Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 25 de Fevereiro de 2011 (proc. 1215/10)

Imprimir

Sumário:

1. Recai sobre a Administração a obrigação de atender aos eventuais vícios da vontade de que possa enfermar a declaração negocial do recorrente, nomeadamente os erros materiais ostensivos apreensíveis da mera leitura da proposta apresentada, ou seja, os erros que incidem sobre os elementos não variáveis que os concorrentes tiverem que tomar em consideração na elaboração das respectivas propostas.
2. O juízo de adequação dos meios humanos e materiais afectos à empreitada, por se tratar de um juízo de valoração, segundo regras técnicas ou de experiência particular, só está submetido à censura jurisdicional em casos de erro de facto ou nos casos limite de violação do princípio da racionalidade («erro grosseiro» ou «erro manifesto») ou do princípio da proporcionalidade.*
* Sumário elaborado pelo Relator
    

Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte:
1 - P..., Lda., melhor identificada nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida em 4/11/2010 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual que interpôs contra o Município de Ponte de Lima pedindo a anulação da deliberação da câmara municipal de 14/6/2010 que aprovou o relatório final do júri do procedimento concursal relativo à empreitada de obras públicas "Construção do Centro Educativo das Lagoas/Pentieiros" e que adjudicou tal empreitada ao concorrente I... - construções Lda. e D..., S.A.
Nas alegações, concluiu o seguinte:
I. Tendo a entidade adjudicante fixado como critério de adjudicação o da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos do art. 74º/1/b) do CCP, o Júri, com a análise e avaliação das propostas a que procedeu e com a manipulação a que procedeu, converteu tal critério no critério do mais baixo preço, nos termos do art. 74º/1/a) do mesmo diploma, o que viola, não apenas o disposto no art. 16º do P.C., como também a norma do art. 74º/2 do CCP, pois que, no caso, o caderno de encargos não definia todos os restantes aspectos do contrato a celebrar, submetendo apenas à concorrência o preço a pagar pela entidade adjudicante pela execução de todas as prestações que constituem o objecto daquele.
II. Para o efeito, o Júri usou o mais simples dos artifícios: atribuiu a todas as propostas que avaliou a mesma pontuação no factor da "Qualidade Técnica das Propostas" e, de forma ainda mais mirabolante, a mesmíssima pontuação a todas as 24 propostas que avaliou em cada um dos quatro subfactores (Plano de Trabalhos, Plano de equipamentos, Plano de Mão-de-obra e Plano de Pagamentos) de tal factor, como se fosse possível que todas as propostas apresentassem, exactamente, a mesma qualidade técnica e exactamente a mesma adequação à empreitada, com as mesmas soluções e com as mesmas condições, é dizer, os mesmos atributos no conjunto ordenado dos diferentes atributos definidos e susceptíveis de serem propostos para cada aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos respeitante ao factor "Qualidade Técnica das Propostas" e respectivos subfactores.
III. O Consórcio I... apresentou um Plano de Mão-de-obra em manifesta desconformidade com o conteúdo do Plano de Trabalhos, considerando neste último que a empreitada começava a meio da semana 1 do mês 1 e acabava a meio da semana 60 do mês 14, decorrendo, por isso, a execução da mesma durante 14 meses e 60 semanas de obra, o que obedece claramente à exigência do prazo feito pela entidade adjudicante (420 dias), ao passo que no primeiro, para além de se indicar um prazo de execução, em algarismos, de 365 dias, indica também 14 meses e 56 semanas de obra (mencionando, em legenda, que cada quadrícula do mapa é igual a 1 semana).
IV. O Plano de Mão-de-obra apresentado pelo Consórcio I... não é adequado à empreitada, pois que, para além da desconformidade entre o prazo fixado pela entidade adjudicante (420 dias) e o prazo geral referido no início do Plano (365 dias), no seu conteúdo concreto falta apresentar Plano de Mão-de-obra para 4 semanas, pelo que jamais o Júri lhe poderia ter atribuído a pontuação de 10, que era a pontuação máxima.
V. Alertado o Júri pela recorrente, em sede de audiência prévia, para tão errónea avaliação, o mesmo veio sustentar que, na verdade existia tal "incongruência", "contudo ao apresentar a declaração do Anexo I do CCP, o consórcio declara sob compromisso de honra, que as suas representantes se obrigam a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do caderno de encargos, relativamente ao qual declaram, aceitar sem reservas, todas as cláusulas, nas quais se inclui o prazo de execução da empreitada de 420 dias (alínea c) da cláusula 9º das cláusulas gerais). Considerando que o plano está elaborado para 14 meses e tendo em conta a referida declaração, consideramos o mapa válido. De acordo com os critérios de avaliação, o plano da mão-de-obra é classificado com 10 pontos, pois considera-se adequado à empreitada".
VI. Ao fazer tal declaração, o Júri mudou do nível em que se encontrava - o nível correspondente ao da avaliação das propostas de acordo com os factores e subfactores que densificam o critério de adjudicação - para passar ao nível que não lhe competia naquele momento, de saber se o erro, a desconformidade ou a "incongruência" que o referido Plano de Mão-de-obra apresentava, influía na execução da empreitada e se era motivo de exclusão da proposta.
VII. O Júri esqueceu-se da sua função concreta naquele momento e de avaliar o documento que tinha na sua frente, é dizer, o Plano de Mão-de-obra do consórcio I... em função da pontuação prevista no modelo de avaliação de propostas consagrado no artigo 16º do P.C., actividade que correspondia tão somente em determinar se esse Plano era adequado à empreitada (caso em que lhe tinha de atribuir a pontuação de 10) ou se, pelo contrário, o mesmo não era adequado (caso em que lhe tinha de atribuir 5 pontos).
