Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26 de janeiro de 2012 (proc. 8164/11)

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Sumário:

I- No âmbito de um concurso para celebração de um contrato público de aprovisionamento, a apresentação das propostas pelos concorrentes exige uma efectiva assinatura electrónica das mesmas.
II- Caso o envio completo não esteja bem sucedido, considera-se não ter havido qualquer apresentação de proposta, devendo o interessado ser imediatamente notificado desse facto (cfr. artigo 14º do Dec.-Lei nº 143-A/2008, de 25 de Julho.
III- A apresentação de uma assinatura electrónica indevida não constitui formalidade essencial do procedimento, mas antes mera irregularidade.
IV- Se o interessado apresentar outro tipo de assinatura electrónica que não a exigida, deve ser notificado para suprir a irregularidade cometida, e não excluído do procedimento.

 

Texto Integral:

Acordam na Secção Administrativa do TCA - Sul:

1. Relatório
B...... ............- F........., Ldª, com sede na Zona Industrial da ............, Sintra, intentou no TAF de Sintra, contra a Administração Central do Sistema de Saúde, IP, e Ministério da Saúde, acção administrativa especial de impugnação do acto de exclusão da proposta por si apresentada no âmbito do Concurso Público Internacional cujo Aviso de Concurso foi objecto de publicação no Diário da República nº........, em 19.04.2010, sendo também objecto de impugnação o acto de adjudicação que na mesma data foi praticado com base no Relatório Final.
Indicou como interessadas as seguintes empresas:
- K................. Produtos ...............;
- L............. -Laboratórios ............., SA;
-F................... K....... P.............. Portugal, Lda;
- G........ Portugal - Produtos .............................., Lda;
- B. B....................., Lda;
- O................ - Produtos .......................................;
- A. R................., Lda e
- W.............. Industrial ..............., S.A.B..
Por saneador sentença de 19.08.2011, a Mma Juíza do TAF de Sintra julgou a acção improcedente, absolvendo do pedido as Autoridade demandadas e as contra-interessadas.
Inconformada, a B............. M............- ................ Ldª interpôs recurso jurisdicional para este TCA-Sul, em cujas alegações enunciou as conclusões seguintes:
"A. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sinta, na qual se concluiu pela improcedência da acção de contencioso pré-contratual proposta e, consequentemente, pela legalidade da exclusão da Proposta apresentada pela Autora, agora, Recorrente.
B. A decisão recorrida encontra-se eivada pelo vício de erro de julgamento, na medida em que o Tribunal a quo procedeu à errada (por defeito) selecção da matéria de facto relevante para a boa decisão da causa.
C. O facto constante do artigo 9° da Petição Inicial - que a Autora submeteu a sua Proposta seguindo todos os passos constantes da plataforma electrónica e foi notificada para proceder ao envio da chave de desencriptação) deveria ter sido considerado assente, na medida em que não foi objecto de impugnação e, inclusivamente, a Autora procedeu à junção de um documento corroborante da factualidade alegada.
D. A Autora alegou, no artigo 10° da Petição Inicial, que submeteu a sua proposta às 15 horas, 10 minutos e 40 segundos, sendo certo que, caso a plataforma utilizada não tivesse gerado um recibo de correcta submissão, a Autora estaria mais do que em tempo de proceder a nova submissão (na medida em que as propostas poderiam ser submetidas até às 18.00 horas desse mesmo dia, como decorre do artigo 13° do Programa do Procedimento).
E. O facto supra referido - hora de submissão da proposta - não foi impugnado, pelo que, considerando que está em causa matéria relevante para a boa decisão da causa -verificando-se a existência de erro na plataforma utilizada pela entidade adjudicante, não é indiferente determinar se o concorrente estaria ainda em posição de submeter a sua proposta novamente, ou não - deveria o Tribunal a quo ter procedido à inserção do mesmo na lista de factos assentes.
F. A Recorrente alegou, no artigo 32° da Petição Inicial, que, imediatamente após o exercício do direito de audiência prévia pela Autora, a plataforma electrónica escolhida pela entidade adjudicante publicitou um aviso onde informava que, por um lado, os certificados gerados pela mesma não eram qualificados e, por outro lado, que deixaria de os disponibilizar.
G. Considerando que o supra referido facto não foi impugnado, tendo a Autora, inclusivamente, procedido à junção de um documento para prova do alegado, deveria o Tribunal a quo ter incluído o mesmo na lista de factos assentes.
H. O facto constante do artigo 42° da Petição Inicial - a assinatura utilizada (gerada pela própria plataforma), sendo uma assinatura electrónica avançada permite assegurar três funções (identificadora, finalizadora e de inalterabilidade) deveria ter sido considerado assente, porquanto, pese embora as Rés tenham alegado que as assinaturas electrónicas qualificada e avançada não são iguais (o que corresponde à verdade), em momento algum impugnaram que a assinatura utilizada pela Autora permita a realização daquelas três funções.
l. Não tendo seleccionado como matéria relevante para a decisão da causa os factos supra descritos, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento por errada selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, o qual influiu na boa decisão da causa, porquanto não permitiu a consideração de factualidade relevante para o preenchimento da solução de direito apresentada pela Autora.
J. A decisão de exclusão da proposta da aqui Recorrente é ilegal, porquanto a Proposta em causa foi submetida através da plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante, a qual gerou um recibo de correcta submissão, pelo que não poderá ser a Recorrente prejudicada por um eventual erro da referida plataforma.
K. Após a submissão da sua proposta, a Autora recebeu um aviso de recepção electrónico com a data e hora da submissão da sua Proposta, o qual comprovou o envio bem sucedido da proposta.
L. Considerando que a lei estabelece que após submissão da proposta é gerado um recibo e que a Autora recebeu o recibo de submissão foi porque o sistema considerou - bem ou mal - que a proposta da Autora havia sido bem submetida, ainda que assinada através de uma assinatura avançada e não qualificada.
M. A plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante falhou, na medida, em que admitiu uma proposta na qual havia sido aposta uma assinatura avançada e não qualificada, tendo gerado o respectivo recibo de envio bem sucedido.
N. Uma vez que a Autora não apôs a assinatura exigida, a plataforma deveria tê-la notificado de que o envio não havia sido bem sucedido e não, precisamente, do contrário.
O. Caso a Autora tivesse sido notificada pela plataforma electrónica - conforme, aliás, era suposto que sucedesse - de que tinha aposto a assinatura errada, teria, em tempo útil, sanado o seu lapso, mediante a submissão de uma nova proposta com recurso a uma assinatura electrónica qualificada, uma vez que ainda faltavam cerca de 3 horas para o prazo final de submissão de proposta e o carregamento da mesma não demoraria mais de 10 minutos.
P. A Autora confiou no recibo que a administração lhe remeteu, aferindo a correcta submissão da sua proposta, sendo certo que o referido recibo, ainda que erradamente gerado por facto exclusivamente imputável à plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante, terá que ter necessariamente, relevância jurídica.
Q. Não está em causa determinar qual o órgão competente para decidir a exclusão de propostas (até porque sobre essa matéria não há qualquer dúvida), mas sim determinar, mediante o recurso a um raciocínio necessariamente judicativo, logo teleológico e principiológico, qual a relevância jurídica de um concorrente, por erro do sistema informático escolhido pela entidade adjudicante, ter sido induzido em erro quanto à correcta submissão da sua proposta.
