Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 7 de Julho de 2011 (proc. 7798/11)

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Sumário:

I - Contemplando o Anexo B2 o quadro a preencher com uma coluna destinada a indicar os encargos sociais, que se subdivide em outras três, para indicar os descontos para a segurança social, acidentes de trabalho e medicina de trabalho, não deve ser preenchida apenas com os encargos sociais suportados pelo pagamento dos vencimentos, devendo compreender também os montantes dos encargos sociais a suportar por via do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, o que a Gertal, S.A., não observou, ao contrário da A. aqui Recorrente;
II - Ora, tais montantes também concorreram para a formação do preço, tratando-se de aplicar taxas que estão previstas na lei (as resultantes da aplicação dos arts. 1º, e 2º do Decreto Regulamentar nº 12/83), sendo certo que a não consideração de tais encargos viola o ponto 8.2 do Programa do Concurso, já que o valor da matéria prima alimentar não poderá ser inferior a 50% do preço unitário da refeição;
III - Assim sendo, a proposta da concorrente Gertal deveria ter sido excluída, por revelar "que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados (...)" e "que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis" (cfr. art. 70, nº 2, als. b) e f) do CCP);
IV - E o facto do critério de adjudicação ser o do mais baixo preço não permite que se posterguem as normas estabelecidas no programa do concurso e caderno de encargos ou as vinculações legais ou regulamentares aplicáveis, sendo o respeito de tais normas absolutamente essenciais para prossecução do interesse público, pelo que a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento na aplicação das peças concursais, nem dos arts. 236º do C. Civil, 4º e 5º do CPA e 73º e 74º do CCP;
V - Porque na presente data, o contrato, que respeita ao ano lectivo de 2010/2011, já estará integralmente cumprido tornou-se supervenientemente impossível condenar o Município a adjudicar o concurso à Uniself, pelo que reconhecendo-se ao autor o direito a ser indemnizado, deve ser dado cumprimento ao disposto no art. 102º, nº 5 do CPTA.

 

Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

Vem interposto recurso da sentença do TAF de Almada que anulou o acto de adjudicação, datado de 20.08.2010, e o contrato que se lhe seguiu, referente ao concurso público aberto pelo Município Recorrente para fornecimento de refeições transportadas para várias escolas do ensino básico e jardins de infância do Concelho de Palmela, publicado no DR, II Série, de 22.06.2010.

Em alegações o Município de Palmela formula as seguintes conclusões:

a) Tendo a douta sentença sob recurso julgado improcedente os pedidos formulados pela A. de exclusão das propostas das demais concorrentes e de condenação do R. a adjudicar-lhe o fornecimento posto a concurso, desatendendo ainda duas das ordens de fundamentos invocados pela A., o presente recurso cinge-se a saber se, no preenchimento do Anexo B2, para determinação da incidência dos encargos com o pessoal no preço unitário da refeição, os concorrentes deviam ter tomado em conta, como o fez a A.,

d) Assim, a douta decisão recorrida, ao considerar que, no Anexo B2, os concorrentes deveriam também ter em conta os custos sociais incidentes sobre os subsídios de férias e Natal - embora não esclarecendo se o deviam fazer acrescentando o respectivo valor ao montante dos subsídios ou se acrescentando os respectivos encargos nas colunas dos encargos com os vencimentos - fez uma errada interpretação do Anexo B2, viciando o disposto no art° 236° do Código Civil.

e) A interpretação, que o júri e as demais concorrentes deram ao modo de preenchimento do Anexo B2, em nada colide com o facto, inquestionável, de, sobre os subsídios de férias e Natal, incidirem também, por força da lei, encargos sociais em medida idêntica àquela em que incidem sobre as demais remunerações.

