Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de Maio de 2011 (proc. 321/11)

Imprimir

Sumário:

Não é de admitir a revista quando as questões nela levantadas não suscitem dificuldades interpretativas fora do usual, questões essas, de resto sem interesse doutrinário próprio ou qualquer tipo de repercussão para além da decisão do caso singular.

 

Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:

I - RELATÓRIO
1.1. A...Lda. vem interpor recurso de revista, ao abrigo do n.º 1, do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do TCA Norte, de 20-01-2011, que, negando provimento ao recurso jurisdicional por si interposto, confirmou a decisão do TAF de Viseu, de 06-08-2010 que julgou improcedente a acção administrativa de contencioso pré-contratual de impugnação de acto administrativo intentada contra a ora Recorrida Agência Nacional de Compras Públicas, E.P.E. (ANCP, E.P.E).
No tocante à admissão da revista, a Recorrente refere, nas conclusões da sua alegação, nomeadamente, o seguinte:
"1. Não se podendo a Recorrente concordar com o entendimento vertido em tal Acórdão, vem a mesma interpor Recurso, o qual considera ser admissível nos termos do artigo 150.º do CPTA, atendendo a que se encontram em causa, como melhor se demonstrará infra questões de direito e da eventual violação das normas jurídicas, cuja apreciação entende a Recorrente ser de extrema relevância nomeadamente para uma melhor aplicação do direito.
2. Assim, considera desde logo a Recorrente que terá a Recorrida no que concerne ao procedimento subjacente à formação do Acordo Quadro, recorrido a um procedimento que não lhe permitia fazer as exigências constantes no Caderno de Encargos e Programa do Procedimento.
3. Tendo assim a Recorrida violado diversas normas legais, inquinando tal violação todo o procedimento tendente à celebração do Acordo Quadro e gerando a nulidade do mesmo.
(...)" - cfr. fls. 472
1.2. Por sua vez, a ora Recorrida, Agência Nacional de Compras Públicas, EPE, pronunciando-se pela não admissibilidade do recurso de revista, salienta, designadamente, nas conclusões da sua contra-alegação, o seguinte:
"A) Resulta das alegações da Recorrente que a admissão da presente revista tem apenas por base a, alegada, necessidade de "melhor aplicação do direito". Na verdade, o referido articular é totalmente omisso quanto à eventual "relevância jurídica ou social" e "importância fundamental" do recurso.
B) Todavia, entende a Recorrida que, in casu, não se podem dar por verificados os requisitos exigidos no art. 150º, nº1, do CPTA. Relativamente ao primeiro requisito estabelecido na citada norma, é evidente, desde logo que não está aqui em causa "questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental."
C) Com efeito, a questão controvertida é claramente casuística - está provado nos autos, designadamente por confissão da Recorrente, que esta não apresentou todos os documentos de habilitação exigidos no Programa de Concurso (o "PC"), por erro que lhe é, exclusivamente, imputável - não possuindo, assim, características de generalização e de consequente capacidade de expansão da controvérsia.
(...)
E) Por outro lado, e ao contrário do alegado pela Recorrente, não se torna igualmente necessária a intervenção desse Venerando Tribunal para "melhor aplicação do direito", na medida em que o Acórdão recorrido (bem como a douta sentença de 06.08.2010 do TAF de Viseu) não padece de qualquer erro de direito, e muito menos ostensivo, que justifique, porventura, uma alteração do sentido decisório.
F) Bem pelo contrário, em face da matéria de facto dada como provada e não contestada, ambas as decisões (o douto Acórdão recorrido e a douta sentença do TAF de Viseu) encerram correcta interpretação e aplicação do Direito ao caso vertente, não merecendo, por isso, qualquer censura.
G) Em todo o caso, importa salientar que a Recorrente, nos pequenos trechos das alegações em que procura manifestar a sua discordância do Acórdão recorrido, não apresenta argumentos minimamente sólidos e credíveis que justifiquem a intervenção desse Venerando Tribunal, sobretudo se atendermos na douta fundamentação do Acórdão Recorrido.
(...)
I) Por outro lado, as questões colocadas pela Recorrente, bem como a interpretação do direito aplicável ao caso concreto, não revestem particular dificuldade ao nível das operações lógico-jurídicas necessárias à sua resolução, porquanto a aplicação das normas e princípios invocados não acarretam qualquer dificuldade interpretativa fora do comum.
(...)
K) Em suma: não se vislumbra minimamente, nem tão pouco a Recorrente o demonstra, que na apreciação feita pelo Tribunal recorrido exista qualquer erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica e infundada que imponha a admissão da revista como "claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".
(...)" - cfr. fls. 517 e 518-.
1.3. Cumpre decidir.


