Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de Janeiro de 2011 (proc. 1048/10)

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Sumário:

Nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, "excepcionalmente", recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo "quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental" ou "quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".

 

Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


(Relatório)
A..., com os sinais dos autos, interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo, recurso de revista do acórdão do TCA Norte, de 22.10.2010 (fls. 235 e segs.), pelo qual foi revogada a sentença do TAF de Coimbra que julgara parcialmente procedente a acção administrativa de contencioso pré-contratual por si intentada contra a ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO CENTRO, I.P. e B..., com vista à anulação do relatório final elaborado pelo Júri do concurso público para realização da "Empreitada de execução das novas instalações da ARSC, IP - 2ª fase", com pedido de exclusão da proposta da 2ª Ré e adjudicação da empreitada à A.
A sentença do TAF decidiu no sentido da exclusão da proposta da Ré B..., "por falta de declaração de aceitação do caderno de encargos assinada por quem tinha poderes para a obrigar, nos termos dos artigos 57º nº 1 alª a) e nº 4, 146º nº 2 alª d) do CCP", julgando a acção improcedente quanto ao mais que era pedido.
O fundamento da exclusão foi o de que a declaração de aceitação do caderno de encargos, integrante da proposta da B..., vem assinada apenas por um dos gerentes, sendo necessária a assinatura dos dois gerentes para a concorrente se obrigar.
O acórdão recorrido revogou essa decisão, por entender que procedia o único erro de julgamento que lhe vinha imputado pela recorrente, e a cujo conhecimento se reduzia o objecto do recurso jurisdicional: o da violação, pela aludida proposta da B..., dos arts. 57º, nº 1, al. a) e 146º, nº 2, al. d) do CCP, violação que o TCA entende não se verificar.
Considera, para tanto, que ninguém suscitou a irregularidade da declaração durante o concurso, incluindo a própria concorrente A..., nem o júri a suscitou oficiosamente, pedindo qualquer esclarecimento, quer no relatório preliminar quer no relatório final, tudo se passando como se a declaração estivesse regularmente apresentada.
E que só com a propositura da acção, após adjudicação da empreitada à 2ª Ré (e no próprio dia em que com esta foi celebrado o contrato de empreitada), a A. veio invocar esse facto como causa de pedir, obtendo decisão favorável do TAF, que entendeu haver violação irremediável dos citados arts. 57º, nº 1, al. a) e 146º, nº 2, al. d) do CCP, condenando a Ré ARSC a excluir do concurso aquela proposta.
Ora, para revogar tal decisão, entendeu o acórdão recorrido, em suma, que aquela declaração de aceitação do caderno de encargos foi aceite como válida pelos concorrentes e pelo próprio júri, que não solicitou qualquer esclarecimento sobre essa irregularidade nem convidou o concorrente a regularizar a dita declaração, podendo fazê-lo uma vez que esse convite "não é susceptível de provocar qualquer lesão nos interesses em jogo", considerando até que a exclusão da concorrente por esse motivo se afigurava manifestamente desproporcional (arts. 266º, nº 3 da CRP e 5º, nº 2 do CPA).
E considerou, por outro lado, e decisivamente, que a necessidade desse esclarecimento ou correcção estava já ultrapassada, devido à celebração do contrato de empreitada entre a ARSC e a concorrente B..., concluindo:
"Resulta, pois, que a sociedade B... se encontra agora validamente comprometida com o caderno de encargos, enquanto parte no contrato de empreitada que celebrou, surgindo como acto espúrio e perfeitamente inútil militar pela correcção de uma irregularidade que detectamos a nível da declaração de aceitação do caderno de encargos para efeitos do artigo 57º nº 1 alínea a) e nº 4 do CCP".
Na sua alegação para este Supremo Tribunal, a recorrente invoca, em suma, que:
· a falta de assinatura da declaração de aceitação do caderno de encargos por um dos gerentes, não constitui uma mera irregularidade, como tal sanável, mas sim um vício de fundo ligado à validade material da própria obrigação, equivalendo à inexistência de tal documento, por incumprimento dos requisitos (formais e substanciais) exigidos por lei, pelo que o acórdão recorrido violou os arts. 260º, nºs 1 e 4 do CSC, e 57º, nº 1, al. a) e nº 4 e 146º, nº 2, al. d) do CCP.
A inexistência dessa declaração não é suprível através de esclarecimentos prestados a pedido do júri do concurso, que apenas podem reportar-se aos relatórios e não permitem a apresentação de novos documentos, nos termos do art. 123º do CCP, pelo que o acórdão recorrido violou os arts. 63º a 65º do CCP.
O vício da falta de assinatura não se encontra sanado pelo contrato de empreitada, uma vez que este foi anulado por força da decisão de anulação do relatório final do concurso por falta de fundamentação, com invalidação dos actos subsequentes, nos termos do art. 136º do CPA.
Acresce que o contrato de empreitada (que, segundo o acórdão recorrido, teria sanado a referida falta de assinatura) não faz parte dos factos dados como provados na decisão de 1ª instância, pelo que a sua invocação pelo acórdão recorrido viola os arts. 659º, nº 2, 668º, nº 1, al. e) e 713º, nº 2 do CPC.