VIII. Trata-se de um erro clamoroso e chocante, pois que, sob pena de exclusão, todos os concorrentes são obrigados a apresentar tal declaração, que integra a própria proposta - art. 57º/1/a) do CCP -, sendo que, com o argumento ad terrorem que o Júri foi descobrir para manter a pontuação de 10 que tinha atribuído, não tinha o mesmo que avaliar as propostas de acordo com todos os subfactores fixados, apenas tendo que atribuir a pontuação máxima em todos e cada um desses subfactores, pois que, se todos os concorrentes emitiram e apresentaram, necessariamente, declarações com o mesmo conteúdo, isso era suficiente para garantir ao Júri que nada mais era necessário avaliar!...
IX. Com semelhante argumento, nem sequer faz o mínimo sentido a atribuição das pontuações que o Júri atribuiu às propostas na avaliação de outros subfactores e que não foram as pontuações máximas, já que o argumento que vale para o subfactor "Plano de Mão-de-obra" vale para todos os outros, pelo que teria o Júri, nessa lógica, de ter-se bastado com a aceitação das declarações dos concorrentes, garantia suficiente de que todos executariam a empreitada de acordo com todas as cláusulas do caderno de encargos, mostrando-se a avaliação, nessa parte, completamente inútil, pois que todos teriam de ter a pontuação máxima.
X. O Júri errou de novo e de forma grave e ostensiva, ao considerar que o Plano de mão-de-obra estava elaborado para 14 meses e que, atenta a referida declaração, considerava o mapa apresentado válido, quando o que estava em causa não era a validade ou invalidade do Mapa de Mão-de-obra, mas apenas a avaliação do Plano de mão-de-obra atento o seu concreto conteúdo, por forma a atribuir-se a pontuação adequada de acordo com a escala de pontuação pré-definida para a avaliação das propostas nesse subfactor específico.
XI. Ocorre, de resto, causa de exclusão da proposta n°. 36 do Consórcio I..., na medida em que a proposta, tal como foi apresentada, consubstancia uma proposta variante, pois que o seu Plano de Mão-de-obra contém um prazo de execução da empreitada de 365 dias, em completa desconformidade com o prazo fixado pela entidade adjudicante para a execução do contrato, o mesmo tendo acontecido, de resto, relativamente ao Plano de Equipamentos e Plano de Trabalhos.
XII. Subsidiariamente, haveria que se considerar que a proposta em causa apresenta um termo ou condição que viola claramente um aspecto da execução do contrato que a entidade adjudicante não submeteu à concorrência.
XIII. Erro exactamente igual ao que acaba de se mencionar ocorreu em relação ao "Plano de Equipamentos" apresentado pelo Consórcio I..., pois que volta a verifica-se que considerou o prazo de execução da empreitada de 365 dias, conforme menção que após expressamente em algarismos do lado esquerdo do documento que contém o seu Plano, apresentando depois 14 colunas relativas a 14 meses de execução da obra e 56 quadrículas correspondentes a 56 semanas, conforme indica expressamente em legenda do lado direito do documento (cada quadrícula = 1 semana).
XIV. Pelo que não teve a proposta do citado concorrente em conta que o prazo de execução da empreitada era de 420 dias, ou seja, a realizar durante 14 meses e 60 semanas, faltando, assim, também neste Plano de Equipamentos plano para 4 semanas.
XV. Valem, por isso, todas as considerações constantes das conclusões anteriores relativas ao Plano de mão-de-obra, que aqui se dão por reproduzidas.
XVI. Sendo que o Plano de Equipamentos apresentado pelo Consórcio I... não é adequado à empreitada, por lhe faltar, claramente, a distribuição de equipamentos para 4 semanas, de modo algum lhe podia ter sido atribuída a pontuação de 10, como o voltou a fazer o Júri do procedimento, de novo com o recurso à mesma declaração do Anexo 1 do CCP apresentada pelo Consórcio I... referida supra, tendo o Júri remetido expressamente para a argumentação que tinha produzido para atribuir a pontuação de 10 ao Plano de mão-de-obra do mesmo Consórcio.
XVII. O Plano de Pagamentos apresentado pela recorrente respeitou integralmente a exigência feita no artigo 16° do PC de conter os valores mensais, acumulados por actividade e percentagem, para que pudesse ser-lhe atribuído 10 pontos.
XVIII. O Júri cometeu novo erro grosseiro e clamoroso, ao declarar que o Plano de Pagamentos apresentado pela recorrente não continha os elementos referidos na cláusula anterior, em face do que lhe atribuiu apenas 5 pontos.
XIX. E mesmo após a reclamação apresentada pela recorrente na audiência prévia, alertando para o erro flagrante cometido, o Júri limitou-se a declarar que a recorrente não apresentava no seu Plano de Pagamentos, acumulados por actividade.
XX. Mesmo que o Júri tivesse considerado que o Plano de Pagamentos apresentado pela recorrente não estava perfeito, em obediência ao principio da igualdade, estava obrigado a fazer funcionar a sacrossanta fórmula que utilizou para a avaliação da proposta do Consórcio I..., segundo a qual "... contudo ao apresentar a declaração do Anexo 1 do CCP, ... declara sob compromisso de honra, que ... se obrigam a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do caderno de encargos, relativamente ao qual declaram, aceitar sem reservas, todas as cláusulas...", o que não fez.
XXI. Ao contrário daquilo que foi considerado na douta sentença, o comportamento do Júri na análise e avaliação das propostas quanto aos três subfactores referidos, encerra claro erro palmar, grave, ostensivo, patente, e não qualquer mero esforço de teleologia do Júri, não sendo legitima a afirmação de que este se tinha limitado a suprir um erro verificado, ao nível dos planos de mão-de-obra e equipamentos, recorrendo aos demais elementos que tinha à sua disposição.
XXII. Não se está em presença de qualquer esforço de teleologia, muito menos legítimo, já que aquilo que o Júri fez não foi interpretar, mas antes desconsiderar, desvalorizar, ignorar um erro manifesto do plano de mão-de-obra e do plano de equipamentos do Consórcio I..., que ele próprio admitiu verificar-se, ainda que sob a designação de "incongruência".
XXIII. Com efeito, o que o Júri fez, foi tratar de arranjar um argumento para considerar que a falta de plano de mão-de-obra e plano de equipamentos para 4 semanas da empreitada não era relevante, não interessava, não tinha interesse para a concreta tarefa de avaliação da proposta em causa nos dois referidos subfactores e para os considerar "adequados à empreitada", de modo a atribuir-lhes a pontuação máxima em ambos.