f) Sendo óbvio que, o facto de estarem ou não inseridos, no Anexo B2, os encargos sociais relativamente aos subsídios de férias e Natal, em nada prejudica a sã concorrência, já que, estando em causa o critério de adjudicação pelo preço mais baixo, seja qual for a estrutura de custos que cada um dos concorrentes tenha conjecturado, para definir o seu preço, todos eles se terão de submeter às mesmas condições legais do exercício da actividade, todos eles terão de cumprir as exigências impostas pelo programa de concurso e pelo caderno de encargos e todos eles terão, a ser-lhes adjudicado o fornecimento, de garantir o preço oferecido, encontrando-se, assim, todos, em termos concorrenciais, em plena situação de igualdade.

g) Assim, ainda que se entendesse, no que se não concede, não ser correcta a interpretação dada pelo júri e pelas concorrentes, relativamente às exigências de preenchimento do Anexo B2, tal não colidiria com as exigências de sã e transparente concorrência, que continuavam a estar garantidas, pelo que não haveria razão para anular, conforme foi decidido, o acto de adjudicação por pretensa lesão da igualdade entre os concorrentes.

h) Aliás, a determinação da incidência dos encargos com o pessoal no preço unitário não tem em vista a avaliação de qualquer aspecto substancial da proposta com reflexo na concorrência entre as partes, pois o que prevalece, para além das exigências qualitativas e de idoneidade dos concorrentes, é o preço unitário proposto - já que o critério da adjudicação é o preço mais baixo - independentemente da forma como cada um dos concorrentes o formou.

i) O único interesse que se pode atribuir à exigência de explicitação da incidência dos encargos com o pessoal no preço unitário de refeição, é possibilitar alguma avaliação da credibilidade do preço apresentado e garantir que o mesmo não é obtido à custa do sacrifício de componentes da estrutura de custos fundamentais para a qualidade do serviço a fornecer, nomeadamente os inerentes ao custo das matérias primas alimentares.

j) E, daí, a exigência do programa de concurso de que o valor do custo das matérias-primas alimentares, não possa representar menos de 50% do preço unitário da refeição.

k) Assim, a ponderação da incidência dos encargos com o pessoal no preço, tal como uma eventual subavaliação de valores de quaisquer outros custos de produção, poderia servir apenas para descredibilizar e tirar seriedade à proposta de preço oferecida, nomeadamente, para efeitos do disposto no artº 71º do C.P.P.. l) No presente caso, desde logo pelo facto dos encargos acrescidos com o pessoal, derivados das taxas sociais incidentes sobre os subsídios de férias e Natal, serem de natureza praticamente residual, a sua não ponderação seria insusceptível de pôr em crise a credibilidade e correcção do preço proposto o que, aliás, nem sequer é invocado pela A..

m) O único argumento que poderia sustentar uma possível colisão com as exigências de concorrência, resultava da ponderação do facto da adjudicatária, tal como a outra concorrente, não tendo considerado, por assim terem interpretado as exigências do programa de concurso, na estrutura de custos inserida no Anexo B2, os encargos sociais relativos aos subsídios de férias e Natal, caso tivessem considerado esses custos, para respeitar a relação de 50% atrás referida, teriam de apresentar um preço mais elevado do que aquele que propuseram, enquanto a A., se não tivesse considerado tais encargos, poderia, correspondentemente, ter apresentado um preço mais baixo do que aquele que propôs.

n) Ora, caso se entendesse, no que se não concede, que nos encargos com o pessoal, para efeitos de determinação da incidência dos mesmos no preço unitário, deveriam ter sido incluídos encargos sociais sobre os subsídios de Natal e férias, tal implicaria, a serem boas, o que se dá de barato, as contas apresentadas pela A., uma diferença no custo unitário da refeição de 0,0206

o) O que, para que o preço unitário ficasse em conformidade com a referida relação de 50%, referida no caderno de encargos, imporia o aumento do preço proposto pela adjudicatária em 0,0412 €.

p) No entanto, mesmo que fosse aumentado em 0,0412 € o preço proposto pela adjudicatária, ainda assim o preço oferecido seria substancialmente inferior àquele que a A. propôs.