(Fundamentação)
O art. 150º n° 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, "excepcionalmente", recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo "quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental" ou "quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".
A jurisprudência do STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n°s 92/VIII e 93/VIII, de uma "válvula de segurança do sistema" que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.
Deste modo, a intervenção do STA só se justificará em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se generalizar este recurso de revista, o que não deixaria de se mostrar desconforme com os aludidos fins tidos em vista pelo legislador.
Na situação em análise, cremos que não se justifica, tendo em conta os pressupostos de admissão do recurso previstos no art. 150º, nº 1 do CPTA, e à luz da orientação jurisprudencial atrás enunciada, a admissão da revista.
Com efeito, e tendo em conta, por um lado, que o acórdão recorrido julgou procedente o único erro de julgamento que vinha imputado à sentença, e a cujo conhecimento se reduzia o objecto do recurso jurisdicional (violação, pela aludida proposta da B..., dos arts. 57º, nº 1, al. a) e 146º, nº 2, al. d) do CCP, que o TCA entendeu não se verificar), e, por outro lado, que considerou estar apenas em causa a possibilidade de rectificação ou sanação de uma irregularidade formal que, aliás, não foi suscitada por nenhum dos concorrentes durante o procedimento do concurso, nem objecto de pedido de esclarecimento por parte do júri, e que a mesma estaria ultrapassada face à celebração do respectivo contrato de empreitada, conforme docs. constantes do PA anexo, não se vislumbra que estas pronúncias justifiquem a intervenção do tribunal de revista.
Em bom rigor, o que está em causa é tão só a discussão sobre a consequência jurídica, face ao disposto nos arts. 57º, nº 1, al. a) e 146º, nº 2, al. d) do CCP, da falta de assinatura, por um dos dois gerentes da sociedade, da declaração de aceitação do caderno de encargos, e sobre a possibilidade de, não tendo ela sido suscitada durante o procedimento de concurso, ser considerada sanada face à celebração do contrato de empreitada outorgado pela sociedade em causa.
Por um lado, não se vê que tais questões possam, à luz do preceituado no art. 150º, nº 1 do CPTA, assumir uma importância fundamental, por virtude de especial relevância social ou jurídica, não se vislumbrando qualquer complexidade particularmente exigente ao nível das operações de interpretação e aplicação do direito efectuadas pelo tribunal a quo na apreciação e decisão do recurso jurisdicional.
Por outro lado, também se não vislumbra na decisão recorrida qualquer erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica e infundada que imponha a admissão da revista excepcional como "claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".


(Decisão)
Termos em que, por não se verificarem os pressupostos exigidos pelo art. 150º, nº 1 do CPTA, acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2011. - Luís Pais Borges (relator) - Rosendo Dias José - José Manuel da Silva Santos Botelho.