Acórdão n.º 16/2011, de 12 de Julho de 2011, do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 387/2011)

Imprimir

 

ACÓRDÃO Nº 16 /11 - 12.JUL. 2011 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 21/2011

(Proc. nº 387/2011)

 

DESCRITORES:

 Empreitada de obras públicas.

Hospitais com a natureza de Entidades Públicas Empresariais.

Regulamento Interno de Compras do Hospital de S. João, EPE.

Princípios da igualdade, da transparência e da concorrência.

Directiva nº 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março.

 

SUMÁRIO:

 I - Um Hospital EPE é uma pessoa colectiva criada para satisfazer necessidades de interesse geral, que tem um modelo de financiamento e de gestão que preenche os requisitos estabelecidos no artigo 1º, nº9, al. c) da Directiva nº 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, e é uma entidade adjudicante, nos termos da al. a), do nº2, do artigo 2º, do Código dos Contratos Públicos (CCP);

II - À formação de contratos, a celebrar pelos hospitais EPE, não é aplicável a Parte II do CCP, face ao disposto no artigo 5º, nº3, do mesmo Código, mas são aplicáveis os princípios da igualdade, da transparência e da concorrência previstos no nº4, do artigo 1º do dito CCP, bem como os princípios gerais da actividade administrativa e as normas que concretizem preceitos constitucionais constantes do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e, ainda, eventualmente, normas do CPA, com as necessárias adaptações (artigo 5º, nº6, do CCP);

III - Só através de procedimentos concorrenciais abertos, e respeitando princípios como os da igualdade e da concorrência, é que se garante, a todos os potenciais interessados em contratar, quer o mais vasto acesso aos procedimentos, quer a mais ampla observância de outros princípios que estão intimamente relacionados com aqueles: o da transparência e o da publicidade;

IV - Ainda que não sejam aplicáveis os procedimentos estabelecidos nas Directivas comunitárias e no Código dos Contratos Públicos, as entidades públicas estão obrigadas a adoptar procedimentos de contratação que salvaguardem o respeito pelos princípios acima indicados e, designadamente, o da concorrência;

V - Ao celebrar um contrato de empreitada, no valor de 1.406.920,45 € e com um prazo de execução de catorze meses, precedido de ajuste directo, com convite a três entidades, não cumpriu o Hospital de S. João EPE os princípios da igualdade, da transparência e da concorrência cuja observância é imposta pelos artigos 1º, nº 4 e 5º, nº6, do CCP, pelos artigos 81º, 99º e 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e, ainda, pelas Directivas comunitárias, nomeadamente pela Directiva nº 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de Março;

VI - De harmonia com o ponto 2.1.2 da Comunicação Interpretativa da Comissão Europeia, publicada no JOUE nº C 179/2, de 1 de Agosto de 2006, relativa ao direito comunitário aplicável à adjudicação de contratos não abrangidos, ou só parcialmente abrangidos, pelas Directivas comunitárias, a decisão sobre o meio mais apropriado de publicitação dos seus contratos incumbe às entidades adjudicantes, mas a sua escolha deve ser sustentada numa avaliação da relevância do contrato para o mercado interno, tendo especialmente em conta o seu objecto, o seu valor e as práticas habituais no sector em questão, assegurando a publicidade adequada para garantir a abertura à concorrência de tais contratos;

VII - Não é nulo, por falta de fundamentação de facto e de direito, o acórdão recorrido quando refere que, para a dimensão do mercado português, uma aquisição no valor de cerca de 1,4 milhões de euros, não respeita o princípio da concorrência, uma vez partiu da consideração da matéria de facto dada por assente e de que o contrato havia sido antecedido de um procedimento de ajuste directo, com convite a três entidades;

VIII - A realização de procedimentos concorrenciais e não discriminatórios tem em vista proteger o interesse financeiro que está na base da escolha da proposta que melhor se ajusta, económica e eficientemente, aos interesses da entidade pública adjudicante, pelo que a inobservância de princípios basilares da contratação pública constitui ilegalidade susceptível de alterar o resultado financeiro do contrato.

IX - A desconformidade dos contratos com a lei em vigor, que implique ilegalidade susceptível de alterar o resultado financeiro do contrato constitui fundamento de recusa de visto, nos termos do artigo 44º, nº3, al. c), da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

Conselheiro Relator: António M. Santos Soares

 

ACÓRDÃO Nº 16/11 - 12.JUL. 2011 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 21/2011

(Proc. nº 387/2011)

 

Acordam os juízes do Tribunal de Contas, em Plenário da 1ª Secção:

I - RELATÓRIO

1. Recorreu o Centro Hospitalar de S. João, EPE do Acórdão nº 27/2011, de 14 de Abril de 2011, da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em subsecção, que recusou o visto ao contrato de empreitada de "Fornecimento e Montagem de Subestação de Energia Eléctrica de Média e Baixa Tensão no Hospital de S. João, EPE", celebrado entre o recorrente e o consórcio formado pelas empresas "EDP Serviços - Sistemas para a Qualidade e Eficiência Energética, SA" e " MARPE - Construções e Instalações Técnicas, SA", pelo valor de 1.406.920,45 € acrescido do IVA à taxa legal aplicável.
Tal decisão foi proferida com base no disposto no artigo 44º, nº3, als. b) e c), da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, e assentou na circunstância de ter considerado terem sido violados os princípios da igualdade, da transparência e da concorrência, emergentes dos Tratados europeus, bem como da Constituição e da lei portuguesas, designadamente dos artigos 1º, nº4 e 5º, nº6 do Código dos Contratos Públicos (CCP).
As ilegalidades verificadas, segundo a decisão sob recurso, são susceptíveis de ter alterado o resultado financeiro do procedimento e do consequente contrato.
Mais considerou a decisão recorrida que a realização de procedimentos concorrenciais e não discriminatórios protege ainda o interesse financeiro da escolha das propostas que, económica e financeiramente, melhor se ajustam às necessidades públicas, sendo instrumento de realização do disposto nos artigos 42º, nº6 e 47º, nº2 da Lei de Enquadramento Orçamental, pelo que a inobservância de procedimentos que acautelem a concorrência e a não discriminação, implica a violação destas normas financeiras.

