Conclusões do Advogado-Geral nos processos C-203/08 e C-258/08 (17 de Dezembro de 2009)

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CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
YVES BOT
apresentadas em 17 de Dezembro de 2009 1(1)

Processo C‑203/08

The Sporting Exchange Ltd
contra
Minister van Justitie

Processo C‑258/08

Ladbrokes Betting & Gaming Ltd,
Ladbrokes International Ltd
contra
Stichting de Nationale Sporttotalisator

 

[pedidos de decisão prejudicial apresentados respectivamente pelo Raad van State (Países Baixos) e pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos)]

 

«Livre prestação de serviços - Jogos de fortuna e azar - Apostas e lotarias via Internet - Sistema de autorização exclusiva - Proibição imposta a uma empresa estabelecida noutro Estado‑Membro de prestar os seus serviços - Restrição à livre prestação de serviços - Justificação - Protecção dos consumidores e combate à fraude - Limitação coerente e sistemática - Âmbito do controlo da proporcionalidade - Medida nacional de execução - Princípio do reconhecimento mútuo - Princípio da igualdade de tratamento e obrigação de transparência - Aplicação no domínio dos jogos de fortuna e azar no quadro de um regime de concessionário único - Prorrogação da licença sem concurso»

 
1. O âmbito do enquadramento da competência dos Estados‑Membros em matéria de jogos de fortuna e azar pelas liberdades de circulação já deu origem a uma jurisprudência relativamente abundante e continua a suscitar muitas questões (2).

2. Os dois presentes processos prejudiciais visam permitir apreciar a conformidade da legislação neerlandesa nesta matéria com as regras do Tratado CE relativas à livre prestação de serviços. Na medida em que dizem respeito à mesma regulamentação nacional e em que as questões apresentadas pelos dois órgãos jurisdicionais de reenvio se sobrepõem, decidimos abordá‑las em conjunto.

3. A legislação neerlandesa visa proteger os consumidores contra o vício do jogo e combater a criminalidade. Consagra a proibição de organizar ou promover jogos de fortuna e azar sem licença para o efeito e determina que apenas um prestador por cada categoria de jogo pode obter essa licença.

4. A licença para a organização das apostas desportivas, do loto e da lotaria foi atribuída à fundação Stichting de Nationale Sporttotalisator (3). Foi prorrogada por um período de cinco anos em Dezembro de 2004. A licença para a organização de apostas mútuas sobre corridas de cavalos, atribuída à sociedade por quotas Scientific Games Racing B.V. (4), foi prorrogada em Junho de 2005.

5. O processo C‑203/08 tem origem no litígio que opõe a sociedade The Sporting Exchange Ltd, que exerce actividade sob a denominação Betfair (5), com sede no Reino Unido, ao Minister van Justitie (Ministro da Justiça neerlandês), devido ao indeferimento dos pedidos de licença para a organização de jogos de fortuna e azar nos Países Baixos que apresentou e aos recursos que interpôs das decisões de prorrogação das licenças da De Lotto e da SGR.

6. O processo C‑258/08 inscreve‑se no contexto da contestação pela Ladbrokes Betting & Gaming Ltd e pela Ladbrokes International Ltd (6), com sede no Reino Unido, das acções que lhes foram intentadas pela De Lotto, com vista a proibi-las de proporem nas suas páginas da Internet jogos de fortuna e azar, para os quais não dispõem de licença, a pessoas residentes nos Países Baixos.

7. Estes dois processos prejudiciais suscitam, conjuntamente, as quatro questões seguintes.

8. Em primeiro lugar, pode considerar‑se que a regulamentação de um Estado‑Membro que restringe o fornecimento de jogos de fortuna e azar com o objectivo de conter o vício do jogo e combater a fraude e efectivamente alcança esses objectivos os prossegue de maneira coerente e sistemática quando o(s) titular(es) do direito exclusivo são autorizados a tornar a sua oferta atractiva introduzindo novos jogos e recorrendo à publicidade? (primeira questão no processo C‑258/08).

9. Em segundo lugar, o órgão jurisdicional nacional, quando concluiu que a sua legislação em matéria de jogos de fortuna e azar é conforme ao direito comunitário, é obrigado a verificar se uma medida de execução que visa assegurar o respeito dessa legislação é conforme ao princípio da proporcionalidade? [segunda questão, alíneas a) e b), no processo C‑258/08].

