Acórdão n.º 29/2010, de 8 de Novembro de 2010, do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 592/2010)

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ACÓRDÃO Nº 29 /10 - 08.NOV. 2010 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 15/2010

(Proc. nº 592/2010)

DESCRITORES:

Empreitada de obras públicas.

Habilitações dos concorrentes.

Marcas comerciais.

Princípio da concorrência.

Recomendações do Tribunal de Contas.

SUMÁRIO:

I - Viola o disposto no nº1, do artigo 31º do DL nº 12/2004, de 9 de Janeiro, a exigência feita no Programa de Concurso de que os concorrentes a um concurso de empreitada de obra pública sejam detentores do certificado de classificação de empreiteiro geral, ou construtor geral de edifícios de construção tradicional, sem possibilitar a candidatura dos concorrentes que sejam detentores de uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo;

II - Viola o disposto no artigo 49º, nºs 12 e 13 do Código dos Contratos Públicos, a inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais, desacompanhadas da menção "ou equivalente";

III - Qualquer das violações de lei referidas nos pontos anteriores tem por consequência a restrição da concorrência e a possibilidade de alteração do resultado financeiro do contrato;

IV - Face ao referido no ponto anterior, não carece de demonstração a possibilidade de alteração, do resultado financeiro do contrato, dado que o artigo 44º, nº3, al. c) da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, estabelece como fundamento de recusa do visto a existência de uma ilegalidade que tenha a virtualidade de poder alterar aquele resultado financeiro;

Conselheiro Relator: António M. Santos Soares

 

ACÓRDÃO Nº 29 /10 - 08.NOV. 2010 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 15/2010

(Proc. nº 592/2010)

Acordam os juízes do Tribunal de Contas, em Plenário da 1ª Secção:

I - RELATÓRIO 
 

1. Recorreu o Município de Oeiras, do Acórdão nº 28/2010, de 13 de Julho de 2010, da 1ª Secção, deste Tribunal, em subsecção, que recusou o visto ao contrato de empreitada relativo ao "Centro de Saúde de Carnaxide - Extensão de Algés" celebrado, em 29 de Abril de 2010, entre si e a empresa "Manuel Rodrigues Gouveia, SA".
Tal decisão foi proferida com fundamento no disposto no artigo 44º, nº3, al. c) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, porque:
a) Foram efectuadas exigências de habilitação superiores às estabelecidas na lei, o que viola o disposto no artigo 31º, nº1, do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro;
b) Em vários artigos do mapa de quantidades, patenteado a concurso, foram feitas exigências relativas a marcas comerciais, sem que estas fossem acompanhadas das expressões "do tipo" ou "ou equivalente", o que viola o disposto no artigo 49º, nºs 12 e 13 do Código dos Contratos Públicos (CCP);
c) Estas exigências, além de serem violadoras de lei, são susceptíveis de alterar o resultado financeiro do contrato;
d) O Município de Oeiras já foi objecto de várias recomendações do Tribunal de Contas, no sentido de cumprir o disposto nas normas agora violadas, sem que as tenha acatado e enveredado pelo cumprimento da lei, situação que impedia o uso da faculdade prevista no nº4, do artigo 44º, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto (LOPTC).