XXIV. Ao Júri não compete interpretar as falhas, os erros, as desconformidades, as omissões patentes das propostas dos concorrentes, mas antes avaliar, séria, imparcial e objectivamente, as propostas de acordo com o modelo previamente estabelecido, com o critério de adjudicação e com os factores e subfactores que o densificam.
XXV. O Júri também não recorreu aos "demais elementos que tinha à sua disposição", mas antes ao texto da declaração a que se refere o Anexo 1 ao CCP, em que o concorrente, (como todos os demais, já que se trata de documento de apresentação obrigatória), sob compromisso de honra, declarou que se obrigava a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do caderno de encargos, que aceitava sem reservas.
XXVI. Se o argumento do Júri fosse válido e minimamente aceitável, não teria o mesmo que avaliar fosse que factor fosse, bastando-lhe certificar-se de que todos os concorrentes apresentaram a dita declaração para, desde logo, ter de lhes atribuir, de imediato, e sem mais, a pontuação máxima a todos os concorrentes em todos os subfactores e, consequentemente, no factor relativo à qualidade técnica da proposta, pois que todos se teriam obrigado, nesse caso, a executar o contrato em conformidade com o caderno de encargos.
XXVII. Em tal caso, o factor qualidade técnica da proposta e os subfactores que o densificam seriam uma pura inutilidade e não teriam, sequer, que ser avaliadas as propostas de acordo com os mesmos, pois que todas teriam a pontuação máxima, ficando-se apenas com o factor preço para se avaliar as propostas.
XXVIII. Não é legítimo, nem legal, nem transparente, que se escolha como critério de adjudicação a proposta economicamente mais vantajosa e depois se manipule de todo o factor relativo à qualidade técnica das propostas para se ficar apenas com o factor relativo ao preço para a escolha da proposta vencedora.
XXIX. Aquilo que o Júri fez, pois, não foi interpretar, mas antes cometer deliberadamente um erro ostensivo, patente, palmar, da máxima gravidade, na avaliação das propostas, sendo que, com a validação do argumento que o Júri invocou equivale a permitir-se-lhe que utilize a citada declaração dos concorrentes como e quando assim o entenda, seja para avaliar com a pontuação máxima uma proposta em detrimento de outras, seja para as avaliar a todas com a mesma pontuação máxima e converter o factor da qualidade técnica numa inutilidade jurídica, num enorme nada, seja para branquear erros patentes das propostas, como foi o caso do procedimento concursal a que se referem os presentes autos, seja para aquilo que o Júri quiser que seja.
XXX. Ao Júri não compete suprir erros das propostas, não lhe é licito ficcionar que nelas está o que nelas não se lê e o que nelas não está.
XXXI. No caso, verificou-se, pois, erro grosseiro e clamorosamente injusto na avaliação da proposta do Consórcio I..., que tem como resultado e se traduz num óbvio, grave e inaceitável desajustamento do acto de adjudicação em relação à situação concreta, merecendo, por isso, uma clara e necessária censura pela ilegalidade grave que encerra, pelo perigo que representa a utilização de semelhantes argumentos e comportamentos em matéria de contratação pública por Júris que assim manipulem a avaliação de propostas e pelo agravo que faz a princípios básicos e essenciais da contratação, como são o princípio da igualdade, da transparência e da concorrência, consagrados no art. 1°/4 do CCP.
XXXII. Em relação à questão do Plano de Pagamentos, a posição do Júri não encerra qualquer divergência interpretativa em relação ao que se entenda por "acumulados por actividade e percentagens", mas antes uma verificação objectiva do cumprimento ou incumprimento das exigências formuladas pela entidade adjudicante.
XXXIII. Jamais o Júri declarou que interpretava de forma diferente o conteúdo do artigo 16° relativamente às exigências do Plano de Pagamentos, antes tendo dito, pura e simplesmente, e contra a evidência do Plano apresentado, que o mesmo não cumpria tais exigências, pelo que lhe atribuía 5 pontos, como não devia, e não 10, como devia.
XXXIV. Verifica-se, também aí, manifesta violação dos princípios da transparência, igualdade e concorrência, não apenas porque o Júri, infundadamente, se limitou a afirmar que não se encontrava no Plano de Pagamentos aquilo que lá estava - e está - de forma inteiramente clara e rotunda, como também porque, perante a pronúncia da recorrente na audiência prévia, questionando a avaliação da sua proposta nessa parte, o Júri voltou a dizer, sem mais, que a recorrente não apresentou o seu Plano de Pagamentos com acumulados por actividade e como também porque se o Plano de Pagamentos da recorrente não respeitasse o P.C., na lógica do Júri, havia que fazer funcionar a declaração contendo a sacrossanta fórmula que utilizou para a avaliação da proposta do Consórcio I..., segundo a qual tal declaração é garantia suficiente de cumprimento de todas as cláusulas do caderno dc encargos, o que não fez.
XXXV. A correcção da avaliação das propostas nºs 36 e 35, apresentadas pelo Consórcio I... e pela recorrente, respectivamente, nos três subfactores aludidos nas conclusões anteriores (basta, de resto, que isso aconteça em relação aos subfactores relativos aos Planos de mão-de-obra e de equipamentos) conduz, manifestamente, a que a proposta da recorrente seja ordenada em primeiro lugar, dando-se aqui como reproduzidas as operações feitas na petição inicial a esse respeito (itens 131° a 142°), sendo, assim, a proposta da recorrente a proposta economicamente mais vantajosa.
XXXVI. Os erros graves cometidos pelo Júri na análise e avaliação das propostas inquinam o acto de adjudicação que foi inteiramente concordante com os relatórios produzidos pelo Júri e os absorveu na sua fundamentação.
