Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13 de Outubro de 2011 (proc. 7894/11)

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Sumário:

Resultando de dois anexos (um de proposta e outro de justificação do preço) que o preço unitário arredondado por refeição proposto é o mesmo, o valor com que a empresa se apresenta a concurso é o valor que resulta da multiplicação do número de refeições por esse valor unitário arredondado, que coincide com o valor global indicado no anexo chamado "proposta", sendo irrelevante que do anexo da justificação do preço conste um valor global mais elevado, antes do arredondamento.

 

Texto Integral:

Vem o presente recurso interposto da Sentença que decidiu:
a) procedente o pedido de anulação do acto de adjudicação praticado no âmbito do Concurso Público n° 1/ASE/2010 para Fornecimento de refeições em refeitórios escolares, bem como dos actos dele consequentes;
b) improcedente o pedido de exclusão da proposta apresentada pela concorrente Eurest;
c) parcialmente procedente o pedido de condenação na prática de acto devido, condenando a Demandada a reavaliar as propostas de acordo com o critério de adjudicação previsto no PC, interpretando a proposta da A...de acordo com o disposto no art. 60° do CCP, ou seja, considerando o valor previsto no anexo B2 e, caso a tal nada mais obstar, proceder à adjudicação do fornecimento à proposta da Autora;

Foram as seguintes as conclusões do recorrente Ministério:
a) Sendo num concurso público o critério de adjudicação o do mais baixo preço e estando estabelecido no Programa de Concurso que a Proposta é elaborada de acordo com dois anexos, sendo um deles o "Modelo de Proposta", donde, expressamente tem que constar o valor, o preço pelo que a concorrente se propõe efectuar o fornecimento em questão, é esse valor que tem que ser entendido como PROPOSTA, ou, se se quiser como preço da proposta;
b) A Nota Justificativa - Anexo B2 - não é uma densificação do critério. É uma explicitação de cálculos. Havendo discrepância entre os cálculos apresentados e o valor da proposta e tendo sido justificado que se devia a arredondamento efectuado pela concorrente, tendo-se aceite tal esclarecimento, o único valor que pode ser tido em conta como o da proposta é o do Anexo B1;
c) O Anexo B2 consubstancia o Modelo da Nota Justificativa de Preço (e não da Proposta) e não se verifica maior decomposição no Anexo B2 do que no Anexo B1 - os items em que a decomposição se traduz são rigorosamente os mesmos. A diferença de valores surgida decorre da alegada operação de arredondamento efectuada pela concorrente.
d) Não pode é, salvo o devido respeito, invocar-se a aplicação do art 60° do CCP e a sua prevalência relativamente às normas do PC, atento o estabelecido no art. 51° do citado Código dos Contratos Públicos.
e) A proposta da adjudicatária dá cumprimento ao disposto no ponto 1.3.1 do art. 11° do PC segundo o qual o preço unitário por refeição deve corresponder a, pelo menos 50% da matéria prima alimentar, como decorre da análise do Anexo B1 - que é o modelo da Proposta .
f) Considerando a exigência estabelecida no artigo 10°, n° 4 do PC (de que os preços indicados pelos concorrentes não deverão ter mais de três casas decimais), sempre a proposta da A...ficaria em primeiro lugar, porquanto, 1,248€ é o mesmo valor unitário que é apresentado pela recorrida.
g) Não fosse o arredondamento efectuado, se a A...apresentasse como preço global o valor de 1,248€ multiplicado pelo número de refeições previstas nas peças do procedimento (que é o mesmo para todos os concorrentes) então o valor das propostas da B...e da A...teria que ser igual.
h) Pressupondo que ambas apresentariam valores idênticos quanto à componente de matéria prima alimentar, teria que se recorrer ao critério de desempate estabelecido no PC, que é o da "proposta do concorrente apresentada em primeiro lugar", que, no caso, foi a da EUREST.
i) Ao decidir de forma diversa, a decisão recorrida fez errada interpretação do estabelecido no Programa de Concurso e no Código dos Contratos Públicos, designadamente, dos seus arts. 51°, 56°, 57° e 60°.