R. A proposta da Autora (mesmo bem submetida) poderia, sempre, ser excluída por variadíssimas razões decorrentes da sua análise e avaliação (v.g. falta de um atributo), contudo, considerando que a mesma foi considerada bem submetida, não poderia ter sido excluída por erro na submissão.
S. O júri do procedimento considerou que a proposta da Autora foi informaticamente bem submetida e, nessa consequência, incluiu a proposta da Autora na lista definitiva de propostas apresentadas, tendo determinado a sua publicação.
T. A publicação da lista definitiva de propostas implica um juízo de aceitação da mesma por parte do júri do procedimento, que tem que ser juridicamente relevante.
U. A exclusão da Proposta da Autora em momento posterior representa um caríssimo venire contra factum proprium: é absolutamente inadmissível que a proposta da Autora seja admitida e, a posteriori, o júri proceda à sua exclusão, com fundamento na omissão de formalidade essencial relativa à aceitação da mesma.
V. Considerando que a Autora (i) não recebeu qualquer notificação de que a sua proposta não havia sido bem submetida; (ii) antes pelo contrário, recebeu um recibo electrónico de envio bem sucedido; (iii) vê-se incluída na lista definitiva de concorrentes admitidos, sendo a sua proposta consultada pelos demais concorrentes, não se compreende qual o fundamento de exclusão da sua proposta, razão pela qual o acto impugnado deverá ser anulado, nos termos do artigo 135° do CPA, na medida em que violador do princípio da confiança, reconduzível ao vício de violação de lei.
W. A assinatura qualificada consubstancia um dos tipos de assinatura avançada, estando especialmente pensada para a denominada assinatura digital, isto é, assinatura que recorre a certificados digitais, com vista a potenciar a sua segurança.
X. Quer a assinatura avançada, quer a assinatura qualificada permitem assegurar o cumprimento de três funções: (i) identificadora, (ii) finalizadora e de (iii) inalterabilidade.
Y. A Autora, ao apor, na proposta apresentada, a sua assinatura avançada, não deixou de cumprir os específicos objectivos que se pretendia atingir mediante a exigência de aposição de assinatura qualificada.
Z. Ainda que a Autora tenha aposto uma assinatura avançada na proposta apresentada, a verdade é que, através dessa assinatura, ficou igualmente assegurado que o concorrente expressou a sua vontade e pretendeu vincular-se à proposta apresentada e assegurou-se, ainda, a inalterabilidade da proposta desde a sua submissão, o que, aliás, neste caso concreto, sempre estaria assegurado, na medida em que a Entidade Adjudicante solicitou que os concorrentes submetessem a sua proposta em duas plataformas diferentes (cfr. facto assente sob a alínea G)).
AA. Donde, a não aposição de assinatura qualificada é absolutamente irrelevante no âmbito do presente procedimento concursal, uma vez que os fins da mesma foram igualmente assegurados mediante a aposição, pela Recorrente, de assinatura avançada, na medida em que,
BB. Nenhuma parte duvida que a Proposta for apresentada pela ora Recorrente e por quem, nessa tinha poderes, e esse é o fito principal do formalismo de assinatura digital qualificada, facto que nunca foi posto em causa.
CC. Se não se duvida que quem apresentou a proposta foi a Recorrente e que, quem a assinou a representava validamente, de nada serve o interesse público ou a legalidade excluir a Proposta.
DD. Com efeito, os valores tutelados pela necessidade de assinatura digital qualificada foram alcançados e estão preservados, nenhuma parte - incluindo o Tribunal o discute ou duvida - e uma penalização à parte por não cumprimento de um formalismo que a lei impõe para proteger um valor que foi atingido sem ele, nenhum sentido ou razão tem, pois que se trata de uma decisão arredia de sentido, privilegiando a formalidade sobre a substancialidade e com desvio na decisão, pois que a invalidade por falta de formalismo só deve ter lugar quando o valor protegido pelo formalismo não foi conseguido ou o seu alcance se acha ameaçado ou é duvidoso.
EE. No caso dos autos, o valor protegido pelo formalismo: desde logo a autenticidade da proposta e a certeza sobre os poderes do apresentante, bem como a vontade de vinculação da entidade concorrente não são questionados, nunca foram questionados e são aceites por todas as partes, incluindo o Tribunal. O valor protegido pelo formalismo está claramente obtido e apresenta-se como inadequado e desproporcional forçar que um formalismo cujo efeito protector está assegurado possa continuar a ser fundamento para vício de forma invalidante, quando a forma a prosseguir no procedimento tutela um interesse que está garantido.
FF. Impõe-se, pois, a degradação da irregularidade em fundamento não invalidade, por o cumprimento do formalismo não ser essencial para preservação da integridade do procedimento e, ulteriormente, da validade do acto final no procedimento.
GG. Ademais, a formalidade em causa não só não se repercute, minimamente, na avaliação do mérito da proposta e na adequada tramitação do procedimento concursal, como tal formalidade foi materialmente cumprida por outra via (o recurso a uma assinatura avançada).
HH. A aplicação da teoria da degradação em formalidade não essencial a este caso concreto, não só não é violadora dos princípios da contratação pública, designadamente dos princípios da concorrência, transparência, legalidade, igualdade, imparcialidade e intangibilidade das propostas, como é reclamada pelos mesmos.
II. Nem todas as formalidades são indispensáveis à admissão e consequente avaliação das propostas apresentadas, pelo que a ausência de formalismos nem sempre terá força invalidante ou, visto de outro prisma, será susceptível de fundamentar a exclusão de uma proposta.
JJ. A não aposição de assinatura qualificada é absolutamente irrelevante no âmbito do presente procedimento concursal, uma vez que os fins da mesma foram igualmente assegurados mediante a aposição, pela Recorrente, de assinatura avançada.
KK. In casu, uma formalidade essencial degradou-se em formalidade não essencial, porquanto a aposição de assinatura avançada cumpriu inteiramente as funções (i) identificadora, (ii) finalizadora e de (iii) inalterabilidade que se pretendiam acautelar com a necessidade de a proposta ser assinada mediante a aposição de uma assinatura qualificada.
LL. Ainda que se considerasse que a aposição de assinatura qualificada constitui uma formalidade essencial, sempre se dirá que essa formalidade se degrada em formalidade não essencial, porquanto, pese embora tenha sido omitida, o resultado que com a mesma se pretendia atingir foi integralmente cumprido, pelo que deverá o acto impugnado ser anulado.
MM. Ainda que se entendesse que a aposição de assinatura qualificada consubstanciava uma formalidade essencial para o procedimento, a verdade é que, tendo em consideração a gravidade e todo o circunstancialismo do caso concreto, seria absolutamente desproporcional excluir a proposta da Autora com fundamento na não aposição de assinatura qualificada, de acordo com o disposto no n°2 do artigo 266°, da Constituição da República Portuguesa e no n°2 do artigo 5° do Código de Procedimento Administrativo.
NN. O princípio da proporcionalidade impunha que a Administração convidasse a Autora a suprir o lapso da assinatura, sendo certo que essa posterior correcção em nada interferiria com a proposta apresentada, nem beliscaria, de forma alguma, os mais basilares princípios da Contratação Pública.
OO. Considerando o princípio do "favor" do procedimento, deveria a Administração no caso de dúvida quanto à exclusão da proposta da Autora por não aposição de assinatura qualificada, ter decidido pela manutenção da sua Proposta.
PP. O acto de exclusão da proposta da Autora por omissão de uma formalidade é manifestamente ilegal, por violação do Princípio da Proporcionalidade, que se reconduz ao vício de violação de lei e gera a anulabilidade do acto, nos termos do disposto no artigo 135° do CPA."