XXXVII. Salvo o devido respeito, foram violadas, entre outras, as normas dos arts. 1°/4, 41°, 59°/7, 70°/1 e 2/b), 74°/l/a) e 2, 75°/l e 2, 139°/3 e 146°/2/d), f) e o) do CCP, 1°/4 do CCP e 4°, 5°,6°, 6°-A do CPA e 266°/2 da CRP.

O MPL, em sede de contra-alegações, pugna pela rejeição liminar do recurso.

O Ministério Público, notificado para o efeito, não emitiu parecer.

2. O aresto recorrido deu como provado os seguintes factos:
1. A Autora é uma empresa que se dedica à construção civil;
2. O Município Réu decidiu abrir um procedimento de concurso público sem publicação no Jornal Oficial da União Europeia para a celebração de um contrato de empreitada de obras públicas para a realização da empreitada de "Construção do Centro Educativo das Lagoas/Pentieiras", na freguesia de Estorãos, concelho de Ponte de Lima, a que atribuiu a referência "DEP 40/09-P".
3. A Câmara Municipal de Ponte de Lima (CMPL) fez publicar a abertura do procedimento através do Anúncio de Procedimento nº. 5678/2009, inserto no D.R., II Série, nº. 244, de 18 de Dezembro de 2009.
4. A entidade adjudicante/CMPL, definiu como critério de adjudicação da empreitada o da proposta economicamente mais vantajosa;
5. A CMPL definiu como factores densificadores do critério de adjudicação o "preço da proposta" e a "qualidade técnica da proposta", definindo o seguinte modelo de avaliação de propostas (cfr. art.º 16º do Programa do Concurso):
"1. Factores a considerar e coeficientes de ponderação:
a) Preço da proposta (P) - 60%
b) Qualidade técnica da proposta (Q) - 40%
A todos os factores e subfactores a considerar será atribuída a classificação máxima de 10 pontos.
Factor Preço (60%)
A avaliação do factor preço é feita pela fórmula,
P = Po / Pc x 10
em que:
P - Classificação da proposta em análise
Po - Valor de 60% do preço base
Pc - Valor da proposta em análise
Qualidade Técnica da Proposta (40%)
A avaliação do factor qualidade técnica da proposta é determinada pela fórmula:
Q= Pt (pontuação x 40%) + Pmo (pontuação x 20%) + Peq (pontuação x 20%) + Pp (pontuação x 20%),
em que:
Pt - Plano de Trabalhos
Escalonado por capítulos, actividades, quantidades e rendimentos - 10 pontos
Apenas escalonado por capítulos e actividades - 5 pontos
Apenas escalonado por capítulo - 3 pontos
Peq - Plano de Equipamentos
Adequado à empreitada - 10 pontos
Não adequado à empreitada - 5 pontos
Pmo - Plano de Mão-de-obra
Adequado à empreitada - 10 pontos
Não adequado à empreitada - 5 pontos
Pp - Plano de Pagamentos
Com valores mensais, acumulados por actividade e percentagem - 10 pontos
Apenas com valores mensais e acumulados - 5 pontos
Insuficiente - 3 pontos
Classificação Final
A classificação final de cada concorrente será calculada de acordo com a seguinte fórmula:
CF = 0.60 x P + 0.40 x Q"
6. Dentro do prazo de apresentação das propostas, Autora e contra-interessadas apresentaram as respectivas propostas no concurso público em causa.
7. A Autora propôs-se executar a obra em causa pelo preço de € 4.735.455,85 (quatro milhões setecentos e trinta e cinco mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos), a que acresce o IVA à taxa em vigor, de acordo com o conteúdo do caderno de encargos, que declarou aceitar sem quaisquer reservas.
8. Em 28 de Abril de 2010, o Júri do procedimento elaborou o relatório preliminar, que disponibilizou na plataforma electrónica e de onde resulta a intenção de propor a adjudicação ao concorrente Consórcio - I... - Construções, Lda. e D..., SA., pelo valor de € 4.454.865,23, acrescido do IVA à taxa legal em vigor - cfr. respectivo relatório em PDF, constante do CDROM junto aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
9. Neste relatório, no factor "Qualidade Técnica das Propostas" (QTP), o júri atribuiu a todas as 24 propostas que avaliou a mesma pontuação parcial de 7,00, nos termos seguintes: pontuação de 5 às 24 propostas no subfactor Plano de Trabalhos (Pt); pontuação de 10 às 24 propostas no subfactor Plano de Equipamentos (Peq); pontuação de 10 às 24 propostas no subfactor Plano de Mão-de-obra (Pmo); pontuação de 5 às 24 propostas no subfactor Plano de Pagamentos (Pp);
10. Foi, de seguida, facultada a audiência prévia dos concorrentes, para o que os mesmos foram notificados.
11. A Autora, no uso do seu direito de audiência prévia, emitiu pronúncia nos termos seguintes (cfr. art.º 15º da p.i.):
" (...) após a análise atenta da proposta apresentada pela Concorrente Consórcio - I... - Construções, Lda. e D..., SA., facilmente se encontram diferenças e até falhas, às quais devem corresponder diferentes pontuações (diga-se inferiores às que foram concedidas pelo Júri do Procedimento) quanto ao factor Qualidade Técnica da Proposta.
A - DA ERRÓNEA AVALIAÇÃO DA PROPOSTA DA CONCORRENTE N.º 36:
(...) QUANTO AO SUBFACTOR PT - PLANO DE TRABALHOS
(...)
QUANTO AO SUBFACTOR PLANO DE MÃO-DE-OBRA
25. Quanto a este subfactor, a proposta da Concorrente Consórcio - I... - Construções, Lda. e D..., SA., apresenta um plano de mão-de-obra que não coincide com o referenciado plano de trabalhos (cfr. doc. n.º 3).
Isto porque, pela análise do plano de trabalhos se extrai facilmente que a empreitada começa a meio da semana -1 do mês 1 e acaba a meio da semana 60 do mês 14, portanto, contabiliza-se 14 meses e 60 semanas de obra.
(...)
Como tal, o plano de mão-de-obra apresentado não é adequado à empreitada, não correspondendo à pontuação atribuída de 10 (...)