2. A culminar as suas alegações de recurso, o Centro Hospitalar de S. João, EPE formulou as seguintes conclusões:
"1. O Regulamento Interno do Hospital de S. João E.P.E. é conforme aos princípios da concorrência e da transparência, tendo em conta o concreto regime legal de pré-contratação aplicável no âmbito dos Hospitais, EPE.
2. O Hospital de S. João foi transformado em Entidade Pública Empresarial (EPE) por força do Decreto-Lei nº233/2005 de 29 de Dezembro, sendo-lhe aplicável o Código dos Contratos Públicos.
3. O artigo 5º, nº3, do mesmo Código, determina que a parte II do Código, relativa aos procedimentos pré-contratuais, não se aplica à formação dos contratos a celebrar pelos hospitais E.P.E., de valor inferior aos montantes estabelecidos nos termos das alíneas b) e c) do artigo 7º da Directiva nº2004/18/CE (como é o caso).
4. O nº 6 do mesmo artigo estabelece que à formação destes contratos se aplicam os princípios gerais da actividade administrativa, as normas que concretizem preceitos constitucionais constantes do Código do Procedimento Administrativo e, eventualmente, as normas desse Código.
5. Os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, expressos na ordem jurídica interna (no CCP), e na comunitária, através das Directivas europeias de contratação pública (em especial a Directiva nº2004/18/CE), com a definição de um conjunto de procedimentos para a formação de contratos públicos, admitem excepções.
6. Essas excepções foram utilizadas pelo recorrente através do citado Regulamento Interno de Compras, tendo em conta a ampla margem de manobra que o direito comunitário lhe concede.
7. A jurisprudência comunitária citada no Acórdão impugnado reconhece às entidades adjudicantes que se encontrem na posição do recorrente uma ampla discricionariedade na definição de critérios a aplicar às referidas situações em que não se justifica ou não é possível utilizar os procedimentos concorrenciais abertos.
8. A jurisprudência comunitária vem considerando que os princípios gerais do Direito Comunitário constantes do Tratado e, muito em especial, o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, da concorrência e da transparência, devem ser observados pelas entidades adjudicantes, o que as vincula, por exemplo, entre outras, a uma obrigação de transparência.
9. Assim, é à entidade adjudicante que está cometida a tarefa de avaliar, discricionariamente, a observância de tais princípios.
10. Foi publicada a COMUNICAÇÃO INTERPRETATIVA DA COMISSÃO sobre o direito comunitário aplicável à adjudicação de contratos não abrangidos, ou apenas parcialmente, pelas directivas comunitárias relativas aos contratos públicos (2006/C 179/02).
11. De acordo com tal comunicação, cabe a cada entidade adjudicante decidir se o contrato a adjudicar pode apresentar um interesse potencial para os agentes económicos situados noutros Estados-Membros.
12. Do ponto de vista da Comissão, a decisão tem de ser sustentada numa avaliação das circunstâncias particulares do caso, como sejam o objecto do contrato, o seu valor, as particularidades do sector em questão (dimensão e estrutura do mercado, das práticas comerciais, etc.) e também da localização geográfica do lugar de execução.
13. Para a celebração de contratos não abrangidos pelas directivas relativas aos contratos públicos, a entidade adjudicante procederá a uma avaliação da importância do contrato em questão à luz das circunstâncias particulares a cada caso.
14. É neste contexto que o Conselho de Administração do Hospital de S. João, E.P.E., homologou, em 18 de Dezembro de 2008, um "Regulamento Interno de Compras" que constitui um regulamento administrativo externo.
15. O art. 4º nº5 do Regulamento Interno do Recorrente obedece àqueles sobreditos princípios gerais.
16. O vínculo jurídico derivado do referido regulamento tem verdadeira natureza normativa, pois as suas disposições projectam-se numa actividade de gestão pública - a realização de um concurso de direito público - que se processa ou consuma não através de consenso (ou, sequer, de consentimento) dos interessados do concurso, mas através de actos unilaterais e impositivos da Administração adjudicante, que lançou o procedimento.
17. O Recorrente se encontra vinculado (auto-vinculado) a uma pré-ordenação normativa que, previamente criou e instituiu, não podendo violá-la estando obrigado a observá-lo.
18 Ao Tribunal de Contas está vedado, por ausência de atribuição legal, a declaração de ilegalidade das normas regulamentares referidas, que só podem ser objecto de declaração de ilegalidade nos termos do disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos - o artigo 4º, nº1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002 de 19 de Fevereiro.
19. O nº1, do artigo 72º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, só permite a impugnação de normas no contencioso administrativo de "declaração da ilegalidade das normas".
20. Nos termos dos artigos 72º, nº1 e 73º, nº4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cabe ao Ministério Público instaurar acção administrativa especial tendente à declaração, com força obrigatória geral, da ilegalidade das normas.
21. Assim o Tribunal de Contas apenas poderá invocar a inconstitucionalidade das normas nos termos gerais, não o tendo feito ao limitar-se a considerar ilícitas as normas regulamentares em apreço.
22. Independentemente do sobredito facto, a verdade é que tais normas estão em perfeita consonância com a legalidade e os princípios da legalidade, da transparência e concorrência, já referidos.
23. Compete à entidade adjudicante apreciar, antes da definição dos termos do anúncio do concurso, o eventual interesse transfronteiriço de um contrato cujo valor estimado seja inferior ao limiar previsto pelas regras comunitárias, sendo certo que essa apreciação pode ser sujeita a fiscalização judicial.
24. Não existe legislação que estabeleça, a nível nacional ou local, critérios objectivos que indiquem a existência de um interesse transfronteiriço certo.
25. Assim sendo, não é um acto jurisprudencial que poderá, através de interpretação de normas comunitárias de direito primário, criar esses critérios objectivos, como o fez, ilicitamente, o acórdão recorrido.
26. A comunicação indica, no ponto 2.1.2., que "incumbe às entidades adjudicantes decidir quanto ao meio mais apropriado para a publicitação dos seus contratos".
27. O contrato submetido a visto apresenta especificidades locais (em termos de União Europeia) e tem um potencial reduzido para os contratos transfronteiriços.
28. O acórdão recorrido ao referir que, para a dimensão do mercado português, uma aquisição no valor de cerca de 1,4 milhões de euros não respeita a regra da concorrência está a formular juízo meramente conclusivo e não se alicerça em qualquer dado de facto que lhe permita retirar essa conclusão pelo que, por falta de fundamentação de facto, nesta parte, o Acórdão seja nulo, por violação do disposto no art. 668º, nº1 - b) do Cód. Proc. Civil.
29. E essa conclusão, além do mais, é ilícita, pois se a questão em apreço se prende com o limiar dos valores dos contratos em sede de direito comunitário, para proporcionar concorrência transfronteiriça, então, essa referência nunca poderia ter sido feita ao mercado português, mas sim, ao mercado comunitário.
30. A decisão impugnada fundamenta-se na invocada protecção deste tipo de transacções, não sendo curial que se invoque o mercado português, em vez de se fazer enfoque no mercado comunitário.
31. O acórdão recorrido fez incorrectas interpretação e violação dos artºs. 5º, nº3 e 6º do Código dos Contratos Públicos, 7º - b) e c) da Directiva nº 2004/18/CEE, 72º nº1 e 73º nº4 do Cód. Proc. Trib. Administrativos, e art.4º, nº5 do Regulamento Interno de Compras aprovado e homologado pelo órgão representativo e deliberativo do requerente, violando-os.
32. O decidido pelo Tribunal de Contas sendo inovatório relativamente ao Recorrente (porque apôs visto em contratos de empreitada aos quais foi aplicável o citado regulamento), afecta o princípio da confiança e da segurança procedimental nos processos de concurso que o recorrente, entretanto, vem prosseguindo, pelo que, pelo menos, mereceria ter sido concedido o visto, com recomendações.