10. Em terceiro lugar, a circunstância de um operador económico ser autorizado a explorar jogos em suporte electrónico no território do Estado‑Membro em que está estabelecido opõe‑se a que outro Estado‑Membro, no qual os jogos de fortuna e azar estão sujeitos a um regime de direitos exclusivos, proíba esse operador de fornecer esses mesmos jogos às pessoas que residem no seu território? (primeira questão no processo C‑203/08 e terceira questão no processo C‑258/08).

11. Em quarto lugar, em virtude do artigo 49.° CE, o princípio da igualdade de tratamento e a obrigação de transparência que dele decorre aplicam‑se no domínio dos jogos de fortuna e azar no quadro de um regime de concessão a um único operador? E, em caso de resposta afirmativa, em que medida pode proceder‑se à prorrogação da licença do operador único sem concurso? [segunda questão e terceira questão, alíneas a) e b), no processo C‑203/08].

12. Estas questões assentam na premissa segundo a qual a concessão, por um Estado‑Membro, do direito exclusivo de explorar um jogo de fortuna e azar a um único operador pode ser compatível com o direito comunitário. Nas presentes conclusões, convidaremos o Tribunal de Justiça a confirmar esta premissa.

13. Proporemos, em seguida, que, em resposta à primeira questão, se declare que a partir do momento em que, segundo a apreciação do órgão jurisdicional nacional, a regulamentação de um Estado‑Membro que restringe o fornecimento de jogos de fortuna e azar a fim de conter o vício do jogo e combater a fraude alcança efectivamente esses dois objectivos, deve considerar‑se que prossegue os objectivos referidos de modo coerente e sistemático, ainda que o(s) titular(es) do direito exclusivo de fornecer os jogos estejam autorizados a tornar a sua oferta atractiva através da introdução de novos jogos e do recurso à publicidade.

14. Em resposta à segunda questão, sustentaremos que, quando o órgão jurisdicional nacional tenha chegado à conclusão de que as restrições previstas pela sua legislação interna são conformes ao princípio comunitário da proporcionalidade, não é obrigado a verificar e a demonstrar, em cada caso concreto de aplicação, que uma simples medida de execução dessa legislação é igualmente conforme a esse princípio quando essa medida se limite apenas a assegurar a aplicação da referida legislação, sem criar restrições suplementares. Indicaremos também que a circunstância de a referida medida ser solicitada por um operador económico no quadro de um litígio entre particulares e não pela autoridade pública não é relevante para a resposta a esta questão.

15. A resposta à terceira questão deduz‑se do acórdão de 8 de Setembro de 2009, Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Baw International (7), segundo o qual o princípio do reconhecimento mútuo não se aplica a uma autorização de fornecer jogos em suporte electrónico e da jurisprudência segundo a qual um regime de direitos exclusivos pode ser conforme ao direito comunitário.

16. No que respeita, enfim, ao alcance do princípio da igualdade de tratamento e da obrigação de transparência, convidaremos o Tribunal de Justiça a declarar que esse princípio e essa obrigação se aplicam a um regime de licença limitado a um único operador no domínio dos jogos de fortuna e azar. Sustentaremos igualmente que se opõem a uma prorrogação da licença sem concurso, a menos que essa falta de concurso seja validamente justificada por uma razão enunciada no Tratado ou admitida pela jurisprudência, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.

I - Legislação neerlandesa

17. Nos termos do artigo 1.° da Lei do Jogo (Wet op de kansspelen) (8) é proibido, sem prejuízo do disposto no seu Título Va:

«a) proporcionar a possibilidade de concorrer a prémios se a nomeação dos vencedores for feita por meio de uma determinação aleatória na qual os participantes não possam, em geral, exercer qualquer influência significativa, salvo se for concedida licença nos termos da presente lei;

b) promover a participação quer na possibilidade prevista na alínea a), proporcionada sem licença nos termos da presente lei, quer numa possibilidade semelhante, proporcionada fora do território europeu do Reino dos Países Baixos, ou deter, com esse objectivo, documentos destinados a divulgação ou distribuição;

[...]»