q) E, por outro lado, se a A. tivesse omitido os encargos sociais relativos aos subsídios de férias e Natal, poderia, consequentemente, propor um preço mais baixo, deduzindo o dobro do valor de tais encargos ao preço proposto da refeição, mantendo sempre a relação de 50% atrás referida, ainda assim o preço unitário ficaria muito além do preço oferecido pela empresa a quem foi adjudicado o fornecimento.

r) Desse modo, as exigências de sã concorrência, o que não poderão permitir, de maneira nenhuma, é o aproveitamento de um aspecto eventualmente dúbio do programa de concurso, através de uma hábil mas duvidosa interpretação formalista do mesmo, para, numa distorção da concorrência e competição entre os concorrentes, permitir colher uma proposta que, concorrencialmente, era aquela que pior preço oferecia.

s) E, também as exigências de defesa do interesse público, que terão de presidir a qualquer decisão da Administração, sairiam fortemente ofendidas, caso, por um aspecto meramente formal, se seleccionasse como vencedora de um concurso, em que o factor de adjudicação é exclusivamente o preço mais baixo, uma proposta com o preço 46% mais caro do que a proposta de um outro concorrente, sem que nada, em termos concorrenciais, possa pôr em causa a proposta mais barata.

t) Assim, a douta decisão recorrida, ao anular a correcta adjudicação do fornecimento à empresa que propôs o preço mais baixo, fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos art°s 4° e 5° do C.P.A. e dos art°s 73° e 74° do Código dos Contratos Públicos.

u) A douta sentença recorrida, ao contrário do decidido, deveria ter-se pronunciado pela plena legalidade do acto de adjudicação do fornecimento e do contrato celebrado no seu seguimento, tendo feito uma incorrecta interpretação e aplicação, quer do programa de concurso quer do disposto nos art°s 236° do C. Civil, 4° e 5° do C.P.A. e 73° e 74° do Código dos Contratos Públicos.

A Recorrente A..., SA nas suas alegações formula as seguintes conclusões:

A. Se à data da prolação da decisão no presente processo ainda não tiver sido corrigido, deverá, corrigir-se um lapso da sentença recorrida e acrescentar no segmento decisório uma referência à exclusão da proposta do concorrente B....

B. Andou bem o Tribunal a quo ao excluir a proposta da B... por conter uma assinatura desacompanhada da qualidade daquele que assinou.

C. O Tribunal não apreciou a ilegalidade do acto de adjudicação por não ter: excluído as propostas dos restantes concorrentes, como lhe era legalmente imposto.

D. A apreciação das ilegalidades do acto de adjudicação conduziria inelutavelmente à condenação do Réu a excluir as propostas apresentadas pelos outros concorrentes (C...e B...) e a adjudicar à A... o fornecimento objecto do referido concurso público, o que desde já se impetra.

E. Apenas o reconhecimento pelo presente Tribunal de recurso dessas causas de invalidade do acto de adjudicação poderá impedir ou limitar a possibilidade de renovação do acto anulado.

F. A sentença recorrida não pode, manter-se, devendo ser revogada e substituída por uma decisão que dê como provados os factos constantes dos arts. 96.º a 98.°, 103.° e 104.º 106.°,110.° a 112.°, 126.°, 127.°, 131.°, 134.º, 136.º a 139.º.

G. Os arts. 1.° e 2.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12 de Fevereiro prevêem que os subsídios de férias e de natal deverão incluir necessária e impreterivelmente os encargos para a segurança social.

H. Independentemente dos documentos de um concurso terem ou não previsto um ponto ou local específico para serem calculados os montantes de encargos sociais que recaem sobre os subsídios de férias e natal, aqueles têm necessariamente de ser contabilizados e tidos em conta.