Terminou as suas alegações referindo que deve merecer provimento o presente recurso, sendo revogado o Acórdão impugnado.

3. O Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

4. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir já que nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, nos termos do artigo 684º, nº3, do CPC. 

II - MATÉRIA DE FACTO

Tendo em conta o disposto no artigo 100º, nº2, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, o que consta da decisão recorrida, bem como as alegações da recorrente, considera-se assente a seguinte matéria de facto:

A) O Hospital de S. João, EPE, remeteu a este Tribunal, para fiscalização prévia, o contrato de empreitada de "Fornecimento e Montagem de Subestação de Energia Eléctrica de Média e Baixa Tensão no Hospital de S. João, EPE", celebrado, em 1 de Fevereiro de 2011, com o consórcio formado pelas empresas "EDP Serviços - Sistemas para a Qualidade e Eficiência Energética, SA" e "Marpe - Construções e Instalações Técnicas, SA", pelo preço de 1.406.920,45 €, acrescido de IVA à taxa legal aplicável;

B) Por deliberação do Conselho de Administração do Hospital, de 4 de Novembro de 2010, foi autorizado o procedimento de "processo com convite", para formação do referido contrato, ao abrigo do nº 4 do artigo 5º do Regulamento Interno de Compras do Hospital;

C) No "processo com convite" adoptado, foram enviados convites a três empresas, tendo todas apresentado propostas;

D) Por deliberação do Conselho de Administração do Hospital, de 6 de Janeiro de 2011, a obra foi adjudicada à proposta apresentada pelo consórcio formado pelas empresas "EDP Serviços - Sistemas para a Qualidade e Eficiência Energética, SA" e "Marpe - Construções e Instalações Técnicas, SA", no valor indicado na alínea A), pelo qual veio a ser celebrado o contrato;

E) O contrato referido na alínea A), tem um prazo de execução de 14 meses;

F) A consignação ocorreu em 25 de Fevereiro de 2011;

G) Em sessão diária de visto de 30 de Março de 2011, este Tribunal decidiu devolver o contrato ao Hospital (1) para que explicitasse as razões pelas quais considerava que, com o "processo com convite" a três entidades, por si escolhidas, para formação do presente contrato, ficaram respeitados os "princípios da igualdade, concorrência e transparência, resultantes dos Tratados europeus e da Constituição e lei portuguesas";

H) À questão mencionada na alínea anterior, o Hospital respondeu nos seguintes termos: (2)
"[N]o que respeita à questão colocada, o Hospital de S. João, entidade pública empresarial, criada através do Decreto-Lei n°233/2005, de 29 de Dezembro, enquadrando-se na previsão contida no artigo 5.°, nº 3, do Código da Contratação Pública e não lhe sendo aplicável a parte II do Código, relativa aos procedimentos pré-contratuais para a formação dos contratos de valor inferior aos montantes estabelecidos nos termos das alíneas b) e c) do artigo 7.° da Directiva n.° 2004/18/CE, homologou, em 18 de Dezembro de 2008, um "Regulamento Interno de Compras", destinado a regular a tramitação dos procedimentos excluídos pela referida norma, o qual estabeleceu expressamente no seu artigo 3° a obediência aos princípios gerais da actividade administrativa, em cumprimento do disposto no n° 6 do citado artigo 5° do CCP, assim se reconhecendo a exigência do cumprimento dos aludidos princípios aos contratos celebrados pelo Hospital, mesmo nos casos dos contratos cujos valores estejam abaixo dos limiares fixados para aplicação da directiva comunitária e aos quais não se apliquem as regras pré-contratuais estabelecidas no Código dos Contratos Públicos.
Ora, à semelhança, quer das Directivas europeias de contratação pública (em especial a Directiva n.° 2004/18/CE) quer do CCP, o Regulamento estabeleceu um conjunto de procedimentos, consoante as situações, para a formação dos contratos de empreitada e de aquisição de bens e serviços, aí se estabelecendo procedimentos concorrenciais abertos e procedimentos mais fechados ou mesmo fechados para as situações em que não se justificasse ou fosse inviável a sua total abertura.
Quer-se com isto dizer que, ainda que excepcionado da aplicação dos procedimentos previstos no CCP, o Hospital reconhece, e reconheceu, que se encontra vinculado a adoptar práticas de contratação que salvaguardem a concorrência, admitindo no seu Regulamento, aliás na esteira das Directivas já citadas e do próprio CCP, procedimentos concorrenciais mais abertos e procedimentos fechados - aquisição directa - apenas quando não haja alternativa concorrencial, escalonando-os em função dos valores envolvidos e procurando a salvaguarda máxima do principio da concorrência, mas e naturalmente, mediante procedimentos mais ágeis e eficientes que os consignados no CCP, o que, inclusivamente, determinou e fundamentou a exclusão legalmente concedida às entidades com esta natureza pelo legislador nacional, atenta a sua especificidade.
De acordo com as regras do Regulamento Interno, o contrato em apreço foi celebrado na sequência de um processo com convite, que nos termos do mesmo e no que às empreitadas respeita, permite a celebração de contratos até € 2.000.000,00, não constituindo um procedimento fechado e permitindo um nível de concorrência necessário e ajustado ao valor envolvido.
Ademais, a vigência de quase três anos do presente Regulamento tem permitido ao Hospital constatar que, ainda assim, muitos dos convites são declinados e que os processos com publicitação não trazem aos procedimentos um número de concorrentes superior aos dos processos com convite, havendo ainda, porque é do interesse do hospital, o cuidado de abrir o leque de entidades convidadas.
Ainda e reconhecendo que a aquisição directa constitui um procedimento completamente fechado e que não integra qualquer nível de concorrência, o mesmo só foi admitido no Regulamento nos casos em que os valores do contrato são muito reduzidos ou quando se demonstre inviável qualquer outra solução procedimental que melhor salvaguarde a concorrência, o que não foi o caso do contrato ora apreciado.
Face à argumentação expendida, considerando a situação de excepção em que se encontra o Hospital quanto à aplicação dos procedimentos pré-contratuais estabelecida no n°3 do artigo 5°, os procedimentos e respectivos trâmites consignados no seu Regulamento Interno, encontram-se estabelecidos em função dos valores envolvidos, escalonando-se os níveis de concorrência em consonância com os mesmos, à semelhança da legislação comunitária e do próprio CCP, num grau de exigência compaginável com o espirito subjacente à situação de excepção legalmente conferida, salvaguardando, através dos mesmos, os princípios a que está sujeito.
Cabe por último referir, que à elaboração do Regulamento vindo de citar, subjaz a intenção do rigoroso cumprimento dos Princípios a que está vinculado o Hospital, constituindo a sua legalidade uma convicção firme desta Instituição, que pugna pelo rigoroso cumprimento da Lei e pela conformidade dos seus contratos, submetendo-os à fiscalização preventiva desse Tribunal sempre que à mesma estão sujeitos".

