Acórdão n.º 13/2011, de 15 de Março de 2011, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 55/2011)

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ACÓRDÃO Nº 13 /11 - 15.MAR.2011 - 1ª S/SS

Proc. nº 55/2011

Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção:

I - RELATÓRIO

A Câmara Municipal de Constância remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada, celebrado em 11 de Janeiro de 2011, com a empresa "TECNOVIA, Sociedade de Empreitadas, SA", pelo valor de 1.849.657,19 €, acrescido de IVA, tendo por objecto a "Ponte Metálica de Praia do Ribatejo sobre o Rio Tejo. Reabilitação e reforço da estrutura".

II - MATÉRIA DE FACTO


Para além do referido acima, relevam para a decisão os seguintes factos, que se dão por assentes:

A) O contrato foi precedido de concurso público urgente, com invocação do disposto no artigo 52º, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho e dos artigos 155º e seguintes, do Código dos Contratos Públicos (CCP), sendo que o respectivo aviso de abertura foi publicado no Diário da República, 2ª série, de 13 de Dezembro de 2010;
B) A abertura do procedimento pré-contratual, mencionado na alínea anterior, foi autorizada por deliberação da Câmara Municipal de Constância de 9 de Dezembro de 2010, e teve por base a Informação nº139/2010, produzida pela Divisão de Obras Municipais e Ambiente da mesma Câmara, datada de 6 de Dezembro de 2010;
C) Questionada a Câmara Municipal de Constância sobre as razões em que se baseou para a adopção do procedimento pré-contratual de natureza urgente, veio a mesma remeter o ofício nº 749, com a referência DOMA 4.5.1, de 08-12-2010, no qual, em síntese, se diz o seguinte:
"... A obra em causa foi considerada urgente nos termos das Resoluções da Assembleia da República, respectivamente nº 124/2010, de 12/11/2010 e nº 6/2011, de 26/01/2011 de que se juntam cópias...".
D) Através da Resolução da Assembleia da República nº 124/2010, aprovada em 14-10-2010, e publicada no Diário da República, 1ª série, de 12-11-2010, este órgão de soberania resolveu, nos termos do artigo 166º, nº5, da Constituição da República Portuguesa (CRP), recomendar ao Governo que desse "prioridade à resolução da situação da Ponte de Constância" e definisse a "reabilitação e reabertura da Ponte de Constância, enquanto infra-estrutura de interesse regional, como um investimento prioritário, assegurando a sua gestão e manutenção";
E) Com a Resolução da Assembleia da República nº 6/2011, aprovada em 22-12-2010, e publicada no Diário da República, 1ª série, de 26-01-2011, este órgão de soberania resolveu, nos termos do artigo 166º, nº5, da CRP, recomendar ao Governo "uma solução calendarizada, célere e definitiva para a reabertura da Ponte de Constância, enquanto investimento prioritário para a região", o que passaria pela concretização célere e eficaz de um protocolo para o início das obras, pela rápida pronúncia das entidades tuteladas pelo Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (REFER e EP) e, ainda, pela nomeação de uma comissão de acompanhamento e o envio de relatórios periódicos à Comissão Parlamentar de Obras Públicas, Transportes e Comunicações da Assembleia da República;
F) Ao concurso apresentaram-se seis concorrentes;
G) O prazo de execução da obra é de 540 dias;
H) A consignação da obra ainda não ocorreu;
I) O preço base da empreitada foi de 2.000.000,00 €;
J) O critério de adjudicação foi o do preço mais baixo;
K) O ponto 9 do Anúncio de abertura do concurso estabeleceu que as propostas deveriam ser apresentadas no prazo de 5 dias a contar da data do envio do anúncio para publicação no Diário da República;
L) O Anúncio de abertura do concurso foi enviado para publicação no Diário da República, no dia 13 de Dezembro de 2010, e dele constam a informação do serviço da Autarquia onde se encontravam disponíveis as peças do concurso, para consulta dos interessados, e a de que o meio electrónico de apresentação das propostas era a plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante (http://www.vortalgov.pt);
M) A presente empreitada dispõe da concessão de um apoio financeiro do "Programa Operacional Regional do Centro", na sequência de uma candidatura apresentada pela Autarquia de Constância, que veio a ser aprovada pela Comissão Directiva Programa Operacional Regional do Centro, em reunião havida em 17 de Fevereiro de 2011;
N) Questionada a Câmara Municipal de Constância sobre como considerava razoável e compatível com a complexidade da obra a realizar e com a observância do princípio da concorrência, a concessão de um prazo de cinco dias para a apresentação de propostas, veio a Autarquia dizer o seguinte:
"... O projecto e respectivo caderno de encargos foram desenvolvidos sob a responsabilidade directa da Estradas de Portugal, S.A., tendo sido considerado como adequado o prazo de 5 dias para apresentação de propostas, face à urgência na execução da empreitada em apreço, conforme já foi justificado através do nosso ofício n.º 749, de 8/02/2011, nos termos das Resoluções da Assembleia da República, respectivamente n.º 124/2010, de 12/11/2010 e n.º 6/2011, de 26/01/2011, das quais se juntaram cópias.
Mais se informa que, apesar do valor da empreitada em causa, o mapa de quantidades de trabalho, e consequentemente a lista de preços unitários constante na proposta da empresa adjudicatária é de apenas 6 páginas, pois existem artigos de medição com grandes quantidades, que se traduzem em valores finais elevados, que justificam plenamente o prazo exigido...".
O) O procedimento de formação do presente contrato teve as seguintes fases e datas:

§ Deliberação para a abertura do procedimento - 9 de Dezembro de 2010;

§ Data da publicação do anúncio no Diário da República - 13 de Dezembro de 2010;

§ Prazo de apresentação das propostas - 5 dias, a contar da data do envio do anúncio para publicação no Diário da República;

§ Adjudicação efectuada por deliberação da Câmara Municipal da Covilhã de 22 de Dezembro de 2010;

§ Celebração do contrato - 11 de Janeiro de 2011;

§ Remessa do contrato para fiscalização prévia do Tribunal de Contas - - 12 de Janeiro de 2011;

§ Aprovação da candidatura ao Programa Operacional Regional do Centro - 17 de Fevereiro de 2011. 

III - O DIREITO


1. Suscita-se, no presente processo, uma questão atinente ao facto de ter sido adoptado um concurso público urgente, nos termos do artigo 52º, nº2, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho e dos artigos 155º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), a anteceder a celebração do contrato, ora submetido a fiscalização prévia deste Tribunal.
Vejamos, então, em que se traduz esta questão:
O artigo 52º, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho (1), sob a epígrafe "Disposições especificas na aquisição de bens e serviços", dispõe o seguinte, no seu nº 2:

Artigo 52º
Disposições especificas na aquisição de bens e serviços
............................................................................
2 - Pode adoptar-se o procedimento do concurso público urgente, previsto nos artigos 155º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), na celebração de contratos de empreitada, desde que:
a) Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b), do artigo 19º, do CCP; e
c) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.
............................................................................

Por seu lado, o artigo 155º do CCP, integrado na Secção VII (Concurso público urgente), do Capítulo II, do Título III, da Parte II do mesmo Código, sob a epígrafe "Âmbito e pressupostos", estabelece o seguinte:

Artigo 155º
Âmbito e pressupostos
Em caso de urgência na celebração de um contrato de locação, ou de aquisição de bens imóveis ou de aquisição de serviços de uso corrente para a entidade adjudicante, pode adoptar-se o procedimento de concurso público nos termos previstos na presente secção, desde que:
a) O valor do contrato a celebrar seja inferior aos referidos na alínea b) do nº1 e no nº2, do artigo 20º, consoante o caso; e
b) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.

Uma das particularidades mais salientes do regime do concurso público urgente é a que consta do artigo 158º do CCP, relativamente ao prazo para a apresentação das propostas.
É a seguinte a redacção deste artigo 158º: 

Artigo 158º
Prazo mínimo para a apresentação das propostas
O prazo mínimo para a apresentação das propostas é de vinte e quatro horas, desde que estas decorram integralmente em dias úteis.

