Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de Novembro de 2011 (proc. 926/11)

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Sumário:

A decisão do TCA no sentido de certo Programa de Concurso não suscitar as dúvidas invocadas pela recorrente assenta em circunstancias próprias daquele clausulado e do contexto específico de um concurso e suas normas que não tem importância jurídica ou social de carácter geral, nem fundamental, pelo que não preenche os requisitos do artigo 150.º n.º 1 do CPTA para a admissão de revista excepcional.

 

Texto Integral:

Formação de Apreciação Preliminar
Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do STA:
A..... intentou no TAF de Sintra acção de contencioso pré-contratual contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA e as também interessadas: B...... e outras
em que pedia a anulação do despacho do Secretário de Estado da Administração Pública de 24.03.2010 que excluiu a proposta da recorrente e adjudicou a outros concorrentes fornecimentos de um certo número de refeitórios e a condenação a admitir a sua proposta e adjudicar o serviço de foram a reconstituir a situação que existiria sem aquele acto.
A acção foi julgada improcedente na 1.ª Instancia, tendo sido objecto de recurso de apelação, no qual o TCA Sul manteve a decisão.
Deste Acórdão do TCA a A...... pede a admissão de recurso de revista nos termos do art.º 150.º do CPTA.
Conclui em resumo, na parte que agora importa:
Neste recurso é necessário enfrentar as questões:
a) de saber se a remissão para as densidades mínimas previstas no CCT, tal como feita no art.º 6.º n.º 3 al. e) do Programa do Concurso é formal ou material, atento o princípio da boa-fé e a falta de clareza do CE.
b) Se a redacção do art.º 6.º n.º 3 al. e) do PC suscita dúvidas a ponto de a exclusão com fundamento na respectiva violação constituir violação dos princípios da proporcionalidade da boa-fé e da concorrência;
c) Qual o conteúdo do dever de fundamentação, designadamente se é necessário indicar os motivos porque não procedem os argumentos apresentados na audiência prévia pelo interessado.
d)
Estas questões considera-as de especial complexidade como resulta da intervenção do colectivo em 1.ª instancia e teriam sido decididas com manifesto erro na aplicação do direito.
Opuseram-se à admissão, contra-alegando, o Ministério das Finanças e a contra-interessada C......


II - Apreciação.
1. Os pressupostos do recurso de revista.
O art. 150º n° 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo "quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental" ou "quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".
A excepcionalidade deste recurso tem sido reiteradamente sublinhada pela jurisprudência do STA, referindo que só pode ser admitido nos estritos limites fixados naquele preceito.
A intervenção do STA é considerada justificada apenas em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador.
A jurisprudência desta formação tem vindo a entender que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo artigo 150º nº 1 do CPTA, se verifica tanto em face de questões de direito substantivo, como de direito processual, sendo essencial que a questão atinja o grau de relevância fundamental. Nos termos daquela jurisprudência, o preenchimento do conceito indeterminado verifica-se, designadamente, quando se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina.
E, tem-se considerado que estamos perante assunto de relevância social fundamental quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou quando tenha repercussão de grande impacto na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito tem tido lugar relativamente a matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo, isto é, que o recurso não visa primariamente a correcção de erros judiciários.
2. Da aplicação ao caso dos autos.
2.1. O Acórdão recorrido manteve a decisão de 1.ª Instancia de que a remissão do art.º 6.º n.º 3 al. e) do Programa do Concurso era uma remissão material para a única CCT em que tais densidades mínimas estavam fixadas e não para a CCT aplicável a cada um dos concorrentes.
Decidiu também que a clausula não suscitava dúvidas e que o pedido de esclarecimento sobre ela da recorrente foi apresentado extemporaneamente. Deste entendimento retirou também que o acto de exclusão foi adoptado de acordo com norma do concurso que impunha aquela solução, e não havia lugar a aplicar os princípios da boa-fé e da proporcionalidade.
Quanto ao vício de forma por falta de fundamentação julgou o TCA que tinha ficado esclarecido o motivo da decisão - incumprimento do requisito mínimo fixado na al. e) do n.º 3 do art.º 6.º do CPC.
2.2. A questão de saber se a remissão para as densidades mínimas previstas no CCT, tal como feita no art.º 6.º n.º 3 al. e) do Programa do Concurso é formal ou material, atento o princípio da boa-fé e a falta de clareza do CE está desenquadrada do que foi decidido em matéria de facto.
Realmente, vem fixado das instancias e o STA decide com base nessa factualidade, que o PC não suscitava as dúvidas invocadas e que de qualquer modo o pedido de esclarecimento apresentado o foi extemporaneamente.
Nestas circunstancias e atendendo também a que a interpretação do questionado art.º 6.º n.º 3 al. e) do PC é uma questão de interpretação de cláusulas do concurso que diz respeito exclusivamente a este procedimento, que não atinge fora dele outras pessoas, portanto de generalidade restrita, não é de considerar de relevância social. Além disso trata-se da interpretação de uma declaração negocial sem complexidade ou dificuldades interpretativas especialmente assinaláveis.
2.3. A recorrente alega também que a redacção do art.º 6.º n.º 3 al. e) do PC suscita dúvidas a ponto de a exclusão com fundamento na respectiva violação atingir os princípios da proporcionalidade da boa-fé e da concorrência.
Este aspecto foi decidido pelo TCA com base em factualidade que sempre excluiria apreciação jurídica diferente pelo STA uma vez que se mostra decidida com fundamento também em que houve uma reclamação da recorrente sobre as dúvidas, mas extemporânea, pelo que ficaria sempre comprometida a avaliação que defende. O que significa que a questão jurídica se encontra conexionada de tal modo com a matéria de facto que descaracteriza o interesse objectivo necessário para se admitir a revista excepcional.
2.4. Alega ainda a recorrente que importa especialmente determinar qual o conteúdo do dever de fundamentação, designadamente se é necessário indicar os motivos porque não procedem os argumentos apresentados na audiência prévia pelo interessado.
Esta questão tem sido decidida uniformemente pelo STA em diversos momentos e situações - tal como no Acórdão citado no agora impugnado -, no sentido de o dever de fundamentação da decisão administrativa não exigir que se afastem os argumentos apresentados na audiência prévia, antes a vinculação legal é de interpretar como exigindo que o acto esclareça, contemporaneamente, os motivos pelos quais se decide daquele modo.
A questão foi esclarecida em diversos Acórdãos do STA, tem sido decidida de modo uniforme e também o foi em sentido conforme, no Acórdão impugnado, pelo que não se justifica admitir recurso excepcional de revista.


III - Decisão.
Em conformidade com o exposto, nos termos do art.º. 150.º n.ºs 1 e 3 do CPTA, acordam em não admitir a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 3 de Novembro de 2011. - Rosendo Dias Jo(relator) - José Manuel da Silva Santos Botelho - Alberto Acácio de Sá Costa Reis.