I) Pelo DL nº 30/2011, de 2 de Março, foi criado o Centro Hospitalar de S. João, EPE, o qual resultou da fusão do Hospital de S. João, EPE, com o Hospital de Nossa Senhora da Conceição de Valongo, e sucedeu nos direitos e obrigações a estas duas unidades hospitalares.  

III - O DIREITO

1. Como se viu acima, vem o presente recurso interposto do Acórdão nº 27/2011, de 14 de Abril de 2011, da 1ª Secção deste Tribunal, em subsecção, que recusou o visto ao contrato de empreitada de "Fornecimento e Montagem de Subestação de Energia Eléctrica de Média e Baixa Tensão no Hospital de S. João, EPE", celebrado em 1 de Fevereiro de 2011, entre o Hospital de S. João, EPE e o consórcio formado pelas empresas "EDP Serviços - Sistemas para a Qualidade e Eficiência Energética, SA" e "Marpe - Construções e Instalações Técnicas, SA".

A decisão recorrida teve, essencialmente, um duplo fundamento:

- Por um lado, a violação dos princípios da igualdade, da concorrência e da transparência resultantes dos Tratados Europeus e da Constituição e lei portuguesas e estabelecidos nos artigos 1º, nº4 e 5º, nº6, do CCP, sendo que estas ilegalidade são susceptíveis de ter alterado o resultado financeiro do procedimento e do consequente contrato;
- Por outro, a realização de procedimentos concorrenciais e não discriminatórios protege o interesse financeiro de escolha das propostas que melhor e mais económica e eficientemente se ajustam às necessidades públicas, sendo instrumento da realização do disposto nos artigos 42º, nº6 e 47º, nº2, da Lei de Enquadramento Orçamental, pelo que a inobservância de procedimentos que acautelem a concorrência e a não discriminação implica a violação das normas financeiras atrás indicadas.
Analisemos, então, o acerto - ou não - da decisão ora posta em crise, tendo em conta a matéria de facto dada por assente e o que vem alegado pela recorrente.

2. A questão fundamental a resolver no presente recurso prende-se com a legalidade do procedimento que precedeu a celebração do contrato que foi submetido a fiscalização prévia deste Tribunal, dado que, como resulta da matéria de facto dada por assente no probatório, o Hospital de S. João, EPE realizou um "processo com convite", tendo em vista a ulterior celebração do contrato de empreitada de "Fornecimento e Montagem de Subestação de Energia Eléctrica de Média e Baixa Tensão" no Hospital.

2. 1. Vejamos, primeiramente, a natureza jurídica do Hospital de S. João e o regime jurídico relativo aos procedimentos pré-contratuais no âmbito dos Hospitais EPE.
O Hospital de S. João, inaugurado oficialmente em 24 de Junho de 1959, foi, através do DL nº 233/2005 de 29 de Dezembro, transformado em Entidade Pública Empresarial (EPE).
De acordo com o disposto no artigo 13º deste diploma legal, a aquisição de bens e serviços pelo Hospital de S. João EPE rege-se pelas normas de direito privado, sem prejuízo da aplicação do direito comunitário relativo à contratação pública.
Nos termos do nº2, do mesmo artigo 13º, os regulamentos internos dos hospitais EPE devem garantir aquela imposição, "bem como, em qualquer caso, o cumprimento dos princípios gerais da livre concorrência, transparência e boa gestão, designadamente a fundamentação das decisões tomadas".
Este artigo 13º veio a ser revogado pelo artigo 14º, nº1, al. o), do DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro, diploma este que aprovou o Código dos Contratos Públicos (CCP).
Todavia, esta revogação não teve por consequência a alteração das grandes linhas do regime jurídico aplicável à contratação pública a desenvolver pelas entidades públicas empresariais.
Efectivamente, em simultâneo com essa revogação, entrou em vigor o regime jurídico contido no CCP, o qual continua a prever - no seu artigo 1º, nº4 - que à contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, princípios estes a que adiante voltaremos.

2. 2. Como acentuou o Acórdão recorrido, um Hospital EPE é uma pessoa colectiva que foi criada para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral, que tem um modelo de financiamento e controlo de gestão que preenche os requisitos estabelecidos na alínea c), do nº9, do artigo 1º, da Directiva nº 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março e é uma entidade adjudicante, nos termos da alínea a), do nº2, do artigo 2º, do Código dos Contratos Públicos (CCP).(3)
É, pois, um organismo de direito público que, não obstante a sua designação, não tem natureza empresarial, no sentido em que não tem carácter comercial ou industrial.
Nos termos do artigo 19º, alínea a), do CCP, a adjudicação de empreitadas de obras públicas - e a celebração dos respectivos contratos - de valor igual ou superior a 1.000.000,00 €, pelas entidades adjudicantes indicadas no nº2, do artigo 2º, do CCP, tem de ser precedida da realização de concursos públicos ou de concursos limitados por prévia qualificação.
O artigo 5º, nº3, al. a) do mesmo CCP, contém, todavia, um regime específico aplicável à formação de contratos a celebrar pelos hospitais EPE.
Na verdade, estabelece este normativo que a Parte II do Código não é aplicável à formação de contratos a celebrar pelos hospitais EPE, de valor inferior ao referido nas alíneas b) e c) do artigo 7º da supra citada Directiva nº 2004/18/CE, como é o caso do contrato aqui em apreço.
Por outro lado, importa referir que o nº6, deste artigo 5º, do CCP, estabelece que à formação destes contratos são aplicáveis os princípios gerais da actividade administrativa e as normas que concretizem preceitos constitucionais constantes do Código do Procedimento Administrativo (CPA), e, eventualmente, normas do CPA, com as necessárias adaptações.
Assim, resulta expressamente do nº6, deste artigo 5º, que se aplicam aos contratos celebrados pelos Hospitais EPE, - mesmo que os respectivos valores se situem abaixo dos limiares fixados pela mencionada Directiva comunitária, e não se apliquem as disposições pré-contratuais estabelecidas no CCP - os princípios da igualdade, da transparência e da concorrência.