2. Nas suas alegações, o Município de Oeiras formulou as seguintes conclusões:
"a) O programa de concurso respeitante ao procedimento que antecedeu o contrato submetido a visto continha, em matéria de requisitos habilitacionais para concurso, o requisito de empreiteiro geral ou construtor geral, previsto no nº2, do artº 31º do Dec.Lei nº 12/2004 de 9 de Janeiro;
b) A norma inserta naquele nº2 do artº 31º é um comando imperativo, cujo efeito é dispensar qualquer outra exigência específica prevista no nº1 do mesmo artigo. Por ter natureza imperativa, esse comando vale por si só e impõe-se também a qualquer disposição presente nos programas de concurso e possibilita por essa via a apresentação a concurso de qualquer concorrente dotado da classificação de empreiteiro geral em classe correspondente;
c) Mas também se encontra prevista no programa de concurso a hipótese dos detentores de várias subcategorias suficientes para as várias obras previstas no projecto de execução, por si ou através de subempreiteiros concorrerem ao concurso;
d) A possibilidade de recurso a subempreiteiros não pode ser afastada por imperativo do artigo 12º nº1, do Dec.Lei nº 12/2004, não valendo, assim, a argumentação de que se encontra afastado este recurso;
e) Dando-se satisfação ao disposto nos nºs 1 e 2 do citado artº 31º do Dec.Lei nº 12/2004, não se verifica qualquer violação da lei;
f) Aliás, essas disposições legais sobrepõem-se aos requisitos habilitacionais para acesso ao concurso, pelo que se estes requisitos forem inválidos, não são vinculativos para os concorrentes potenciais ou efectivos;
g) A finalidade associada ao Dec.Lei nº 12/2004 é assegurar a idoneidade, capacidade e responsabilidade dos empreiteiros por via da imposição de regras relativas à sua classificação, pelo que o artº 31º deste diploma não pode ser entendido como permissivo no que respeita ao acesso a concursos públicos por aqueles;
h) Perante o conflito de deveres emergente da contemplação da máxima concorrência e a exigência de qualificação dos concorrentes, este último deve prevalecer, porque é o que melhor serve o interesse público;
i) Para aferição do risco ou perigo de lesão do resultado financeiro do procedimento não basta um princípio abstracto, sendo necessário que se demonstre em concreto qual a medida em que aquele resultado financeiro foi ou poderia ter sido lesado;
j) O douto Acórdão recorrido não demonstra em que medida se produziu este perigo ou risco, incorrendo em errada interpretação dos pressupostos de facto quanto à censura das habilitações para concurso constantes do programa de concurso, e nessa medida invalidante da decisão tomada;
k)Também no respeitante às designações de marcas comerciais, a análise dos factos revela que o seu número é reduzido, de espécies diferentes e o seu valor diminuto e de reduzido valor de mercado, bens facilmente acessíveis a qualquer empreiteiro e, por todas estas razões, insusceptíveis de influir no resultado financeiro do contrato;
l) Aliás, a consideração das marcas indicadas para efeitos de concurso não é legalmente vinculativa, pelo que nunca impediria os concorrentes de apresentarem propostas diferentes e de as verem consideradas no procedimento;
m) E igualmente aqui o Acórdão recorrido não demonstra em que medida este facto alterou ou poderia ter alterado o resultado financeiro do procedimento, ficando-se por uma declaração abstracta e sem concretização como se exigia face à recusa da concessão do Visto e às suas gravosas consequências;
n) Não tendo feito essa demonstração, incorreu aqui também em erro nos pressupostos de facto;
o) A al. c) do nº3 do artº 44º da LOPTC exige, para fundamento da recusa de Visto, que cumulativamente existam ilegalidades e que estas alterem ou possam alterar o resultado financeiro do procedimento o que, consubstanciando mesmo um simples perigo ou risco, este tem de ser aferido em concreto para que a sanção seja aplicada;
p) No caso vertente, tanto a invocada possibilidade de ter havido restrição dos potenciais concorrentes ao procedimento, inconsistente face ao elevado número de propostas recebidas, como a alegada ameaça à livre concorrência por suposta exigência de marcas comerciais, insignificante face ao seu reduzido número e ao valor total da empreitada, ficam por demonstrar em concreto;
q) Há uma evidente desproporção entre os custos inerentes à anulação da empreitada e ao lançamento de novo concurso e os hipotéticos danos cujo risco se incorreu no procedimento, como consequência da recusa de Visto, aqueles sim lesivos do erário público;
r) Tais consequências não podem ser assacadas ao Recorrente, mas à errada interpretação dos factos feita no Acórdão recorrido.
Terminou dizendo que deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, concedido o visto ao contrato de empreitada.

