Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23 de Novembro de 2011 (proc. 7914/11)

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Sumário:

1- A classificação de um preço como anormalmente baixo pode ter três origens diferentes: pode vir fixado nas regras do concurso (ex: artsº 115.3, 132.2, 189.3, todos do CCP), pode ter origem supletiva legal (artº 71.1 do CCP), ou pode ser classificado como tal pelo júri do concurso na pendência do mesmo (artº 71.2 do CCP).
2- Nas duas primeiras o concorrente tem de apresentar com a proposta (faz parte dela) a justificação para o seu preço anormalmente baixo (artº 57.1.d. do CCP). Na terceira, a apresentação é posterior (artº 71.3. do CCP).
3- Nos critérios de justificação do preço anormalmente baixo não vigora um regime de numerus clausus, mas de causas abertas de justificação, tendo as diversas alíneas do artº 71.4 do CCP um carácter meramente exemplificativo.
4- Da leitura deste artº 71.4 do CCP; resulta claro que a apreciação da validade da justificação do preço anormalmente baixo depende de critérios técnicos.
5- Quando as justificações apresentadas ao abrigo do artº 57.1.d) CCP não são consideradas pela entidade adjudicante satisfatórias, há duas hipóteses: ou isto ocorre por os documentos apresentados não serem comprovativos da seriedade ou congruência da proposta, ou, as justificações apresentadas criarem na entidade adjudicante dúvidas sobre pontos ou elementos concretos e precisos da proposta.
6- No primeiro caso, isso levará à exclusão da proposta; no segundo, à aplicação do artº 71.3 do CCP. Esta solução não impede o recurso ao artº 72.1 do CCP quando estejam em causa meras aclarações.

 

Texto Integral:

Vem o presente recurso interposto da Sentença que julgou a presente acção improcedente.
Foram as seguintes as conclusões da recorrente A...:
1- A decisão sobre a matéria de facto registada na sentença recorrida é manifestamente insuficiente para a boa decisão da causa
2- O Tribunal recorrido estava obrigado a sujeitar a produção de prova os seguintes factos alegados na p.i.:
a) O juri do concurso não indicou em concreto «as vantagens competitivas» reconhecidas na proposta do concorrente C...(art. 149 da p.i.) ?
b) O juri do concurso não identificou os pressupostos da proposta do concorrente C...para fazer reverter as «poupanças na sua margem de lucro» a favor do seu cliente, nem identificou essas «poupanças» (art. 169 da p.i.) ?
c) A apresentação de uma «tabela» pelo concorrente C...na qual este procede «a decomposição analítica do preço proposto acompanhada da especificação dos concretos pressupostos da orçamentação apresentada» fundamenta a apresentação de proposta com preço «anormalmente baixo» (art. 20º da p.i.) ?
d) Na tabela referida no artigo precedente são apresentados factos concretos e comprovados relacionados com a economia na prestação de serviços (art. 21º da p.i.) ?
e) Na referida tabela são apresentados factos concretos e comprovados relacionados com soluções técnicas ou condições excepcionalmente favoráveis para a execução do projecto, ou factos originais relativos à prestação dos serviços, ou específicas condições de trabalho, ou auxílios do Estado (art. 21º da p.i.) ?
f) O preço base indicado no caderno de encargos -12.000.000,00 euros - foi fixado pelo técnicos do réu com base numa experiência piloto realizada na freguesia de Albergaria dos Doze (art. 26º da p.i.)?
g) Esse preço, na perspectiva do réu, reflecte o valor que, consideradas todas as circunstâncias gerais e especiais, quer das prestações a contratar, quer do mercado se entendeu como justo e razoável, no sentido de cobrir o custo do objecto do contrato e uma margem razoável de lucro para o contratante e preservar a concorrência (art. 26° da p.i.) ?
h) Os técnicos do réu admitiam ainda a possibilidade de os concorrentes apresentarem um preço inferior até 30% do preço base por disporem de melhores condições técnicas e financeiras para executarem os serviços (art. 27º da p.i.) ?
i) O preço apresentado pelo concorrente consórcio C...e outros, 7.136.668,84 euros, que corresponde a cerca de 59,47% do preço base, não tem fundamento possível (art. 28 da p.i.) ?
j) O referido preço é inferior ao verdadeiro custo dos serviços (art. 30º da p.i.) ?
1) O concorrente C...não tem experiência no tipo de trabalhos a que respeita o concurso (art.31º da p.i.) ?
m) A disponibilidade dos eixos e toponímia é pública (art. 33 da p.i.) ?
n) A concorrente C...e outros carecem de financiamentos bancários para prestar os serviços a concurso (art. 35º da p.i.) ?
o) O juri do concurso não identificou o que é «componente risco e imprevisibilidade associada à execução do projecto» (arts. 43º e 44º da p.i.) ?
p) Nem o juri do concurso definiu em que medida é que tal componente influi na fixação do preço. (art. 45º da p.i.) ?
q) Os técnicos do IGP no projecto piloto desenvolvido na freguesia de Albergaria dos Doze - concelho de Pombal, com uma área de 2,296 ha, fixaram em 4 ha/por dia a produtividade possível para o tipo de trabalho a que respeita o concurso (art. 51- da p.i.)?
r) Os técnicos do IGP têm considerável experiência em matéria de execução de cadastro predial (art. 52º da p.i.) ?
s) A execução do cadastro predial obriga, para além da georreferenciação, representação e demarcação de cada prédio à identificação de cada um dos proprietários na área do lote (art. 53º da p.i.) ?