2. 3. Em 18 de Dezembro de 2008, o Conselho de Administração do Hospital de S. João, EPE homologou um "Regulamento Interno de Compras".
Deste Regulamento, observemos algumas das normas que relevam para o caso em apreço: 

Artigo 1º
Âmbito de aplicação
O presente Regulamento aplica-se aos procedimentos tendentes à formação de contratos de empreitadas de obras públicas, de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços do Hospital de S. João, E.P.E., excluídos nos termos do n.º 3 do artigo 5.º, do âmbito do Código de Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro.

Artigo 2º
Objecto
O presente Regulamento estabelece as regras a que obedecem os procedimentos tendentes à formação dos contratos mencionados no artigo anterior. 

Artigo 3º
Princípios
Os procedimentos destinados à formação dos contratos abrangidos pelo presente Regulamento respeitarão os princípios da actividade administrativa, especialmente os princípios da Transparência, Igualdade e Concorrência.

Artigo 4º
Tipos de Procedimentos
1. A contratação relativa à aquisição de bens e serviços e à realização de empreitadas é precedida de um dos seguintes procedimentos:
a) Processo com publicitação;
b) Processo com convite;
c) Aquisição directa.
2. O processo com publicitação é tornado público mediante publicitação de anúncio no site do Hospital na Internet, podendo ainda ser publicitado na plataforma electrónica que vier a ser definida pelo Hospital, destinada aos procedimentos desencadeados ao abrigo do Código dos Contratos Públicos.
3. No processo com publicitação, qualquer interessado que reúna os requisitos estabelecidos no anúncio poderá apresentar a sua proposta.
4. No processo com convite, o Hospital convida directamente as entidades a apresentar proposta, mediante envio de convite por qualquer meio escrito, não podendo o número de entidades ser inferior a três.
5. O processo de aquisição directa não está sujeito a qualquer formalidade especial, podendo a adjudicação recair directamente sobre proposta solicitada pelo Hospital ou factura apresentada pelo fornecedor ou prestador.
..................................................................... 

Artigo 5º
Escolha de Processo
1. A escolha do tipo de procedimento a adoptar cabe à entidade competente para a decisão de contratar e para autorizar a realização da respectiva despesa.
2...................................................................................
3. O processo com publicitação permite celebrar contratos para a realização de empreitadas e aquisições de bens e serviços, cujo valor não exceda os limiares fixados nas Directivas Comunitárias, para cada um dos referidos tipos de contrato.
4. O processo com convite permite celebrar contratos para a realização de empreitadas até ao valor de 2.000.000,00 € e de aquisição de bens e serviços, até ao limite fixado na Directiva Comunitária.
5. O processo de aquisição directa permite celebrar contratos de realização de empreitadas até ao limite de 125.000,00 € e de aquisição de bens e serviços até ao limite de 25.000,00 €. 

Artigo 6º
Escolha de Processo independentemente do valor do contrato
1. Qualquer que seja o valor do contrato a celebrar, poderá ser adoptado o processo de aquisição directa quando:
a) Em anterior processo com publicitação não tenha sido apresentada qualquer proposta ou todas as propostas apresentadas tenham sido excluídas;
b) Por motivos de urgência imperiosa e na medida do estritamente necessário, não possa ser seguido qualquer um dos outros tipos de procedimento;
c) Por motivos de aptidão técnica, artística ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos;
d) Quando se trate de aquisição de bens ou serviços complementares que, por razões técnicas ou económicas, não devam ser separados do contrato inicial. 

Artigo 22º
Dúvidas e Omissões
As dúvidas e omissões suscitadas pelo presente Regulamento serão supridas por recurso ao Código dos Contratos Públicos. 

A enunciação destas normas do Regulamento Interno de Compras do Hospital de S. João, EPE, não nos dispensa de relembrar que, de acordo com o disposto no nº6, do artigo 5º do CCP, a formação dos contratos a celebrar, pelo mesmo Hospital, se aplicam os princípios constitucionais e legais da actividade administrativa e as normas que concretizem preceitos constitucionais constantes do CPA.
Tendo as normas do mencionado Regulamento Interno de Compras, natureza regulamentar, isso significa que as mesmas representam a vontade de normação administrativa da referida entidade pública adjudicante e, como é óbvio, devem obedecer, no que se refere à sua validade jurídica, ao respeito pela disciplina da lei, e, designadamente, pelo respeito dos princípios basilares da contratação pública a que atrás aludimos.
3. O Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro, - diploma que procede à transposição das Directivas nºs 2004/17/CE e 2004/18/CE, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março (4) - disciplina no seu artigo 1º, nº4, que à contratação pública se aplicam os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência.
Por outro lado, da Directiva nº 2004/18/CE, transposta pelo CCP, decorria já que "a adjudicação de um contrato deve realizar-se com base em critérios objectivos que assegurem o respeito dos princípios da transparência, da não discriminação e da igualdade de tratamento e que garantam a apreciação das propostas em condições de concorrência efectiva".
Acontece, assim, que quer daquele normativo do CCP, quer desta Directiva comunitária, resulta que, em regra, devem ser adoptados procedimentos concorrenciais abertos, por forma a assegurar o mais amplo acesso aos procedimentos por parte de todos os potenciais concorrentes.
Todavia, o facto de se estabelecer, como regra, a adopção de procedimentos concorrenciais abertos, não significa que não haja excepções a essa regra.
Trata-se de situações em que aqueles procedimentos não se justificam ou em que não é possível ou viável a sua realização.
De todo o modo, podemos afirmar que é através de procedimentos concorrenciais abertos, e, respeitando princípios como os da igualdade e da concorrência, que se garante a todos os potenciais interessados em contratar, quer o mais vasto acesso aos procedimentos, quer a mais ampla observância de outros princípios que estão intimamente relacionados com aqueles: o da transparência e o da publicidade.
Ora, como este Tribunal tem decidido reiteradamente, resulta daqui que, mesmo quando não sejam aplicáveis os procedimentos estabelecidos nas Directivas Comunitárias e no Código dos Contratos Públicos, as entidades públicas estão obrigadas a adoptar procedimentos de contratação que salvaguardem o respeito pelos princípios supra indicados, nomeadamente o da concorrência.
Aliás, ainda que a lei preveja excepções a procedimentos mais abertos, devem as entidades públicas ser rigorosas e exigentes na interpretação e aplicação desses procedimentos excepcionais, de modo a salvaguardar sempre, e no máximo, a observância do princípio da concorrência.