2. Verifica-se, assim, que, durante a vigência do citado DL nº 72-A/2010, o legislador entendeu estender o regime do concurso público urgente, previsto nos artigos 155º e seguintes do CCP, aos contratos de empreitada, desde que ocorressem os pressupostos definidos nas alíneas a) a c) do nº2, do artigo 52º daquele diploma legal.
Analisemos, então, se se verificam os pressupostos exigidos pelo nº2, deste artigo 52º, do DL nº 72-A/2010, tendo em conta a matéria de facto dada por assente no probatório:

a) A abertura do procedimento que antecedeu o presente contrato, foi autorizada por deliberação da Câmara Municipal de Constância, de 9 de Dezembro de 2010.
À data de 9 de Dezembro de 2010, o projecto contemplado no procedimento pré-contratual ainda não era um "projecto co-financiado por fundos comunitários", (vide a alínea a) do nº2, do artigo 52º, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho).
Efectivamente, a candidatura ao financiamento comunitário, através do Programa Operacional Regional do Centro, apresentada pela Autarquia de Constância, só veio a ser aprovada em 17 de Fevereiro de 2011, quando o contrato de empreitada, aqui em causa, já tinha sido enviado ao Tribunal de Contas, para fiscalização prévia.
Uma vez que a referida candidatura a fundos comunitários já foi aprovada pela Comissão Directiva do mencionado Programa Operacional, pode agora dizer-se que o objecto do presente contrato de empreitada - a Ponte metálica de Praia do Ribatejo, sobre o rio Tejo - constitui um projecto co-financiado por fundos comunitários;

b) Por outro lado, o valor do contrato (1.849.657,19 €) é inferior ao valor estabelecido na alínea b), do artigo 19º, do CCP.

c) Além disso, verifica-se que o critério de adjudicação é o do mais baixo preço.

Ocorrem, pois, todos os pressupostos que, no âmbito do nº2, do citado artigo 52º, são fixados para que seja possível a adopção do mecanismo excepcional de aplicação do procedimento do concurso público urgente, regulado pelos artigos 155º e seguintes do CCP.
E dizemos mecanismo excepcional de aplicação do procedimento do concurso público urgente, regulado pelos artigos 155º e seguintes do CCP, pelas razões seguintes:
Por um lado, o DL nº 72-A/2010 é um diploma que visa estabelecer disposições relativas à execução do Orçamento do Estado para 2010 e não matérias relativas à contratação pública.
Por outra banda, o artigo 52º, deste diploma legal, tem por epígrafe, como se disse, "Disposições específicas na aquisição de bens e serviços" e, não obstante, regula, num dos seus números, matéria concernente a empreitadas de obras públicas.
Além disso, se é certo que o artigo 155º do CCP define o âmbito e os pressupostos de aplicação do concurso público urgente, logo se vê que esta modalidade de concurso não está vocacionada, nem prevista, para a celebração de contratos de empreitada de obras públicas, o que, aliás, bem se compreende, dado que a apresentação de propostas, para este tipo de obras, se insere num procedimento pré-contratual mais elaborado e demorado, que se não compagina com o procedimento "aligeirado" que se encontra previsto nos artigos 155º e seguintes do CCP.
Por isso, é que, ao prever a adopção do concurso público urgente, este artigo 155º estabelece que tal procedimento é aplicável em caso de urgência, e, por outro lado, na celebração de um contrato de locação, ou de aquisição de bens móveis, ou ainda de aquisição de serviços de uso corrente para a entidade adjudicante.
Ora, uma vez que o artigo 157, nº2, do CCP, estabelece, relativamente ao concurso público urgente, que o programa de concurso e o caderno de encargos devem constar do anúncio do concurso, manifesto é que tal regime não é compatível com o conteúdo de um anúncio de abertura de um procedimento respeitante à celebração de um contrato de empreitada, pois que, como é óbvio, não é possível, designadamente, incorporar no anúncio os elementos de solução da obra que devem integrar o caderno de encargos, em conformidade com o que estabelece o artigo 43º, do mesmo Código.
Por outro lado, o artigo 158º do CCP estabelece que o prazo mínimo para a apresentação das propostas é de vinte e quatro horas, desde que estas decorram integralmente em dias úteis.
Ora, se repararmos na redacção do artigo 135º, nº1, do mesmo Código, logo verificamos que, de acordo com o seu nº1, para a apresentação de propostas num concurso público cujo anúncio não seja publicado no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE) não pode ser fixado um prazo inferior a 9 dias.
Além disso, e no que concerne, especificamente, ao procedimento para a formação de um contrato de empreitada de obras públicas, o prazo para a apresentação de propostas é de 20 dias, a contar do envio do anúncio do concurso para publicação no Diário da República.
Só em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos necessários à realização da obra, é que o CCP, no nº2, do mesmo artigo 135º, estabelece que aquele prazo mínimo, para a apresentação de propostas, pode ser reduzido em 11 dias, ou seja, pode a apresentação de propostas ser efectuada num prazo de apenas 9 dias.
Assim é que um prazo mínimo de 24 horas, para a apresentação de propostas - tal como fixado no artigo 158º, do CCP - podendo ser admissível num procedimento que tenha em vista à prestação de certos serviços, ou ao fornecimento de bens móveis, não se coaduna com a natureza dos contratos de empreitada.
É que tal prazo de 24 horas não se mostra conforme com as exigências que decorrem da observância do princípio da proporcionalidade - com assento constitucional - e ainda com o respeito pelos princípios da igualdade e da concorrência.
Aliás, os elementos exigidos pelo artigo 57º, nºs 1 e 2, do CCP, para o conteúdo das propostas, mostram amplamente a complexidade que está associada à celebração de contratos de empreitada de obras públicas e que não é comparável, sequer, com o procedimento inerente à celebração de contratos de aquisição de serviços ou de aquisição de bens móveis.
Efectivamente, num procedimento conducente à formação de contratos de empreitada de obras públicas, as propostas dos concorrentes são constituídas pelos documentos mencionados no nº1, do artigo 57º do CCP e ainda pelos elementos referidos no nº2, deste normativo, ou seja: i) uma lista dos preços unitários de todas as espécies de trabalhos previstas no projecto de execução; ii) um plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361º do mesmo Código, quando o caderno de encargos seja integrado por um projecto de execução; iii) um estudo prévio, nos casos previstos no nº3, do artigo 43º do CCP, competindo a elaboração do projecto de execução ao adjudicatário.