t) O valor de 5 ha/operador/dia apresentado na proposta do concorrente C...é manifestamente irrealista (art. 57º da p.i.) ?
v) A concorrente M... na sua proposta, nas rubricas associadas à prestação de serviços - aeronaves, viaturas e instalações - apresentou custo zero (art. 70º da p.i.) ?
u) Esse facto foi reconhecido pelo juri no relatório final (art. 71º da p.i.) ?
x) A propriedade de aviões, viaturas e instalações tem custos (art. 73º da p.i.) ?
z) A prática usual seguida pelo juri do concurso na apreciação dos requisitos de aceitação dos «preços anormalmente baixos» é contrária à seguida habitualmente pelos júris dos concursos no Instituto Geográfico Cadastral (art. 81 da p.i.) ?
3- Os factos atrás referidos integram a causa de pedir apresentada pela recorrente na sua p.i., em conformidade com o disposto no art. 78.1, e) do CPTA e fundamentaram o pedido de anulação indicado naquele articulado;
4- O Tribunal recorrido não justificou na sentença recorridas as razões porque considerou «claramente desnecessário» a prova dos factos alegados pela recorrente referidos em 2 das presentes conclusões;
5-Esses factos eram absolutamente necessários à boa decisão da causa;
6- Os documentos não são factos. São meios de prova, ou seja, têm apenas por função a demonstração da realidade dos factos.
7- Para apreciar a questão do preço anormalmente baixo era necessário que o Tribunal recorrido tivesse dado como provados ou não os factos invocados pelas contra interessadas e aceites pelo juri para os justificar, nomeadamente aqueles que foram postos em crise pela recorrente na p.i.;
8- A mera remissão / scannerização das peças do procedimento administrativo em sede de fundamentação de facto apenas regista o que consta desses documentos;
9- A mera remissão / scannerização das peças do procedimento administrativo em sede de fundamentação de facto não comprova a veracidade dos factos neles registados ;
10- Na sentença recorrida, na parte da sua fundamentação de facto não foram registados factos provados que demonstrassem as especiais circunstâncias técnicas e financeiras que justificaram o preço anormal apresentado pelas contra interessadas;
11- O relatório do juri do concurso e o acto impugnado não beneficiam da presunção de legalidade dos actos administrativos;
12- Uma vez suscitada a questão da validade do acto impugnado e sua fundamentação pela recorrente, cabia ao réu o ónus da prova dos pressupostos factuais e jurídicos da sua actuação uma vez que sobre ele réu impende o risco de a acção ser julgada procedente caso os referidos pressupostos não sejam demonstrados;
13- Não beneficiando o relatório do júri e actos impugnado de presunção de legalidade e tendo o referido relatório e acto sido colocado em crise no que respeita à sua legalidade pela recorrente, relativamente aos pressupostos de facto e de direito da decisão nele fixada, não poderia o Mmo. Juiz de Direito, com fundamento no que nesse mesmo relatório se registou, mas cuja veracidade não foi objecto de prova, concluir no sentido de que as razões apresentadas pelas contra interessadas eram pertinentes para justificar a apresentação de um preço anormalmente baixo;
14- Assim, a sentença recorrida não contém qualquer fundamentação de facto susceptível de permitir ao Tribunal pronunciar-se sobre o pedido formulado pela recorrente;
15- A sentença de recorrida padece de nulidade por violação do disposto nos arts. 90.2, 94.1, 94.2, 95 do CPTA, 653.2, 659.3, 668.1.b) e d) do CPC.
16- Os esclarecimentos da Nota Justificativa do Preço apresentados pelos contra interessados no âmbito do procedimento de concurso violaram o disposto no art. 71º, nº 3, do CCP.