4. Como acentuou o Acórdão recorrido, o princípio da concorrência é, de há muito, um dos princípios axilares da contratação pública, tanto no âmbito nacional como no âmbito comunitário.
Tal sucede, aliás, na generalidade dos Estados de Direito, pois que se apresenta como imprescindível à protecção do princípio fundamental da igualdade, que lhes é inerente, e, simultaneamente, como a melhor forma de proteger os interesses financeiros públicos.
Na ordem jurídica portuguesa, e, tal como tem sido expresso na doutrina e na jurisprudência, os princípios da igualdade e da concorrência têm assento constitucional nos artigos 81º, alínea f), 99º, alínea a) e 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP) sendo, pois, obrigação da Administração Pública respeitá-los na sua actuação, em nome dos valores fundamentais da ordem económica e da prossecução do interesse público.
Estes princípios constitucionais aplicam-se a qualquer actuação da Administração Pública, mesmo que no âmbito dos actos de gestão privada (5) e têm uma especial incidência em matéria de contratação pública, atendendo à sua consagração legal no artigo 1º, nº4, do CCP.
Mas estes princípios estão, também, claramente estabelecidos na ordem jurídica comunitária, a que Portugal se encontra vinculado.
Aliás, a obrigatoriedade de os Estados Membros da União Europeia legislarem e agirem de modo a assegurar a mais ampla concorrência possível e a prevenir quaisquer favorecimentos, deriva da circunstância de os Tratados Europeus afirmarem um objectivo de integração económica, a realizar através do respeito pelas "liberdades fundamentais", v. g. a livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais.
Como referiu o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), entre outros, nos processos do nºs C-458/03, Parking Brixen, e C-324/98, Telaustria, quando uma autoridade pública confia o exercício de uma actividade económica a terceiros, aplica-se o princípio da igualdade de tratamento e as suas expressões específicas, nomeadamente o princípio da não--discriminação, bem como os artigos 43.º e 49.º do Tratado CE, (6) sobre a liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços.
O TJCE afirma ainda que estes princípios implicam uma obrigação de transparência, que consiste em assegurar a todos os potenciais concorrentes um grau de publicidade adequado, que permita abrir o mercado de bens e serviços à concorrência.
Ainda que as directivas emitidas para a coordenação dos procedimentos nacionais de adjudicação de contratos públicos excluam do seu âmbito algumas áreas da contratação, bem como contratos que não atinjam determinados montantes, o TJCE tem sido claro no sentido de que os princípios referidos se aplicam mesmo que não sejam aplicáveis as directivas relativas aos contratos públicos, já que derivam directamente dos Tratados. (7)
Ora, o respeito pelos princípios da igualdade e da concorrência, sobretudo o respeito pelo princípio da concorrência, implica que se garanta aos interessados em contratar o mais amplo acesso aos procedimentos, através da transparência e da publicidade adequadas.
Por outro lado, importa referir que esse é, também, o melhor modo de garantir a protecção dos interesses financeiros públicos, já que é, em concorrência, que se formam as propostas mais competitivas e em que a entidade adjudicante pode escolher aquela que, técnica e financeiramente, melhor e mais eficientemente satisfaça o fim por ela pretendido.

5. Como vimos acima, de acordo com o artigo 4º do Regulamento Interno de Compras do Hospital de S. João, EPE, o "processo com convite" - que foi realizado no caso presente - encontra-se entre os procedimentos que devem preceder a realização de empreitadas.
Por outro lado, e como também observámos, segundo o artigo 5º, nº4, do mencionado Regulamento Interno de compras, o processo com convite permite celebrar contratos para a realização de empreitadas até ao valor de 2.000.000,00 €.
Verifica-se, assim, que, adoptando o procedimento com convite, o Hospital de S. João, EPE convidou directamente três entidades a apresentar proposta para a realização da empreitada de "Fornecimento e Montagem de Subestação de Energia Eléctrica de Média e Baixa Tensão" do Hospital - o que todas fizeram - e veio a celebrar contrato com o consórcio indicado na alínea A) do probatório, pelo valor de 1.406.920,45 €.

5. 1. Perguntar-se-á, então, se, no caso vertente, e com o procedimento adoptado, se cumpriram os princípios da igualdade, da transparência e da concorrência cuja observância é, como se viu, imposta tanto pelos artigos 1º, nº4 e 5º, nº6, do Código dos Contratos Públicos, como pelos artigos 81º, 99º e 266º da CRP, bem como pelas Directivas comunitárias, nomeadamente pela nº 2004/18/CE.
Recorde-se que estamos perante um contrato de empreitada no valor de 1.406.920,45 €, o qual tem um prazo de execução de catorze meses.
Por outro lado, não podemos olvidar que o Hospital de S. João EPE é uma entidade pública e que os recursos financeiros que administra são públicos.
Ora, um contrato com o valor atrás referido, num mercado como o português, não pode deixar de ser tido como um contrato com uma elevada dimensão financeira, o qual, em regra, e de harmonia com o artigo 19º, al. b) do CCP, é antecedido da realização de um concurso público ou de um concurso limitado por prévia qualificação.
Aliás, importa dizer, em abono da afirmação de que o presente contrato tem uma dimensão financeira elevada, que, em regra, para as entidades adjudicantes previstas no nº2, do artigo 2º, do CCP, só é admitido o procedimento por ajuste directo para a formação de contratos de empreitada até 1.000.000,00 €, como impõe o artigo 19º, al. a), do mesmo CCP.
A partir deste valor, torna-se necessária adopção de um concurso público ou de um concurso limitado por prévia qualificação, procedimentos estes que asseguram a observância de princípios chave na contratação pública como sejam o da publicidade, o da transparência, o da igualdade e o da concorrência.
Ora o acórdão recorrido, à pergunta atrás aludida, entendeu que a solução era negativa, no que é contrariado pela tese defendida pelo Centro Hospitalar de S. João, EPE, ora impugnante.
Diz o Recorrente que é à entidade adjudicante que está cometida a tarefa de avaliar, discricionariamente, a observância dos princípios atrás indicados.
Por outro lado, citando a Comunicação Interpretativa da Comissão sobre o direito comunitário aplicável à adjudicação de contratos não abrangidos ou apenas parcialmente abrangidos pelas Directivas comunitárias relativas aos contratos públicos(8), diz o recorrente que cabe a cada entidade adjudicante decidir, sustentadamente, se o contrato a adjudicar pode apresentar um interesse potencial para os agentes económicos situados noutros Estados-Membros, fazendo uma avaliação das particulares circunstâncias do caso.
Do ponto 2.1.2. da Comunicação, extrai o recorrente a argumentação de que incumbe às entidades adjudicantes decidir quanto ao meio mais apropriado para a publicitação dos seus contratos e que o contrato aqui em causa tem especificidades locais e um reduzido potencial para os contratos transfronteiriços.
Mais refere que foi neste contexto que o Hospital de S. João, EPE homologou o já mencionado Regulamento Interno de Compras, que este é um regulamento administrativo externo e que o Hospital se encontra auto-vinculado a essa pré-ordenação normativa, não podendo violá-la.
Também diz o recorrente que, ao Tribunal de Contas, está vedada a declaração de ilegalidade das normas regulamentares acima mencionadas, nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pois que o artigo 72º, nº1, deste compêndio normativo, só permite a impugnação de normas no contencioso administrativo de "declaração de ilegalidade das normas" e que, por isso, o Tribunal de Contas apenas poderia invocar a inconstitucionalidade das normas nos termos gerais.