2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. O recurso de revista a que alude o n.º 1, do artigo 150.º do CPTA, que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, ainda que apenas em casos excepcionais, tem por objectivo facilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social e quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, se atendermos à forma como o Legislador delineou o recurso de revista, em especial, se olharmos aos pressupostos que condicionam a sua admissibilidade, temos de concluir que o mesmo é de natureza excepcional, não correspondendo à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, na medida em que das decisões proferidas pelos TCA's em sede de recurso não cabe, em regra, recurso de revista para o STA.
Temos assim, que de acordo com o já exposto, a intervenção do STA só se justificará em matérias de maior importância sob pena de se generalizar este recurso de revista o que, se acontecesse, não deixaria de se mostrar desconforme com os fins obtidos em vista pelo Legislador (cfr., a "Exposição de Motivos", do CPTA).
Vejamos, então.
2.2. Como resulta dos autos, o Acórdão recorrido veio sufragar a decisão do TAF de Viseu 06-08-2010, que julgou improcedente a acção administrativa de contencioso pré-contratual intentada pela ora Recorrente.
Para assim decidir o TCA Norte, depois de ter desconsiderado as censuras dirigidas pela Recorrente à decisão da 1ª instância no tocante às questões do erro no julgamento de facto, do erro no julgamento de direito por violação dos artigos 81º nº 1, al. b), 55º als b) e I) e 96º do CCP, e da violação dos princípios da Concorrência, Transparência, proporcionalidade, Justiça Imparcialidade, Boa Fé e Prossecução do Interesse Público, assinalou, para além do mais, que "Com aquele aviso não se alargou, pois, o prazo de apresentação dos documentos exigidos naquelas alíneas para efeitos de habilitação já o que se determinou que fosse junto eram não as certidões de registo criminal que necessariamente teriam sido juntas anteriormente e no tempo fixado no «PC» mas, ao invés, certidões do registo comercial enquanto documento novo e que foi reputado como necessário para aferir e controlar do efectivo cumprimento por parte das concorrentes da instrução quanto aos documentos referentes às als. b) e i) do citado normativo do CCP".
Referiu, também que "(...) para além do acto impugnado não se haver estribado na omissão de cumprimento da instrução documental do procedimento quanto aos documentos previstos nas referidas alíneas temos, também, que em termos procedimentais não se descortina que da exigência feita em termos gerais quanto à necessidade de junção de novo documento(...) derive ou implique actuação/conduta que envolva infracção aos princípios da concorrência, da transparência, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade, da boa fé, e da prossecução do interesse público, e muito menos que aquela infracção ocorra por referência e contraposição à caducidade da adjudicação por falta de junção dos documentos (...) nos termos em que se estribou a decisão administrativa impugnada." (cfr. fls. 413)
Já a Recorrente discorda do decidido no Acórdão do TCA Norte, argumentando nos termos que constam da sua alegação de fls.455 - 479.
Sucede que não é possível surpreender no Acórdão recorrido um qualquer erro grosseiro, sendo que a tese nele explanada, é uma das soluções juridicamente plausíveis, situando-se na zona de discussão possível sobre a controvérsia de fundo, não se podendo, por isso, ancorar a admissão do recurso numa hipotética necessidade de melhor aplicação do direito.
Por outro lado, tendo presente o efectivamente decidido no TCA, temos que as questões a que se reporta a Recorrente na sua alegação não se apresentam como particularmente complexas, não demandando a sua resolução a realização de operações exegéticas de acentuada dificuldade, centrando-se o decidido, basicamente, na questão da apresentação dos documentos de habilitação exigidos pelo Programa de Concurso, tendo o Acórdão recorrido concluído no sentido da sua não apresentação e que, no caso, não haveria lugar a um qualquer convite para se proceder à junção da documentação em falta, por tal falta ser imputável ao adjudicatário, tudo isto questões que estão vincadamente marcadas pelo quadro factual apurado, não sendo previsível que as mesmas se possam vir a colocar, em termos similares, noutros processos, o que tudo nos leva a concluir no sentido de tais questões se não revestirem de especial relevância jurídica.
Finalmente, também se não vislumbra uma especial relevância social nas ditas questões, não se detectando, no caso dos autos, um interesse comunitário particularmente relevante, já que os interesses em jogo não ultrapassam significativamente os limites do caso concreto.
É, assim, de concluir que, no caso dos autos, não se verificam os pressupostos de admissão da revista.


3 - DECISÃO
Nestes termos, acordam em não admitir o recurso de revista do Ac. do TCA Norte, de 20-01-2011.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 5 de Maio de 2011. - José Manuel da Silva Santos Botelho (relator) - Rosendo Dias José - Luís Pais Borges.