Foram as seguintes as conclusões da recorrente Eurest:
A) A decisão recorrida enferma de diversos erros de julgamento, quer quanto à matéria de facto quer quanto à aplicação do direito;
B) Quanto aos factos dados por assentes, verifica-se que é essencial para a boa decisão da causa, fixar como assente os factos referidos em 5. supra e que se dão aqui por reproduzidos;
C) Devendo, em consequência, ser ampliada a matéria de facto nos termos ora requeridos, por se encontrarem preenchidos os requisitos do art.º 690.º-A do CPC;
A) Quanto à aplicação do direito aos facto, verifica-se que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quando considerou preços e encargos como uma mesma coisa, quando em bom rigor apenas os primeiros são atributos da proposta, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 56.º, n.º 2 e do art.º 57.º, n.º 1, al. b) do CCP;
B) Não existe qualquer divergência de preços da proposta da EUREST, uma vez que o Anexo B1 e o Anexo B2 são documentos distintos com funções distintas;
C) O Anexo B1 contém a proposta de preços - unitários e global -, enquanto o Anexo B2, diferentemente, contém os encargos que justificam o preço proposto;
D) O critério de adjudicação do concurso em apreço é o da proposta com o preço unitário mais baixo, pelo que apenas o Anexo B1 contém os atributos da proposta;
E) As divergências de valores foram claramente justificadas pela A...em sede própria, como resultando do arredondamento do preço unitário das refeições à segunda casa decimal;
F) Não havendo divergência de preços, são inaplicáveis as regras relativas às mesmas, designadamente o disposto no art.º 60.º do CCP;
G) Ainda que assim não fosse, no que não se concede mas que por cautela de patrocínio se pondera, nunca o art.º 60.º, n.º 3 do CCP seria aplicável, porque em cada um dos anexos existem valores mais e menos decompostos, pelo que seria impossível hierarquizar dois preços globais para efeitos de aplicação do referido dispositivo;
H) Contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, sem, aliás, qualquer fundamentação de facto ou de direito que o justifique, o Anexo B2 não contém preços mais decompostos que o Anexo B1;
I) Seria, assim, antes e apenas aplicável o disposto no art.º 11.º, n.º 1.3 do PC, que determina que seria relevante o menor dos preços indicados;
J) Quanto à alegada ilegalidade da admissão da proposta da EUREST, por não afectar metade do preço das refeições para a matéria-prima alimentar, o Tribunal a quo incorre em sérios erros matemáticos na apreciação que faz, o que torna a sua conclusão absurda;
K) Com efeito, € 0,62 é efectivamente metade de € 1,24, pelo que dúvidas não restam que a proposta da A...respeitou o disposto no ponto1.3.1 do art.º 11.º do PC;
L) A dificuldade do Tribunal a quo nesta matéria prende-se com a incongruência criada entre o preço global e o preço unitário da proposta, decorrente da interpretação a que se chegou;
M) Quanto ao preço unitário da proposta da EUREST, este é o de € 1,24, mas seria sempre corrigível caso se viesse a concluir que o mesmo resulta de um erro de cálculo, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 249.º do CC;
N) Sucede, que o Tribunal a quo nada diz sobre o valor do preço unitário da proposta da Recorrente, sendo certo que este é a base para o apuramento do valor do contrato, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 6.º das Cláusulas Jurídicas do CE;
O) A estas incongruências não responde a douta sentença proferida, sendo certo que revoga a decisão de adjudicação à Recorrente, fundamentando essa decisão na violação do critério de adjudicação fixado, por ser a proposta da Autora a mais barata;
P) Caso se optasse por alterar o valor global da proposta da A...teria de alterar-se igualmente o valor unitário da mesma, que sendo igual ao da UNISELF, aplicar-se-iam os critérios de desempate de propostas, resultando sempre na adjudicação à Recorrente;
Q) A decisão recorrida viola, assim, o disposto nos art.ºs 8.º, 10.º, n.º 4 e 11.º do PC, art.º 6.º das cláusulas técnicas do CE e nos art.ºs 51.º, 56.º, n.º 2, 57.º, n.º 1, al. b) e 60.º do CCP.