3. O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

4. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
 

II - MATÉRIA DE FACTO 
 

1. Tendo em conta o disposto no artigo 100º, nº2, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, o que consta da Decisão recorrida e as alegações do recorrente, considera-se assente a seguinte matéria de facto:
A) O Município de Oeiras celebrou em 29 de Abril de 2010, com a empresa "Manuel Rodrigues Gouveia, SA" um contrato de empreitada relativo ao "Centro de Saúde de Carnaxide - Extensão de Algés", pelo valor de 3.699.990,00 €, acrescido de IVA, à taxa legal;
B) Em 8 de Abril de 2009, a Câmara Municipal de Oeiras (CMO) autorizou a abertura do procedimento que antecedeu a celebração do contrato mencionado na alínea anterior, bem como os respectivos documentos;
C) O contrato referido na alínea A), foi precedido de concurso público cujo anúncio de abertura foi publicado no Diário da República, 2ª série, de 24 de Julho de 2009;
D) O contrato foi celebrado após deliberação de adjudicação, daquela Câmara Municipal, de 10 de Março de 2010;
E) A obra apresenta um prazo de execução de 730 dias, tendo ocorrido a consignação em 27 de Maio de 2010;
F) No ponto 8. 1. do Anúncio publicado no Diário da República estabeleceu-se:
"Podem ser admitidos a concurso os concorrentes detentores de certificado de classificação de empreiteiro de obras públicas, emitido pelo INCI, contendo as seguintes classificações:

a) Empreiteiro Geral de Obras de Construção Tradicional.

b) 1ª Categoria, 1ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª subcategorias, correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam;

c) 2ª Categoria, 8ª e 9ª subcategorias, correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam;

d) 4ª Categoria, 1ª, 2ª, 4ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª, 12ª, 13ª, e 15ª subcategorias, correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam;

e) 5ª Categoria, 2ª, 4ª, 6ª, 7ª, 9ª, 10ª, 11ª, e 12ª subcategorias, correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam";

G) Nos pontos 7.2. e 7.3. do Programa de Concurso estabeleceu-se:
"7.2. O certificado de classificação (...) de Empreiteiro Geral de Obras de Construção Tradicional de classe 6, previsto no artº. 4º do Decreto-Lei 12/2004 de 9 de Janeiro e de acordo com o artº. 1º da Portaria 17/2004 de 10 de Janeiro deve conter:

a) 1ª Categoria, 1ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª subcategorias, correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam;

b) 2ª Categoria, 8ª e 9ª subcategorias, correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam;

c) 4ª Categoria, 1ª, 2ª, 4ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª, 12ª, 13ª, e 15ª subcategorias, correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam;

d) 5ª Categoria, 2ª, 4ª, 6ª, 7ª, 9ª, 10ª, 11ª, e 12ª subcategorias, correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam;