O Ministério da Saúde contra-alegou, concluindo como segue:
"I. Todo o procedimento administrativo e técnico-científico do Concurso 2010/3, que a presente acção administrativa especial visa pôr em crise e pretende ver anulado, é da exclusiva competência da ACSS, IP, nos termos da legislação aplicável.
II. O Ministério da Saúde acompanha e louva-se nas contra-alegações de recurso jurisdicional que a Administração Central do Sistema de Saúde, IP, não deixará de apresentar, já que é esta entidade a responsável por todo o procedimento administrativo e técnico-científico que a presente acção visa pôr em crise."
Contra-alegações, igualmente, a ACSS - Administração Central do Sistema de Saúde, enunciando as seguintes conclusões:
"1ª. A sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento da matéria de facto por errada selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa porquanto o que -a Recorrente alegou nos artigos 9°, 10°, 32° e 42° da Petição Inicial não continha factos relevantes para a decisão da presente causa e, no caso do artigo 42°, nem sequer eram factos mas sim matéria de direito;
2ª. Do confronto das definições legais resulta, desde logo, que a assinatura electrónica qualificada e o certificado qualificado cumprem dois requisitos adicionais que os distinguem das meras assinaturas electrónicas (mesmo que avançadas), revestindo modalidade bastante mais exigentes: i) por um lado, o seu conteúdo integra as menções previstas no artigo 29° do Decreto-Lei n°290-D/99; ii) por outro lado, são emitidos por uma entidade certificadora que cumpre os requisitos enunciados no artigo 24° do mesmo diploma.
3.ª O artigo 11° n°5 do Programa do Procedimento estabelecia clara e expressamente que os concorrentes deveriam assinar as propostas electronicamente com um certificado digital qualificado e a alínea j) do n°1 do artigo 15° do Programa de Concurso estabelecia, também clara e expressamente, que o incumprimento dessa exigência implicava a exclusão das propostas.
4.ª Uma vez que a Autora, ora Recorrente, ao contrário das demais concorrentes, apenas assinou a sua proposta com uma assinatura electrónica avançada, facto que admite sem reservas, o Júri estava vinculado a propor e a entidade adjudicante estava vinculada a decretar a exclusão da proposta da Recorrente (MÁRIO E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, ob, cit, pp. 954 e 955), não só face ao artigo 15° do Programa de Concurso, mas também por força do artigo 146° n°2 alíneas l) e n) in fine do CCP.
5a. Nem a Recorrida nem o Júri são responsáveis pelo funcionamento da plataforma electrónica porquanto dispõe o artigo 5° n°3 da Portaria 701-G/2008 que "[a] entidade gestora da plataforma electrónica seleccionada nos termos do artigo anterior é encarregada, pelas entidades adjudicantes, da condução técnica do sistema e das aplicações informáticas necessárias ao funcionamento das formalidades electrónicas relativa aos procedimentos de formação dos contratos públicos".
6a. Ao contrário do que alega a Recorrente, independentemente da entidade a quem compete gerir a plataforma, a emissão do recibo de aceitação não significa, obviamente, que a proposta tenha sido validamente apresentada e, muito menos, que não possa ser excluída do Concurso Público.
7a. Uma plataforma só deve recusar a recepção de uma proposta quando ocorram deficiências informáticas das propostas e não quando ocorram deficiências de cariz jurídico das mesmas, caso em que "a proposta é recebida na plataforma e só depois, já no seio da fase da sua análise e avaliação, é que pode haver lugar à respectiva exclusão, ditada, sob proposta do júri (nos termos daqueles referidos preceitos do CCP, mais o seu art. 148°/4), pelo órgão adjudicante" (MÁRIO E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, ob. cit., pp. 912).
Após a recepção das propostas, a emissão de recibos de recepção pela plataforma electrónica é automática (cf. MÁRIO E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, ob. cit., pág. 690) e destina-se apenas a permitir que os concorrentes comprovem que apresentaram proposta em cada procedimento, nomeadamente para os efeitos previstos no artigo 138°n°3 do CCP (reclamação dos concorrentes em caso de não inclusão da sua proposta na lista publicitada no dia imediatamente a seguir ao termo do prazo para a apresentação das propostas).
9a. A emissão do recibo pela plataforma electrónica não implica qualquer juízo sobre a regularidade da apresentação das propostas, juízo esse que não é efectuado pela plataforma electrónica, mas sim pelo Júri do Procedimento (cfr. artigo 69° n°1 b) do CCP).
10a. O nº 6 do artigo 19° e o Anexo V à Portaria 701-G/2008 dispõem claramente que a elaboração automática da lista de concorrentes que apresentaram as propostas é independente "da eventual existência de motivos de exclusão das propostas" porque, segundo o n°7 daquele artigo, "[a] exclusão de propostas é da estrita competência do órgão competente para a decisão de contratar" (sem destaques no original).
11ª Uma vez que o envio automático do recibo de recepção pela plataforma electrónica e a lista de concorrentes que apresentaram proposta, referida nos artigos 11° n°5 e 23° n°3 da Portaria n°701-G/2008, não têm qualquer efeito validante dos vícios jurídicos das propostas e uma vez que ao Júri só cabe analisar a admissibilidade das propostas quando for elaborar o relatório preliminar, a exclusão da proposta da Recorrente no relatório preliminar não constitui qualquer venire contra factum proprium do Júri nem uma violação do principio da confiança.
12a Ao contrário do alegado pela Recorrente, a exigência da aposição da assinatura electrónica com um certificado digital qualificado não se pode ter como formalidade degradada em não essencial porquanto a teoria da degradação de formalidades em formalidades não essenciais só é aplicável se estivermos no âmbito da discricionariedade da Administração Pública, o que não é o caso (cf. MÁRIO E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, ob. cit., pp 954 e 955), e, de qualquer modo, esta exigência era essencial e foi exigida clara e expressamente, bem como a cominação da exclusão caso não fosse cumprida.
13a Uma vez que o acto de exclusão da proposta da Recorrente era um acto estritamente vinculado, não procedem as alegadas violações dos princípios da proporcionalidade e do favor do concurso (cf. Acórdão do STA de 25/01/2006, processo nº0111/03)."