I. Fazendo uma interpretação das peças do procedimento em conformidade com o Decreto Regulamentar n.º 12/83, o único local onde se poderiam contabilizar os encargos sociais relativos aos subsídios seria a coluna ''subsídio de férias e natal".

J. As propostas das contra-interessadas C...e B... violam os arts. 1.º e 2.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83 e devem ser excluídas.

K. Sabendo que o contrato a celebrar implicaria a violação de vinculações legais ou regulamentares, as propostas da C...e da B... deveriam ter sido excluídas ao abrigo das als. b) e f) do n.º 2 do art. 70.º do CCP, constituindo, além do mais, propostas que os concorrentes sabem à partida que não conseguirão cumprir.

L. Não o tendo sido, o acto de adjudicação no âmbito do referido concurso foi, por isso manifestamente ilegal, e, consequentemente, o contrato também será anulável, nos termos do n.º 2 do art. 283.º e o n.º 1 do art. 284.º, ambos do CCP.

M. Defender após a adjudicação que o programa de concurso deveria ter incluído uma coluna para determinação do valor dos encargos sociais, relativos a subsídio de férias e Natal implica modificar as peças do procedimento (ou querer interpretar as peças do procedimento de forma a ter esse resultado);

N. Acrescente-se ainda outro fundamento de exclusão. Foi intenção clara da entidade adjudicante estabelecer o preço unitário de cada refeição deveria corresponder, no mínimo, em 50% a matéria-prima alimentar.

O. Tal limite visa avaliar a credibilidade do preço apresentado e garantir que o mesmo não é obtido à custa do sacrifício de componentes da estrutura de custos fundamentais para a qualidade do serviço, nomeadamente os inerentes ao custo das matérias-primas alimentares.

P. Ultrapassada a referida percentagem, nem que seja por 0,01% as propostas teriam necessariamente de ser excluídas.

Em contra-alegações - fls. 510 a 525 - o Município de Palmela defende que a não ser dado provimento ao recurso que interpôs, deverá ser julgado improcedente o recurso da A..., SA, com confirmação da sentença recorrida.

Em contra-alegações - fls. 482 a 507 - a A..., SA defende que o recurso do Recorrente Município deve ser julgado improcedente, sendo este condenado a excluir as propostas dos restantes concorrentes e a adjudicar o concurso à A....

Foi dado cumprimento ao art. 146º, nº 1 do CPTA.

Sem vistos, vem o processo à conferência.
  

Os Factos

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

a) O Município de Palmela abriu concurso para o fornecimento de refeições nos estabelecimentos de educação e ensino do 1.º ciclo do ensino básico e educação pré-escolar da rede pública, para o ano lectivo 2010/2011, em que o critério de adjudicação "....é exclusivamente o do mais baixo preço, aplicado ao preço global (Anexo B1 deste Programa)" - cfr. art.º 14 do Programa do Concurso;

b) Estabelece-se no ponto 6.5 do Programa de Concurso que "a proposta deve mencionar expressamente que ao preço acresce o IVA, indicando o respectivo valor e a taxa legal aplicável" - cfr. doc. de fls. 46;

c) Estabelece-se no ponto 8.2 Programa de Concurso:

"(...) Na proposta o concorrente terá que apresentar os seguintes modelos, devidamente preenchidos: Anexo B1 do Programa, em que o valor da matéria-prima alimentar não poderá ser inferior a 50% do preço unitário da refeição; Anexo B2 do Programa; (...)" - cfr. P.A.;

d) O "Anexo B1", que faz parte do Programa de Concurso, destina-se a indicar o preço global e a decomposição do preço unitário das refeições confeccionadas no local, bem assim como das refeições transportadas a quente, exigindo-se ainda que se indique o IVA à taxa legal em vigor -Cfr. P.A.;

e) O Anexo B2, é composto pelo seguinte quadro:

INCIDÊNCIA DOS ENCARGOS COM PESSOAL NO PREÇO UNITÁRIO

  