Foram as seguintes as conclusões da recorrida:
1. O recurso em apreço carece em absoluto de qualquer fundamento, pelo que ao mesmo deve ser negado provimento e, consequentemente, deve ser mantida na íntegra a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
2. Nos termos doas artgos 56.º, n.º 1 e 57.º do CCP, os Anexos B1 e B2 integram a proposta de preço, não havendo qualquer hierarquia entre tais documentos.
3. A proposta da A...apresenta preços diferentes nos referidos Anexos B1 e B2.
4. O anexo B2 apresenta preços mais decompostos que o anexo B1.
5. Bem andou, pois, a decisão recorrida ao julgar o acto de adjudicação ilegal pois que por força do estabelecido no artigo 51.º do CCP, o ponto 1.3 do artigo 11.º do PC segundo o qual "sempre que na proposta sejam indicados vários preços, em caso de qualquer divergência entre eles, prevalece sempre, para todos os efeitos o menor."não poderia ser considerada em violação do disposto no n.º 3 do artigo 60.º do CCP segundo o qual "Sempre que na proposta sejam indicados vários preços, em caso de qualquer divergência entre eles, prevalece sem-pre, para todos os efeitos, os preços parciais, unitários ou não, mais decompostos."
6. A interpretação feita pelo Júri ao considerar para efeitos de adjudicação apenas o valor constante do Anexo B1 da A...viola o ponto 1.3.1 do artigo 11.º do PC e, como tal, viola o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, que impunha a respectiva exclusão, pelo que, também por aqui o acto de adjudicação é ilegal.
7. O critério de adjudicação é, obviamente, o mais baixo preço global e foi sempre este que foi tido em conta para a avaliação das propostas.
8. Isto mesmo resulta dos elementos do procedimento, designadamente pelas propostas dos concorrentes (incluindo a da Eurest),
9. Bem como pelo relatório final e pelo acto de adjudicação que adjudica o fornecimento à A...pelo montante global de € 13.775.594,00 (cfr. artigos 8.º, 10.º e ponto 1.3 do artigo 11.º do PC que se referem ao "preço global/total", bem como alíneas M) e O) dos Factos Assentes).
10. Nem de outra forma poderia ser, por força dos artigos 74.º, n.º 2 e 97.º do CCP, que determinam que o preço da proposta adjudicada corres-ponde ao preço a pagar pela entidade adjudicante pela execução de todas as prestações que constituem o objecto do contrato, ou seja, a todos os custos e encargos decorrentes da execução do mesmo.
11. Nada há a apontar à sentença recorrida quando, interpretando o valor da proposta de acordo com o critério previsto no artigo 60.º do CCP, decide que "sendo o critério de adjudicação o do mais baixo preço (alínea B) dos factos assentes), que o valor constante do anexo B2 da proposta adjudicatária é de 13 870 023,47 (alínea G) dos factos) e que o valor da proposta da Autora é de 13 864 468,80 (alíneas G), I) e J) dos factos assentes), dúvidas não subsistem de que da aplicação do referido critério de adjudicação resultaria a adjudicação à pro-posta da Autora." (sublinhado nosso).