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

2. Fundamentação
2.1. De facto
O despacho recorrido considerou indiciariamente adquirida a seguinte matéria de facto, com relevo para a decisão:
"A) Por Anúncio publicado no Diário da República, IIª série, nº.........., de 19.04.2010 e 10 JOUE, nºS76, de 20.04.2010, foi publicitada a Abertura do Concurso Público nº 03/2010 para a "Celebração de contratos públicos de aprovisionamento para a aquisição de correctivos da volémia e outras soluções estérieis", tendo como entidade Adjudicante a Administração Central do Sistema de Saúde, IP (ACSS) - cf. processo administrativo apenso;
B) As peças do procedimento atinentes ao concurso - Programa de Procedimento (PP) e Caderno de Encargos (CE) - foram disponibilizados através da plataforma electrónica de contratação pública VortalHealth e todo o procedimento concursal seguiu os seus termos através da mesma -cf. processo administrativo apenso;
C) O Concurso tinha por objecto a "selecção das entidades que celebrarão contratos públicos de aprovisionamento ("CPA"), para o fornecimento dos Correctivos da Volémia e Outras Soluções Estéreis indicados no Anexo l do Caderno de Encargos, nos termos e condições previstas no Programa de Procedimento (cf. art. 1º do PP);
D) Do Programa de Procedimento destaca-se o seguinte:

"Artigo 5- - Critério de Adjudicação
1. O Critério de adjudicação é o do mais baixo preço unitário.
2. A Adjudicação será feita separadamente para cada tipo de medicamento (posição) aos vinte preços mais baixos, ordenados deforma crescente.
(...)
Artigo 9º - Propostas
1. A proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à ACSS a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe afazê-lo.
2. A proposta é constituída pelos seguintes documentos:
(...)
2.4. O formulário "Anexo A" disponibilizado no site www.catalogo.min-saude.pt pode ser preenchido de duas formas:
a) Através de download e preenchimento offline;
ou
b) Através de preenchimento online, encriptado, havendo submissão no catálogo e geração de um pdf para anexar na V.............
2.5. O formulário depois de preenchido deverá ser anexado à proposta e submetido na plataforma electrónica da V ................
(...)
Artigo 11° - Modo de apresentação das propostas
(...)
4 Os documentos que constituem a proposta são apresentados directamente na plataforma electrónica V................ acessível no site http://vortalhealth.pt, disponibilizada pela empresa V........- ......................, Consultadoria e Multimédia, S.A.,
5. Os concorrentes deverão assinar electronicamente com um certificado digital qualificado todos os documentos que associarem á proposta.
6. Após submissão da proposta na V .................., o concorrente deve efectuar a consulta e o download do recibo comprovativo de submissão no "preview" do procedimento na pasta do recibo comprovativo de submissão no "preview" do procedimento na pasta de "recibos" dando-lhe a garantia de submissão da proposta com sucesso.
(...)
Artigo 15º - Exclusão das propostas
1. São excluídas as propostas cuja análise revele:
(...)
j) Que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 11- do Programa de Procedimento"
- cf. processo administrativo apenso
E) Apresentaram propostas os seguintes concorrentes:
1- B................. M................- F.............., LDª;
2- K............... PRODUTOS ................., LDA;
3- L................. - LABORATÓRIOS ......................., SÁ;
4- F................. K................. P................. PORTUGAL, LDA;
5- G.......... PORTUGAL - PRODUTOS ............................, LDA.;
6- B. B................ M..............L, LDA;
7- O............... - PRODUTOS ..................., LDA;
8- A. R............... N..........., LDA;
9- W............. I............... P.........., S.A.B.