Foram as seguintes as conclusões da recorrente contra-interessada B...:
1- Ao entender que só existe fundamento legal para a entidade adjudicante excluir as propostas, depois de ter solicitado aos concorrentes a apresentação dos fundamentos para o preço anormalmente baixo e estes não os terem prestado, e que tal se aplica também às situações em que a indicação do preço anormalmente baixo consta das peças concursais, como é o caso em apreço, a sentença recorrida violou o preceituado na alínea d) do n.° 1 do artigo 57.na alínea e) do n.° 2 do artigo 70.ex vi alínea o) do n.° 2 do artigo 146.° e no n.° 4 do artigo 71.°, todos do CCP.
2- O regime legal vigente, ao contrário do entendimento vertido na sentença recorrida, não consente que os concorrentes possam suprir as manifestas insuficiências dos esclarecimentos relativos à apresentação de preço anormalmente baixo constantes das propostas, através do mecanismo de solicitação de esclarecimentos previsto no n.° 1 no art.° 72° do CCP, convidando-os a completar as propostas apresentadas, na parte relativa à componente de "justificação de preço anormalmente baixo".
3- Os "esclarecimentos" solicitados aos concorrentes n.° 3 e n.° 10, no que concerne ao Lote 3, como claramente resulta do teor da acta n.° 3, das cartas a estes enviadas, do teor do Relatório Preliminar de análise das propostas, destinaram-se a convidar os concorrentes a completar as suas propostas, no que se refere ao atributo preço, suprindo as omissões constatadas pelo Júri face à praticamente inexistente fundamentação do preço anormalmente baixo, que constava inicialmente das suas propostas e que deveria ter conduzido à respectiva exclusão, devendo o aresto em apreciação assim ter decidido, caso tivesse efectuado a correcta interpretação e aplicação da lei.
4- O mecanismo previsto no n.° 1 do artigo 72° do Código dos Contratos Públicos, não poderá servir para que os Concorrentes supram deficiências e aspectos omissos que deviam constar da sua proposta, completando-a, como sucedeu no caso em apreço, com a entrega a posteriori dos documentos que fundamentam o preço anormalmente baixo, actuação que a lei não permite mas que a sentença recorrida acolhe.
5- Impondo a alínea d) do n.° 1, do art° 57.° a obrigação de instruir a proposta com os "Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento", não pode deixar de se entender que a não apresentação de tais documentos, ou a sua insuficiência, como se verificou na situação em apreço, configura uma omissão que impõe a respectiva exclusão.
6- Deve, assim e pelas razões supra expostas ser revogada a sentença recorrida, cuja decisão assenta numa errónea interpretação e aplicação das disposições legais e dos princípios concursais aplicáveis e viola o preceituado nos artigos 57.° n.° 1 alínea d), 70.° n.° 2, alínea e), aplicável por remissão do artigo 146.° n.° 2, alínea o), 71.° n.° 4 e 72.° n.° 2, todos do CCP e ser proferida decisão que, relativamente ao lote 3, exclua as propostas apresentadas pelos concorrentes n° 3 e n° 10.
7- As razões como as que foram invocadas no presente procedimento, como a opção por uma diminuta margem de lucro, a experiência anterior no mesmo tipo de trabalhos, a existência de boas condições de financiamento, a propriedade de certos equipamentos, o facto dos equipamentos se encontrarem amortizados e outras de idêntica natureza, alegados concorrentes n° 3 e n° 10, não deveriam ser atendidas, uma vez que das mesmas não resulta uma situação excepcional, sendo, antes circunstancias normais, comuns a todos os concorrentes e não permitem a conclusão (a nosso ver necessária) de que o concorrente se encontra, relativamente aos demais, numa situação de especial vantagem que lhe permite apresentar um preço muito abaixo do normal preço de mercado.
8- A aceitação de propostas com preço anormalmente baixo, só poderá ocorrer, no nosso entender, caso resulte de forma manifesta e clara, dos fundamentos invocados, que o concorrente em causa, efectivamente beneficiava de condições excepcionais relativamente às apresentadas pelos demais concorrentes, sendo para tanto essencial que o concorrente demonstre essa especial vantagem, através da apresentação de uma análise comparativa entre as condições normais de mercado de que dispõem todos os concorrentes e as condições (excepcionais) de que o concorrente beneficia, fazendo repercutir tais condições, comparativamente, nos respectivos preços.
9- Não tendo tal demonstração sido efectuada pelos dois concorrentes, deveria a sentença recorrida ter decidido que não se encontrava justificado o preço anormalmente baixo apresentado e ter excluído estas duas propostas.
10- De facto, não se pode, em boa fé, aceitar, que a propriedade do avião e da Câmara digital e dos demais equipamentos apresentados, incluindo as viaturas e os contentores e as alegadas especiais condições de financiamento, possam ser aceites como condições excepcionalmente favoráveis que permitiram ao Agrupamento a apresentação de um preço anormalmente baixo para o Lote 3, quando esses mesmos factos não tiveram qualquer repercussão na formação do preço do Lote 2. não obstante também se verificarem.
11- Há, assim que concluir que o preço anormalmente baixo apresentado para o Lote 3, não encontra qualquer justificação em quaisquer especiais circunstâncias, antes tem como fundamento afastar de forma ilícita a livre e sã concorrência, violando manifestamente e de forma que se nos afigura bastante censurável os princípios da boa fé, da transparência e da igualdade entre os concorrentes.
12-A sentença recorrida ao sufragar a decisão constante do Relatório Final e do Despacho sobre o mesmo proferido, faz errada interpretação e aplicação da lei, concretamente do disposto no n° 4 do art° 71° do CCP, prejudica de forma injusta a posição da ora Recorrente, que, conformando-se com o preço base indicado e não tendo apresentado um preço anormalmente baixo, foi classificada em 3.° lugar, a seguir aos concorrentes n.°s 3 e 10 e viu ser-lhe negada, de forma ilícita, a adjudicação, a favor de uma proposta que deveria ter sido excluída.
13- Nestes termos e dos demais de direito que V. Exas. muito doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, e, em consequência, deverão V. Exas.:
Revogar a sentença recorrida.
Anular o acto de adjudicação dos serviços de execução do cadastro predial relativos ao lote 3 ao agrupamento liderado pela empresa M...;
Anular todos os actos subsequentes, designadamente, o contrato, caso o mesmo já tenha sido celebrado;
Condenar o R., ora Recorrido, à prática do acto administrativo devido, de exclusão das propostas dos concorrentes n.° 3 M... e outros e n.° 10 C...e outros, e, em consequência, determinar a Adjudicação dos serviços de execução do cadastro Predial relativos ao lote 3 à A., ora Recorrente, em função da sua reclassificação em 1.° lugar, por se tratar, face ao critério de adjudicação erigido, da proposta de mais baixo preço, assim repondo a legalidade.