3. De acordo com o estabelecido no artigo 156º, nº1, do CCP, o procedimento de concurso público urgente rege-se, com as necessárias adaptações, pelas disposições que regulam o concurso público, em tudo o que não esteja especialmente previsto nos artigos seguintes, ou que com estes seja incompatível.
Uma das formalidades essenciais a observar, no concurso público urgente, é, como se dispõe no artigo 157º, nº1, do CCP, a publicitação do mesmo no Diário da República, através de anúncio conforme modelo aprovado por portaria dos ministros responsáveis pela edição do Diário da República e pelas áreas das finanças e das obras públicas.
Por outro lado, devem constar do anúncio, o programa do concurso e o caderno de encargos, de harmonia com o definido no nº2, do mesmo artigo 157º, do CCP.
Acontece que a portaria, atrás referida, é a Portaria nº 701-A/2008 de 29 de Julho, a qual, de acordo com o seu artigo 1º, nº1, al. b), contém no seu Anexo II, o modelo de anúncio de concurso público urgente.
Tal modelo especifica que o anúncio deste concurso deve incluir informação, designadamente, sobre o "objecto do contrato" (vide o ponto 2 do modelo), e, dentro deste, a "designação do contrato (2)", com a descrição sucinta do seu objecto, bem como o "tipo de contrato (3)" (locação de bens imóveis/aquisição de bens móveis/aquisição de serviços (4)), para além do Programa de Concurso (nº12 do Anexo II) e do Caderno de Encargos (nº 13 do mesmo Anexo II).
No caso em apreço, o anúncio do concurso foi publicado no Diário da República, e nele constam as informações referidas na alínea L) do probatório e não a informação relativa ao Programa de concurso e ao Caderno de encargos, o que contraria o exigido pela Portaria supra referida.