F) A Autora submeteu a sua proposta no portal V....... tendo assinado através de assinatura avançada - acordo e doc. processo administrativo apenso;
G) A Autora obteve a confirmação de submissão da proposta através do Portal V............ e Cat@logo - cf. doc. 4 junto à petição inicial na acção principal;
H) O Júri do Concurso, em 17.05.2010, prestou vários esclarecimentos às entidades interessadas - cf. separador 2 do processo administrativo apenso;
I) O Júri do Concurso no Relatório Preliminar propôs a exclusão da proposta da ora Autora, "em cumprimento do disposto na alínea l) do nº 2 do art.º146º do CCP, "que apresentou a proposta sem que a mesma tenha sido assinada por meio de assinatura electrónica qualificada" - cf. separador 4 do processo administrativo apenso;
J) A ora Autora pronunciou-se em sede de audiência prévia, nos termos constantes do processo administrativo apenso (separador 5), cujo teor se dá por integralmente reproduzido, por entender que a exclusão da sua proposta resultava de uma formalidade não essencial e não respeitava o princípio da proporcionalidade, pedindo a final que a sua proposta fosse admitida, avaliando-a em conformidade e emitindo novo relatório preliminar, seguindo o procedimento os ora demais trâmites legais;
K) Em resultado da reclamação apresentada, a ACSS solicitou a uma sociedade de advogados informação jurídica sobre a questão subjacente à exclusão da proposta em causa, a qual reiterou a total legalidade do acto de exclusão - cf. separador 6 de processo administrativo apenso;
L) No Relatório Final, o Júri do Concurso deliberou manter a decisão de exclusão da ora Autora e a adjudicação aos demais concorrentes, conforme Relatório Preliminar, com os seguintes fundamentos:
"a) Assim, quanto à alegação de que o sistema Portal V............... aceitou a proposta apresentada e gerou a respectiva confirmação de aceitação, tendo a proposta sido disponibilizada a todos os concorrentes, deve dizer-se, desde logo, que nem a ACSS nem o Júri são responsáveis pelo funcionamento da plataforma electrónica. Na verdade como dispõe o art.º5º, ns3, da Portaria 701-G/2008 "A entidade gestora da plataforma electrónica seleccionada nos termos do artigo anterior é encarregada, pelas entidades adjudicantes, da condução técnica do sistema e das aplicações informáticas necessárias ao funcionamento das formalidades electrónicas relativo aos procedimentos deformação dos contratos públicos".
Acresce que, independentemente da entidade a quem compete gerir a plataforma, a emissão do recibo de aceitação não significa, obviamente, que a proposta tenha sido validamente apresentada e, muito menos, que não possa ser excluída do Concurso Público.
De facto o recibo emitido destina-se apenas a permitir que os concorrentes comprovem que apresentaram proposta em cada procedimento, nomeadamente para os efeitos previstos no artigo 138°, nº 3, do CCP (reclamação dos concorrentes em caso de não inclusão da sua proposta na lista publicitada no dia imediatamente a seguir ao termo do prazo para a apresentação das propostas).
No entanto, tal recibo não implica qualquer juízo sobre a regularidade da apresentação das propostas, juízo esse que não é efectuado pela plataforma electrónica, mas sim pelo Júri do Procedimento (cf. artigo 69º/1, b) do CCP).
Aliás, no limite, o entendimento defendido pela B............ reduziria consideravelmente (senão mesmo esvaziaria por completo) o sentido útil do disposto no artigo 146º/2 I) do CCP, pois, sabendo-se que a plataforma gera um recibo de recepção sempre que uma proposta é carregada, tal bastaria (na tese daquela concorrente) para que o Júri nunca pudesse propor a exclusão de quaisquer propostas com fundamento na violação das normas relativas à respectiva apresentação.
Como é evidente, o Intuito do legislador, ao determinar que as plataformas emitam um recibo aquando da submissão das propostas, não foi seguramente o de coarctar os poderes de apreciação do Júri ou colocar as plataformas electrónicas a desempenhar o papel deste órgão, pelo que a argumentação da B.........é, neste ponto, claramente improcedente.

b) Quanto ao segundo argumento invocado por esta concorrente na sua resposta em audiência prévia, sublinha-se que a assinatura electrónica (mesmo que avançada) não equivale, rigorosamente, a assinatura digital, a assinatura electrónica qualificada nem a certificado qualificado.
A este propósito, cabe distinguir conceitos, tal como os mesmos surgem expressamente Identificados e autonomizados na lei (mais concretamente, no Decreto-Lei nº 290-0/99, de 9 de Agosto, doravante "DL 290-0/99', alterado e republicado pelo Decreto-Lei nº 88/2009, de 9 de Abril):
- Assinatura electrónica é "o resultado de um processamento electrónico de dados susceptível de constituir objecto de direito individual e exclusivo e de ser utilizado para dar a conhecer a autora de um documento electrónico - (cfr. artigo 2° b) do DL 290-D/99);
- "Assinatura electrónica avançada" é "a assinatura electrónica que preenche os seguintes requisitos:
i) Identifica de forma unívoca o titular como autor do documento;
ii) A sua aposição ao documento depende apenas da vontade do titular;
iii) É criada com meios que o titular manter sob o seu controlo exclusivo;
iv) A sua conexão com o documento permite detectar toda e qualquer alterarão superveniente do conteúdo deste" (cf. artigo 2º do DL 290-D/99);
- "Assinatura digital" é "a modalidade de assinatura electrónica avançada baseada em sistema criptográfico assimétrico composto de um algoritmo ou série de algoritmos, mediante o qual é gerado um par de chaves assimétricas exclusivas e interdependentes, uma das quais privada e outra pública, e que permite ao titular usar a chave privada para declarar a autoria do documento electrónico ao qual a assinatura é aposta e concordância com o seu conteúdo e ao destinatário usar a chave pública para verificar se a assinatura foi criada mediante o uso da correspondente chave privada e se o documento electrónico foi alterado depois de aposta a assinatura" (cf. art. 2º, d) do DL 290-D/99);
-"Assinatura electrónica qualificada" é " a assinatura digital ou outra modalidade de assinatura avançada que satisfaça as exigências de segurança idênticas às de assinatura digital baseadas num certificado qualificado e criadas através de um dispositivo seguro de criação de assinatura" (cf. art. 2º, g) do DL 290-D/99);
- " certificado qualificado" é " o certificado que contém os elementos referidos no artigo 29º, nº2 e é emitido por entidade certificadora que reúne os requisitos definidos no artigo 24º, 3" (cf. artigo 2º, q, do DL 290-D/99).
Face ao exposto, é forçoso concluir que estamos a falar de realidades que, á luz da lei, são diferentes e que não podem ser confundidas sob o pretexto de, alegadamente, prosseguirem as mesmas finalidades.
Mesmo sem desenvolver a questão (que é essencialmente do foro técnico), da mera apreciação da definição legal resulta, desde logo, que a assinatura electrónica qualificada e o certificado qualificado cumprem dois requisitos adicionais que os distinguem das meras assinaturas electrónicas (mesmo que avançadas):
i) por um lado, o seu conteúdo integra as menções previstas no artigo 29º do DL 290-D/99; ii) por outro lado, são emitidas por uma entidade certificadora que cumpre os requisitos enunciados no artigo 24º do mesmo diploma.
O artigo 11º/5 do Programa do Procedimento estabelecia claramente que "Os concorrentes deverão assinar electronicamente com um certificado digital qualificado todos os documentos que associarem à proposta".
Como se referiu supra, esta exigência sempre resultaria já do disposto no artigo 27º/1 da Portaria nº701-G/2008, que estabelece que "Todos os documentos carregados nas plataformas electrónicas deverão ser assinalados electronicamente mediante a utilização de certificados de assinatura electrónica qualificada". Nesta linha é inquestionável que aos concorrentes não bastava a aposição de uma assinatura electrónica nos documentos, sendo necessária a utilização de um certificado digital qualificado.
Pode discutir-se se esta exigência é justificada ou se a aposição de uma assinatura electrónica (simples ou avançada) seria suficiente para garantir a autenticidade dos elementos submetidos (sendo certo que à luz dos disposto no artigo 2º do DL 290-D/99, estamos perante figuras diferentes e não substituíveis). Não obstante, uma vez que as peças do procedimento prevêem expressamente a exigência de utilização de um certificado digital qualificado, tal discussão torna-se irrelevante, pois, independentemente da maior ou menor bondade da solução adoptada, a verdade é que esta, estando consagrada no Programa de Procedimento, é imperativa para a entidade adjudicante e para os concorrentes.
Assim, se a B............. considerava que uma assinatura electrónica avançada cumpre os mesmos requisitos de um certificado digital qualificado, poderia, quanto muito, ter apresentado um reclamação contra as peças do procedimento (cf. artigo 259/2 do CCP), ou impugnando judicialmente as mesmas peças (ao abrigo do disposto nos artigos 100º e segs. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos). Não o tendo feito, a previsão do artigo 11º/5 do Programa do Procedimento era plenamente aplicável e vinculava imperativamente os concorrentes, que não poderiam deixar de cumprir aquela norma, com fundamento na alegada desnecessidade de utilização de um certificado digital qualificado e invocando que a assinatura electrónica poderia constituir um sucedâneo daquele certificado. Aliás, a este propósito sempre caberá referir que, se a ...................... tinha dúvidas sobre o conceito de "assinatura digital" - pois, como a concorrente afirma na sua resposta em audiência prévia, este conceito, alegadamente "levanta muitas dúvidas entre os académicos" -, poderia e deveria ter solicitado informações ao Júri sobre esta questão, através de um pedido de esclarecimento (cf. artigos 50/1 do CCP e 7º/1 do Programa de Procedimento).
Não tendo feito uso deste mecanismo legalmente previsto que tinha ao seu dispor, afigura-se que não poderá agora a concorrente, apenas em fase de audiência prévia, invocar a (pretensa) obscuridade das peças do procedimento como fundamento de desculpabilidade do erro cometido na submissão da proposta e respectivos documentos.