O recorrido contra-alegou defendendo a sentença recorrida, mas sem formular conclusões.

2. Foi a seguinte a factualidade assente pela Sentença recorrida:
A) O Instituto Geográfico Português promoveu a abertura do Concurso Público n.º008/DSIC/2009 para a adjudicação, para três lotes, de uma proposta para a aquisição dos serviços de execução do cadastro predial. Cfr. documento de folhas 51 e seguintes dos autos.
B) Os lotes eram os seguintes:
Lote 1 - A. Loulé; B. São Brás de Alportel;
Lote 2 - C. Paredes; D. Penafiel;
Lote 3 - E. Oliveira do Hospital; F.Seia. Cfr. documento de folhas 60 e 61 dos autos.
C) O preço base do concurso foi fixado nos seguintes valores:
(...)
Cfr. documento de folhas 61 dos autos.
D) O critério de adjudicação era, de acordo com o artigo 17.º do programa do concurso o seguinte:
(...)
Cfr. documento de folhas 57 dos autos.
E) O artigo 12.º do Programa do Concurso com a epígrafe "Preço anormalmente baixo" tinha o seguinte teor:
(...)
Cfr. documento de folhas 56 dos autos.
F) O júri do concurso reuniu em 5 de Janeiro de 2010, tendo da respectiva reunião sido elaborada a acta n.º3 com o seguinte teor:
(...)
Cfr. documento de folhas 62 a 71 dos autos.
G) Com data de 4 de Fevereiro de 2004 foi elaborado "Relatório Preliminar de Avaliação das Propostas" com o seguinte teor:
(...)
Cfr. documento de folhas 72 a 84 dos autos.
H) Recebido o relatório preliminar as ora autoras A...- A..., Lda e a E...- E..., Lda pronunciaram-se em sede de audiência prévia. Cfr. documento de folhas 85 a 97 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido.
I) Com data de 23 de Março de 2010 foi pelo júri do concurso n.º008/DSIC/2009 "Aquisição de Serviços de Execução do Cadastro Predial" elaborado relatório final com o seguinte teor:
(...)
Cfr. documento de folhas 99 a 114 dos autos.
J) A A...- A..., Lda e a E...- E..., Lda, interpuseram recurso hierárquico da decisão do júri proferida no âmbito do concurso público n.º008/DSIC/2009 para a aquisição de serviços de execução do cadastro predial para a Ministra do Ambiente e do Ordenamento do Território. Cfr. documento de folhas 116 a 135 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido.
K) No âmbito do concurso o Consórcio C...- C..., SA, F...- F..., Lda, e G..., Lda, H... - H..., SA e I...- I..., SA apresentaram "nota justificativa de preço" com o seguinte teor:
(...)
Cfr. documento de folhas 310 a 316 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido.
L) No âmbito do concurso os concorrentes F..., J...e L...apresentaram na sua proposta no ponto 4.1. esclarecimento justificativo de preço anormalmente baixo", com o seguinte teor:
(...)
Cfr. documento de folhas 320 a 324 dos autos.
M) No âmbito do concurso os concorrentes M..., P..., S.A., N..., O...e outros, apresentaram "justificação de apresentação de um preço anormalmente baixo" com o seguinte teor:
(...)
Cfr. documento de folhas 324 a 330 dos autos.
N) O Instituto Geográfico Português solicitou à C...e outros, F...e outro e M..., S.A. e outros "pedidos de esclarecimentos ao abrigo do disposto no artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos". Cfr. documentos de folhas 332 a 335, de folhas 336 a 339 e de 340 e 341 dos autos.
O) Em 22 de Janeiro de 2010 o Agrupamento constituído por C...- C..., S.A., F...- F..., Lda, G... Lda, H... - H..., S.A. e I...- I..., S.A. "em resposta ao solicitado pelo júri do concurso apresentou "fundamentação do preço anormalmente baixo", com o seguinte teor:
(...)
Cfr. documento de folhas 342 a 357 que se dá por integralmente reproduzido.
P) Em resposta ao pedido de esclarecimentos do Instituto Geográfico Português a C...- C..., SA, J...- Q..., Lda e L...Portugal Lda dirigiram à entidade adjudicante com data de 25 de Janeiro de 2010 comunicação, na qual se refere, designadamente o seguinte:
(...)
Cfr. documento de folhas 360 a 376 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido.
Q) A M... - M..., P..., S.A. dirigiu ao júri do concurso com data de 20 de Janeiro de 2010 "Esclarecimentos para preço anormalmente baixo" na qual se refere designadamente o seguinte:
(...)
Cfr. documentos de folhas 303 a 307 e de 308 a 328 que se dão por integralmente reproduzidos.
R) Pela Ministra do Ambiente e do Ordenamento do Território foi proferido o despacho n.º12/MAOT/2010, datado de 15 de Setembro de 2010 que "proferido ao abrigo da delegação de competências conferida pela Resolução do Conselho de Ministros n.º73/2010, de 13 de Setembro" aprovou "o relatório final do júri do concurso" público n.º008/DSIC/2009 (Aquisição de Serviços de Execução do Cadastro Predial) e "em consequência, no que respeita ao Lote 3, foi adjudicada a proposta apresentada pelo concorrente n.º3 constituído por M...- M..., S.A., S...- S..., Lda, O...- O..., S.A., N... - N..., S.A. e T...- T..., S.A.."Cfr. documento de folhas 34 do processo n.º2253/10.7BELSB.
O M. P. foi notificado para se pronunciar sobre o mérito dos recursos, tendo defendido a sua improcedência.
Há que conhecer dos dois recursos interpostos, pois o processo da B... foi apenso a este, sendo ela aqui também autora, como ela bem explicou no requerimento de fls. 1467.
O processo foi submetido à conferência sem colher vistos, por se tratar de processo urgente.

