de atribuição de co-financiamento comunitário através do FEDER, o que veio a acontecer nesta candidatura. Um pedido de reprogramação financeira e temporal do projecto foi aprovado em 17 de Março de 2011 e uma adenda ao contrato de financiamento foi assinada em 24 de Março de 2011. Resta ainda a possibilidade, a que o Município não deixará de recorrer, de, ainda em 2011 e para 2012, requerer novo pedido de alteração da data de conclusão do projecto.

c) Basta a invocação da utilização de fundos comunitários e o cumprimento dos restantes dois requisitos fixados no n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 para que se possa adoptar um procedimento de concurso público urgente.

d) Mas, para além de esses pressupostos se verificarem, no caso concreto também se evidenciam razões justificativas de prioridade, uma vez que está fundamentada a mais que possível perda dos fundos comunitários caso não se adoptasse o procedimento urgente.

e) O prazo de 5 dias concedido para a apresentação de propostas é compatível com a complexidade da obra a executar "tendo em conta que o projecto em causa contempla essencialmente a execução de trabalhos de construção civil, fornecimento e montagem de equipamento electromecânico e que os trabalhos de construção civil são sem grande complexidade de orçamentação, para além de que os materiais a fornecer consistem em equipamento estandartizado e com pré-montagem em unidade fabril, pelo que a sua orçamentação não exigiria muito tempo, pelo que, pese embora o prazo de execução da obra, os trabalhos revestem manifesta simplicidade, não estando colocado em causa nenhum dos princípios (...) que o Acórdão recorrido considera violados".

f) Ainda que assim não fosse, a necessidade de celeridade patente no caso concreto, aponta para que o Estado de Direito sairia mais lesado com a recusa do visto do que com a concessão do mesmo.

g) "A restrição do universo de potenciais concorrentes, atendendo ao carácter da obra (...), não se verifica, sendo certo que nem sempre uma grande obra (em termos da sua dimensão) é uma obra grande (em termos da sua complexidade), pelo que os prazos que legalmente cabem ao processo escolhido não são passíveis de alterar ou poder alterar o resultado financeiro do contrato".

h) A razão fundamental que levou o Governo a possibilitar no diploma de execução orçamental o recurso ao concurso público urgente foi a promoção do rápido aumento do nível de execução dos programas operacionais do QREN e a melhoria da indução da actividade económica e do emprego.

i) "A anulação deste procedimento, caso se mantenha a decisão de recusa do visto, acarretará prejuízos para o interesse público, designadamente com o agravamento do custo da obra e com o não cumprimento de determinadas taxas de execução do QREN, podendo o município ficar excluído da utilização de fundos comunitários".

j) A obra é de grande e notória importância para a região em que se insere, recolhe unanimismo em toda a sociedade civil e política e é de inquestionável importância para o crescimento, ritmo e mobilidade da cidade da Covilhã. Une as zonas densamente povoadas da cidade com as zonas desertificadas onde estão localizados os serviços e reduzirá os efeitos das dificuldades impostas pela topografia do terreno.

k) "A recusa do visto com todas as consequências que daí podem advir (artº 45.º da Lei 98/97, de 26/08) é, no circunstancialismo fáctico descrito, desproporcionada e desajustada, atentos os enormes prejuízos quer do ponto de vista económico-financeiro, com as consequências notórias, quer para os superiores interesses das populações, pelo que deve o presente visto ser concedido, ainda que com recomendações, nos termos do n.º 4 do art.º 44.º da Lei n.º 98/97".

I.4. Com o recurso, o recorrente juntou aos autos cópia da aprovação e da adenda ao contrato de financiamento relativo ao projecto em causa, celebrado entre o Município da Covilhã e a Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Centro, os quais consubstanciam um aumento da taxa de comparticipação comunitária e a alteração do prazo de execução do investimento (3).

I.5. O Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal de Contas emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, uma vez que o procedimento não evidenciou respeito pelos princípios gerais da contratação pública, designadamente quanto ao prazo concedido para a apresentação das propostas, o qual inviabilizou um procedimento verdadeiramente aberto e concorrencial.

I.6. Corridos os demais vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. DOS FACTOS

Da factualidade fixada no Acórdão recorrido e constante do processo de 1.ª instância ressaltam-se os seguintes aspectos:

A) O contrato foi precedido de concurso público urgente, com invocação do disposto no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e nos artigos 155.º e seguintes do CCP;

B) A abertura do procedimento pré-contratual foi autorizada por deliberação da Câmara Municipal da Covilhã, de 1 de Outubro de 2010, tendo por base uma informação produzida pelos serviços camarários, de 30 de Setembro de 2010, não contendo nenhum destes documentos qualquer fundamentação factual da decisão;

C) Questionada a autarquia sobre as razões em que se baseou para a adopção do procedimento pré-contratual de natureza urgente, o Vereador em permanência veio referir no ofício n.º 1075, de 7 de Fevereiro de 2011:
"A urgência do procedimento público urgente para esta empreitada justifica-se pelo facto de se tratar de um projecto com candidatura aos fundos comunitários já aprovada e atendendo às condições estabelecida pelo programa de financiamento, nomeadamente os prazos a respeitar, de modo a não pôr em causa os fundos de apoio referidos.
Por outro lado, por se tratar de um projecto muito específico foi alvo de vários acertos e ajustamentos por parte do gabinete projectista face aos esclarecimentos solicitados na fase de preparação do processo de concurso.
Assim foi adoptado concurso público urgente, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e instruído nos termos do artigo 155.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 278/2009, de 02 de Outubro (conforme consta das "informação de abertura do concurso", "ponto 1"; da "deliberação de abertura" e do "anúncio publicado na II Série do DR "outras informações"", já enviadas), nos quais se encontra devidamente descrita a fundamentação legal."