7.3. Desde que não seja posto em causa o disposto no nº 2 do artigo 383º do Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, e sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e b) do nº 7.2, o concorrente pode recorrer a sub-empreiteiros (...)";
H) Questionada quanto às exigências habilitacionais referidas nas alíneas anteriores, a CMO alegou que (1): 
 " ... a razão porque não foi exigida uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, conforme o disposto no nº 1 do artº 31º do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro, deveu-se a que, ao considerar a natureza dos trabalhos mais relevantes para a empreitada, se encontravam estes nas 1ª e 4ª subcategorias da 1ª categoria, determinantes para a classificação do Empreiteiro geral ou Construtor geral de edifícios de construção tradicional, conforme nº 2 da Portaria nº 19/2004 de 10 de Janeiro, não sendo viável a sua divisão.
Interpretou-se, face a esta classificação, que tal situação se encontra abrangida pelo nº 2 do artº 31º do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro que na sua redacção possibilita a dispensa do nº 1, desde que o empreiteiro possua a classificação de geral ou Construtor adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global. Este facto de modo nenhum limitou a concorrência, pois não constituiu obstáculo à apresentação de candidaturas, para além dos condicionamentos legalmente estabelecidos, o que é demonstrado pelo facto de terem concorrido vinte empresas de construção civil...".
I) Em 1 de Julho de 2010, veio ainda a CMO referir o seguinte sobre a mesma matéria (2):
"... era entendimento dos serviços, face às dificuldades de interpretação dos comandos ínsitos nos nºs 1 e 2 do artº 31º do Decreto-Lei nº 12/2004, de 9 de Janeiro, que a indicação de uma categoria de Empreiteiro Geral ou de Construtor Geral, como é especificado na alínea a) do nº 2 do artº 12º do citado diploma, tal como estabelecido no nº 2 da Portaria nº 19/2004, de 10 de Janeiro, seriam incidíveis, pois que neste último dispositivo legal se estabelecem como componentes obrigatórias da 1ª Categoria (Edifícios de Construção Tradicional) as 1ª e 4ª subcategorias; ou seja, não faria sentido dividir este grupo de subcategorias, sob pena de se incorrer em violação da norma deste nº 2 da Port. Nº 19/2004.
Ora, sendo previsto como habilitação para admissão a concurso a posse de certificado de Empreiteiro Geral da classe 6 (nos termos do estabelecido na Port. nº 1371/2008, de 2 de Dezembro, então vigente), por corresponder à classe que cobria o valor global da obra, a indicação da 1ª Categoria surge naturalmente associada à natureza da obra que se pretende realizar, decorrendo necessariamente desta as 1ª subcategoria (estruturas e elementos de betão) e a 4ª subcategoria (alvenarias, reboco e assentamento de cantarias);...".
J) No mapa de quantidades de trabalhos patenteado a concurso, foram indicadas marcas comerciais sem a menção "do tipo" ou "ou equivalente", designadamente, "Cinca Nova Arquitectura", "Cinca Altaj Natural", "Cinca Combi", "Hunterdouglas/Luxalon" e "Celenit", o que ocorreu nos itens 3.1.11 a 3.1.13, 3.2.8, 3.2.9, 3.3.1 e 4.1.
K) Questionada quanto às razões da inclusão das referidas especificações, a Câmara Municipal de Oeiras alegou (3):
"... existem algumas designações de marcas comerciais sem a menção de "tipo" ou "equivalente". Serão transmitidas ao Empreiteiro orientações escritas no sentido de se considerar "tipo", não se obrigando ao fornecimento das marcas designadas...".
E acrescentou posteriormente:
"... Já no que respeita à inclusão de marcas comerciais desacompanhadas da menção "tipo" e "ou equivalente", trata-se evidentemente de lapsos lamentáveis em fase de elaboração dos projectos e das respectivas especificações técnicas. E o Município nada mais pode acrescentar, a não ser que se trata de meros lapsos das equipas projectistas (muitas vezes exteriores aos serviços municipais e pouco habituadas ao necessário rigor dos concursos públicos) e que não podem ser entendidos como intencionais face á diminuta importância em termos de resultado financeiro";...".
L) Em vários processos da CMO, já este Tribunal identificou o cometimento de ilegalidades relacionadas com as exigências feitas em matéria de habilitações dos concorrentes e de marcas comerciais e, em data anterior à abertura do presente procedimento, proferiu várias recomendações, para que, em procedimentos posteriores, tais violações de lei não voltassem a ocorrer. Assim:

i. Em matéria de exigência de alvará de empreiteiro geral, veja-se: o acórdão nº 360/2006-21.Dez.-1ªS/SS (no processo nº 1696/2006) e a decisão nº 749/2008-22.Out.1ªS/SDV (no processo nº 1149/2008); e
ii. No que respeita à indicação de marcas comerciais desacompanhadas de uma das expressões "do tipo" ou "ou equivalente": acórdãos nºs 123/2005-28.Jun. e 48/2004-13.Abril-1ªS/SS (nos processos nºs 808/2005 e 163/2004) e a decisão nº 754/2006-11.Out.1ªS/SDV (no processo nº 696/2006).