4. Importa, porém, e de seguida, analisar a verificação de outro relevante pressuposto para a adopção, no caso vertente, do concurso público urgente.
Já vimos que se trata, aqui, de um procedimento de formação de um contrato de empreitada de obras públicas, que só pode ser objecto de um concurso público urgente, em face da existência de uma norma (artigo 52º, nº2, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho) que o consente, mas, excepcionalmente, e dentro dos apertados termos a que acima aludimos.
Todavia, a adopção de um procedimento de concurso público urgente, ao abrigo do disposto no artigo 155º e seguintes do CCP, tem, desde logo, um pressuposto prévio, que é determinante da sua admissibilidade, ou não, no caso em apreço: a circunstância de se estar perante um caso de urgência na celebração do contrato a que se destina.
O termo urgente veicula um conceito indeterminado.
Conceitos indeterminados ou conceitos standard, são, como referem J. M. SANTOS BOTELHO, A. PIRES ESTEVES e J. CÂNDIDO DE PINHO (5), aqueles que, por concreta opção do legislador, envolvem uma definição normativa imprecisa a que, na fase de aplicação, se deverá dar uma significação específica, em face de factos concretos, de tal forma que o seu emprego exclui a existência de várias soluções possíveis.
Por isso, constituindo a urgência um conceito com esta natureza, torna-se necessário proceder a operações tendentes à sua concretização específica, o que passa pelo recurso a valores e após ponderação das circunstâncias de cada caso.
A urgência, como fundamento de um desvio à tramitação normal dos procedimentos administrativos constitui, como salienta ANDRADE DA SILVA (6), uma excepção à regra da concorrência nos termos gerais.
Uma vez que a caracterização e o preenchimento do conceito de urgência, carece apreciação casuística, pode afirmar-se que, para que uma situação possa ser considerada de urgência, terá que se estar perante um caso em que a utilização de um procedimento normal resultaria ineficaz ou revelar-se-ia inidóneo para dar, em tempo oportuno, a resposta necessária.
Há que assinalar, aliás, que a urgência se distingue da celeridade, dever que impende sobre a Administração, nos termos do disposto no artigo 57º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Na verdade, a celeridade procura atingir outros valores, designadamente a prontidão e a eficácia da acção administrativa.
Ao invés, uma situação de urgência tem a ver com casos em que a Administração se vê confrontada com uma circunstância de risco ou perigo iminente e actual que ameace seriamente a satisfação de certo interesse público ou a satisfação prioritária de certos interesses públicos (7).
No caso sub judice, como resulta da matéria de facto dada por assente na alínea C) do probatório, quando questionada sobre qual a urgência que se verificou para justificar a adopção do procedimento pré-contratual utilizado, a Câmara Municipal de Constância veio dizer que a obra foi considerada urgente nos termos das Resoluções da Assembleia da República nº124/2010 de 12-11-2010 e nº 6/2011, de 26-01-2011.
Ora, das Resoluções da Assembleia da República nºs 124/2010 e 6/2011, referidas nas alíneas D) e E) do probatório, retira-se que, através das mesmas, aquele órgão de soberania recomendou ao Governo que desse prioridade à resolução da Ponte de Constância e adoptasse uma solução calendarizada, célere e eficaz para a reabertura da mencionada ponte.
Assim, configurando-se, embora, a existência de uma situação a demandar uma resolução prioritária, o certo é que se não está perante uma situação de risco ou perigo iminente e actual a ameaçar seriamente a satisfação de interesses colectivos. Ou seja, não se está perante uma situação de manifesta urgência, tal como é pressuposto determinante da adopção do modelo de concurso público urgente.
Além disso, e em abono do que se disse quanto à não verificação de uma situação de urgência, ainda se pode afirmar que não se evidenciam razões justificativas de tão grande celeridade na realização da obra, até porque é longo o prazo de execução da empreitada (cerca de um ano e meio).
Assim, não se mostrando existir uma situação de urgência evidente e efectiva na realização e acabamento da obra, a que se refere o presente contrato, motivo não havia para a adopção do concurso público urgente previsto nos artigos 155º e seguintes do CCP, não obstante essa modalidade poder ser utilizada ex vi da verificação dos pressupostos indicados nas alíneas a), b) e c) do nº2, do artigo 52º, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho.