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Cfr. P.A.;

f) Estatui o ponto 12.1 das cláusulas técnicas do Caderno de Encargos, que "os concorrentes deverão indicar o número, as categorias profissionais e carga horária mensal dos trabalhadores a afectar à prestação de serviços segundo a "ratio" de pessoal/refeições, relativos aos escalões a seguir discriminados (considera-se pessoal em regime de tempo completo, com um horário de 35 horas semanais)..."- cfr. doc. de fls. 111;

g) A B..., S.A., não indicou o preço no "formulário principal propostas" que apresentou a submissão na plataforma electrónica, em 06/08/2010 -cfr. doc. n.º 7 junto com a P.I.;

h) No Anexo B1 da proposta da B..., S.A., declarou-se que "à quantia supra acrescerá o IVA à taxa legal em vigor (13%) - fls. 148 dos autos;

i) O Anexo B1 da proposta da B..., S.A., encontra-se assinado, sem que tenha sido aposto "carimbo", nem conste a indicação da qualidade daquele que ali apôs a sua assinatura - cfr. doc. de fls. 149;

j) O Anexo B1 apresentado pela Gertal, S.A., foi acompanhado de procuração que atribui poderes de representação a Rodolfo Marques de Vicente Ferreira para representar aquela sociedade no procedimento e encontra-se assinado por procurador a seguir à indicação da denominação social da referida sociedade, nos seguintes termos:

Pela GERTAI.

Rudolfo Marques de Vicente Ferreira

í Procurador)

Cfr. doc. de fls. 215 e doc. de fls. 217,

k) A B..., S.A. apresentou o Anexo B2, com o seguinte teor:
(...) - Dá-se aqui por integralmente reproduzido o Anexo B2 - Modelo de Proposta - Incidência dos Encargos com Pessoal no Preço Unitário respeitante à concorrente B..., SA e constante na sentença recorrida a fls. 402 dos autos (fls. 4 da sentença)

cfr. PA.;

I) A Gertal, S.A., apresentou os seguintes valores no Anexo B2:
(...) - Dá-se aqui por integralmente reproduzido o Anexo B2 - Modelo de Proposta - Incidência dos encargos com Pessoal no Preço Unitário respeitante à concorrente Gertal, SA e constante na sentença recorrida a fls. 403 dos autos (fls. 5 da sentença)

Cfr. P.A.;

m) A A..., S.A., incluiu os encargos sociais relativos aos subsídios de férias e de Natal na coluna "subsídio de férias e Natal" do Anexo B2 - acordo.

n) O Júri avaliou e ordenou as propostas nos seguintes termos:
Nome do concorrente Preço global Classificação

C...- Companhia Geral de Restauração e Alimentação, SA. € 507990,40 1.º Lugar

B... INDUSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO, SA € 728407,79 2.º Lugar

A... - Gestão e Exploração de Restaurantes Públicos e Privados, SA € 741 770,37 3.° Lugar

Cfr. doc. de fls. 39;

o) O prazo para apresentação das respostas em sede de audiência prévia, sobre o projecto de ordenação das propostas, correu entre o dia 12/08/2010 e as 17.00 horas do dia 18/08/2010 - cfr. doc. de fls. 41;

p) A A..., S.A., serviu-se da plataforma electrónica para proceder à entrega da resposta a apresentar em sede de audiência prévia - cfr. doc. n.º 5, junto com a P.I;

q)
A "data de envio" da resposta é de "18/08/2010, às 18.58" horas - cfr. doc. n.° 5, junto com a P.I.;

r) O Júri do concurso juntou ao procedimento uma declaração emitida pela entidade gestora do sistema electrónico em que consta que "a data de criação da referida notificação enviada pela A..., tal como é visível na plataforma ocorreu às 16.58 do dia 18/08/2010 (...) "a mesma notificação foi finalizada com o seu envio às 17.02 do mesmo dia..." - cfr. doc. de fls. 41;

s) Em 20/08/2010, foi adjudicada a proposta apresentada pela Gertal, S.A. -cfr. doc. n.° 1, apresentado com a P.I;

t) O contrato para fornecimento das refeições encontra-se a ser cumprido pela Gertal, S.A. - acordo.
  