c) Quanto ao facto de o recurso a uma assinatura digital não constituir uma formalidade essencial, como invoca a B................., deve notar-se que a determinação das formalidades que são ou não essenciais compete, em primeira linha, á entidade adjudicante.
Ora, na elaboração das peças procedimentais deste Concurso Público, a ACSS estabeleceu expressamente que a inobservância das formalidades de apresentação das propostas prevista no artigo 11º do Programa do Procedimento constituía motivo de exclusão das propostas (cf. artº15º/1 j) do Programa de Procedimento).
Isto mostra inequivocamente que, para a entidade adjudicante, todas as formalidades previstas no artigo 11° do Programa do Procedimento eram formalidades essenciais, sendo o seu incumprimento sancionado com exclusão, sem que as peças do procedimento deixem margem para distinguir entre formalidades essenciais ou não essenciais.

d) Pelo mesmo motivo, improcede igualmente o argumento da ...................... no sentido de que a exclusão da sua proposta, com fundamento na não aposição de um certificado digital qualificado, seria desproporcional e contrária ao interesse público.
Na verdade, foi a ACSS, ao elaborar as peças do procedimento e a estabelecer as regras que balizariam a tramitação do Concurso Público, que impôs a exclusão das propostas que fossem apresentadas em violação das formalidades estabelecidas no artigo 11º do Programa de Procedimento. Ou seja a ACSS que definiu que a melhor prossecução do interesse público passaria pela avaliação apenas das propostas que tivessem sido apresentadas sem descurar nenhuma das formalidades previstas no artigo 11º do Programa do Procedimento.
E, na verdade, esta exigência compreende-se perfeitamente: a aposição de um certificado digital qualificado não representa uma mera formalidade suplementar acessória, sem conexão com o interesse público a prosseguir através do Concurso Público, antes se assume como um instrumento essencial para assegurar a autenticidade de cada proposta e a vinculação do concorrente à declaração negociai emitida. (...)
Nesta linha, tendo em conta as finalidades subjacentes à exigência da aposição de um certificado electrónico qualificado, não se vislumbra que tal exigência, aliás devidamente publicitada desde o início do procedimento, se mostre excessiva ou desproporcionada face ao fim que visa atingir.
Mas, como se referiu, não tendo sido questionada a validade da norma concursal em apreço (o artigo 11º/5 do Programa do Procedimento), aliás, em estrita conformidade com o previsto no bloco legal aplicável (cf. artigo 27º/1 da Portaria 701-G/2008), não há sequer lugar para qualquer ponderação por parte da ACSS: o cumprimento das disposições concursais é imperativo para a entidade adjudicante, que não pode abster-se de lhes dar integral cumprimento. Pelo que, sob esta perspectiva, o Júri tinha não apenas a faculdade mas o dever de propor a exclusão da proposta apresentada pela ......................" - cf. separador 7 da processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

M) Por Despacho de 7.10.2010, do Secretário de Estado da Saúde foi aprovada a proposta constante do Relatório final (precedente) [acto impugnado] - cf. separador 8 do processo administrativo apenso.

2.2. De direito
Em sede de fundamentação jurídica, o despacho recorrido expendeu o seguinte:
" (...)
Do pedido de anulação da decisão de exclusão da proposta da Autora
Vem a Autora a juízo invocar a ilegalidade do despacho do Secretário de Estado da Saúde, de 7.10.2010 - alínea M) do probatório -, através do qual foi decidido, por remissão para o Relatório Final, excluir a sua proposta.
Sustenta a Autora que o acto de exclusão da proposta por si apresentada no âmbito do Concurso Público Internacional, cujo Aviso de Concurso foi objecto de publicação no Diário da República, n° 75, em 19 de Abril, de 2010, com base nos fundamentes do relatório do Júri, padece de várias ilegalidades.
Desde logo, ao submeter a sua proposta, bem como os demais documentos concursais exigidos, tendo o sistema Portal V............... (plataforma electrónica onde o concurso se desenrolou) aceite a mesma e gerado a respectiva confirmação de aceitação e disponibilização de toda a proposta a todos os concorrentes.
Não só a Autora seguiu todos os passos exigidos para a submissão da proposta e respectivos documentos, como ainda, o sistema não a recusou atenta a alegada falta de cumprimento dos formalismos exigidos.
A exclusão da ora Autora com fundamento em ter apresentado a proposta sem que a mesma tenha sido assinada por meio de certificado digital qualificado é ilegal, pois a assinatura avançada aposta na proposta da ...................... cumpre as mesmas funções que a assinatura qualificada (como decorre do artigo 2°, alínea c) do Decreto-Lei n° 290-D/99, de 2 de Agosto). Tanto mais que a assinatura qualificada mais não é do que uma modalidade de assinatura avançada (alínea g) do art. 2° do mesmo diploma legal).
O não recurso à uma assinatura digital não deve ser considerada uma formalidade essencial, mas sim uma formalidade não essencial, na medida em que a assinatura aposta não significa qualquer diminuição das garantias processuais e é suficiente para assegurar os princípios fundamentais da contratação pública. Como é desproporcional se considerada uma formalidade essencial de acordo com o disposto no n° 2 do art. 268° da Constituição da República Portuguesa e n°2 do artigo 5° do Código do Procedimento Administrativo. A decisão de exclusão violaria o princípio da confiança, designadamente quando a mesma plataforma emite recibos confirmando a boa recepção das Propostas.

