Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de janeiro de 2012 (proc. 1056/11)

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Sumário:

I - Nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, "excepcionalmente", recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo "quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental" ou "quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".
II - Justifica-se a admissão da revista, à luz da aludida orientação jurisprudencial, quando está em causa controvérsia reportada ao novo regime consagrado no CCP [arts. 183º e 184º, nº 2, al. e)] no que toca à exclusão de candidaturas em sede de concurso limitado por prévia qualificação, por falta de apresentação (ou apresentação incorrecta passível de rectificação) dos documentos exigidos no programa do procedimento, à luz da regulamentação da submissão das candidaturas através de plataformas electrónicas de contratação pública.

 

Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


( Relatório )
"A........., LDA", "B........., LDA" e "C........., LDA", todas identificadas nos autos, interpuseram para este Supremo Tribunal Administrativo, sob invocação do art. 150º do CPTA, recurso de revista do acórdão do TCA Norte, de 16.09.2011 (fls. 518 e segs.), que confirmou sentença do TAF do Porto pela qual fora julgada improcedente a acção de contencioso pré-contratual que intentaram contra "D........., SA" igualmente identificada nos autos, e na qual pedem a anulação do acto de exclusão das suas propostas apresentadas no procedimento de concurso limitado por prévia qualificação para celebração de contrato de prestação de serviços do "Sistema de Águas da Região de Aveiro - Elaboração dos Projectos de Execução das Infra-estruturas de Saneamento Básico em Baixa", bem como a condenação da Entidade demandada a praticar os actos e operações necessárias à reconstituição da situação que existiria se os actos impugnados não tivessem sido praticados.
Alega, em abono da admissibilidade da revista, e em síntese, que a questão controvertida nos autos reclama a intervenção do STA em ordem à clarificação dos termos que devem presidir à exclusão de propostas submetidas por agrupamentos concorrentes no âmbito de procedimentos concursais, sempre que o membro do agrupamento responsável pela sua apresentação não submeta à plataforma electrónica um "documento electrónico oficial indicando o poder de representação e assinatura do assinante" (art. 27º, nº 3 da Portaria 701- G/2008, de 29 da Julho).


( Fundamentação )
O art. 150º n° 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, "excepcionalmente", recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo "quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental" ou "quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".
A jurisprudência do STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n°s 92/VIII e 93/VIII, de uma "válvula de segurança do sistema" que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.
Deste modo, a intervenção do STA só se justificará em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se generalizar este recurso de revista, o que não deixaria de se mostrar desconforme com os aludidos fins tidos em vista pelo legislador.
Na concretização dos conceitos relativamente indeterminados que a lei estabelece como orientação para a filtragem dos recursos de revista a admitir excepcionalmente, a aludida jurisprudência do STA tem vindo a entender que a relevância jurídica fundamental exigida pelo artigo 150º nº 1 do CPTA se verifica, designadamente, quando a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, bem como nas situações em que esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social ou da controvérsia relativamente a futuros casos do mesmo tipo, mas em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
Na situação em análise, tendo em conta os pressupostos de admissão do recurso previstos no art. 150º, nº 1 do CPTA, e à luz da orientação jurisprudencial atrás enunciada, entendemos que se justifica a admissão da revista, por as questões suscitadas serem de importância fundamental, do ponto de vista da sua complexidade e relevância jurídica, justificando, em nosso entender, a intervenção clarificadora do STA.
A pretensão dos Autores na acção a que os autos se reportam visa a anulação do acto de exclusão das suas propostas apresentadas no procedimento de concurso limitado por prévia qualificação para celebração de contrato de prestação de serviços acima identificado, com o argumento de que tal exclusão foi ilegal por violação do art. 146º, nº 2, al. l) do CCP e do art. 27º da Portaria 701-G/2008, de 29 de Julho.
O acórdão recorrido, confirmando a decisão da 1ª instância, entendeu que havia efectivamente violação dos referidos preceitos legais, uma vez que a citada Portaria "exige que o certificado digital utilizado para assinar os documentos em plataforma electrónica de contratação seja um certificado digital qualificado", e que, nos termos do nº 3 do seu art. 27º, "se o certificado digital não conseguir determinar a função e poder de assinatura do assinante, é necessário que cada vez que utilize um certificado nessas condições se anexe igualmente um documento electrónico oficial, emitido por entidade oficial ou pelos representantes legais da entidade que está a representar, reconhecendo poderes de representação...".
E entendeu igualmente julgar improcedente a pretensão dos Autores de que a preterição de tal formalidade nunca seria causa de exclusão das propostas, tendo decidido que não está em causa uma irregularidade suprível mediante convite à regularização.
Sobre estas questões, foi recentemente admitido por esta formação um recurso de revista (Ac. de 06.10.2011 - Rec. 782/11), no qual se expendeu:
"Está em causa controvérsia reportada ao novo regime consagrado no CCP (que rompeu com o anterior regime de contratação pública constante do DL nº 197/99, de 8 de Junho), no que toca à exclusão de candidaturas em sede de concurso limitado por prévia qualificação, por falta de apresentação (ou apresentação incorrecta passível de rectificação) dos documentos exigidos no programa do procedimento, à luz da regulamentação da submissão das candidaturas através de plataformas electrónicas de contratação pública.
As instâncias decidiram (...), com fundamentação que poderá ter-se como juridicamente plausível, sendo certo que as questões suscitadas não foram ainda objecto de específica apreciação por parte deste STA, não se encontrando jurisprudência concretamente incidente sobre tal matéria.
A intervenção deste Supremo Tribunal, em sede de revista, terá assim o condão de elaborar uma adequada exegese dos normativos referidos, dentro do actual regime de contratação pública proclamado no CCP, em matéria que assume inegável relevância jurídica e social."
Este recurso de revista não foi, até à presente data, decidido por este STA, pelo que se entende justificada, com idêntico fundamento, a admissão da presente revista.


( Decisão )
Com os fundamentos expostos, acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Lisboa, 5 de Janeiro de 2012. - Luís Pais Borges (relator) - Rosendo Dias José - José Manuel da Silva Santos Botelho.