3. São as seguintes as questões a resolver:
3.1. Deve ser corrigida a matéria de facto nos termos expostos pela recorrente A...?
3.2. As justificações dadas para os preços anormalmente baixos devem ser aceites ?
3.3. A justificação da proposta que contém um preço anormalmente baixo pode ser objecto de esclarecimentos ?

4.1. Vejamos cada um dos pontos citados pela recorrente A...no nº 2 das suas conclusões de recurso, supra transcritas, a fim de vermos se os mesmos são efectivamente necessários para a correcta decisão da causa.
Os pontos 2.a), b), não são passíveis de prova testemunhal, mas documental, pelo que aqui a recorrente não tem razão.
Os pontos 2. c), d), e), o), p), v), u), são conclusões a retirar de documentos, pelo que também não podem ser levados a qualquer base instrutória.
Os pontos 2.f), g), h), l), m), n), q), r), x), z), são irrelevantes. Nomeadamente, porque não releva para a decisão da causa o que os técnicos da recorrida acham ou pensam, mas apenas o que a recorrida enquanto instituição assume oficialmente. Também não releva se a prática de outros concursos foi esta ou não, o que releva é se este concurso cumpriu ou não a lei. Também não relevam factos alegados que não colidem com as razões pelas quais o júri fundamentou a sua deliberação.
Os pontos 2.i, j, t, são conclusivos, pelo que não podem ser levados à base instrutória.
O ponto 2.s, constitui matéria de direito.
Assim sendo, temos de concluir que a matéria reclamada não deveria ser levada à base instrutória, pelo que a sentença recorrida está correcta nesta parte.