D) O anúncio de abertura do concurso foi publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 7 de Outubro de 2010, tendo sido enviado para publicação nesse mesmo dia, pelas 18:30:03 horas;

E) O ponto 9 do anúncio de abertura do concurso estabeleceu que as propostas deveriam ser apresentadas até às 18:00 horas do 5.º dia a contar da data do envio do anúncio para publicação no Diário da República;

F) Desse anúncio constavam, entre outros aspectos, a indicação do serviço onde se encontravam disponíveis as peças do concurso para consulta dos interessados, a informação de que o meio electrónico para a apresentação das propostas era a plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante (www.vortalgov.pt) e a informação de que o Programa de Concurso e o Caderno de Encargos se encontravam disponibilizados, de forma gratuita, na referida plataforma electrónica;

G) O critério de adjudicação era o do mais baixo preço;

H) Ao concurso apresentou-se um concorrente;

I) A adjudicação foi efectuada em 5 de Novembro de 2010 e o contrato celebrado em 21 de Dezembro de 2010;

J) A consignação da obra ocorreu em 22 de Dezembro de 2010 (4);

K) O prazo de execução da obra é de 540 dias;

L) A obra dispunha da concessão de um apoio financeiro, no âmbito do QREN (5), contratado entre o Município da Covilhã e Comunidade Intermunicipal COMURBEIRAS, CIM, agindo esta no âmbito de um contrato de delegação de competências com subvenção global celebrado entre ela e o Programa Operacional Regional do Centro, na sequência de candidatura apoiada pelo FEDER;

M) Esse apoio financeiro estava titulado por um contrato de financiamento celebrado em 1 de Março de 2010, que estabelecia como condição específica do apoio e da elegibilidade das despesas o início da execução do investimento até 1 de Março de 2010, comprovado pela apresentação do primeiro auto de consignação (6);

N) A cláusula terceira desse contrato estabelecia o prazo de execução da operação, fixando como data de início da mesma 1 de Março de 2010 e como data de fim 31 de Julho de 2011, o que correspondia a um prazo de execução de 485 dias;

O) Em 23 de Novembro de 2010, o Município da Covilhã solicitou a reprogramação temporal e financeira do referido contrato de financiamento, a qual, à data do acórdão recorrido, não se demonstrava ter sido aprovada;

P) Questionada a autarquia sobre a compatibilidade da complexidade da obra a executar com o prazo de 5 dias concedido para a apresentação de propostas, a mesma referiu:
"O projecto em causa contempla essencialmente a execução de trabalhos de construção civil, fornecimento e montagem de equipamento electromecânico.
Os trabalhos de construção civil consistem na substituição das redes de saneamento existentes, execução de pequenos muros de suporte de terras, escadarias com degraus em pedra, zonas verdes e iluminação pública, tudo trabalhos sem grande complexidade de orçamentação.
No que respeita aos trabalhos de fornecimento e montagem de equipamento electromecânico refere-se que os materiais a fornecer consistem em equipamento standartizado (cabine do elevador vertical e do funicular) e com pré-montagem em unidade fabril, pelo que as empresas da especialidade estão devidamente habilitadas a proceder à sua orçamentação num curto espaço de tempo";

Q) Questionada a autarquia sobre como considerava compatível com a adopção do concurso público urgente a circunstância de o contrato de financiamento ter sido celebrado em 1 de Março de 2010 e só em 1 de Outubro de 2010 ter sido deliberada a abertura do referido concurso, a mesma referiu: 
"O projecto sofreu várias alterações tendo a versão final dado entrada na Câmara Municipal da Covilhã no dia 29/Setembro/2010, tendo-se procedido, depois desta data, à preparação do processo para lançamento da obra a concurso após deliberação de abertura, datada de 01/Outubro/2010";

R) Questionada sobre como considerava compatível o prazo de execução da obra (540 dias) com o prazo de execução do contrato de financiamento (485 dias), referiu a autarquia:
"O Município da Covilhã aguarda, nesta data, a aprovação da reprogramação temporal do projecto de investimento em apreço, solicitada em 2010 para o ano de 2011.
De acordo com o regulamento específico que estabelece as condições de acesso e as regras gerais de atribuição de co-financiamento comunitário através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), uma decisão de financiamento pode ser objecto de pedidos de alteração.
Na candidatura em apreço (funicular de São João) e para o ano de 2012, será formulado um novo pedido de alteração da data da conclusão do referido projecto de investimento, a apresentar durante o corrente ano, de forma a que a execução do prazo de execução do contrato de financiamento celebrado seja compatível com o prazo de execução da empreitada".