5. No caso em apreço, e com a utilização do concurso público urgente, foi estabelecido, no respectivo anúncio de abertura, que a apresentação de propostas deveria ser efectuada no prazo de cinco dias, a contar da data do envio, para publicação, do dito anúncio.
Embora, como se disse acima, o artigo 158º do CCP estabeleça que o prazo mínimo, para a apresentação de propostas, num concurso público urgente, é de vinte e quatro horas, cabe aqui indagar da admissibilidade e da conformidade legal de tal prazo, no caso vertente.
Na verdade, como vimos atrás, por ausência de verificação de uma situação de urgência, não era possível, para a celebração de um contrato de empreitada de obras públicas, recorrer-se a um procedimento de concurso público nos termos previstos na Secção VII, do Capítulo II, do Título III, da Parte II, do CCP.
Assim, cabe perguntar se, para a apresentação de propostas para um concurso de empreitada de obras públicas, é suficiente o prazo de cinco dias, tal como foi estabelecido no caso em apreço.
É que será questionável se o referido prazo de cinco dias permite a elaboração completa, fundamentada e consistente de propostas para a realização da obra posta a concurso.
Além disso, também se pode questionar se aquele prazo de cinco dias permite o acesso, ao concurso, do mais vasto leque possível de concorrentes e, com isso, a observância dos princípios da igualdade e da concorrência estabelecidos no artigo 1º, nº4, do CCP.
Para estas questões, a resposta não pode deixar de ser negativa.
Efectivamente, importa recordar que, como se assinalou atrás, o artigo 135º, nº1, do CCP estabelece que o prazo mínimo para a apresentação de propostas, no caso de se tratar de um procedimento tendente à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas, é de 20 dias, a contar do envio, para publicação, do respectivo anúncio de abertura.
Só em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos é que a lei consente que tal prazo mínimo pode ser diminuído, e, ainda assim, não pode ser inferior a 9 dias.
Ora, tratando-se, no caso em apreço, de uma obra consubstanciada na reabilitação e reforço da estrutura da "Ponte Metálica de Praia do Ribatejo sobre o Rio Tejo ", e tendo presente o valor do contrato aqui em causa, bem como o longo prazo de execução da dita obra (540 dias), não poderá, de modo algum, dizer-se que se está perante trabalhos com manifesta simplicidade.
Mas, ainda que assim fosse, o certo é que o prazo para a apresentação das propostas, que foi fixado, é inferior, até, ao prazo mínimo de 9 dias, definido legalmente para a apresentação de propostas relativas a uma obra que tenha essa natureza!
Reconhecendo-se, porém, à entidade adjudicante, alguma margem de liberdade na fixação do prazo de apresentação de propostas, pelos operadores económicos que desenvolvem a sua actividade no mercado, tal liberdade está, todavia, limitada pela observância dos princípios da proporcionalidade e da concorrência, devendo ser utilizada de modo a assegurar e respeitar estes princípios.
É que, como acentuou o Acórdão de 25 de Março de 2010, do Tribunal Central Administrativo Norte (8), na concretização dos princípios da proporcionalidade e da concorrência, devem ainda ser observados os deveres de prossecução do normal funcionamento do mercado e da protecção subjectiva dos potenciais concorrentes, por forma a assegurar o mais amplo acesso aos procedimentos, por parte dos interessados em contratar.
Por outro lado, importa reter que o prazo para apresentação de propostas é uma matéria a que a Directiva nº 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, dá especial relevo.
Na verdade, o artigo 38º, nº1, desta Directiva, determina que as entidades adjudicantes, ao fixarem os prazos de recepção das propostas e dos pedidos de participação, deverão ter em conta, especialmente, a complexidade do contrato e o tempo necessário à elaboração das propostas. A este propósito deve, também lembrar-se que o nº4, do mesmo artigo 38º, estabelece que no caso de as entidades adjudicantes terem publicado um anúncio de pré-informação, o prazo mínimo para a recepção das propostas pode ser reduzido, mas nunca para menos de 22 dias.
Aliás, há que salientar que o recentemente publicado decreto-lei de execução orçamental para 2011 - o DL nº 29-A/2011 de 1 de Março - continuando, embora, a permitir a adopção do procedimento de concurso público urgente, na celebração de contratos de empreitada, verificados que sejam os pressupostos que já eram exigidos pelo nº2, do artigo 52º do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho, - o que, como se disse acima, não é uma solução compatível com o formalismo e a disciplina dos contratos de empreitada de obras públicos, previstos no CCP - estabelece, no seu artigo 35º, nº6, que a tal procedimento é aplicável o prazo mínimo de 15 dias para apresentação de propostas.
A celeridade é um elemento essencial de um Estado de Direito.
Porém, como resulta da lição de MARTIN BULLINGER (9), a necessidade de celeridade, pode, também, ser olhada como um perigo para este mesmo Estado de Direito, já que pode conduzir a uma consideração da factualidade e da situação jurídica, sem a profundidade exigida para uma correcta aplicação da lei, e, dizemos nós, ao atropelo de princípios fundamentais que a lei - e as Directivas Comunitárias - entenderam salvaguardar sem tibiezas.