5. 2. Relativamente a esta argumentação do recorrente cumpre dizer o seguinte:

5.2.1. Ao Hospital de S. João, EPE está, efectivamente, cometida a tarefa de avaliar - mas também de assegurar - a observância dos princípios da igualdade, da não discriminação, da transparência e da concorrência.
Porém, essa tarefa não se contém no âmbito de poderes discricionários, como diz o recorrente, sendo, ao invés, uma actividade vinculada, por força do disposto no nº4, do artigo 1º e do nº6, do artigo 5º, ambos do CCP e nos artigos 81º, al. f), 99º, al. a) e 266º, nº2, da CRP, a que deve obediência a entidade adjudicante e, igualmente, o Regulamento por si criado.
Não resta, pois, ao Hospital de S. João, EPE outra alternativa que não seja a de - cumprindo a lei e a Constituição, bem como as Directivas comunitárias - escolher um procedimento que assegure a observância daqueles princípios estruturantes da contratação pública e ponderar a modelação do Regulamento Interno de Compras em consonância...

5. 2. 2. Por outro lado, a Comunicação Interpretativa da Comissão, supra citada, referindo-se a contratos não abrangidos, ou parcialmente abrangidos pelas directivas comunitárias relativas aos contratos públicos, tais como os de valor inferior aos limiares estabelecidos nas Directivas nºs 2004/17/ CE e 2004/18/CE, estabelece que estes contratos representam oportunidades de negócios significativas para as empresas no mercado interno, em particular para as PME e empresas em fase de arranque. Além disso, diz expressamente a Comunicação Interpretativa que "não obstante, em muitos casos, esses contratos ainda são adjudicados directamente a fornecedores locais sem qualquer concurso. O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) confirmou na sua jurisprudência que as regras do Tratado CE, relativas ao mercado interno, se aplicam também aos contratos não abrangidos pelo âmbito das directivas relativas aos contratos públicos".
Por outro lado, o recorrente apenas citou uma parte do ponto 2.1.2 da Comunicação Interpretativa: É que, incumbindo às entidades adjudicantes decidir o meio mais apropriado de publicitação dos seus contratos, o mesmo ponto também diz que a sua escolha deve ser sustentada numa avaliação da relevância do contrato para o mercado interno, tendo especialmente em conta o seu objecto e valor e as práticas habituais no sector em questão. (9)
Não se trata, pois, da relevância do contrato, no que concerne aos contratos transfronteiriços...mas sim da sua relevância no mercado interno.
Aliás, a Comunicação Interpretativa é bem expressa no que respeita aos princípios fundamentais para a celebração de contratos com relevância para o mercado interno, ao acentuar a obrigação de assegurar a publicidade adequada, referindo expressamente a este propósito que "Segundo o TJCE (10) os princípios da igualdade de tratamento e de não discriminação implicam uma obrigação de transparência que consiste em garantir, a favor de todos os potenciais concorrentes, um grau de publicidade adequado para garantir a abertura à concorrência dos contratos".

5. 2. 3. Relativamente à invocada impossibilidade de o Hospital de S. João EPE não poder violar o Regulamento Interno de Compras que aprovou, deve dizer-se que o que o dito Hospital - e o Regulamento por si criado - não podem fazer é violar a Lei, a Constituição e as Directivas comunitárias aplicáveis.
É que, como é sabido, os regulamentos administrativos não podem conter normas contrárias à lei, sob pena de, na sede própria, poderem ser impugnadas.

5. 2. 4. No que se refere aos poderes do Tribunal de Contas, deve dizer-se, com o devido respeito, que o recorrente faz alguma confusão.
Efectivamente, não está em causa a declaração da ilegalidade de normas, por parte do Tribunal de Contas, porque, para isso, competente é a jurisdição administrativa, nos termos das disposições do artigo 72º, nº1 e 73º, nº3, do CPTA e do artigo 4º, nº1, al. b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) aprovado pelo DL nº 13/2002 de 19 de Fevereiro. 11
A decisão recorrida apenas se limitou a afirmar que o Hospital de S. João, EPE, através da utilização de normativos do seu Regulamento Interno, violou princípios da contratação pública a que estavam obrigados por força do disposto no CCP, na CRP e nas Directivas comunitárias aplicáveis.
Por isso é que, na parte decisória do Acórdão recorrido, foi ordenada a remessa do Acórdão, ao Ministério Público, para que este órgão do Estado ponderasse "suscitar junto da Jurisdição Administrativa a questão da conformidade legal do Regulamento Interno de Compras do Hospital de S. João, EPE...".

6. Diz também o recorrente que o Acórdão recorrido é nulo, por falta de fundamentação de facto e de direito, nos termos do artigo 668º, nº1, do Cód. Proc. Civil.
E isto, porque, segundo o recorrente, a decisão posta em crise, ao referir que, para a dimensão do mercado português, uma aquisição no valor de cerca de 1.4 milhões de euros não respeitava a regra da concorrência, estava a formular um juízo meramente conclusivo, sem alicerce em qualquer dado de facto.
Além disso, tal conclusão era ilícita porque, se a questão em apreço se prende com o limiar dos valores dos contratos em sede de direito comunitário, para proporcionar concorrência transfronteiriça, então essa referência nunca poderia ser feita ao mercado português, mas sim ao mercado comunitário.
Ora, também aqui não assiste razão ao recorrente.
Efectivamente, como vimos ao tratar da "Comunicação Interpretativa da Comissão Europeia", não está em causa, relativamente ao direito comunitário aplicável à adjudicação de contratos não abrangidos, ou parcialmente abrangidos pelas directivas comunitárias relativas aos contratos públicos, a concorrência transfronteiriça, nem o mercado comunitário.
O que está em causa é o mercado interno.
Por isso diz a referida Comunicação Interpretativa que estes contratos representam oportunidades de negócios significativas para as empresas no mercado interno, em particular para as PME e as empresas em fase de arranque.
Por isso, ainda, confirmou o TJCE, na sua jurisprudência, que as regras do Tratado CE, relativas ao mercado interno, se aplicam também aos contratos não abrangidos pelo âmbito de aplicação das directivas relativas aos contratos públicos.
No que se refere à alegação do recorrente de que o acórdão recorrido, ao afirmar que, para a dimensão do mercado português, uma aquisição no valor de cerca de 1,4 milhões de euros, não respeita a regra da concorrência, tal afirmação era conclusiva e não alicerçada em qualquer dado de facto, importa dizer o seguinte.
Como se referiu acima, e consta da matéria de facto dada por assente, o contrato tem o valor de 1.406.920,45 € e foi antecedido de um procedimento de ajuste directo, com convite a três entidades.
Embora ao recorrente, - entidade adjudicante nos termos do artigo 2º, nº2, do CCP - não seja aplicável a Parte II do dito Código, para a celebração de contratos, independentemente do seu objecto, por força do disposto no artigo 5º, nº2, do CCP, o certo é que não pode esquecer-se que, em regra, para contratos de empreitada de obras públicas, a escolha do ajuste directo só permite a celebração de contratos - para as entidades indicadas no nº2, do dito artigo 2º - com um valor inferior a 1.000.000,00 €.
Para a celebração de contratos com um valor superior é, em regra, necessária adopção de um concurso público ou de um concurso limitado por prévia qualificação, com a publicitação legalmente imposta, pois que apenas esta assegura de modo eficaz o cumprimento dos princípios da igualdade, da transparência e da concorrência.
Por isso, aquela afirmação do Acórdão recorrido não se apresenta sem qualquer sustentáculo nos factos e na realidade actual e não pode ter-se como um mero juízo conclusivo, gerador da nulidade da decisão, por falta de fundamentação de facto.
Aliás, como o recorrente não desconhece, e é jurisprudência uniforme dos tribunais Superiores, só a falta absoluta de motivação é que gera a nulidade prevista na al. b) do nº1, do artigo 668º, do Cód. P. Civil. 12