M) Questionada sobre como considerava admissível a violação de tais recomendações, a CMO alegou que (4):
 "(...) a preparação dos processos de concurso que neste momento se encontram nesse Tribunal são cronologicamente próximos, o que aliado ao facto do Município de Oeiras comportar um vasto número de serviços, nem sempre activamente comunicantes entre si, e também à própria dinâmica de preparação destes processos de concursos, existem infelizmente sempre lapsos que, contra vontade do Município, acabam por não ser devidamente detectados e corrigidos.
Assim, e quanto às habilitações exigidas aos concorrentes, não só a dificuldade interpretativa do disposto no artº 31º da Lei nº 12/2004, de 9 de Janeiro, como também o conhecimento das decisões proferidas sobre esta matéria pelo Tribunal de Contas e o lançamento dos concursos ora sindicados - meados de 2009 - não tiveram o intervalo de tempo necessário entre ambos os factos para possibilitarem a correcção atempada das falhas existentes nos Programas de Procedimento, que são elaborados muitas vezes com base na mesma matriz e com menor cuidado do que é exigível, sem que no entanto isso signifique menor respeito pelas Recomendações desse douto Tribunal.
Outro facto a considerar ainda e que se verificou na data de elaboração dos procedimentos concursais é a alteração à legislação em vigor, nomeadamente com a necessidade de interpretar e incorporar nas rotinas administrativas o novo Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Dec.Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, cuja entrada em vigor foi contemporânea do lançamento destes concursos, nomeadamente o que se encontra aqui em questão, e que produziu necessariamente algumas hesitações e alguma confusão nas metodologias de preparação dos elementos dos concursos a lançar.
Aliás, têm sido tomadas medidas orientadoras internas com o objectivo de melhorar e corrigir as situações menos regulares, como a que juntamos a título exemplificativo".
E, em anexo, é junta cópia de um despacho do Senhor Presidente da CMO, datado de 21 de Junho de 2010, em que se tomam medidas que visam prevenir o cometimento de novas ilegalidades em matéria de marcas comerciais.
 

III - O DIREITO 
 

1. Como se referiu acima, e agora se relembra, a Decisão recorrida recusou o visto ao contrato de empreitada relativo ao "Centro de Saúde de Carnaxide - Extensão de Algés" essencialmente, com fundamento em que:
a) Foram efectuadas exigências de habilitação superiores às estabelecidas na lei, o que viola o disposto no artigo 31º, nº1, do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro;
b) Em vários artigos do mapa de quantidades, patenteado a concurso, foram feitas exigências relativas a marcas comerciais, sem que estas fossem acompanhadas das expressões "do tipo" ou "ou equivalente", o que viola o disposto no artigo 49º, nºs 12 e 13 do Código dos Contratos Públicos (CCP);
c) Estas exigências, além de serem violadoras de lei, são susceptíveis de alterar o resultado financeiro do contrato;
d) O Município de Oeiras já foi objecto de várias recomendações do Tribunal de Contas, no sentido de cumprir o disposto nas normas agora violadas, sem que as tenha acatado, situação que impedia o uso da faculdade prevista no nº4, do artigo 44º, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

2. Para avaliar da justeza - ou não - da Decisão recorrida, importa avaliar os seus fundamentos.
É o que se fará de seguida.

2. 1. Vejamos, em primeiro lugar a questão das habilitações que foram exigidas aos concorrentes.
A este respeito, há que ponderar o seguinte:
O artigo 31º, do DL nº 12/2004, de 9 de Janeiro, dispõe:

Artigo 31º
Exigibilidade e verificação das habilitações
1. Nos concursos de obras públicas e no licenciamento municipal, deve ser exigida uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, sem prejuízo da eventual exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes.
2. A habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral, desde que adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global, dispensa a exigência a que se refere o número anterior.

Sobre a interpretação deste normativo, e sobre a forma como devem ser efectuadas as exigências, em matéria de habilitação dos concorrentes, nos documentos concursais, tem este Tribunal produzido múltipla e uniforme jurisprudência, alguma desta, inclusivamente, relativa ao Município de Oeiras (5).
Desta jurisprudência, resultam, claramente, as seguintes linhas orientadoras sobre a interpretação do mencionado artigo 31º, do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro:
a) Se o dono da obra posta a concurso, exigir apenas o que consta do nº1, deste artigo 31º, não viola qualquer dispositivo relativo às habilitações exigidas aos concorrentes.
b) Se, por outro lado, no anúncio e no programa do concurso, o dono da obra possibilitar que, quer os empreiteiros com a habilitação mencionada no nº1, do artigo 31º, quer os empreiteiros com a habilitação referida no nº2, do mesmo normativo, podem concorrer, também não viola qualquer dispositivo legal relativo às habilitações exigidas aos empreiteiros.
c) Ao invés, porém, se apenas exigir o que consta do nº2, do citado artigo 31º, ou seja, se apenas exigir a habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral, ou se exigir, cumulativamente, as habilitações que constam dos nºs 1 e 2 do dito artigo 31º, está a violar o disposto no nº1, do dito artigo 31º.
No caso sub judice, como resulta da matéria de facto dada por assente nas alíneas F) e G) do probatório, no Anúncio do concurso público e no Programa do Concurso, foram feitas as seguintes exigências, em matéria de habilitações dos concorrentes:
"Alvará de empreiteiro geral de edifícios de construção tradicional, com as seguintes categorias e subcategorias:

§ 1ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª e 8ª subcategorias da 1ª categoria, nas classes correspondentes ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam;

§ 8ª e 9ª subcategorias da 2ª categoria, nas classes correspondentes ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam;

§ 1ª, 2ª, 4ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª, 12ª, 13ª e 15ª, da 4ª categoria, nas classes correspondentes ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam;

§ 2ª, 4ª, 6ª, 7ª, 9ª, 10ª, 11ª e 12ª subcategorias da 5ª categoria, nas classes correspondentes ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam.".

Ora, o conjunto destas habilitações preenche a exigência prevista no nº 2, do referido artigo 31º, do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro.
Não preenche, porém, a prescrição formulada no nº1, do citado artigo 31º, do mesmo diploma legal, ou seja, o dono da obra não limitou a sua exigência, em matéria habilitacional, a uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, sem prejuízo de eventual exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes.
Assim, ao não ter sido exigida apenas uma única subcategoria, em classe que cobrisse o valor global da obra, de acordo com o disposto no nº1, do artigo 31º do mesmo DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro, - em alternativa à habilitação como empreiteiro geral ou construtor geral prevista no nº2, do artigo 31º - incumpriu-se o estipulado neste normativo e criaram-se condições para a redução do universo de potenciais concorrentes ao concurso.
Por seu turno, a redução do leque dos potenciais interessados em concorrer, tem consequências nada desprezíveis: além de possibilitar a apresentação de um número menor de propostas, propicia a diminuição do leque de escolhas possível.
Ora, todas estas consequências acarretam uma outra, que é fundamental: a possibilidade de alteração do resultado financeiro do contrato.
Diz o recorrente que a possibilidade de recurso a subempreiteiros não pode ser afastada, por imperativo do artigo 12º, nº1, do DL 12/2004, de 9 de Janeiro.
Ora, não se trata aqui de uma questão de recurso a subempreiteiros.
O que acontece é que não pode ser omitida a possibilidade de se candidatarem os concorrentes que apenas possuam uma única subcategoria, em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, pois isso é um imperativo decorrente do nº1, do artigo 31º, do referido diploma legal.
Refere, também, o Município de Oeiras que a interpretação feita no Acórdão recorrido, quanto à potencial afectação da concorrência, derivada da exigência habilitacional efectuada, é contrariada pelo elevado número de concorrentes que entregaram proposta.
Ora, se foram vários os concorrentes que, nas condições exigidas, entregaram proposta, mais numerosos poderiam ser os concorrentes, no caso de a exigência habilitacional contemplar a possibilidade prevista no nº1, do citado artigo 31º, - em alternativa à habilitação de empreiteiro geral prevista no nº2, do mesmo dispositivo - ou no caso de a dita exigência se ter circunscrito ao estipulado no nº1, do mencionado artigo 31º, do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro.
Foi, por isso, no presente caso, violado o disposto no nº1, do artigo 31º, do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro, como bem acentuou a decisão recorrida.

2. 2. Vejamos, de seguida, a outra questão que constituiu fundamento para a recusa do visto, ou seja a da inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais desacompanhadas da expressão "do tipo" ou "ou equivalente".
O artigo 49º do CCP, sob a epígrafe "Especificações técnicas", dispõe o seguinte, nos seus nºs 12 e 13:

Artigo 49º
Especificações técnicas
............................................................................
12 - É proibida a fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante ou uma proveniência determinados, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção, que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens.
13 - É permitida, a título excepcional, na fixação de especificações técnicas por referência, acompanhada da menção"ou equivalente", aos elementos referidos no número anterior quando haja impossibilidade de descrever, de forma suficientemente precisa e inteligível, nos termos do disposto nos nºs 2 a 4, as prestações objecto do contrato a celebrar.
............................................................................