Vejamos;
Como já foi entendido por este Tribunal em sede de processo cautelar apenso, a ora Autora não apresentou a sua proposta através de assinatura electrónica qualificada.
Conforme foi exemplarmente desenvolvido pelo Júri do Concurso em sede de Relatório Final, para o qual se remete, tal exigência / formalidade decorria não só de forma inequívoca do Programa de Procedimento - artigo 11°, n°5 - como estava igualmente previsto que o desrespeito de tal formalidade conduzia à exclusão da respectiva proposta - cf. art. 15°, n°1, alínea j) da mesma peça processual.
Daí que a ora Autora não podia desconhecer a essencialidade de assinatura da sua proposta através de assinatura electrónica qualificada, carecendo de fundamento a alegada violação do princípio da confiança ou de degradação em formalidade não essencial.
Esta é a aliás a exigência legal constante Portaria n° 701-G/2008, de 29 de Julho, que define os requisitos e condições a que deve obedecer a utilização de plataformas electrónicas pelas entidades adjudicantes, na fase de formação de contratos públicos. Aí se preceitua no artigo 27°, n°1, "Todos os documentos carregados nas plataformas electrónicas deverão ser assinados electronicamente mediante a utilização de certificados de assinatura electrónica qualificada" (d/n).
Relativamente ao argumento de o sistema Portal V............. ter aceite a respectiva proposta e documentos concursais e gerado a respectiva confirmação de aceitação e disponibilização de toda a proposta a todos os concorrentes.
O recibo de submissão da proposta a que alude o art. 20°, n°1 da citada Portaria não tem os efeitos pretendidos pela Requerente. Confirma apenas a submissão da proposta e a sua assinatura.
No demais a competência para admissão e exclusão das propostas cabe ao órgão competente para decisão de contratar - vide art. 19°, n°7 da mesma Portaria, a quem cabe verificar do cumprimento ou não das normas concursais, nomeadamente constantes do Programa de Concurso.
Logo não é possível estabelecer a conexão pretendida pela Autora de que tendo submetido a respectiva proposta e recebido o recibo pelo sistema, não seria jamais possível a sua exclusão.
Acresce que é a própria lei que define as diferenças nomeadamente de forma e força probatória entre a assinatura electrónica qualificada e outras assinaturas electrónicas - cf. art. 2° e 3º, do Decreto-Lei n° 290-D/99, de 2 de Agosto, republicado pelo Decreto-Lei n°88/2009, de 9 de Abril - como foi explanado pelo júri do concurso no Relatório final para o qual se remete.
Inexistem, pois, quaisquer circunstâncias ou comportamentos por parte das Autoridades Demandadas que pudessem ter criado na Autora a convicção que a sua proposta seria admitida, ainda que não fosse assinada nos termos do Programa de Procedimento - art. 11°, n°5 e art. 15°, alínea j).
Donde improcedem os alegados vícios de violação do princípio da proporcionalidade e da tutela da confiança.
De todo o exposto improcedem os vícios apontados ao acto impugnado de exclusão da proposta da Autora por não ter sido assinada com certificado digital qualificado.
Em suma: inexistem fundamentos de facto e de direito que inquinem a decisão de exclusão da proposta da ora Autora, no âmbito do Concurso Internacional em causa nos presentes autos, tomada pelo Secretário de Estado da Saúde em 7.10.2010.
> Dos demais pedidos
Concomitantemente os demais pedidos de anulação do acto de adjudicação prevista no art.º 16° do Programa de Procedimento, dos contratos públicos de aprovisionamento, identificado em M) do probatório, assim como de anulação dos contratos entretanto celebrado em execução do acto de adjudicação ou de condenação da Autoridade Demandada a considerar a proposta da Autora validamente entregue, estão votados ao insucesso, por dependentes da procedência do pedido impugnatório, o que não ocorre. (...)".