Nos termos do disposto nos artigos 99.º, n.º 5, e 100.º, n.º 2, da LOPTC, consideram-se ainda como relevantes para a presente decisão os seguintes factos:

S) A Comissão Directiva do Programa Operacional Regional do Centro aprovou, em 17 de Março de 2011, a alteração referida em O) (7);

T) Em 24 de Março de 2011 foi assinada uma adenda ao contrato de financiamento referido em M) (8);

U) A referida adenda altera o prazo de execução da operação, estabelecendo como data de início 1 de Julho de 2009 e como data de fim 31 de Dezembro de 2011;

V) A cláusula sexta passou a determinar que a concessão do apoio e a elegibilidade das despesas não depende de uma data de início da execução do investimento se esse investimento já se tiver iniciado à data da adenda;

W) A mesma adenda aumenta a percentagem da comparticipação comunitária atribuída, que passa a ser de 80% das despesas elegíveis, em vez dos 70% constantes do contrato inicial.

II.2. DO PROCEDIMENTO DE FORMAÇÃO DO CONTRATO

II.2.1. Da modalidade de concurso público urgente

Conforme já foi acima referido, a empreitada em apreço foi contratada através de um procedimento de concurso público urgente.

Vejamos em que consiste esta modalidade de procedimento.

O concurso público urgente encontra-se regulado nos artigos 155.º a 161.º do CCP, regendo-se, com as necessárias adaptações, pelas disposições que regulam o concurso público, em tudo o que não esteja especialmente previsto nos artigos referidos ou que com eles não seja incompatível.
Um dos aspectos comuns às duas modalidades é o de qualquer interessado em contratar poder apresentar a sua proposta, o que significa que a figura do concurso público urgente está, tal como a do concurso público, integralmente sujeita aos princípios da concorrência, transparência e igualdade (cfr. artigo 1.º, n.º 4, do CCP). Isto implica, designadamente, a publicidade da oferta de contratar, a utilização de critérios objectivos de selecção e a fundamentação da escolha.
Só que, com base na necessidade de fazer face a uma situação de urgência, o legislador previu, para essa eventualidade, a possibilidade de a administração utilizar um procedimento acelerado de concurso público.

Esta aceleração faz-se, essencialmente, à custa do seguinte:

- O concurso é publicitado no Diário da República através de anúncio, do qual constam desde logo o programa do concurso e o caderno de encargos;
- O prazo mínimo para a apresentação de propostas pode ser reduzido até 24 horas, sendo que, em circunstâncias normais esse prazo não poderia nunca ser inferior a 9 dias ou, em caso de obras não manifestamente simples, a 20 dias;
- Não são admitidos pedidos de esclarecimentos para a boa compreensão e interpretação das peças do concurso;
- Não há lugar à identificação de eventuais erros ou omissões do caderno de encargos;
- Não se prevêem prorrogações do prazo para apresentação de candidaturas;
- Os concorrentes são obrigados a manter as suas propostas por apenas 10 dias, sem qualquer prorrogação;
- Os concorrentes não podem consultar as outras propostas apresentadas;
- Não há lugar à constituição de um júri para conduzir o procedimento;
- Não é possível pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas;
- Não há lugar à prestação de caução para garantia da celebração do contrato e do exacto e pontual cumprimento das obrigações dele decorrentes;
- O critério de adjudicação só pode ser o do mais baixo preço;
- Não são elaborados relatórios de análise das propostas;
- Não há lugar a audiência prévia antes de proferida a decisão de adjudicação;
- O adjudicatário deve apresentar os documentos de habilitação exigidos no prazo máximo de 2 dias a partir da notificação da adjudicação.

Como facilmente se conclui, esta procedimentação envolve riscos acrescidos para a administração e diminuição significativa de garantias para os concorrentes, relativamente àquilo que é normalmente assegurado num concurso público.
Por um lado, sendo o prazo para apresentação de propostas diminuto e não havendo possibilidade de obter esclarecimentos ou rectificações aos cadernos de encargos, verifica-se o risco de os concorrentes se defenderem de eventuais incertezas através de empolamentos de preço ou, ao invés, através de fortes expectativas relativamente a correcções por trabalhos a mais. Em ambos os casos, as propostas poderão ser pouco ajustadas à realidade.
Acresce que a administração não poderá pedir quaisquer esclarecimentos sobre as propostas e que, se estiverem em causa documentos concursais (cadernos de encargos, projectos) mais elaborados, não é possível à entidade pública co-responsabilizar o adjudicatário pela identificação de eventuais erros (9), recaindo todos os custos de correcções futuras sobre a administração.
Sendo a tramitação do concurso muito rápida (a adjudicação terá de ser feita em 10 dias, já que é esse o prazo máximo de manutenção das propostas), a entidade adjudicante não dispõe de tempo para uma cuidada análise das propostas, que, designadamente, as avalie face ao que é exigido pelo caderno de encargos e face ao que é admissível em termos de programação dos trabalhos.
Estes riscos são ainda agravados pela não prestação de caução que garanta a boa execução contratual.
Em suma, a administração enfrenta a possibilidade de, nestas condições, obter más propostas e maus contratos e uma maior vulnerabilidade face ao incumprimento contratual e à probabilidade de enfrentar custos acrescidos com correcções futuras.
Por outro lado, os concorrentes podem dispor de muito pouco tempo para preparar as suas propostas, não podem esclarecer dúvidas nem obter rectificações das peças do concurso, não podem consultar as outras propostas nem prestar esclarecimentos sobre a sua, não têm acesso a relatórios de análise das propostas nem direito a ser ouvidos antes de proferida a decisão.
Por último, a não designação de um júri para conduzir o procedimento diminui as condições de colegialidade, imparcialidade e contraditório.
Estas circunstâncias significam que se prescinde no concurso público urgente de um conjunto de mecanismos que o legislador contemplou no âmbito do concurso público com o objectivo de garantir efectivas condições de concorrência, transparência, igualdade e imparcialidade bem como a adequada satisfação das necessidades públicas. O concurso público urgente é, pois, uma modalidade que envolve uma significativa diminuição dessas garantias e do respeito pelos princípios aplicáveis.
Nessa medida, o recurso ao concurso público urgente é indubitavelmente um mecanismo de natureza excepcional, que sacrifica interesses normalmente acautelados num procedimento ordinário de concurso público, e que, por isso, só deve ser utilizado em função de uma efectiva urgência que se sobreponha àqueles interesses e que, dessa forma, justifique a utilização dessa modalidade excepcional.