12. De resto, sempre se dirá que, de nada serve uma decisão sobre a ampliação da matéria de facto assente requerida pela Eurest, porquanto esta em nada vem alterar o que vem dito.
13. É absolutamente inadmissível, o alegado pela A...de que a alteração por si efectuada ao preço unitário de refeição de 1,248€ para 1,24€ corresponderia a um erro de cálculo, susceptível de correcção nos termos do artigo 249.º do Código Civil, porquanto, resulta bem patente dos esclarecimentos prestados pela A...no âmbito do procedimento em apreço que não há qualquer lapso, qualquer erro de escrita ou qualquer divergência entre a vontade e a declaração emitida.
14. Se efectivamente se tratasse de um erro de cálculo, a A...deveria tê-lo corrigido quando foi notificada pelo júri do concurso para esclarecer as razões das divergências encontradas.
15. Mas não foi nada disso que a A...fez, pelo contrário, esta concorrente reiterou que o valor que queria efectivamente indicar era o de 1,24€ e não 1,248€, pelo que, não se trata de qualquer erro mas sim de declarar um preço unitário de refeição no Anexo B1 que não corresponde à verdade, conforme atesta a nota justificativa desse mesmo preço constante do Anexo B2 da Eurest.
16. Não faz, portanto, qualquer sentido, por manifestamente ilegal e ao arrepio das mais basilares regras da contratação pública, a tese peregrina de que poderia, agora "rectificar-se" a proposta da A...de forma a que o preço unitário seja €1,248 e o respectivo preço global de € 13.864.468,80.
17. É que tal não corresponderia a uma rectificação mas sim a uma verdadeira alteração da proposta da Eurest, que sempre seria ostensivamente ilegal.
18. Sempre se dirá, ainda, que a situação em apreço jamais se enquadraria no artigo 249.º do Código Civil , pois que, de acordo com esta disposição, não é todo e qualquer erro de cálculo que dá direito á rectificação, é necessário que tal erro seja revelado no próprio contexto da declaração ou através de circunstâncias em que a declaração é feita, o que manifestamente não acontece relativamente aos Anexos B1 e B2 da Eurest.
19. Em suma, a manobra de "arredondamento" de preços unitários da A...corresponde àquilo que comummente se costuma apelidar de "chico-espertice", com a qual o Réu compactuou, em prol de obter o fornecimento ao mais baixo preço possível, mesmo que à custa da violação das normas do PC e da Lei!
20. Em resumo, tudo visto e bem visto, resulta claro e inequívoco que bem andou o Tribunal recorrido ao julgar procedente o pedido de anulação do acto de adjudicação praticado no âmbito do concurso público n.º 1/ASE/2010, bem com, condenando o Réu, ora Recorrente, a reavaliar as propostas de acordo com o critério de adjudicação previsto no PC, interpre-tando a proposta da A...de acordo com o disposto no art.º 60.º do CCP, ou seja, considerando o valor previsto no anexo B2. e, caso a tal nada mais obs-tar, proceder à adjudicação do fornecimento à proposta da Autora.
21. Não merece, pois, qualquer censura a douta sentença proferida, pelo que deve ser negado provimento aos recursos interpostos pelo Réu e pela Contra-interessada, ora Recorrentes.