18. A lei neerlandesa prevê em seguida a possibilidade de ser concedida uma licença para diferentes tipos de jogos de fortuna e azar, designadamente as apostas desportivas e as apostas mútuas, que se regem, respectivamente, pelos Títulos III e IV da referida lei.

19. As apostas desportivas são definidas concursos em que os participantes devem adivinhar ou prever os resultados de competições desportivas previamente anunciadas, com excepção das corridas de cavalos.

20. Nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da lei neerlandesa, as autoridades nacionais competentes podem conceder uma licença para organizar apostas mútuas a uma única pessoa colectiva, dotada de capacidade jurídica plena, pelo período que determinarem. O artigo 16.°, n.° 2, dessa lei prevê que as receitas geradas pelas apostas, após dedução dos ganhos distribuídos e das despesas, são afectadas às causas que a pessoa colectiva decidiu contemplar através da organização de apostas desportivas.

21. Os menores de 18 anos não estão autorizados a apostar. Além disso, segundo o artigo 21.° da lei neerlandesa, a licença está sujeita a condições relativas, por exemplo, ao número de apostas a organizar, ao modo de determinação dos resultados de substituição e à lista dos prémios, à gestão e cobertura das despesas ligadas à organização, à afectação das receitas, aos estatutos e regulamentos da pessoa colectiva, ao controlo da aplicação a que devem proceder as autoridades e à apresentação do relatório, a elaborar anualmente pela pessoa colectiva, sobre as suas actividades e os seus resultados financeiros, bem como ao modo de publicação desse relatório.

22. As apostas mútuas regem‑se pelo Título IV da lei neerlandesa. Abrangem todas as ocasiões proporcionadas para apostar nos resultados das corridas de cavalos. O total das apostas deve ser repartido pelas pessoas que apostaram no vencedor ou num dos vencedores, sem prejuízo das deduções previstas nessa lei.

23. Segundo o artigo 24.° da lei neerlandesa, as autoridades nacionais competentes podem conceder uma licença para organizar apostas mútuas a uma única pessoa colectiva, dotada de capacidade jurídica plena, pelo período que determinarem.

24. A licença para a organização de apostas mútuas pode ficar sujeita a condições relativas, designadamente, ao número de corridas de cavalos, à aposta máxima por pessoa, à percentagem retida antes da repartição das apostas pelos vencedores, bem como à afectação dessa percentagem, ao controlo da aplicação a que devem proceder as autoridades, à obrigação de prevenir e fazer com que se previna, dentro do possível, as apostas não autorizadas ou a intermediação de apostas nos locais onde decorrem as corridas de cavalos.

25. Resulta dos elementos autos, designadamente das explicações do Governo neerlandês, que as licenças são concedidas, em princípio, por um período de cinco anos.

26. As licenças contêm disposições pormenorizadas sobre as modalidades de organização dos jogos a que dizem respeito. Podem ser revogadas antes do termo do prazo se o titular da concessão infringir essas condições.

27. A licença para a organização das apostas desportivas é atribuída à De Lotto desde 1961. A De Lotto dispõe igualmente de uma licença para organizar a lotaria instantânea, o loto e a lotaria.

28. A De Lotto é uma fundação. Não prossegue, portanto, fins lucrativos. Os lucros líquidos revertem integralmente para beneficiários das áreas do desporto, da educação física, do bem‑estar social, da saúde pública e da cultura.

29. A licença da De Lotto para a organização das apostas desportivas, bem como do loto e da lotaria foi prorrogada, por decisão de 10 de Dezembro de 2004, por um período de cinco anos, de 12 de Dezembro de 2004 a 11 de Dezembro de 2009.

30. A licença relativa às apostas mútuas está na posse, desde 1998, da SGR. A SGR, ao contrário da De Lotto, prossegue, portanto, fins lucrativos (9).

31. Esta licença foi prorrogada por decisão de 21 de Junho de 2005 por um período de três anos.

II - Matéria de facto e questões prejudiciais

A)    Processo C‑258/08

32. A Ladbrokes organiza apostas desportivas, designadamente apostas de cotação. Na sua página Internet (www.ladbrokes.com) propõe vários jogos de fortuna e azar, predominantemente relacionados com o desporto. Oferece, além disso, a possibilidade de participação por telefone nas apostas que organiza.