Mas mais.

Porque se trata de uma modalidade de concurso com os inconvenientes acima assinalados, o legislador rodeou a possibilidade da sua utilização de um conjunto de constrangimentos.
Desde logo, o artigo 155.º do CCP apenas previu a possibilidade da sua utilização para contratos de locação, de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços de uso corrente, assim afastando, por regra, a adopção dessa modalidade em casos de serviços de uso não corrente e de empreitadas de obras públicas.
Assim se compreende a obrigatoriedade de inclusão do programa de concurso e do caderno de encargos no anúncio do concurso, a não previsão dos mecanismos de esclarecimento e identificação de erros ou omissões do caderno de encargos e a possibilidade de fixação de um prazo tão curto para apresentação de propostas. Porque nas locações, na compra de bens móveis e nas aquisições de natureza corrente, os cadernos de encargos são normalmente simples, relativos a bens padronizados, e as propostas limitam-se, com frequência, a indicar o preço comercial do produto identificado.
Não é assim nos serviços não padronizados nem nas empreitadas de obras públicas.
Estas áreas envolvem uma reflexão mais aprofundada sobre as necessidades da entidade pública, uma análise dos requisitos pretendidos e dos projectos, um eventual confronto com os locais e condições físicas em que as obras deverão ter lugar e a formação de preços ajustados às circunstâncias específicas de cada caso.
Esse ajustamento exige tempo para a formulação de propostas sérias, incluindo a possibilidade de esclarecer dúvidas e identificar imprecisões e, certamente, por isso, não se admitiu aí a utilização da figura do concurso público urgente.
Sucede, no entanto, que o Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho (10), veio permitir que, durante o ano de 2010, e em determinadas circunstâncias, se pudesse adoptar o procedimento de concurso público urgente para a celebração de contratos de empreitada, o que foi também repetido, para 2011, no Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março (11).
Ou seja, previu-se que, excepcionalmente, se utilizasse em empreitadas de obras públicas um mecanismo já de si excepcional, o qual não foi justificadamente concebido para ser adoptado nesse âmbito.
Ora, essa dupla excepcionalidade impõe que se use de rigor e ponderação na identificação das situações em que é possível recorrer a esta modalidade de concurso bem como na aplicação das correspondentes regras.
Este rigor e ponderação devem, pois, ter em conta que estamos perante um mecanismo excepcional que carece de ser devidamente justificado e devem ter presente que quaisquer poderes discricionários da administração estão limitados pela observância dos princípios gerais da actuação administrativa, de que se destaca o princípio da proporcionalidade. 

II.2.2. Dos pressupostos para a aplicação da modalidade de concurso público urgente às empreitadas de obras públicas

Como acima apontámos, a autarquia adoptou, no caso, o concurso público urgente, invocando, para o efeito, o disposto no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e nos artigos 155.º e seguintes do CCP.
Como também já referimos, o artigo 52.º do referido Decreto-Lei n.º 72-A/2010 permitiu que, durante o ano de 2010, e em determinadas circunstâncias, pudesse adoptar-se aquela modalidade de procedimento para a formação de contratos de empreitada de obras públicas, o que, normalmente não seria consentido pelo regime do CCP.
Ora, estando nós precisamente perante um contrato de empreitada, importa apurar se, no caso, se verificaram as circunstâncias previstas naquela norma legal.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, a aplicação do regime dos artigos 155.º e seguintes do CCP a procedimentos de contratação de empreitadas só poderia ter lugar desde que cumulativamente:

a) Estivesse em causa um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato fosse inferior ao referido na alínea b) do artigo 19.º do CCP;
c) O critério de adjudicação fosse o do mais baixo preço.

No Acórdão recorrido deram-se por verificados os requisitos referidos em b) e c).
E bem. Conforme resulta dos factos referidos nos pontos I.1 e II.1.G), tais requisitos estavam preenchidos (12).
Mas não se deu por verificado o requisito referido na alínea a).