2. Foi a seguinte a factualidade assente pela Sentença recorrida:
a) A 6 de Agosto de 2010 foi publicado no DR o anúncio do Concurso Público n° 1/ASE/2010 para Fornecimento de refeições em refeitórios escolares;
b) O critério de adjudicação estabelecido no Programa do Concurso foi o do mais baixo preço (cf. art. 8º do PC junto com o processo administrativo);
c) No art. 11o do PC estabeleceu-se que a Proposta de preço seria elaborada de acordo com os seguintes modelos:
- Anexo B1 - Modelo de Proposta;
- Anexo B2 - Modelo - Nota Justificativa do Preço;
d) No ponto 1.3.1 do art. 11° do PC estabeleceu-se que O preço unitário da refeição é indicado sem IVA, devendo pelo menos 50% do seu valor corresponder à matéria-prima alimentar,
e) Dá-se por reproduzido o modelo dos Anexos B1 e B2 do Programa do Concurso;
f) Pela Concorrente A...foi entregue o Anexo B1 preenchido nos termos seguintes:
(...)
G) Pela concorrente A...foi apresentado o Anexo B2 preenchido nos seguintes termos:
(...)
H) A Autora apresentou uma proposta de preço no valor global de 13 864 468,80€, tendo apresentado um preço unitário por refeição de 1, 248€ (cf. proposta junta com o processo administrativo);
I) Pela Autora foi apresentado o anexo B1 nos termos seguintes:
(...)
J) Pela Autora foi apresentado o Anexo B2 nos termos seguintes:
(...)
K) Pelo Júri do Concurso foi deliberado solicitar à concorrente A...os esclarecimentos seguintes: Justificação para a discrepância que se verifica entre o valor do preço global da proposta, apresentado no anexo B1 e o valor global da mesma constante do anexo B2 (acordo e processo administrativo junto aos autos);
L) A concorrente A...remeteu à Entidade Requerida, em resposta, o ofício com o teor seguinte:
No seguimento da vossa solicitação datada em 27 do corrente, vimos esclarecer que a discrepância existente é derivada do arredondamento a duas casas decimais. A A...optou por apresentar a sua proposta desta forma, à semelhança do exigido nas peças do concurso da O. R. F.L., em que o número máximo permitido de casas decimais é de duas.
M) Pelo Director Regional de Educação do Norte foi determinada a adjudicação do fornecimento de refeições em refeitórios escolares da área da Direcção Regional de Educação do Norte à Concorrente A...- Sociedade Europeia de Restaurantes Lda, pelo montante de 13 775 594,00 € (fls. 77 dos autos);
N) Pelo Júri, no Relatório Final, foi proposta a ordenação das propostas nos termos seguintes:
A...- SOCIEDADE EUROPEIA DE RESTAURANTES, LDA *
B...- SOCIEDADE DE RESTAURANTES PÚBLICOS E PRIVADOS, S.A.
ICA - INDÚSTRIA E COMÉRCIO ALIMENTAR, S.A.
O) Dá-se por reproduzido o teor do Relatório Final elaborado pelo Júri, no qual se referiu, designadamente, o seguinte: «(...). {...), a B...- SOCIEDADE DE RESTAURANTES PÚBLICOS E PRIVADOS, S.A. veio alegar que a proposta da concorrente A...- SOCIEDADE EUROPEIA DE RESTAURANTES, lda contém irregularidades graves que determinam, de forma irremediável, a sua exclusão, isto porque, e em síntese, "relativamente ao único atributo das propostas - o preço - a proposta da A...é contraditória, não sendo possível determinar com exactidão". Com efeito, na proposta apresentada pela A...verifica-se uma discrepância entre o preço global da proposta, apresentado no anexo B1 e o valor global da mesma constante no anexo B2, tendo o júri solicitado esclarecimentos sobre o assunto, ao que a concorrente veio responder que a "discrepância existente é derivada ao arredondamento a duas casas decimais". Como já consta do relatório preliminar, para o júri o valor da proposta é para todos os efeitos, o constante no Anexo B1 - que é o que consta do formulário principal - pelo que considerou como válido o valor 13.775.594,00€, a que acresce iva à taxa legal aplicável) até porque a concorrente terá que cumprir as condições pelas quais se propõe realizar o fornecimento, sempre com integral respeito por todo o conteúdo do Caderno de Encargos. Considera a B...que o PC náo estabelece qualquer hierarquia entre os dois documentos em causa - o anexo B1 e o anexo B2 devendo ambos ser apresentados pelos concorrentes sob pena de exclusão, conforme resulta da alínea d) do n° 1 do art. 18° do PC. O certo é que a proposta da concorrente A...se encontra instruída com todos os elementos mencionados no artigo 11® do Programa do Concurso. Entende o Júri que a proposta é a que corresponde ao Anexo B1 e é a essa que a concorrente se vincula. Acresce que o ponto 1,3 do art. 11° do PC estabelece expressamente que "Sempre que na proposta sejam indicados vários preços, em caso de qualquer divergência entre eles, prevalece sempre, para todos os efeitos, o menor". Pela aplicação deste critério, sempre o valor da proposta constante do Anexo B1 deveria ser considerado, como o foi. Do exposto decorre que contrariamente ao alegado pela UNISELF, o Júri não alterou as regras do concurso, nem violou o princípio da imutabilidade das peças concursais. Os esclarecimentos solicitados, salvo o devido respeito, não são ilegais, não violando o art. 72° do CCP e não permitiu alterar a proposta do concorrente relativamente ao seu atributo. (...)»;
P) O fornecimento de refeições aos refeitórios das escolas da área da Direcção Regional de Educação do Norte está a ser assegurado pela contra-interessada Eurest, no âmbito do contrato para fornecimento de refeições em refeitórios escolares n° 2/ASE/2010, celebrado a 8 de Setembro de 2010, pelo prazo de 30 dias lectivos prorrogável até à conclusão do concurso dos autos e outorga do respectivo contrato (cf. cláusula segunda do contrato de fls. 210-212 do processo cautelar apenso aos presentes autos);
O M. P. foi notificado para se pronunciar sobre o mérito do recurso.
O processo foi submetido à conferência sem colher vistos, por se tratar de processo urgente.