33. A Ladbrokes propôs esses jogos em suporte electrónico aos residentes nos Países Baixos.

34. A De Lotto, entendendo que esse comportamento era contrário à lei neerlandesa e lhe causava prejuízo, citou a Ladbrokes no Rechtbank Arnhem (Países Baixos). Pediu, designadamente, que esse tribunal ordenasse à Ladbrokes que impedisse os residentes neerlandeses de participar nos jogos de fortuna e azar que esta sociedade propõe na Internet, por telefone ou por qualquer outra forma, directamente ou através de intermediário. A De Lotto também pediu a esse tribunal que proibisse a Ladbrokes de propor os seus jogos de fortuna e azar numa página Internet com endereço neerlandês (ou seja, www.ladbrokes.nl).

35. Por decisão de 31 de Agosto de 2005, o Rechtbank julgou procedente o pedido da De Lotto e ordenou à Ladbrokes que, sob pena de lhe serem aplicadas sanções pecuniárias compulsórias, adoptasse medidas de bloqueio relativamente ao acesso aos seus jogos de fortuna e azar através da Internet e de um número de telefone gratuito.

36. A Ladbrokes interpôs recurso desta decisão para o Gerechtshof te Arnhem (Países Baixos). Por acórdão de 17 de Outubro de 2006, este órgão jurisdicional de recurso confirmou a sentença da primeira instância.

37. O Gerechtshof te Arnhem concluiu que a Ladbrokes tinha infringido o disposto no artigo 1.° da lei neerlandesa. Considerou improcedente a argumentação da Ladbrokes segundo a qual o órgão jurisdicional nacional devia apreciar em concreto se as restrições que lhe foram impostas, sob pena de lhe serem aplicadas sanções pecuniárias compulsórias, são necessárias e proporcionadas à luz dos objectivos da lei neerlandesa. Entendeu igualmente que a lei neerlandesa, tendo em conta o seu conteúdo e as condições em que é aplicada, contribui efectivamente para a realização dos seus objectivos, a saber, conter o vício do jogo e combater a fraude. Considerou impertinente o argumento da Ladbrokes relativo ao facto de estar autorizada a organizar os seus jogos de fortuna e de azar no Reino Unido. Sublinhou, enfim, que a lei neerlandesa não é discriminatória na medida em que a proibição enunciada no seu artigo 1.° se aplica indistintamente a todas as empresas, neerlandesas ou estrangeiras, e que pessoas colectivas estabelecidas noutros Estados‑Membros podem obter uma concessão.

38. A Ladbrokes recorreu deste acórdão para o Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos).

39. À luz dos argumentos invocados nesse recurso, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e apresentar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) Uma política nacional restritiva em matéria de jogos de fortuna e azar, orientada para a canalização da propensão para o jogo, que contribui efectivamente para que sejam alcançados os objectivos prosseguidos com a regulamentação nacional em questão, a saber a contenção do vício do jogo e o combate à fraude, porque, graças à oferta regulamentada de jogos de fortuna e azar, o jogo fica circunscrito a um âmbito (muito) mais reduzido do que aquele que teria se não houvesse essa regulamentação, satisfaz a condição, formulada na jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, em especial no acórdão de 6 de Novembro de 2003, Gambelli e o. (C‑243/01, p. I‑13031), de limitar as actividades de apostas de uma maneira coerente e sistemática, mesmo que seja permitido ao(s) titular(es) de licença tornar a oferta de jogos atractiva, mediante a introdução de novos jogos de fortuna e azar e a apresentação da sua oferta de jogos a um público vasto por meio de publicidade, afastando, deste modo, os (potenciais) jogadores da oferta ilegal de jogos de fortuna e azar (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2007, Placanica, C‑338/04, C‑359/04 e C‑360/04, p. I‑1891, n.° 55, parte final)?