Nesta matéria, referiu a decisão de 1.ª instância que, embora houvesse sido celebrado, em 1 de Março de 2010, um contrato para o financiamento comunitário da obra, tal contrato fixava um prazo para a execução da operação que terminava antes do prazo de execução da obra.
O recorrente veio invocar a existência inequívoca de um contrato de financiamento comunitário aprovado e assinado, que deve ser dado como suficiente para demonstrar o preenchimento do requisito referido na alínea a) do n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, alegando que questão diversa é a possibilidade de o conteúdo das decisões de financiamento ser objecto de alterações.
É, de facto, inequívoco que foi contratualizado um financiamento comunitário para o investimento em causa. Isso mesmo resulta do facto dado como provado no n.º II.K) do acórdão recorrido.
Sucede, no entanto, que, na 1.ª instância, se duvidou da viabilidade desse financiamento e, consequentemente, não se deu o mesmo como adquirido.
E parece-nos que bem, já que, como resulta do que se refere nas alíneas D), J), K), M) e N) do n.º II.1, não se verificavam as condições necessárias para que o financiamento se concretizasse.
De acordo com a cláusula sexta do referido contrato de financiamento, a concessão do apoio financeiro dependia de a consignação ocorrer até 1 de Março de 2010. Ora, isso não sucedeu, uma vez que o concurso só abriu em 7 de Outubro e a consignação só veio a ocorrer em 22 de Dezembro desse ano.
Por outro lado, a cláusula terceira do mesmo contrato determinava que o investimento deveria estar concluído até 31 de Julho de 2011, o que se mostrava impossível, uma vez que o prazo de execução da obra aponta para uma conclusão, na melhor das hipóteses, em Junho de 2012.
Uma vez que não se mostravam verificadas as condições do financiamento nem aprovadas as alterações solicitadas ao respectivo contrato, parece inquestionável que a comparticipação financeira comunitária não se podia dar como assegurada, nem à data em que foi aberto o concurso nem à data em que o contrato foi submetido à apreciação deste Tribunal.
Como decorre das alíneas S), T), U), V) e W) do n.º II.1 deste acórdão, o recorrente veio agora comprovar a celebração, em 24 de Março de 2011, de uma adenda ao contrato de financiamento que, não obstante redefinir a data de início da operação para 1 de Julho de 2009, viabiliza o financiamento se o investimento se tiver iniciado até à data da adenda.
Como a consignação foi efectuada em 22 de Dezembro de 2010, e a adenda foi outorgada em 24 de Março de 2011, essa condição de financiamento está agora preenchida.
É certo que a data do fim da operação foi mudada para 31 de Dezembro de 2011 e que o prazo de execução da obra continua a apontar para uma conclusão, no mínimo, em Junho de 2012, continuando, assim, a não estar garantido que o investimento respeita o termo final fixado no contrato de financiamento.
No entanto, o contrato de financiamento apenas define como condição específica do apoio e da elegibilidade das despesas o início do investimento até uma determinada data e não a conclusão da obra dentro do prazo do contrato. Por outro lado, a cláusula décima do contrato admite alterações no calendário de realização do investimento por motivos justificados (13).
Verifica-se, pois, que ainda que possa continuar em dúvida o financiamento dos trabalhos realizados após 31 de Dezembro de 2011, isso não sucede relativamente ao financiamento das despesas realizadas até lá. Ou seja, haverá certamente financiamento comunitário das despesas realizadas durante o ano de 2011, embora não esteja garantido que esse financiamento abranja as despesas de 2012.
Em suma, está agora assegurado que o projecto é co-financiado por fundos comunitários, embora ainda esteja em dúvida o quantum total desse financiamento.
Sendo estas alterações posteriores à decisão recorrida, resta agora determinar se elas podem relevar para a alteração da decisão tomada.
A jurisprudência deste Tribunal tem sido, por força do disposto nos artigos 99.º, n.º 5, e 100.º, n.º 2, da LOPTC e do princípio da economia processual, no sentido de relevar, em recurso, factos posteriores à decisão recorrida, quando sejam de molde a ultrapassar as ilegalidades identificadas em 1.ª instância.
Deve também atender-se ao objectivo do regime estabelecido no n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, o qual visou um maior aproveitamento dos fundos comunitários ao dispor de Portugal (14), através da aceleração do grau de execução dos investimentos.
Nesta linha, considera este Tribunal ser de relevar a confirmação do co-financiamento comunitário que foi obtida posteriormente e, nessa parte, dar agora por preliminarmente verificado o pressuposto estabelecido na alínea a) do n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010. 

II.2.3. Dos pressupostos específicos para a aplicação da modalidade de concurso público urgente

Mas é suficiente a verificação objectiva do co-financiamento comunitário?
A verdade é que continua a dever aplicar-se ao caso o regime dos artigos 155.º e seguintes do CCP, com ele necessariamente articulando o estabelecido no referido artigo 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010.
Ora, este artigo estabelece que o procedimento de concurso público urgente só pode adoptar-se em caso de urgência, como, aliás, é de óbvio bom senso e é imposto pela excepcionalidade do instituto e pelo aplicável princípio da proporcionalidade.
Como refere o acórdão recorrido, no seu ponto III.3, este requisito exprime-se por um conceito indeterminado, a preencher pelo recurso a valores e às circunstâncias de cada caso.
Considerando que estamos perante um desvio à tramitação normal do concurso público, que, como acima apontámos, implica o sacrifício de relevantes interesses públicos e de relevantes interesses dos concorrentes, acompanhamos o entendimento da 1.ª instância no sentido de que só poderia dar-se por verificada a exigida situação de urgência se se demonstrasse que a utilização de um procedimento normal resultaria ineficaz ou revelar-se-ia inidóneo para dar, em tempo oportuno, a resposta necessária a uma circunstância de risco ou perigo iminente e actual que se deva sobrepor àqueles interesses, por ameaçar seriamente a satisfação de um interesse público de maior relevo ou prioridade.
Ora, ao contrário do que se invoca, o acto de autorização da abertura do concurso em causa não contém qualquer fundamentação factual que explicite por que razão era imprescindível adoptar um concurso público urgente.
Por outro lado, o financiamento comunitário já tinha sido obtido por contrato assinado em 1 de Março de 2010, 7 meses antes da abertura do concurso.