3. São as seguintes as questões a resolver:
3.1. Há que alterar a matéria de facto ?
3.2. Os anexos B1 e B2 da proposta da Recorrente são incompatíveis ?
3.3. O preço unitário por refeição da proposta da A...corresponde em pelo menos 50% a matéria prima alimentar ?

4.1. Pretende a recorrente B...que a matéria de facto seja alterada de forma a dela constar o alegado no ponto 5 das suas alegações de recurso, a saber:
- Nos termos do artº 9 do PC, o preço base do procedimento é de € 1,34 por refeição sem IVA.
- Nos termos do nº 1 do artº 6 das cláusulas jurídicas do CE, "o preço do serviço prestado corresponderá ao produto do preço unitário por refeição pela quantidade de refeições encomendadas, correspondentes ao número de senhas vendidas pela Escola na véspera e no próprio dia. As quantidades a fornecer terão por base o número de refeições encomendadas pela Escola".
Quanto ao primeiro, ele consta da clásula 9 do caderno de encargos, pelo que nada há a opor ao seu aditamento.
O ponto 6.1. das clásulas jurídicas do caderno de encargos diz: "O preço do serviço prestado corresponderá ao produto do preço unitário por refeição pela quantidade de refeições encomendadas, correspondentes ao número de senhas vendidas pela Escola na véspera e no próprio dia. As quantidades a fornecer terão por base o número de refeições encomendadas pela Escola." Assim sendo, nada há a obstar a que tal conste da matéria de facto.
Pelo exposto, ao abrigo do artº 712.1.a) CPC, aditam-se à matéria de facto os seguintes pontos:

q) O preço base do procedimento é de € 1,34 por refeição sem IVA - artº 9 do Caderno de encargos.
r) O preço do serviço prestado corresponderá ao produto do preço unitário por refeição pela quantidade de refeições encomendadas, correspondentes ao número de senhas vendidas pela Escola na véspera e no próprio dia. As quantidades a fornecer terão por base o número de refeições encomendadas pela Escola - ponto 6.1. das cláusulas jurídicas do CE.