2) a) Admitindo que uma regulamentação nacional da política em matéria de jogos de fortuna e azar é compatível com o artigo 49.° CE, o órgão jurisdicional nacional, quando aplica essa regulamentação a um caso concreto, deve sempre averiguar se a medida a adoptar, tal como ordenar que o acesso dos residentes do Estado‑Membro em questão a um sítio Web, para participarem nos jogos de fortuna e azar aí oferecidos, seja impedido por meio de software disponível para o efeito, cumpre, enquanto tal e em si mesma, nas circunstâncias do caso concreto, a condição de prosseguir verdadeiramente os objectivos invocados como justificação da regulamentação nacional, e se a restrição à livre prestação de serviços, decorrente dessa regulamentação e da sua aplicação, não é desproporcionada face a esses objectivos?

2) b) É relevante para a resposta à segunda questão, alínea a), o facto de a medida a adoptar não ser exigida e imposta no âmbito da aplicação da regulamentação nacional pelas autoridades nacionais, mas sim no âmbito de um processo civil, em que um operador de jogos de fortuna e azar titular da licença exigida pede a adopção da medida, com o fundamento de que foi praticado contra ele um ilícito civil, porquanto a outra parte violou a regulamentação nacional em questão e, deste modo, obteve uma vantagem desleal sobre o operador titular da licença exigida?

3) O artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que resulta da aplicação deste artigo que a autoridade competente de um Estado‑Membro não pode, com base no regime de licenças fechado em vigor nesse Estado‑Membro para a oferta de serviços de jogos de fortuna e azar, proibir um prestador de serviços, a quem já foi concedida noutro Estado‑Membro uma licença para a prestação desses serviços através da Internet, de também oferecer esses serviços no primeiro Estado‑Membro, através da Internet?»

B)    Processo C‑203/08

40. A Betfair facilita a conclusão e a negociação recíproca, directa ou indirecta via Internet, de apostas sobre acontecimentos desportivos, designadamente corridas de cavalos. Afirmou dispor de autorizações no Reino Unido e em vários outros Estados para prestar esses serviços.

41. Pretendeu oferecer os referidos serviços no mercado neerlandês.

42. Para esse efeito, requereu ao Minister van Justitie autorização para organizar, pela Internet ou não, apostas desportivas e apostas mútuas sobre os resultados de corridas de cavalos. O referido ministro indeferiu esses pedidos, bem como a reclamação que a Betfair apresentou desse indeferimento. A Betfair interpôs recurso no Rechtbank's‑Gravenhage (Países Baixos).

43. A Betfair reclamou igualmente da decisão de 10 de Dezembro de 2004, que prorroga a licença da De Lotto no que respeita à organização de apostas desportivas, do loto e da lotaria, e da decisão de 21 de Junho de 2005, que prorroga a licença da SGR no que respeita às apostas mútuas sobre os resultados das corridas de cavalos.

44. O Minister van Justitie considerou essas reclamações improcedentes. A Betfair interpôs igualmente recurso dessas decisões de indeferimento para o Rechtbank's‑Gravenhage.

45. Por sentença de 8 de Dezembro de 2006, o Rechtbank's‑Gravenhage negou provimento aos recursos interpostos pela Betfair. A Betfair recorreu para o Raad van State (Países Baixos).

46. À luz dos argumentos invocados pela Betfair, o Raad van State decidiu suspender a instância e apresentar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) O artigo 49.° do Tratado CE deve ser interpretado no sentido de que da sua aplicação resulta que a autoridade competente de um Estado‑Membro não pode, com base no regime de licenças exclusivo que vigora nesse Estado‑Membro em relação à oferta de serviços relativos a jogos de fortuna ou azar, proibir que um prestador de serviços ao qual já foi concedida uma licença noutro Estado‑Membro para a prestação de serviços através da Internet também ofereça estes serviços através da Internet no primeiro Estado‑Membro?

2) A interpretação que o Tribunal de Justiça fez do artigo 49.° do Tratado CE e, em especial, do princípio da igualdade e da obrigação de transparência dele resultantes em alguns processos que tinham por objecto concessões é aplicável ao processo relativo à concessão de uma licença para a oferta de serviços relativos a jogos de fortuna ou azar num regime de licença única fixado por lei?