Como tem sido jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal (6), deve dizer-se que este normativo tem por escopo - à semelhança do que sucedia com o seu antecessor artigo 65º, nºs 5 e 6 do DL nº 59/99, de 2 de Março - proibir que, ainda que por via indirecta, se dificulte ou afaste a candidatura de empresas que não preencham determinados requisitos, e, desse modo, impedir que certos operadores económicos beneficiem de vantagens no mercado de bens e produtos.
Estas disposições legais estão, por outro lado, em conformidade com normativos de Directivas comunitárias, nomeadamente com o artigo 24º, nº8, da Directiva nº 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março.
Podendo, embora, resultar, prima facie, do texto do artigo 49º do CCP, que tal proibição diga respeito ao caderno de encargos, o certo é que a lei quis proibir, com a utilização abusiva de especificações técnicas, que se viole a concorrência, ou, dito de outro modo, - e como se estipula no nº1 deste artigo 49º - quis permitir a participação dos concorrentes em condições de igualdade e a promoção da concorrência.
Tal desiderato, porém, só se consegue atingir se, como pensamos, tal proibição se estender a qualquer peça processual.
Não houve, neste âmbito, qualquer alteração da disciplina jurídica que resultava do artigo 65º, nºs 5 e 6, do DL nº 59/99 de 2 de Março, e sobre a qual se firmara jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal (7).
No caso aqui em apreço, e como consta da alínea J) do probatório, foram indicadas nos itens 3.1.11 a 3.1.13, 3.2.8, 3.2.9, 3.3.1 e 4.1 do mapa de quantidades, marcas comerciais sem a menção "do tipo" ou "ou equivalente" .
Quando ouvida por este Tribunal, acerca desta matéria, a Câmara Municipal de Oeiras veio referir ter-se tratado de "lapsos lamentáveis em fase de elaboração dos projectos e das respectivas especificações técnicas".
Porém, nas suas alegações de recurso, optou por dizer que o valor dos bens, para os quais indicou as marcas comerciais, é diminuto e que o número de marcas é também reduzido, o que - segundo o recorrente - torna inconsistente a possibilidade de restrição dos potenciais concorrentes ao procedimento, bem como a ameaça à livre concorrência.
Para além disto, veio dizer que a consideração das marcas indicadas para efeitos de concurso não é legalmente vinculativa e nunca impediria a apresentação de propostas diferentes e, ainda, que o Acórdão recorrido não demonstra em que medida este facto alterou ou poderia alterar o resultado financeiro do contrato.
Ora, como salienta o Exmº. Magistrado do Ministério Público, no seu parecer, o Município de Oeiras, ao sustentar desta forma, a legalidade da sua actuação, parece querer dizer que, no caso presente, não se está perante ilegalidades que ocorreram por mera "distracção".
Desse modo, estar-se-á, antes, perante o desrespeito, consciente e livre, das recomendações que, sobre a matéria, foram efectuadas por este Tribunal, por ser outro o entendimento do referido Município.
Como quer que seja, o certo é que não colhe a argumentação do recorrente e se verifica, no caso aqui em apreço, a ostensiva violação dos nºs 12 e 13, do mencionado artigo 49º, do CCP, como bem decidiu o Acórdão recorrido.