4.2. A classificação de um preço como anormalmente baixo pode ter três origens diferentes: pode vir fixado nas regras do concurso (ex: artsº 115.3, 132.2, 189.3, todos do CCP), pode ter origem supletiva legal (artº 71.1 do CCP), ou pode ser classificado como tal pelo júri do concurso na pendência do mesmo (artº 71.2 do CCP) - vide neste sentido, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, ed. Almedina, 2011, pág. 937.
Nas duas primeiras o concorrente tem de apresentar com a proposta (faz parte dela) a justificação para o seu preço anormalmente baixo (artº 57.1.d. do CCP). Na terceira, a apresentação é posterior (artº 71.3. do CCP).
Nos critérios de justificação do preço anormalmente baixo não vigora um regime de numerus clausus, mas de causas abertas de justificação, tendo as diversas alíneas do artº 71.4 do CCP um carácter meramente exemplificativo.
Da leitura deste artº 71.4 do CCP; resulta claro que a apreciação da validade da justificação do preço anormalmente baixo depende de critérios técnicos. É ao júri do concurso que compete apreciar se a justificação é tecnicamente aceitável, se é válida de acordo com os conhecimentos da técnica da matéria em concurso.
Assim sendo, estamos perante uma área de poder discricionário da administração. Fora dos casos de manifesta evidência temos de concluir que não cabe aos Tribunais sindicar o julgamento técnico que o júri do concurso fez sobre a validade da justificação do preço anormalmente baixo. Cabe-lhes é sindicar se o júri fundamentou ou não a aceitação do preço anormalmente baixo e se esta aceitação está regular, se por exemplo, não tem nenhuma aderência ao que consta das peças concursais, etc..
Ora, da leitura do relatório preliminar de avaliação das propostas (facto G supra) e da leitura do relatório final (facto I supra) resulta que o júri fundamentou quer a exclusão de parte das propostas com preço anormalmente baixo quer a aceitação de outras. Afigura-se-nos da leitura da justificação que o júri deu, que não estamos perante um caso de manifesta falta de fundamentação, nem de manifesto erro de fundamentação. Logo, tem de se aceitar como válida a apreciação técnica que o júri fez das justificações para preços anormalmente baixos (bem como a sua recusa de outras). Aliás, a sentença recorrida analisou com extremo detalhe a fundamentação do júri, em termos que reputamos de extremamente precisos e exaustivos, não merecendo aqui qualquer reparo.
Ao contrário do alegado, a análise da razão dos preços anormalmente baixos não se faz por comparação com a possibilidade de outros concorrentes usufruírem das mesmas vantagens (que por razões comerciais podem não ter decidido valorar nas suas propostas), mas por referência aos valores e motivos que levaram a entidade adjudicante a fixar um determinado preço-base. Logo, é irrelevante se outros concorrentes, por motivos particulares, também podiam beneficiar da mesma redução de custos, mesmo que o não tenham feito (porque decidiram não fazer reflectir essas vantagens nas suas propostas, é assunto exclusivamente seu).
Entendemos assim que o R. logrou provar a legalidade e validade do acto impugnado.
Pelos motivos expostos, temos de entender que também não se verifica a nulidade da sentença, pela alegada violação do disposto nos arts. 90.2, 94.1, 94.2, 95 do CPTA, 653.2, 659.3, 668.1.b) e d) do CPC.
Logo, temos de concluir que a aceitação dos preços anormalmente baixos aceites feita pelo júri se encontra regular.