O Direito

A sentença recorrida anulou o acto de adjudicação, datado de 20.08.2010, e o contrato que se lhe seguiu, referente ao concurso público aberto pelo Município Recorrente para fornecimento de refeições transportadas para várias escolas do ensino básico e jardins de infância do Concelho de Palmela, publicado no DR, II Série, de 22.06.2010.

1 - Questão Prévia

A Recorrente A... apresentou a fls. 433 um requerimento pedindo que, ao abrigo do art. 667º do CPC aplicável ex vi do art. 1º do CPTA, se corrigisse o lapso manifesto de não constar na "Decisão" da sentença a matéria referente à exclusão da concorrente B....

Tal lapso não foi corrigido na 1ª instância, sendo certo que, de acordo com o nº 2, 2ª parte do referido art. 667º, a parte pode alegar perante o tribunal superior o que entenda "de seu direito no tocante à rectificação".

Ora, apesar da sentença recorrida no segmento "Decisão" apenas ter referido que:
"Pelo exposto, anula-se o acto de adjudicação e o contrato que se lhe seguiu, devendo o procedimento ser retomado a partir da fase de avaliação das propostas.", o certo é que na mesma, no segmento "Da assinatura das propostas" se considerou ser de excluir a proposta da B..., SA.

Efectivamente, em tal segmento escreveu-se, nomeadamente, o seguinte:

"No caso da proposta apresentada pela B..., SA verifica-se que o Anexo B1, em que indica o preço por que se propõe fornecer o serviço, contém uma assinatura desacompanhada da qualidade daquele que assinou. Do teor desse Anexo também não resulta tal informação, pelo que essa proposta não vincula a B..., S.A., devendo, por isso, ser excluída - art.º 146.º, n.º 2, al. e) e art.º 57.º, n.º 4, ambos do CCP -, o que prejudica o conhecimento dos demais vícios que são imputados à proposta apresentada pela B...,S.A.."
Face ao assim decidido, que não é posto em causa no recurso do Município, deve considerar-se que a decisão de exclusão da B..., SA transitou em julgado, sendo certo que nessa parte a Recorrente A... não tem legitimidade para recorrer por não ter ficado vencida (cfr. arts. 673º e 680º, nº 1, ambos do CPC), tanto mais que requereu (e obteve) a decisão de exclusão daquela concorrente.

Assim sendo, o objecto do presente recurso circunscreve-se ao erro de julgamento apontado à sentença recorrida ao decidir anular o concurso face à errada quantificação dos encargos sociais, estando apenas em apreciação se tal erro procede em relação à análise que efectuou da proposta da concorrente C...- a adjudicatária do concurso -, visto que, face à exclusão da concorrente B..., SA, apenas restam as concorrentes Gertal, SA e A..., SA.

2 - Da Matéria de Facto

Alega a recorrente A... que devem ser dados como provados os factos constantes dos arts. 96.º a 98.º, 103.º e 104.º 106.º,110.º a 112.º, 126.º, 127.º, 131.º, 134.º, 136.º a 139.º.

Não lhe assiste razão.

Efectivamente, os factos constantes nos arts. 96º e 110º da petição inicial, respeitantes às propostas, respectivamente, da B..., SA e da Gertal, SA, Anexo B2 - Modelo de Proposta - Incidência dos Encargos com Pessoal no Preço Unitário respeitante à concorrente B..., SA, constam das alíneas k) e i) dos factos provados.
Quanto à matéria dos arts. 97º, 98º, 103º, 104º e 106º (no que respeita à B...) e 111º, 112º, 126º, 127º, 131º, 134º e 136.º a 139º (no que respeita à Gertal) não é constituída por factos, mas por matéria conclusiva ou de direito, que deverá ser retirada das propostas daquelas concorrentes tal como constam do probatório.
Improcede, consequentemente, a conclusão F do recurso da A....