O que vale por dizer que a pontuação que deve ser atribuída à Concorrente em mérito é de 5 pontos, porque o Plano de Mão-de-Obra não é adequado à empreitada.
(...)
QUANTO AO PRAZO DE EXECUÇÃO
31. De acordo com o Programa de Procedimento, o prazo contratual é de 420 dias contados nos termos do disposto no nº 1 do artigo 362º do CCP (cfr. Cláusula 9º, n.º 1, alínea c), do Programa do Procedimento).
(...)
33. Ora, quanto ao prazo de execução estipula esse plano de mão-de-obra 365 dias, quando o prazo estipulado pelo Programa do Procedimento é de 420 dias
(...)
38. Motivo pelo qual deveria ter sido proposta a sua exclusão, nos termos e em cumprimento do disposto no artigo 146º, nº 2 al. f), do CCP.
39. Caso, assim não se entenda, sempre se dirá que deve então ser reapreciada a pontuação atribuída à Concorrente, quanto aos subfactores Plano de Trabalhos, Plano de Equipamentos e Plano de Mão-de-Obra, fase ao desfasamento temporal apresentado de forma errada pela Concorrente Consórcio - I... - Construções, Lda. e D..., SA.,
QUANTO AO SUBFACTOR PLANO DE EQUIPAMENTOS
(...) também neste subfactor deve ser reapreciada a pontuação atribuída à Concorrente em mérito, face ao plano de equipamentos ser desadequado à empreitada (cfr. doc. n.º 4).
42. Pelo que, também no mesmo sentido lhe deve apenas ser atribuída a pontuação de 5 pontos, por não coincidir com o plano de trabalhos.
QUANTO AO SUBFACTOR PLANO DE PAGAMENTOS
43. Sendo certo que o Plano de Pagamentos da proposta da Concorrente Consórcio - I... - Construções, Lda. e D..., SA., não apresenta valores mensais apresentado com percentagem (cfr. doc. n.º 5).
45. Também, aqui muito mal decidiu o Júri do Procedimento, uma vez que concedeu a atribuição de 5 pontos a aqui Reclamante, quando a proposta apresenta plano de pagamentos com valores mensais e acumulado e percentagem.
(...)
52. Devendo, porquanto, alterar nos precisos termos as pontuações que foram atribuídas à Concorrente Consórcio - I... - Construções, Lda. e D..., SA, nos seguintes termos:
Pt - Plano de Trabalhos 3 pontos
Peq - Plano de Equipamentos 5 pontos
Pmo - Plano de Mão-de-Obra 5 pontos
Pp - Plano de Pagamentos 5 pontos
B - DA ERRÓNEA AVALIAÇÃO DA PROPOSTA DA CONCORRENTE N.º 35:
53. De tudo quanto se expôs resulta manifesto que o Relatório Preliminar notificado à aqui Reclamante, padece de correcção, uma vez que foram concedidas erroneamente pontuações erradas à aqui Reclamante.
(...) de forma a repor a legalidade, deve ser rectificada a pontuação atribuída à Concorrente, aqui Reclamante, conforme infra:
Pt - Plano de Trabalhos 10 pontos
Peq - Plano de Equipamentos 10 pontos
Pmo - Plano de Mão-de-Obra 10 pontos
Pp - Plano de Pagamentos 10 pontos
55. Até porque, conforme se pode ver no Plano de Mão-de-Obra, Plano de Equipamentos e Plano de Pagamentos, a aqui Reclamante cumpre todos os requisitos para que lhe seja concedida a pontuação máxima, em cada um dos respectivos subfactores (Vide (cfr. doc. nºs 6, 7 e 8).
56. Assim, face às condições em que foi apresentada a proposta da Concorrente, aqui Reclamante, nem concebe classificação/pontuação diversa da supra referenciada.
57. O que vale por dizer que com a devida reavaliação das propostas opositoras a concurso, a aqui Reclamante terá de ser reclassificada de 2º para 1º lugar, sendo-lhe adjudicada a empreitada em mérito.
58. Pelo que, face ao exposto, sendo devida a reordenação das propostas, face à reavaliação da proposta classificada em 1º, a Reclamante será reclassificada passando ao 1º lugar.
TERMOS EM QUE, em face dos argumentos supra expostos, deve o Júri do Procedimento proceder à devida reavaliação das propostas das Concorrentes, com a respectiva reordenação das propostas.
A Administração". - cfr. o processo administrativo (p.a.).
12. No relatório final o júri sustentou a pontuação de 10 (pontuação máxima) que atribuiu à referida proposta na avaliação do subfactor "Plano de Mão-de-obra" e "Plano de equipamento" nos seguintes termos:
"(...)
O prazo de execução da empreitada é de 420 dias correspondentes a 14 meses.
O plano de mão-de-obra do Consórcio I... - Construções, Ldª. e D..., SA, apresenta neste documento um prazo em algarismos de 365 dias, 14 colunas relativas a 14 meses de execução da obra e ainda refere que uma quadrícula equivale a uma semana, perfazendo 56 semanas.
De facto existe incongruência neste documento, contudo ao apresentar a declaração do Anexo I do CCP, o consórcio declara sob compromisso de honra, que as suas representantes se obrigam a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do caderno de encargos, relativamente ao qual declaram, aceitar sem reservas, todas as cláusulas, nas quais se inclui o prazo de execução da empreitada de 420 dias (alínea c) da cláusula 9º das cláusulas gerais).
Considerando que o plano está elaborado para 14 meses e tendo em conta a referida declaração, consideramos o mapa válido. De acordo com os critérios de avaliação, o plano da mão-de-obra é classificado com 10 pontos, pois considera-se adequado à empreitada.
Resta acrescentar, que o júri não sentiu necessidade do uso da faculdade prevista no artigo 72º do Código dos Contratos Públicos para esclarecer o prazo de execução de obra do consórcio".
(...)