Não estando em causa a apresentação de candidatura e sabendo, de antemão, o prazo de que dispunha para a realização do investimento, porque razão não abriu a autarquia o concurso mais cedo, com respeito pelos prazos e procedimentos normais?
A município argumenta que o projecto, atenta a sua especificidade, foi alvo de acertos e ajustamentos, tendo dado entrada na Câmara apenas em 29 de Setembro de 2010, só então se podendo lançar a obra a concurso.
Por outro lado, vem explicitar-se, em sede de recurso (15), que a urgência decorria de um projecto com candidatura aos fundos comunitários aprovada, cujo programa de financiamento estabelecia condições, nomeadamente os prazos a respeitar, e que caso não se adoptasse o procedimento urgente era "mais que possível" a perda dos fundos comunitários.
Acrescenta-se que essa modalidade de concurso corresponde à absoluta necessidade de agilizar os procedimentos administrativos de adjudicação, permitindo uma economia de tempo, que é a via mais adequada para garantir o indispensável financiamento das obras através do QREN, sobretudo quando existem cronogramas deveras exigentes para serem cumpridos.
Observa-se, no entanto, que se considerou imprescindível a redução do prazo de candidaturas em vários dias e do prazo de procedimentação nalguns meses, sem curar de acelerar os acertos de projecto, que duraram 7 meses, ou a própria celebração do contrato, a qual ocorreu dois meses e meio depois da abertura do concurso (16), quando deveria ter ocorrido 17 dias depois (17).
E observa-se também que os prazos de conclusão do investimento, tal como fixados no contrato de financiamento, foram sempre irrealistas e são, noutros passos do processo e do recurso, considerados pela autarquia como relativos e modificáveis.
No entanto, não obstante a inexistência de fundamentação atempada e a fragilidade e reversibilidade da argumentação posterior, consideramos que a análise objectiva da situação permite concluir que as entidades financiadoras exigem o início e a conclusão rápida dos investimentos, que a autarquia já se encontrava significativamente atrasada no início das obras e que só a poupança de tempo proporcionada pelo encurtamento da tramitação do concurso (18) lhe permitiu fazer a consignação e apresentar trabalhos realizados antes de terminar o prazo inicial de duração do contrato de financiamento. Se tivesse desenvolvido um concurso público normal, muito provavelmente não teria conseguido o grau de execução que fundamentou a autorização da reprogramação (19) e teria perdido o financiamento.
Assim, muito embora não esteja devida e suficientemente fundamentada e resulte, em parte, de atrasos imputáveis ao município, considera-se que, no caso concreto, a adopção do concurso público urgente foi imprescindível para a manutenção do financiamento comunitário, o que se compatibiliza com as finalidades prosseguidas pelo legislador do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 e com o princípio da proporcionalidade.
No entanto, assinala-se a ilegalidade do acto de escolha do procedimento, por violação do dever de fundamentação estabelecido no artigo 38.º do CCP e nos artigos 124º, nº1, e 125º, nº1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA). 