3 - Do Erro de Julgamento

O Recorrente Município alega que a sentença recorrida, ao contrário do decidido, deveria ter-se pronunciado pela plena legalidade do acto de adjudicação do fornecimento e do contrato celebrado no seu seguimento, tendo feito uma incorrecta interpretação e aplicação, quer do programa de concurso quer do disposto nos artºs 236º do C. Civil, 4º e 5º do C.P.A. e 73º e 74º do Código dos Contratos Públicos.

A Recorrente A... alega que o contrato a celebrar implicaria a violação de vinculações legais ou regulamentares, devendo as propostas da C...e da B... ter sido excluídas ao abrigo das als. b) e f) do n.º 2 do art. 70.º do CCP, , e que, não o tendo sido, o acto de adjudicação no âmbito do referido concurso foi, por isso manifestamente ilegal, e, consequentemente, o contrato também será anulável, nos termos do n.º 2 do art. 283.º e o n.º 1 do art. 284.º, ambos do CCP.

Vejamos.

A única questão a decidir no presente recurso é a de saber se a adjudicatária C...(como já se disse a concorrente B... está excluída do concurso face ao teor da sentença recorrida) apresentou proposta que viola o ponto 8.2 do Programa do Concurso por não ter declarado no anexo B2 os encargos sociais a suportar com o pagamento do subsídio de Natal e do subsídio de férias (como fez a A.), conforme resulta e impõe o Decreto Regulamentar nº 12/83, de 12/2, sendo que se tais encargos tivessem sido declarados o peso do valor da matéria prima alimentar passaria a ser inferior a 50% do preço unitário da refeição (em violação daquele ponto 8.2).

Sobre esta matéria pronunciou-se a sentença recorrida nos seguintes termos:

«O Município Réu e a Contra-interessada Gertal, S.A., não negam que no preenchimento do Anexo B2 esta sociedade não tenha indicado os encargos sociais a que se encontra sujeita por força do pagamento do pagamento do subsídio de férias e de Natal. No entanto, defendem que, perante a forma como se encontra estruturado o quadro que compõe tal Anexo, só há que declarar os encargos sociais suportados com os vencimentos e que, por existir uma coluna destinada à indicação dos subsídios de férias e Natal, que não é seguida de nova coluna para indicar os correspondentes encargos sociais, contrariamente ao que sucede com a coluna dos vencimentos, não haveria que mencionar os encargos sociais a suportar com aludidos subsídios.

Não nos parece que assista razão ao Município ou à Contra-interessada.

Conforme resulta do teor do Anexo B 2 [alínea e) do probatório], o quadro a preencher contempla uma coluna destinada a indicar os encargos sociais, que se subdivide em outras três, para indicar os descontos para a segurança social, acidentes de trabalho e medicina de trabalho. A coluna destinada a indicar tais encargos, não constitui uma subcoluna daquela que se destina a mencionar os montantes suportados a título de vencimentos, pelo que não deve ser preenchida apenas com os encargos sociais suportados pelo pagamento dos vencimentos.

Deve compreender também os montantes dos encargos sociais a suportar por via do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, coisa que nem a Gertal, S.A., nem a A. observaram, apesar desta dizer ter somado o montante dos encargos sociais a suportar com os subsídios de férias e de Natal, na própria coluna destinada a indicar os montantes desses subsídios.

Por força do ponto 8.2 Programa de Concurso, o valor da matéria prima alimentar não poderá ser inferior a 50% do preço unitário da refeição. Diz o Município, que tal informação visa avaliar a credibilidade do preço apresentado e garantir que o mesmo não é obtido à custa do sacrifício de componentes da estrutura de custos fundamentais para a qualidade do serviço, nomeadamente os inerentes ao custo das matérias primas alimentares. No entanto trata-se de uma condição que as propostas deveriam observar e para aferir de tal relação, o Júri deveria obrigatoriamente de ter considerado os encargos sociais que decorrem do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, pois também concorreram para a formação do preço. Acresce que tal cálculo estava ao seu alcance.