Pelos motivos referidos no ponto referente à mão-de-obra, atribui-se 10 pontos ao plano de equipamento do Consórcio I... - Construções, Ldª. e D..., SA, dado que se considera adequado à empreitada". - cfr. relatório final constante do CDROM junto aos autos, contendo todo o P.A. em formato digital e que aqui se dá, nesta parte, por integralmente reproduzido;
13. Em 14.06.2010 foi emitida deliberação da Câmara Municipal de Ponte de Lima, que aprovou o relatório final do júri do procedimento concursal, mantendo as conclusões do relatório preliminar, adjudicando a obra à contra-interessada "I...(...)" - cfr. relatório final constante do CDROM junto aos autos, contendo todo o P.A. em formato digital e que aqui se dá, nesta parte, por integralmente reproduzido;

3. A recorrente, graduada em segundo lugar no concurso de adjudicação de uma empreitada de obras públicas, impugnou o acto de adjudicação com dois fundamentos: a proposta do concorrente graduado em primeiro lugar contém um plano de mão-de-obra e um plano de equipamentos que são desconformes como o plano de trabalhos por ela apresentado; o plano de pagamentos da sua proposta foi pontuado com 5 pontos quando deveria ter sido com 10 pontos, uma vez que indica os valores mensais, acumulados por actividade e por percentagem.
Como estes alegados defeitos, que já vêm reclamados desde a fase de audiência prévia, não foram reconhecidos pela sentença recorrida, com força invalidante do acto de adjudicação, pretende agora a recorrente que o tribunal de recurso reexamine essa decisão e reconheça a final que aquela proposta deveria ter sido excluída ou, pelo menos, pontuada com menos 5 pontos em cada um dos referidos planos, e que a sua proposta seja pontuada no subfactor plano de pagamentos com 10 pontos, situação que lhe garante o posicionamento no primeiro lugar.
A sentença recorrida, de forma muito sintética, considerou que o «júri, num esforço de teleologia (legitima), limitou-se a suprir um erro verificado, ao nível dos planos de mão-de-obra e equipamentos, recorrendo aos demais elementos que tinha à sua disposição» e que, quanto à questão do plano de pagamento, «a justificação do júri não padece de qualquer erro grosseiro/manifesto, antes se tratando de uma divergência interpretativa em relação ao que se entende por "acumulados por actividade e percentagem"». Relativamente às irregularidades detectadas nos planos, os argumentos da recorrente são dois: os planos de mão-de-obra e de equipamentos da concorrente ordenada em primeiro lugar fazem referência a um prazo de execução da empreitada diferente do previsto no caderno de encargos; não foram indicados planos para 60 semanas, mas apenas para 56. Destas deficiências a recorrente pretende retirar duas conclusões alternativas: ou se está perante uma proposta variante, o que contraria o disposto no artigo 9º do Programa do Concurso e o nº 7 do artigo 59º do Código de Contratos Públicos (CCP), ou perante um subfactor inadequado à empreitada e por isso, segundo o modelo de avaliação definido no artigo 16º do Programa de Concurso, deveria ter sido pontuado de forma diferente.
A primeira conclusão é de afastar, porque a forma como a proposta vencedora foi apresentada não a configura como «proposta condicionada» ou «proposta variante». Não se trata de proposta condicionada porque o concorrente não declara que só quer contratar se for satisfeita certa pretensão sua, não prevista no caderno de encargos. E não se trata de proposta com variantes porque o concorrente não se propõe assumir uma obrigação diferente daquela que se prevê no caderno de encargos e que no seu entendimento serve igualmente o interesse da Administração. Na situação de proposta com variantes, o concorrente candidata-se à adjudicação com várias propostas: a proposta base e a proposta com diferenças em relação à proposta base (cfr. art. 59º do CCP). Ora não é isso que acontece no caso dos autos, pois, apenas foi apresentada uma proposta na qual se diz cumprir as especificações exigidas no caderno de encargos.
O problema levantado pelo recorrente circunscreve-se pois à pontuação obtida pela proposta vencedora nos subfactores plano de mão-de- obra e plano de equipamento: o júri considerou ambos os planos adequados à empreitada, pontuando-os com 10 pontos, e a recorrente considera-os não adequados, e por conseguinte deveriam ter sido pontuados com 5 pontos.
O juízo de inadequação do plano à empreitada efectuado pela recorrente assenta no facto dos mapas que incorporam esses planos referirem que o prazo de execução da empreitada é de 365 dias e de distribuírem a mão-de-obra e os equipamentos por 14 meses e não por 60 semanas.
No caderno de encargos e no anúncio do concurso é referido que o prazo de execução da empreitada é de 420 dias, sendo esse elemento subtraído à concorrência. O prazo de execução da empreitada não constitui pois um "atributo da proposta", ou seja, «um elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos» (nº 2 do art. 56º do CCP). Todavia, como a proposta não pode apresentar atributos que violem os parâmetros base fixados não cadernos de encargos, os factores e subfactores que concretizam o critério de adjudicação, devem ser elaborados tendo em conta que o prazo de execução da empreitada é de 420 dias.
A alínea d) do nº 2 do artigo 6º do Programa de Concurso impõe que os concorrentes apresentem as propostas instruídas com um «programa de trabalhos», incluindo plano de trabalhos, plano de mão-de-obra e plano de equipamentos. Esta exigência também está prevista na alínea b) do nº 2 do art. 57º e no art. 361º do CCP, embora numa outra formulação. As normas referem-se apenas a um plano de trabalhos, o qual se destina «com respeito pelo prazo de execução da obra, à fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstos e à especificação dos meios com que o empreiteiro se propõe executá-los, bem como à definição do correspondente plano de pagamentos». Nesta formulação, não se exige que o plano de trabalhos seja acompanhado de um plano de mão-de-obra e de um plano de equipamentos, pois estes meios já devem estar especificados no próprio plano. Caso sejam exigidos planos autónomos, incluindo o de pagamentos, então todos eles devem estar em congruência com a sequência e prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalho previstas na empreitada.
O plano de trabalhos apresentado pela concorrente ordenada em primeiro lugar respeita integralmente o prazo de execução da obra, tendo o mapa sido elaborado em função dos 14 meses de execução da empreitada (420/30 = 14M) e 60 semanas (420/7 dias = 60S). Já os restantes documentos, mais especificamente, o plano de mão-de-obra, o plano de equipamento, o plano de pagamentos e o cronograma financeiro, estão elaborados apenas em função dos 14 meses, sem referência ao número de semanas.