3. Refere o recorrente, por outro lado, que o Acórdão recorrido não demonstra, relativamente às duas ilegalidades assinaladas, que foi alterado, ou poderia ser alterado, o resultado financeiro do contrato e que, para a aferição do risco ou perigo de lesão do resultado financeiro do contrato, não basta um princípio abstracto. Será necessário demonstrar, em concreto, qual a medida em que aquele resultado financeiro foi, ou poderia ter sido, alterado.
Não tem razão o recorrente.
Efectivamente, o artigo 44º, nº3, al.c) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto estabelece que constitui fundamento de recusa do visto, a desconformidade dos actos ou contratos, com a lei em vigor, que implique ilegalidade que altere ou possa alterar o respectivo resultado financeiro.
Logo se alcança daqui que o legislador pretendeu incluir, neste fundamento de recusa do visto, a mera possibilidade de alteração daquele resultado financeiro.
Ora, por um lado, tal possibilidade de alteração do resultado financeiro resulta, no caso que nos ocupa, do facto de terem sido feitas exigências, em matéria habilitacional, mais gravosas que as que a lei prevê.
Tal situação acarreta, como se disse, a consequência de poder ter sido dificultado o acesso ao procedimento, e, com isso, diminuído o universo de potenciais concorrentes, o que constitui circunstância idónea para poder afectar, negativamente, a concorrência e, desse modo, o resultado financeiro do contrato.
Por outro lado, o facto de terem sido incluídas marcas comerciais, no mapa de quantidades, sem a menção "do tipo" ou "ou equivalente", também tem como consequência a possibilidade de restrição da concorrência, dado que pode ter dificultado, ou impedido, a candidatura de empresas que não preenchessem esses requisitos, beneficiando alguns operadores económicos em detrimento de outros.
A possibilidade de compressão do princípio da livre concorrência, em consequência da ilegalidade atrás referida, pode igualmente originar alteração do resultado financeiro do contrato.
A circunstância, apontada pelo recorrente, de poder haver desproporção entre os custos inerentes à anulação da empreitada e os "hipotéticos danos" em cujo risco incorreu no procedimento, como consequência da recusa do visto, é uma questão em que o Município de Oeiras deveria ter atentado antes de levar a cabo o presente concurso, sobretudo porque - sibi imputat - deveria ter providenciado no sentido de organizar os seus serviços por forma a cumprir a lei e as várias recomendações deste Tribunal.
Ora, contrariamente ao que vem alegado, tudo isto deve ser assacado ao recorrente e jamais à lei, ou à interpretação que, desta faz, este Tribunal.
Estão, pois, preenchidos os fundamentos de recusa do visto, tal como previsto no artigo 44º, nº3, al. c) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, pelo que nenhuma censura merece a decisão recorrida.
 

IV - DECISÃO 
 

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Plenário, em negar provimento ao presente recurso e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.
São devidos emolumentos (artigo 16º, nº1, al. b) do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo ao DL nº 66/96 de 31 de Maio). 
Lisboa, 8 de Novembro de 2010.

Os Juízes Conselheiros - (António M. Santos Soares, relator) - (Manuel R. Mota Botelho) - (José L. Pinto Almeida) 

Fui presente

O Procurador-Geral Adjunto - (Jorge Leal)


(1) Vide o ofício da CMO nº 22060 de 2.JUN.10.
(2) Vide o ofício da CMO nº 25812 de 1.JUL.10.
(3) Vide os ofícios antes citados.
(4) Vide o ofício da CMO nº 25812 de 1.JUL.10.
(5) Vejam-se, designadamente, os Acórdãos nºs 72/08, de 27 de Maio de 2008, 92/08, de 7 de Julho de 2008, 162/08 de 16 de Setembro de 2008, 105/09 de 5 de Maio, 110/09 de 12 de Maio de 2009 (relativo ao Município de Oeiras), 142/09 de 14 de Julho, 156/09 de 20 de Outubro de 2009 e 172/09 de 15 de Dezembro.
(6) Vide v. g. os Acórdãos nºs 62/08 de 6 de Maio de 2008; 88/09 de 21 de Abril de 2009; 131/09 de 2 de Julho de 2009; 149/09 de 22 de Setembro de 2009; 21/10 de 7 de Junho de 2010 e 37/10 de 26 de Outubro de 2010.
(7) Vide, a título de exemplo, os Acórdãos da 1 Secção, do Tribunal de Contas, em Plenário, de 21 de Dezembro de 2006, in Rec. Ord. nº 36/06 e de 12 de Junho de 2007, in Rec. Ord. nº 9/07 e, ainda, os Acórdãos, em Subsecção, nºs 49/08, de 1 de Abril de 2008; 68/08, de 20 de Maio de 2008; 19/09, de 4 de Fevereiro de 2009 e 38/09, de 18 de Fevereiro de 2009.