4.2. Entendeu a sentença recorrida que o valor constante dos anexos B1 e B2 não eram coincidentes e, que por força do artº 60 do CCP; prevalecia o preço mais decomposto.
Defende a recorrente que os valores são iguais, havendo apenas um arredondamento no anexo B1.
Quando se fala em valores e em preços, a doutrina distingue entre valor do contrato, preço base e preço contratual (vide neste sentido, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, de Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, ed. Almedina, 2011, págs. 630 e seguintes). O preço da proposta vencedora pode não coincidir sequer com o preço contratual, por força do artº 97.2 do CCP (neste sentido, cit., pág. 640).
No nosso caso, interessa-nos comparar e avaliar os preços das propostas, que são os atributos sujeitos à concorrência deste concurso (neste sentido, cit., pág. 586).
O programa do concurso diz no seu ponto 1.3. que "sempre que na proposta sejam indicados vários preços, em caso de qualquer divergência entre eles, prevalece sempre, para todos os efeitos, o menor."
A primeira questão é sabermos se há divergência incompatível entre o anexo B1 e o anexo B2 apresentados pela Eurest.
No anexo B1 vem indicado como preço total da proposta € 13.775.594,00, que segundo consta do anexo, corresponde ao preço unitário de € 1.24 por refeição.
No anexo B2 (nota justificativa do preço) vêm discriminados os encargos com o pessoal nos refeitórios, os encargos com as matérias primas e outros encargos, com o preço global de € 13.870.023,47, a que segundo consta deste anexo, corresponde ao preço unitário de € 1,24 por refeição.
Em sede de esclarecimentos, a recorrente explicou que o valor global justificado do anexo B2 resultava em € 1,248 por refeição, mas que ela optou por arredondar para € 1,24 por refeição, sendo essa a sua proposta.
Vê-se assim que, ao contrário do concluído pela sentença recorrida, não existe contradição entre o anexo B1 e B2, pois em ambos é proposto o preço de € 1,24 por refeição. Quando pretendeu justificar o preço, o valor da recorrente resultou num valor superior, de € 1,248 por refeição, mas ela optou por arredondar para € 1,24, sendo claramente essa a sua proposta, como se infere do anexo B1. Se não fosse assim, não teria inscrito este valor de € 1,24 no anexo B2. Podia ter optado por arredondar para € 1,50, podia ter concorrido com € 1,248 por refeição, mas não foi essa a sua opção. Certamente por razões de concorrência, optou por arredondar para baixo. Logo, tem de se considerar que foi com este valor que ela fez a sua proposta, foi com este preço que se apresentou ao concurso, não tendo em sede de esclarecimentos feito qualquer alteração à mesma.
Assim sendo, não há divergência entre o anexo B1 e o anexo B2, pelo que a questão da incompatibilidade entre o artº 60.3 do CCP e o caderno de encargos não se põe, sendo aqui inaplicável a referida disposição legal.

4.3. Entendeu a sentença recorrida que a interpretação do júri não dava cumprimento ao disposto no ponto 1.3.1. do artº 11 do PC, segundo o qual o preço unitário por refeição deve corresponder a pelo menos 50% de matéria prima alimentar.
Constando da proposta da recorrente € 1,24 por refeição, constando do anexo B1 que 0,62 eram de matéria alimentar e 0,62 correspondiam a encargos com pessoal, é evidente que a simples menção de € 30,00 no anexo B2, quando inserida num universo de € 13.775.549,00 não pode ter como consequência a interpretação de que a regra de metade da despesa ter de ser com alimentação não foi cumprida, tanto mais não seja por força do princípio da proporcionalidade (a sentença recorrida diz que os valores dos encargos com matérias-primas alimentares, encargos gerais, lucro e outros custos foram preenchidas a zero, mas de facto foram preenchidas com € 10,00 cada, sendo o argumento para tal de redução a duas casas decimais indefensável).
Assim sendo, não deve ser anulado o concurso em causa.

5. Conclusão: Por tudo quanto vem de ser exposto, Acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul em Julgar procedente o recurso, revogar a sentença recorrida e, absolver o recorrente Ministério da Educação dos pedidos.
Custas pela recorrida.
Registe e notifique.
13/10/2011

PAULO CARVALHO
CARLOS ARAÚJO
TERESA DE SOUSA