Em síntese, pode dizer-se que o despacho recorrido, que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual em causa, baseou-se no facto de a exclusão da proposta da ora recorrente não ter sido submetida a assinatura electrónica qualificada, nos termos do artigo 146º nº 2 do CCP.
Entendeu o Ministério Público, tal como as entidades demandadas, que a utilização da assinatura electrónica qualificada constitui formalidade essencial ad substantiam, cuja omissão implica, por determinação legal aplicável, a exclusão da proposta, que não pode ser apresentada com outro tipo de assinatura, designadamente a assinatura electrónica avançada (cfr. artigo 27º nº 1 da Portaria nº 701-G/2008, de 29 de Julho e Dec.-Lei nº 290-D/99, de 2 de Agosto).
As entidades demandadas apoiaram a tese do Ministério Público.
É esta a questão a apreciar, que consiste em verificar se é ilegal a proposta assinada mediante a aposição de uma assinatura electrónica avançada.
Em primeiro lugar, e como o próprio Ministério Público reconhece, é visível que não foram seleccionados todos os factos relevantes para a causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida (cfr. artigo 511º nº1 do C.P. Civil).
Desde logo é de notar que a Autora, ora recorrente, alegou no artigo 9º da petição inicial que, para além de ter submetido a sua Proposta seguindo todos os passos constantes da plataforma electrónica, foi notificada para proceder ao envio da chave de desencriptação, tendo junto, para prova do alegado, o doc. nº5.
Este facto poderá relevar para efeitos de consideração e densificação do princípio da confiança, como alega a recorrente, porquanto de acordo com o nº5 do artigo 7º do Dec.-Lei nº143-A/2008, de 25 de Julho, "na data e hora definidos para a abertura das propostas (...) os membros do júri devem verificar as assinaturas electrónicas apostas e a integridade dos dados submetidos. Ora, não tendo aquele facto sido impugnado, deveria ter sido levado à lista de factos assentes, não podendo a sua omissão determinar prejuízo para o recorrente.
Também a hora da submissão da proposta, que não foi considerada relevante para a boa decisão da causa, deveria ter sido levada à lista dos factos assentes. A recorrente alegou (artigo 10º da p.i) que submeteu a sua Proposta às 15 horas, 10 minutos e 40 segundos, pelo que, caso a plataforma utilizada não tivesse gerado um recibo de correcta submissão, a recorrente estaria ainda em tempo de proceder a nova submissão, na medida em que as propostas poderiam ser submetidas até às 18.00 horas desse mesmo dia (cfr. artigo 13º do Programa de Procedimento).
Por último, a recorrente alegou, no artigo 42º da p.i., que a assinatura que utilizou, gerada pela própria plataforma, sendo uma assinatura electrónica avançada permite assegurar as funções identificadora, finalizadora e de inalterabilidade, facto também não atendido pelo tribunal " aquo"
As omissões praticadas, susceptíveis de influir no exame da causa, são susceptíveis de determinar a ampliação da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 712º nº 4 do Cód. Proc.Civil.
Todavia, como a causa de exclusão da proposta consistiu na alegada ausência da assinatura electrónica qualificada, cumpre analisar primeiro esta questão.
O Ministério Público e as recorridas consideram que a utilização da assinatura electrónica qualificada constitui formalidade essencial, ad substanciam, cuja falta determina a exclusão do candidato, por não poder degradar-se em mera irregularidade.
Salvo o devido respeito, a nosso ver não é assim.
Como é sabido, o regime do Código dos Contratos Públicos (artº 62º nº 4) remete para a legislação complementar constante do Dec.-Lei nº 143-A/2008, de 25 de Julho e Portaria nº 701-G/2008, de 29 de Julho.
O artigo 14º nº3 do Dec.-Lei nº 143-A/2008, prescreve que "a plataforma electrónica deve operacionalizar um sistema de Aviso de recepção electrónico que comprove o envio bem sucedido dos documentos que constituem a proposta, a candidatura ou as soluções, bem como a data e a hora da submissão.
E o artigo 19º nº 2 da nº 701-G/2008, dispõe que:
"Entende-se por momento da submissão da proposta o momento em que se inicia a efectiva assinatura electrónica da proposta"
Recebendo o concorrente, após a submissão, um recibo electrónico comprovativo do facto, com registo da identificação da entidade adjudicante, do procedimento, do lote, se for o caso, do concorrente, da proposta, bem como da data e hora da respectiva submissão (cfr. artigo 20º da aludida Portaria).
No caso concreto, a recorrente recebeu um relatório de envio bem sucedido, com a data e hora de submissão da sua Proposta.
Tal significa, inequivocamente, que o sistema considerou que a proposta foi assinada electronicamente com aposição de uma assinatura electrónica qualificada, apesar de ter aposto uma assinatura avançada.
Tendo a recorrente aposto uma assinatura avançada e não qualificada, a plataforma deveria ter notificado a mesma de que o envio não havia sido bem sucedido, e não o contrario, nos termos do disposto no artigo 14º do Dec.-Lei nº 143-A/2008, que prescreve:
"Caso o envio completo não seja bem sucedido, considera-se não ter existido qualquer apresentação de propostas, candidaturas ou soluções, devendo o interessado ser, de imediato, notificado desse facto".
Em face do princípio "venire contra factum proprio", é inadmissível que a proposta da recorrente tenha sido admitida e, posteriormente o júri tenha procedido à sua exclusão, com fundamento na omissão de formalidade essencial relativa à aceitação da mesma.
Na verdade, nem sequer estamos perante uma formalidade essencial.
A assinatura avançada é uma modalidade específica da assinatura qualificada, com vários pontos comuns, visando ambas assegurar o cumprimento de três funções:
- Função identificadora;
- Função finalizadora, e
- Função de inalterabilidade.
É o que resulta da alínea c) do nº 2 do Dec.-Lei nº 290-D/99.
Ora, a proposta apresentada pela recorrente, embora não tivesse sido assinada com a específica assinatura requerida pela entidade adjudicante, não deixou de ser assinada com uma assinatura que, materialmente, satisfaz aqueles requisitos.
Como entende a doutrina, em casos desta natureza, é aplicável a teoria da degradação em formalidade não essencial, sobretudo quando a exigência das mesmas não consta expressamente da lei, e por razões de justiça não seja de penalizar os concorrentes por faltas ou irregularidades menores e que possam ser corrigidas, sem prejuízo da legalidade do procedimento (cfr. Rodrigo Esteves de Oliveira, "Os Princípios Gerais da Contratação Pública", in Estudos da Contratação Pública - I -CEDIPRE, Coimbra Editora, 2008, p.108)".
Também a jurisprudência tem seguido esta orientação, considerando que nem todas as formalidades do procedimento possuem carácter essencial e que uma formalidade essencial se degrada em não essencial, quando, apesar da sua inobservância, o resultado em vista acaba por ser atingido (cfr.entre muitos outros, a Ac. STA de 07.04.2010, Proc. nº0121/09 e o Ac. TCA-Sul de 20.09.2007; Ac. TCA-Norte de 22.10.2010, proferido no âmbito do Proc. 00323/10).
Se até perante a detectada falta de uma assinatura o júri pode (e deve) convidar um candidato a suprir a irregularidade, por maioria de razão terá de assim proceder quanto a um lapso detectado numa assinatura electrónica utilizada, sobretudo quando esta é capaz de cumprir as mesmas funções que a assinatura prevista, como sucede no caso concreto.
Concluindo, a exclusão pura e simples da recorrente é desproporcionada, devendo a mesma ser convidada para que a irregularidade fosse suprida (cfr. ainda o Ac. TCA-Norte de 22.10.2010, Proc. 00323/10).
De aí que, sem ser necessário proceder à ampliação da matéria de facto o despacho recorrido não possa manter-se na ordem jurídica.

3. Decisão.
Em face do exposto, acordam em:
- Conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida;
- Anular o acto de exclusão da proposta apresentada pela recorrente ...................... M.............. - F............, Lda, bem como o acto de adjudicação impugnado;
- Condenar as Rés a considerar a proposta da recorrente validamente entregue, e
- Retomar o procedimento administrativo, avaliando a proposta apresentada pela ora recorrente e proferindo novo Relatório Final de avaliação das Propostas.
Custas pelas entidades demandadas em ambas as instâncias.
Lisboa, 26.01.012
António A. Coelho da Cunha
Fonseca da Paz
Rui Pereira