4.3. Primo conspectu, dir-se-ia que os documentos que apresentam a justificação do preço anormalmente baixo fazem parte dos documentos da proposta (artº 57.1.d do CCP). Assim sendo, não se vê, em princípio, qualquer razão para sobre os mesmos e sobre o seu conteúdo não de poderem pedir esclarecimentos nos termos do artº 72 do CCP. Não existe nenhuma norma que o impeça, e afigura-se-nos que a sua admissibilidade é imposta até pelo princípio da proporcionalidade.
Esta questão da possibilidade de a justificação do preço anormalmente baixo ser objecto de esclarecimentos, foi aprofundada por João Amaral e Almeida, in As Propostas de Preço Anormalmente Baixo, publicado nos Estudos de Contratação Pública, Vol. III, Coimbra Editora, pág. 134 e seguintes. Segundo este autor, o CCP deve ser interpretado à luz do Acórdão Lombardini (Ac. do TJ de 27/11/2001), pelo que quando as justificações apresentadas ao abrigo do artº 57.1.d) CCP não são consideradas pela entidade adjudicante satisfatórias, há duas hipóteses: ou isto ocorre por os documentos apresentados não serem comprovativos da seriedade ou congruência da proposta, ou, as justificações apresentadas criarem na entidade adjudicante dúvidas sobre pontos ou elementos concretos e precisos da proposta. No primeiro caso, isso levará à exclusão da proposta; no segundo, à aplicação do artº 71.3 do CCP. Esta solução não impede o recurso ao artº 72.1 do CCP quando estejam em causa meras aclarações.
No nosso caso concreto, o que o que o júri pediu foi:
- ao relação concorrente nº 3, no que concerne aos lotes 1 e 3:
"a) comprovar as condições excepcionalmente favoráveis à prestação de serviços invocadas, concretamente a disponibilidade de meios técnicos estacionados em Portugal e necessários à realização de voo digital neste mesmo território, o que permitiria uma poupança nos custos de deslocação do estrangeiro da aeronave e rspectiva câmara digital e ainda o acesso a condições de financiamento muito vantajosas para a execução dos serviços objecto do presente procedimento;
b) demonstrar a relação de causalidade entre as circunstâncias supra mencionadas e a formação do preço proposto, bem como a eventual quantificação da medida em que esses elementos contribuem para a redução do preço proposto em relação ao limiar do preço anormalmente baixo;
c) apresentar a decomposição analítica do preço proposto, conforme modelo em anexo, acompanhada da identificação dos pressupostos dessa orçamentação."
- Em relação ao concorrente nº 4, quanto ao lote 2:
"a) invocando esse agrupamento um conhecimento aprofundado do território e da estrutura de povoamento das áreas a que respeita a prestação de serviços que se reconduz ao lote 2, por força da execução nos últimos anos de múltiplos projectos nos concelhos objecto, deverá esclarecer qual a relação de causalidade entre atrás referida e a formação do preço proposto, bem como a quantificação da contribuição dessa mesma factualidade para a redução do preço proposto em relação ao limiar do preço anormalmente baixo.
b) submeter a decomposição analítica do preço proposto, conforme modelo em anexo, acompanhada da identificação dos pressupostos dessa orçamentação."
- Em relação ao concorrente nº 7, quanto aos lotes 1 e 2:
"a) Enuncie as especificidades da experiência detida pelas empresas que integram o agrupamento em relação às suas concorrentes no mercado, em termos que permitam compreender como é que essa experiência consubstancia uma condição excepcionalmente favorável de que este concorrente dispõe para a prestação dos serviços;
b) Concretize as soluções técnicas adoptadas pelo concorrente no Manual de Procedimentos que lhe permitam destacar-se, apresentando um preço significativamente inferior ao apresentado por outros concorrentes e ao limiar do preço anormalmente baixo;
c) densifique a invocada vantagem que consubstanciaria uma economia de procedimentos e meios quando aplicada ao objecto da presente prestação de serviços e à respectiva proposta e, a apresentação de exemplos mais significativos desse tipo de mais valia;
d) Demonstre a relação de causalidade entre os elementos enunciados nas alíneas anteriores e a formação do preço proposto, bem como a eventual quantificação da medida em que esses factos contribuem para a redução do preço proposto em relação ao limiar do preço anormalmente baixo;
e) submeta a decomposição analítica do preço proposto, conforme modelo em anexo, acompanhada da identificação dos pressupostos dessa orçamentação;"
- Em relação ao concorrente nº 10, quanto aos lotes 1 e 3, que "submeta a decomposição analítica do preço proposto, conforme modelo em anexo, acompanhada da identificação dos pressupostos dessa orçamentação".
Face a este conjunto de pedidos de esclarecimentos, temos de concluir que estamos perante dúvidas sobre pontos ou elementos concretos e precisos das diversas propostas. Não estamos perante uma alteração das justificações apresentadas, mas perante esclarecimentos sobre o seu teor.
Logo, está correcto o entendimento da sentença recorrida em admitir o recurso a estes esclarecimentos por parte da entidade adjudicante.
Improcede pois também este vício apontado à sentença recorrida.

5. Conclusão: Por tudo quanto vem de ser exposto, Acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul em Julgar improcedentes os recursos interpostos e confirmar a Douta Sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Registe e notifique.


Lisboa, 21/011/2011

Paulo Carvalho
Ana Celeste Carvalho
Cristina dos Santos