Trata-se de aplicar taxas que estão previstas na lei. A isso o obrigava não só o ponto 8.2 Programa de Concurso, como também os princípios da legalidade e da concorrência, os quais saem violados por não se terem considerado os encargos sociais decorrentes do pagamento dos subsídios de férias e de Natal na análise e graduação das propostas, o que é causa de anulação do acto de adjudicação e, consequentemente, do contrato de fornecimento que se lhe seguiu - art.º 283.º, n.º 2 do CCP. Deve, assim, o procedimento ser retomado a partir da fase de avaliação das propostas, com observância do aqui decidido, o que importa a improcedência dos demais pedidos formulados pela A..
 

Decisão
Pelo exposto, anula-se o acto de adjudicação e o contrato que se lhe seguiu, devendo o procedimento ser retomado a partir da fase de avaliação das propostas.»

Os fundamentos indicados na sentença (e que acabaram de se transcrever) para concluir ser de anular o acto de adjudicação não merecem censura.

De facto, no Anexo B2 o quadro a preencher contempla uma coluna destinada a indicar os encargos sociais, que se subdivide em outras três, para indicar os descontos para a segurança social, acidentes de trabalho e medicina de trabalho, não devendo ser preenchida apenas com os encargos sociais suportados pelo pagamento dos vencimentos.

Deve compreender também os montantes dos encargos sociais a suportar por via do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, o que a Gertal, S.A., não observou, ao contrário da A. aqui Recorrente (cfr. al. m) do FP).

Ora, tais montantes também concorreram para a formação do preço, tratando-se de aplicar taxas que estão previstas na lei (as resultantes da aplicação dos arts. 1º, e 2º do Decreto Regulamentar nº 12/83), sendo certo que a não consideração de tais encargos viola o ponto 8.2 do Programa do Concurso, já que o valor da matéria prima alimentar não poderá ser inferior a 50% do preço unitário da refeição.
Assim sendo, a proposta da concorrente C...deveria ter sido excluída, por revelar "que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados (...)" e "que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis" (cfr. art. 70, nº 2, als. b) e f) do CCP).

E o facto do critério de adjudicação ser o do mais baixo preço não permite que se posterguem as normas estabelecidas no programa do concurso e caderno de encargos ou as vinculações legais ou regulamentares aplicáveis, sendo o respeito de tais normas absolutamente essenciais para prossecução do interesse público, pelo que a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento na aplicação das peças concursais, nem dos arts. 236º do C. Civil, 4º e 5º do CPA e 73º e 74º do CCP.

Improcedem, consequentemente, as conclusões do Recorrente Município.

Quanto às conclusões da Recorrente A... procedem no que respeita à concorrente C...(sendo que quanto à outra concorrente se tem por excluída do concurso nos termos supra referidos), sendo de anular o acto de adjudicação e o contrato de fornecimento que se lhe seguiu (cfr. arts. 283º, nº 2 e 284º, nº 1 do CCP).
No entanto, e porque na presente data, o contrato, que respeita ao ano lectivo de 2010/2011, já estará integralmente cumprido tornou-se supervenientemente impossível condenar o Município a adjudicar o concurso à A....

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso do Município de Palmela e, tendo em atenção a impossibilidade absoluta de adjudicação do contrato, e reconhecendo-se ao autor o direito a ser indemnizado, em determinar a baixa à 1ª instância para aí ser dado cumprimento ao disposto no art. 102º, nº 5 do CPTA.

Custas pelo Recorrente Município.

Lisboa, 7 de Julho de 2011

TERESA DE SOUSA

PAULO CARVALHO

CARLOS ARAUJO