6. Nesta conformidade, resulta de todo o exposto que, no caso em apreço, foi utilizado um procedimento que não garante, para além do princípio da proporcionalidade, o respeito pelos princípios da legalidade, da concorrência e da igualdade previstos no artigo 1º, nº4, do Código dos Contratos Públicos.
A ilegalidade verificada, sendo susceptível de restringir o universo de potenciais concorrentes, é do mesmo modo susceptível de alterar o resultado financeiro do contrato.
Assim, enquadra-se tal ilegalidade no disposto no artigo 44º, nº3, al. c) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, quando este prevê a existência de uma "ilegalidade que ... possa alterar o respectivo resultado financeiro".
Ora, quando a lei - referindo-se a um acto, ou contrato ou outro instrumento gerador de despesa ou representativo de responsabilidades - alude a uma "ilegalidade que possa alterar o respectivo resultado financeiro", pretende significar, como é jurisprudência pacífica e reiterada deste Tribunal, que basta o simples perigo ou risco de que, da ilegalidade cometida, possa resultar a alteração do correspondente resultado financeiro.
Por isso é que tal ilegalidade é fundamento de recusa de visto, como estabelece a alínea c), do nº 3, do artigo 44º, da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto. 

IV - DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em subsecção, em recusar o visto ao presente contrato.
São devidos emolumentos (artigo 5º, nº3 do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas anexo ao DL nº 66/96 de 31 de Maio).
Lisboa, 15 de Março de 2011.

Os Juízes Conselheiros - (António M. Santos Soares, relator) - (João Figueiredo) - (Alberto Fernandes Brás) 

Fui presente

O Procurador-Geral Adjunto - (Jorge Leal)


(1) Diploma que estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2010 e que, entretanto, foi objecto das alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 50/2010 de 7 de Dezembro.
(2) De preenchimento obrigatório.
(3) Também de preenchimento obrigatório.
(4) Obviamente que no tipo de contrato não se inclui o de empreitada de obras públicas pelas razões supra referidas: não se previa a adopção de um concurso público urgente para a formação de um contrato de empreitada e porque o artigo 155º do CCP apenas o previa para a celebração de um contrato de locação, ou de aquisição de bens móveis, ou de aquisição de serviços.
(5) Vide o "Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado", 3ª edição, Almedina, 1996, pág. 639, em anotação ao artigo 135º.
(6) Vide o "Código dos Contratos Públicos, Anotado e Comentado", 2008, ed. Almedina, pág.484.
(7) Veja-se, neste sentido, FREITAS DO AMARAL e MARIA DA GLÓRIA GARCIA, in "O Estado de Necessidade e a Urgência em Direito Administrativo", ROA, 59º, II, pág.515.
(8) In Proc. nº 1257/09.7BEPRT, pesquisado em www.dgsi.pt
(9) In "Procedimiento Administrativo al ritmo de la economia y la sociedad", R.E.D.A. , nº 69, 1991, pág. 8, citado no "Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado" de J. M. SANTOS BOTELHO, A. PIRES ESTEVES e J. CÂNDIDO DE PINHO, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 1996, pág. 245.