3) a) Num regime de licença única fixado por lei, a prorrogação da licença concedida ao actual titular, sem que os potenciais interessados tenham a oportunidade de concorrer à obtenção da licença, constitui um meio adequado e proporcional para a realização das razões imperiosas de interesse geral que o Tribunal de Justiça aceitou como justificações da limitação da livre circulação na oferta de serviços relativos a jogos de fortuna ou azar? Em caso afirmativo, em que condições?

3) b) Para a resposta à terceira questão, alínea a) é relevante a resposta afirmativa ou negativa à segunda questão?»

III - Análise

47. Antes de analisar as diferentes questões apresentadas nos presentes processos, parece‑nos necessário fazer as seguintes observações a propósito das premissas em que se baseiam as questões prejudiciais apresentadas pelos órgãos jurisdicionais neerlandeses.

48. Em primeiro lugar, é efectivamente à luz das disposições do artigo 49.° CE que a conformidade da regulamentação neerlandesa deve ser analisada.

49. Com efeito, antes de mais, os jogos de fortuna e azar constituem uma actividade económica na acepção do artigo 2.° CE (10) e são considerados uma prestação de serviços. Os operadores económicos que os exploram podem, portanto, invocar os artigos 43.° CE e 49.° CE (11). Uma legislação de um Estado‑Membro que restrinja a possibilidade de fornecer jogos de fortuna e azar no território desse Estado pode, por conseguinte, constituir uma restrição ao exercício da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, proibida por essas disposições (12). Além disso, até ao presente, os jogos de fortuna e azar não foram objecto de nenhuma medida de regulamentação ou de harmonização a nível comunitário.

50. Em seguida, resulta claramente do quadro factual dos dois processos analisados que a Betfair, no processo C‑203/08, e a Ladbrokes, no processo C‑258/08, pretendem fornecer jogos de fortuna e azar às pessoas residentes no território neerlandês sem se estabelecerem nos Países Baixos, mas a partir do Reino Unido, através da Internet ou por telefone. Portanto, essas empresas apenas podem invocar as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços.

51. Em segundo lugar, também é legitimo que os órgãos jurisdicionais de reenvio considerem que a sua regulamentação nacional, na medida em que prevê que o direito de propor jogos de fortuna e azar às pessoas residentes no território neerlandês é conferido a um único operador económico titular de um direito exclusivo, pode ser compatível com o direito comunitário.

52. Assim, é incontroverso, antes de mais, que a regulamentação neerlandesa, que tem por objecto e efeito impedir prestadores como a Betfair e a Ladbrokes, estabelecidos no Reino Unido, de propor os seus jogos de fortuna e azar às pessoas que residem no território neerlandês e, portanto, impedir estas últimas de terem acesso a esses jogos, constitui uma restrição à livre prestação de serviços na acepção do artigo 49.° CE.

53. Em seguida, constitui igualmente jurisprudência constante que os Estados‑Membros podem restringir a organização e a exploração dos jogos de fortuna e azar no seu território a fim de proteger os consumidores de despesas excessivas ligadas ao jogo e de defender a ordem pública em razão do risco de fraude criado pelas elevadas quantias que os jogos de fortuna e azar permitem obter (13).

54. No entanto, para que uma legislação de um Estado‑Membro aprovada para esse efeito seja conforme ao direito comunitário, deve aplicar‑se de modo não discriminatório, ser adequada para garantir a realização do objectivo que prossegue e, por último, ser proporcionada, ou seja, não ultrapassar o que é necessário para atingir esse objectivo (14).

55. No quadro do controlo do respeito dessas condições, o Tribunal de Justiça declarou que um Estado‑Membro podia legitimamente atribuir o direito de explorar jogos de fortuna e azar a um único operador (15). Segundo o Tribunal de Justiça, a concessão de um direito exclusivo a um único operador, quando esse operador exerce as suas actividades sob o controlo do Estado e em conformidade com os seus objectivos, tem a vantagem, efectivamente, de canalizar o desejo de jogar e a exploração dos jogos para um circuito controlado, de evitar os riscos dessa exploração para fins fraudulentos e criminosos e de utilizar os benefícios daí resultantes para fins de utilidade pública (16).