II.2.4. Do prazo para a apresentação de propostas

O acórdão recorrido referiu ainda outros vícios, como seja a insuficiência do prazo fixado para apresentação de propostas.
Como se refere nesse acórdão, o artigo 158.º do CCP estabelece que, num concurso público urgente, o prazo mínimo fixado para a apresentação das propostas é de vinte e quatro horas.
Daqui decorre que a entidade adjudicante tem uma razoável margem de liberdade na fixação desse prazo, mas, como também bem se assinala, o enquadramento sistemático, as finalidades prosseguidas, os valores prejudicados e os princípios aplicáveis impõem que a Administração observe cuidados e princípios nessa fixação.
Tratando-se de um concurso, que visa assegurar o mais amplo acesso possível ao procedimento por parte dos interessados em contratar, tanto no seu interesse como no interesse público, o prazo deve ser fixado de tal modo que sejam observados os princípios da proporcionalidade e da concorrência, tendo em conta a complexidade do contrato e o tempo necessário à elaboração de propostas.
E, como já acima referimos, se nas locações, na compra de bens móveis e nas aquisições de natureza corrente, os cadernos de encargos são normalmente simples, relativos a bens padronizados, e as propostas se limitam, com frequência, a indicar o preço comercial do produto identificado, para tanto podendo ser suficiente um prazo de vinte e quatro horas, já o mesmo não sucede nas empreitadas.
As propostas para a realização de obras envolvem uma análise mais aprofundada dos requisitos pretendidos e dos projectos, um eventual confronto com os locais e condições físicas em que as obras deverão ter lugar e a formação de preços ajustados às circunstâncias específicas de cada caso. Ora, esse ajustamento exige tempo para a formulação de propostas sérias.
Por isso, este Tribunal tem considerado que o prazo mínimo de vinte e quatro horas é manifestamente inadequado aos concursos de empreitada.
O artigo 35.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março, veio reconhecer este desajustamento e fixou um prazo mínimo de 15 dias para apresentação de propostas nos concursos públicos urgentes para a realização de empreitadas de obras públicas, exigência que, no entanto, não podemos aplicar de forma retroactiva.
A questão que se coloca é, então, a de saber se, no caso, um prazo de 5 dias era, ou não, manifestamente insuficiente para a identificação da existência do concurso por parte de potenciais concorrentes e para que os mesmos elaborassem propostas sérias.
Como acima se apontou, a recorrente veio alegar que a obra em causa é grande, mas não é complexa, e que os trabalhos de construção civil, consistindo na substituição das redes de saneamento existentes, execução de pequenos muros de suporte de terras, escadarias com degraus em pedra, zonas verdes e iluminação pública, são trabalhos sem grande complexidade de orçamentação. Mais referiu que, no que respeita aos trabalhos de fornecimento e montagem de equipamento electromecânico, eles se referem a equipamento standartizado (cabine do elevador vertical e do funicular) e com pré-montagem em unidade fabril, pelo que as empresas da especialidade estão devidamente habilitadas a proceder à sua orçamentação num curto espaço de tempo.
Em contrapartida, constatamos que apenas houve um concorrente, o que nos poderia levar a dizer que as condições de concorrência e de elaboração das propostas não foram suficientes.
No entanto, não podemos afirmar com certeza que o tempo dado não tenha sido suficiente no caso nem que a exiguidade de concorrentes se devesse a esse facto. Pode dever-se, em grande parte, à especificidade da obra em causa, que envolve o fornecimento de equipamentos especiais, para a qual nem todos os operadores estarão habilitados ou vocacionados.
Assim, não nos é possível afirmar, sem dúvidas, que o prazo é, em concreto, manifestamente violador do princípio da proporcionalidade, sendo certo que se contém nos limites da discricionariedade então aplicáveis.

Não obstante, careceu, no momento em que foi fixado, da devida fundamentação. 

II.2.5. Do anúncio de abertura do concurso

De acordo com o disposto no artigo 157.º, n.º 2, do CCP e no artigo 1.º, n.º 1, alínea b), e Anexo II da Portaria n.º 701-A/2008, de 29 de Julho, o anúncio dos concursos públicos urgentes deve integrar o teor do respectivo Programa de Concurso e do respectivo Caderno de Encargos.
Compreende-se esta exigência, estabelecida para compensar a redução do prazo de candidatura e as eventuais demoras para acesso a esses documentos, essenciais à elaboração das propostas.
Embora, tal como se diz no acórdão recorrido, essas peças sejam, nas empreitadas, de dimensão dificilmente compaginável com essa publicação integral.
No caso, esses documentos não foram transcritos no anúncio, tendo-se indicado que se encontravam disponíveis para consulta no serviço e na plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante.

II.3. Das ilegalidades verificadas

Conclui-se, assim, que se verificaram as seguintes ilegalidades:

- Falta de fundamentação do acto de abertura do concurso público urgente, em violação do disposto no artigo 38.º do CCP e dos artigos 124º, nº1, e 125º, nº1, do CPA;
- Falta de fundamentação da decisão de fixação do prazo de apresentação de propostas, em violação do disposto nos artigos 124º, nº1, e 125º, nº1, do CPA;
- Não transcrição do Programa de Concurso e do Caderno de Encargos no anúncio do concurso, em violação do estipulado no artigo 157.º, n.º 2, do CCP e no artigo 1.º, n.º 1, alínea b), e Anexo II da Portaria n.º 701-A/2008, de 29 de Julho.

O dever de fundamentação dos actos administrativos traduz a externação das razões ou motivos determinantes da decisão administrativa, tendo como objectivos essenciais os de habilitar o destinatário a reagir eficazmente contra a respectiva lesividade e assegurar a transparência e imparcialidade das decisões administrativas.
Como é jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo (STA) (20), um acto estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão, bem como das razões de facto e de direito que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa.
Como refere Allan R. Bewer-Carlas (21) a fundamentação consiste na necessária expressão formal dos motivos do acto, tanto os que são de direito e que configuram a base legal, como os motivos de facto que provocam a actuação administrativa. A fundamentação é, portanto, a expressão formal da causa dos actos administrativos, quer dizer, dos fundamentos de facto e de direito dos mesmos.
A fundamentação, por seu lado, e de harmonia com o disposto no artigo 125º, nº1, do CPA, deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto.
Ora, como acima vimos, o município não expressou atempadamente, nem nos actos que consubstanciaram as respectivas decisões, nem nas informações que os precederam, as razões factuais concretas para a imprescindibilidade do recurso ao concurso público urgente e para a fixação do prazo de apresentação das propostas, o que era necessário para aferir da sua conformidade com os respectivos pressupostos e princípios aplicáveis.
A falta de fundamentação de um acto administrativo, ou a sua insuficiente fundamentação (22), como também é jurisprudência consolidada do STA, determina a anulabilidade do acto.
As ilegalidades assinaladas eram susceptíveis de alterar o resultado financeiro e, desse modo, enquadravam o fundamento de recusa de visto previsto na alínea c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC.