Constituirá essa forma de apresentação dos mapas um "atributo" da proposta que viola o prazo de 420 dias? Pode considerar-se a proposta desconforme com o caderno de encargos ou está-se perante uma irregularidade que pode ser pura e simplesmente eliminável?
A proposta é uma manifestação de vontade que, tal como qualquer outra manifestação do espírito humano, postula uma interpretação. Trata-se de declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo. Pese embora o seu estatuto sui generis, subordinada a determinados requisitos essenciais, como a seriedade, firmeza e certeza, não deixa de encerrar uma declaração negocial do concorrente privado em relação à Administração Pública. Como verdadeira declaração de vontade negocial que é, também se lhe deve aplicar as regras da interpretação da declaração negocial constantes dos artigos 236º e ss. do Código Civil, assim como a teoria dos vícios da vontade. Como refere Paulo Otero, «recai sobre a Administração a obrigação de atender aos eventuais vícios da vontade de que possa enfermar a declaração negocial do recorrente, nomeadamente os erros materiais ostensivos apreensíveis da mera leitura da proposta apresentada, ou seja, os erros que incidem sobre os elementos não variáveis que os concorrentes tiverem que tomar em consideração na elaboração das respectivas propostas. Sendo certo que só através de pedidos de esclarecimentos aos concorrentes é que a Administração pode concluir pela existência ou não de qualquer erro e bem assim da sua dimensão» (cfr. Revista "O Direito", Ano 131, 1990, pág. 92 e 93).
Segundo o critério interpretativo do artigo 236º, que segue a doutrina da impressão do destinatário, a proposta vale com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria. Ora, atendendo ao conjunto dos elementos que fazem parte da proposta, assim como às deduções lógicas que se podem fazer dos planos apresentados, é evidente que uma pessoa razoável, normalmente atenta, não pode concluir que a proposta ultrapasse objectivamente o prazo de 420 dias.
A referência que se faz nos mapas que contêm o plano de mão-de-obra e o plano de equipamentos ao prazo de execução de 365 dias, só pode ser lapso manifesto, pois os mesmos planos estão elaborados para 14 meses. Trata-se pois de um simples erro de escrita, um erro material revelado no contexto da declaração, através das circunstâncias em que ela é feita, que nos termos do artigo 249º do Código Civil dá direito a rectificação, sem que a tal se oponham os princípios da intangibilidade e da imutabilidade das propostas.
De igual modo, a circunstância daqueles planos terem sido elaborados por referência a 14 meses e não também a 60 semanas, não dá qualquer indicação de que se pretende violar o prazo de execução da empreitada nem que a mão-de-obra e os equipamentos com que o empreiteiro pretende executar a obra são desadequados às espécies de trabalhos previstas no plano de trabalho. Depois de se apresentar um plano de trabalhos que cumpre integralmente os 420 dias de execução, seja por conversão em meses seja por conversão em semanas, é suficiente que os planos que se consomem naquele ou que dele são dependentes, como são os planos relativos aos meios com que se executam os trabalhos nele previstos, sejam elaborados apenas em meses. Se os meios com que o empreiteiro se propõe executar a obra estão programados para o número de meses previstos para a execução das espécies de trabalho enunciadas no plano de trabalho, não se pode deduzir, como faz a recorrente, que há violação do prazo de execução. Por um lado, os planos de mão-de-obra e de equipamento são planos que se integram no plano de trabalhos, e por isso mesmo são reportadas às espécies de trabalhos neles previstas, por outro, se a leitura desses planos suscitasse dúvidas, elas estavam esclarecidas no ponto 8 da memória justificativa e descritiva do modo de execução dos trabalhos, onde sob a epígrafe «cumprimento do prazo da empreitada», se refere que «toda a calendarização da obra, bem como os elementos e equipamentos a afectar à obra foi elaborado tendo em vista o cumprimento do prazo da empreitada (420 dias)».
Neste contexto, não se pode dizer que foi admitida uma proposta que não corresponde às condições fixadas no programa ou fazer-se um juízo de desconformidade da proposta com o caderno de encargos. A elaboração dos mapas relativos aos meios de execução dos trabalhos reportada a meses e não a semanas não afecta a lógica intrínseca da proposta nem põe em causa a comparabilidade objectiva das propostas, nem a igualdade de tratamento entre concorrentes. Não se pode dizer que essa circunstância atingiu a confiança dos concorrentes que elaboraram os mesmos planos segundo um critério temporal diverso.
Na pontuação dos subfactores plano de mão-de-obra e plano de equipamentos o júri tem que fazer uma avaliação sobre a adequação dos meios humanos e materiais afectos à empreitada. Conforme a quantidade e qualidade desses meios seja ou não adequada à empreitada, assim os subfactores são pontuados com 10 pontos ou 5 pontos, respectivamente. Ora, este juízo de adequação, por se tratar de um juízo de valoração, segundo regras técnicas ou de experiência particular, só está submetido à censura jurisdicional em casos de erro de facto ou nos casos limite de violação do princípio da racionalidade («erro grosseiro» ou «erro manifesto») ou do princípio da proporcionalidade. As questões de facto que envolvam juízos de avaliação segundo critérios técnicos constituem uma «zona discricionária» que não pode ser totalmente aberta ao controlo jurisdicional. Não só se deve reconhecer as limitadas possibilidades de uma actividade idêntica por parte dos tribunais, que se limitariam a substituir um juízo técnico por outro, porventura ainda mais problemático, como sobretudo pelo facto da formulação desses juízos técnicos e da utilização de máximas de experiência ser da exclusiva responsabilidade da Administração e que, por isso, não deve ser sujeita a reexame judicial.