7. Bem andou, pois, o Acórdão recorrido ao considerar que o recorrente, ao adjudicar a obra, a que se reporta o presente contrato, no valor de 1.406. 920,45 euros, mediante a prévia adopção de um processo com convite a três entidades, violou os princípios da igualdade, da não discriminação, da transparência e da concorrência, que são essenciais na contratação pública e determinados pelos artigos 1º, nº4 e 5º, nº6, do CCP, dos artigos 81º, al. f), 99º, al. a) e 266º, nº2, da CRP e pelas directivas comunitárias, designadamente a 2004/18/CE, supra mencionada.
É que, como acentuou a decisão recorrida, a realização de procedimentos concorrenciais e não discriminatórios tem em vista proteger o interesse financeiro que está na base da escolha da proposta que melhor se ajusta, económica e eficientemente, aos interesses da entidade pública adjudicante.
Igualmente não merece censura a Acórdão recorrido, ao ter ordenado a remessa da decisão ao Ministério Público, a fim de este órgão do Estado ponderar suscitar, no âmbito da Jurisdição administrativa, e nos termos do nº3, do artigo 73º, do CPTA, a declaração de ilegalidade das normas do Regulamento Interno de Compras do Hospital de S. João, EPE, com base em cuja aplicação o recorrente violou os princípios da contratação pública atrás citados.

8. O Acórdão recorrido considerou, por outro lado, que a inobservância dos princípios basilares da contratação pública, acima indicados, implica a violação do disposto nos artigos 42º, nº6 e 47º, nº2, da Lei de Enquadramento Orçamental.
Relativamente a esta parte da decisão ora em preço, e uma vez que a mesma não foi colocada nas conclusões da alegação da recorrente, não cumpre aqui conhecer.
Improcedem, assim, as alegações do recorrente. 

IV - DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Plenário:

a) Negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida;
b) Remeter ao Ministério Público cópia certificada deste Acórdão e do que decidiu em 1ª instância, a fim de ponderar a propositura, na jurisdição administrativa, da competente acção para declaração de ilegalidade das normas do Regulamento Interno de Compras do Hospital de S. João EPE, violadoras dos princípios da contratação pública, supra indicados.
São devidos emolumentos (artigo 16º, nº1, al. b) do Regime Jurídico anexo ao DL nº 66/96 de 31 de Maio).

Lisboa, 12 de Julho de 2011.

Os Juízes Conselheiros
(António M. Santos Soares, relator)
(Helena Ferreira Lopes)
(José L. Pinto Almeida) 

Fui presente

O Procurador-Geral Adjunto

(Jorge Leal)


(1) Pelo ofício nº DECOP/UAT1/2504/2011, de 30 de Março de 2011. 
(2) Vide ofício nº 6525, de 11 de Abril de 2011, a fls. 112 dos autos. 
(3) O artigo 2º do CCP foi alterado pelo DL nº 278/2009 de 2 de Outubro, o qual alterou a alínea a) e revogou a alínea c), do seu nº2. 
(4) Estas Directivas foram publicadas no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE) nº L 134, de 30-04-2004 e alteradas pela Directiva nº 2005/51/CE, da Comissão, de 7 de Setembro e pelos Regulamentos (CE) nº 2083/2005, da Comissão, de 19 de Dezembro de 2005 e 213/2008, da Comissão, de 28 de Novembro de 2007 e rectificadas pela Directiva nº 2005/75/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Novembro. 
(5) Cfr. artigo 2.º, n.º 5, do Código do Procedimento Administrativo. Como refere MARCELLO CAETANO, in "Princípios Fundamentais do Direito Administrativo", ed. Almedina, Coimbra, 1996, pág. 294, os órgãos das pessoas jurídicas de Direito Público que tenham actividade administrativa, exercem ou podem exercer, consoante a competência conferida por lei, poderes correspondentes a direitos pessoais ou patrimoniais regulados pelo Direito Privado, exactamente como quaisquer outras pessoas jurídicas, originando uma gestão privada.  
(6) Hoje artigos 49.º e 56.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. 
(7) O recente acórdão de 20 de Maio de 2010, tirado no processo T-258/06, é bastante esclarecedor nessa matéria. 
(8) Esta Comunicação Interpretativa da Comissão foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE) nº C 179/2, de 1 de Agosto de 2006.
De referir - como salienta o Digmº Magistrado do Ministério Público - que a Alemanha apresentou no Tribunal de 1ª Instância das Comunidades Europeias uma impugnação judicial (Proc. nº T - 258/06) invocando a incompetência da Comissão Europeia para a emissão desta Comunicação Interpretativa, com a alegação de que a Comissão havia emitido novas normas de adjudicação que ultrapassavam as obrigações impostas pelo próprio Direito Comunitário proveniente dos Tratados. Todavia, o TJCE já se pronunciou, em definitivo, sobre a impugnação da Alemanha, no Acórdão do Tribunal Geral - 5ª Secção - de 20 de Maio de 2010, negando provimento à referida impugnação. 
(9) É óbvio que, como também se refere no ponto 2.1.2., quanto maior for o interesse do contrato para os potenciais concorrentes de outros Estados-Membros, maior deverá ser a respectiva divulgação. Em especial no caso de contratos públicos de serviços constantes do anexo II B da Directiva nº 2004/18/CE e do Anexo XVII da Directiva nº 2004/17/CE que excedem os limiares para a aplicação destas directivas, uma transparência adequada exige a publicação num médium com ampla cobertura tendo em conta o valor elevado desses contratos. 
(10) Processo Teleaustria, parágrafo 62 e processo Parking Brixen, parágrafo 49.