Verifica-se, no entanto:

- Que foi possível, com base na fundamentação feita posteriormente, inclusive em sede de recurso, dar por preenchidos os pressupostos da escolha do procedimento;
- Que o prazo fixado para a apresentação das propostas não pode ser considerado manifestamente insuficiente;
- Que o Programa de Concurso e o Caderno de Encargos eram acessíveis electronicamente, em endereço claramente indicado, o que mitigou a sua não transcrição no anúncio.

Assim, não obstante as ilegalidades verificadas e o seu enquadramento no disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC, consideramos que as circunstâncias concretas do caso permitem e aconselham a utilização do mecanismo previsto no artigo no n.º 4 do mesmo artigo.

III. DECISÃO

Assim, pelos fundamentos expostos, acorda-se em Plenário da 1ª Secção em:
1. Dar provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e concedendo o visto ao contrato.
2. Recomendar ao Município da Covilhã que, em futuros procedimentos:
a. Fundamente, de facto e de direito, os actos de escolha dos procedimentos de contratação, em respeito pelo disposto no artigo 38.º do CCP e nos artigos 124º, nº1, e 125º, nº1, do CPA;
b. Nesse sentido, quando recorra a procedimentos de concurso público urgente, explicite, de forma clara e por referência aos respectivos pressupostos, por que razões esse recurso é imprescindível;
c. Fundamente, nos concursos públicos urgentes, as decisões de fixação dos prazos de apresentação de propostas, tornando perceptíveis as razões por que esses prazos não podem deixar de ser encurtados relativamente aos prazos normais dos procedimentos de concurso;
d. Dê cumprimento ao estipulado no artigo 157.º, n.º 2, do CCP e no artigo 1.º, n.º 1, alínea b), e Anexo II da Portaria n.º 701-A/2008, de 29 de Julho. 

São devidos emolumentos nos termos dos artigos 17.º, n.º 3, e 5.º, n.º 1, alínea b), do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo ao Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de Maio.
Lisboa, 7 de Novembro de 2011 

Os Juízes Conselheiros,
(Helena Abreu Lopes - Relatora)
(Carlos Morais Antunes)
(Helena Ferreira Lopes)

O Procurador-Geral Adjunto
(Jorge Leal) 


(1) Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto, 35/2007, de 13 de Agosto, e 3-B/2010, de 28 de Abril. 
(2) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 18-A/2008, de 28 de Março, e alterado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 223/2009, de 11 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 278/2009, de 2 de Outubro, pela Lei n.º 3/2010, de 27 de Abril, e pelo Decreto-Lei n.º 131/2010, de 14 de Dezembro. 
(3) Cfr. fls 57 a 69 dos autos. 
(4) Cfr. auto de consignação a fls. 114 do processo de 1.ª instância. Corrige-se, nesta parte, o lapso material referido no Acórdão recorrido. 
(5) Quadro de Referência Estratégico Nacional. 
(6) Cfr. cláusula sexta do contrato de financiamento, a fls. 94 do processo de visto. 
(7) Cfr. fls. 64 e seguintes dos autos. 
(8) Cfr. fls. 58 e seguintes dos autos. 
(9) Cfr. artigo 378.º do CCP. 
(10) Decreto-Lei de execução orçamental para o ano de 2010. 
(11) Embora exigindo, nestes casos, a prestação de caução e, em 2011, também a fixação de um prazo mínimo de 15 dias para a apresentação de propostas. 
(12) O valor referido na alínea b) do artigo 19.º do CCP era, para 2010, de € 4 845 000. Cfr. Regulamento (CE) n.º 1177/2009 da Comissão, de 30 de Novembro de 2009, publicado no JOUE de 1 de Dezembro de 2009. 
(13) Cfr, fls. 98 do processo de visto. 
(14) Cfr., designadamente, o respectivo Preâmbulo. 
(15) Vide fls. 9 e 17 dos autos. 
(16) Cfr. alíneas D) e I) do ponto II.1. 
(17) Cfr. n.º II.2.1. (5 dias para apresentação de propostas, 10 dias para adjudicação, 2 dias para apresentação dos documentos de habilitação). 
(18) Mais do que o encurtamento do prazo para apresentação de candidaturas releva o encurtamento dos trâmites e prazos do processo de apreciação e adjudicação. 
(19) Vide fls. 65. 
(20) Vide, entre muitos, os Acórdãos do STA de 30 de Outubro de 1990, in Acórdãos Doutrinais (AD) 351, pág.339; de 11 de Outubro de 1988, in AD 329, pág. 620; de 11 de Maio de 1989 (Pleno), in AD 335, pág.1398; de 12 de Fevereiro de 1987, in AD 317, pág. 581; de 30 de Outubro de 1990, in AD 353, pág. 607; de 7 de Março de 1995, in Proc. nº 30 275; de 26 de Março de 1996, in Proc. nº 34 024 e de 21 de Maio de 2008, in Proc. nº742/07.
Note-se que, no mesmo sentido, decidiu também o Acórdão nº 92/08, de 7 de Julho de 2008, da 1ª Secção do Tribunal de Contas. 
(21) In "Princípios del procedimiento administrativo", pág. 105.  
(22) Vide o artigo 125º, nº2 do Código do Procedimento Administrativo que dispõe que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.