É por isso que o tribunal não pode apreciar se foi correcto ou incorrecto que o júri tenha atribuído a «mesmíssima pontuação» a todas as 24 propostas que avaliou em cada um dos quatro subfactores relevantes no factor "qualidade técnica das propostas". Só perante um "erro manifesto" de avaliação de cada proposta concreto se poderia invalidar o acto de adjudicação. Não foi, porém, por esse ângulo que o recorrente impugnou a adjudicação, pois limitou-se a dizer que a proposta vencedora não cumpre o prazo de execução, o que não é verdade. A alegada desadequação da mão-de-obra e dos equipamentos não assenta numa desproporção inaceitável e clamorosa entre esses meios e os que normalmente são exigidos para uma empreitada idêntica à que foi posta a concurso. A recorrente funda essa desadequação no facto dos planos estarem elaborados para 14 meses e não para 60 semanas, extraindo daí a ilação de que não há meios humanos e materiais para 4 semanas. Mas se, para efeitos de elaboração dos mapas, os 14 meses representam 420 dias, no sentido de que um mês são trinta dias de calendário (al. b) do art. 279º do CCV e Ac. do STA de 22/1/2004, rec. nº 03/04), então estão previstos meios para o prazo de execução da empreitada. Não é pois por este motivo que o acto poderia ser invalidado.
A recorrente considera ainda que a pontuação que lhe foi atribuída no subfactor «plano de pagamentos» está errada porque apresentou os valores mensais, acumulados por actividade e por percentagem.
E tem razão quanto a isso.
O artigo 16º do Programa de Concurso, no subfactor «plano de pagamentos», fixou 10 pontos para o plano que indicasse «valores mensais, acumulados por actividade e percentagem»; 5 pontos para o plano que apenas apresentassem «valores mensais e acumulados; e 3 pontos para o plano «insuficiente».
Em audiência prévia a recorrente reclamou pelo facto de ter sido pontuada apenas com 5 valores nesse subfactor, quando na verdade o seu plano apresenta todos os atributos para ser valorado com 10 valores. No relatório final, o júri limitou-se a dizer que a recorrente «não apresenta no seu plano acumulados por actividade». A sentença recorrida limitou-se a dizer que existe «divergência interpretativa em relação ao que se entende por "acumulados por actividade" e que por isso, não há "erro manifesto".
Deve começar por se dizer que, contrariamente ao que vem referido na sentença, caso seja atribuída a pontuação de 10 valores ao subfactor «plano de pagamentos», a recorrente fica graduada em primeiro lugar. Como se verifica da matriz de avaliação anexa ao relatório final, a concorrente graduada em primeiro lugar, em aplicação da fórmula de avaliação das propostas, obteve a classificação final de 7,131 e a recorrente obteve o segundo lugar com a classificação de 6,875. Se esta obtiver a pontuação de 10 valores no subfactor «plano de pagamentos», obtém a pontuação de 8 valores no factor "qualidade técnica da proposta", o que lhe permite obter a classificação final de 7,274. Na verdade, considerando a fórmula constante do artigo 16º do Programa de Concurso, reproduzida nos factos provados, assim como a pontuação obtida pela recorrente nos demais factores e subfactores, temos o seguinte resultado: no factor preço (P) foi pontuada com 6,79 valores; no factor qualidade técnica da proposta (Q) obtém 8 valores (Q = (5 x 40%) + (10 x 20%) + (10 x 20%) + 10 x 20%); a classificação final (CF = 0,60% x P + 0,40% x Q) conduz ao resultado de 7,274 (0,60 x 6,79 + 0,40 x 8), que é superior à pontuação final da concorrente que foi graduada em primeiro lugar.
Se o júri não deu uma justificação adequada para a pontuação desse subfactor, até porque o plano apresenta valores acumulados por actividade, mais ambígua é a posição que o município recorrido tomou no artigo 20º da contestação: «quanto ao subfactor plano de pagamentos, ao contrário do que a autora alega e pretende fazer crer, verdade é que não apresenta valores mensais, acumulados por actividade e percentagem, mas sim valores mensais, acumulados por actividade e percentagem, totais mensais e por percentagem, totais mensais acumulados e percentagens, conforme se alcança do doc. nº 3 que se junta». Para além do referido documento nº 3 não ser da recorrente, mas da primeira graduada, e que na verdade está bem pontuado com 5 valores, por não apresentar valores em percentagem, não se pode concluir que o plano de pagamento da recorrente tenha defeitos que impeçam a atribuição da pontuação máxima. O que se exige é que o plano contenha valores mensais, o que ele cumpre, e que sejam acumulados por actividades e percentagens, o que também se mostra cumprido. O documento que contém o plano de pagamentos descreve todas as actividades relativas à execução da empreitada, indica os valores mensais relativos a cada actividade e os meses em que o pagamento deve ocorrer, faz referência as valores mensais totais, e aos acumulados mensalmente, assim como às percentagens que representam em cada mês relativamente ao total da proposta. Os valores acumulados de cada uma das actividades executadas ao longo dos 14 meses deduzem-se facilmente na forma como o mapa de pagamentos foi elaborado, pois em cada mês indica-se o valor de pagamento das actividades executadas nesse mês e, noutra coluna, o valor acumulado com os pagamentos já efectuados. Portanto, não prevendo o programa do concurso e o caderno de encargos outras exigências ou explicações mais inteligíveis dos atributos a valorar nesse subfactor, considera-se que o plano de pagamentos da recorrente contém todos os requisitos exigidos para ser valorados com 10 pontos.
Assim sendo, o acto impugnado mostra-se inválido por erro de facto nos pressupostos, mais especificamente por aplicação errada do subfactor plano de pagamentos da proposta da recorrente.

4. Em conformidade com o exposto, acordam em:
a) Conceder provimento ao recurso jurisdicional e em revogar a sentença recorrida;
b) Julgar procedente a acção, anular o acto impugnado, e condenar Município demandado a proceder a nova ordenação dos concorrentes, com atribuição à recorrente de 10 pontos no subfactor plano de pagamentos.
Custas pelo recorrido, nesta instância, e pela entidade demandada e contra-interessados, na primeira instância.
Notifique-se
TCAN, 25 de Fevereiro de 2011.
Ass. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Antero Pires Salvador