56. A decisão de recorrer a um regime de direito exclusivo atribuído a um único operador em vez de a vários operadores cuja actividade seria estritamente enquadrada faz parte do poder de apreciação dos Estados‑Membros (17). A este respeito, a circunstância de um Estado‑Membro ter escolhido um sistema de protecção diferente do adoptado por outro Estado‑Membro não pode ter qualquer incidência sobre a apreciação da necessidade e da proporcionalidade das disposições tomadas na matéria. Estas devem apenas ser apreciadas à luz dos objectivos prosseguidos pelas autoridades nacionais do Estado‑Membro interessado e do nível de protecção que as mesmas pretendem garantir (18).

57. Esta jurisprudência, em nossa opinião, merece plenamente ser aprovada. Como o órgão jurisdicional de reenvio correctamente indica no processo C‑203/08, a licença de um único prestador, por um lado, facilita o seu controlo, bem como a verificação do respeito das regras ligadas à licença e, por outro, impede que se instale uma concorrência entre os detentores de uma licença para a mesma categoria de jogos, o que provocaria um excesso de oferta e de publicidade.

58. O direito dos Estados‑Membros de optarem por um sistema de direito exclusivo reservado a um único operador merece igualmente ser mantido, em nossa opinião, porque a concorrência na ordem jurídica comunitária não constitui um fim em si mesmo. Trata‑se de um instrumento que permite atingir os objectivos prosseguidos pela Comunidade Europeia, enunciados no artigo 2.° CE. A livre concorrência promove um desenvolvimento harmonioso das actividades económicas e do emprego e, portanto, uma melhoria do nível da qualidade de vida dos cidadãos da União Europeia porque, quando é leal, assegura o progresso tecnológico e melhora as qualidades de um serviço ou de um produto garantindo simultaneamente uma descida dos custos. É vantajosa, portanto, para os consumidores porque estes podem beneficiar assim de produtos ou de serviços de melhor qualidade ao melhor preço.

59. No entanto, essas vantagens não se verificam no domínio dos jogos de fortuna e azar. Com efeito, esses jogos apenas podem funcionar e perdurar se os jogadores, na sua grande maioria, perderem mais do que ganham. O próprio princípio dessa actividade cujo interesse lucrativo se baseia na força atractiva do sonho, ao espelhar a ilusão de um eventual enriquecimento, acaba por implicar o empobrecimento daqueles que a ele se dedicam. Colocar em concorrência prestadores de serviços para uma mesma categoria de jogo, que os conduziria necessariamente a propor aos consumidores jogos cada vez mais atractivos a fim de deles retirarem os maiores lucros possíveis, poderia levar as famílias a despenderem mais do que os recursos de que dispõem para lazer, podendo até de conduzir a um verdadeiro vício do jogo. Pode mesmo sustentar‑se que uma lógica puramente económica conduziria, por natureza, a tal atitude. Estaríamos longe, portanto, dos objectivos expressos no artigo 2.° CE.

60. A interpretação, pelo Tribunal de Justiça, do alcance das liberdades de circulação no domínio dos jogos de fortuna e azar não deveria, portanto, contribuir para impor aos Estados‑Membros uma abertura do mercado nesse domínio, porque esta não constitui uma fonte de progresso e de desenvolvimento, mas deveria contribuir para os deixar assumir as suas responsabilidades.

61. Esta afirmação não visa pôr em causa a jurisprudência segundo a qual a organização e a exploração de jogos de fortuna e azar constituem uma actividade económica nem pôr o direito dos operadores económicos que a exercem de invocar as liberdades de circulação. Esta jurisprudência impõe‑se a fim de que o exercício das competências dos Estados‑Membros nessa matéria, bem como nos outros domínios de competência reservada, possa ser objecto de um controlo de conformidade com os seus compromissos comunitários.

62. Queremos simplesmente dizer que, em razão da natureza particular dos jogos de fortuna e azar, só se um Estado‑Membro decidir tornar um jogo numa actividade económica normal ou comum, cujo principal objectivo é obter o máximo de lucro, é que esse Estado‑Membro deveria ser obrigado a abrir esse jogo à livre concorrência.

63. As questões prejudiciais apresentadas nos presentes processos abrangem quatro questões que analisaremos sucessivamente. Dizem respeito, em primeiro lugar, à coerência de uma legislação nacional que visa proteger os consumidores contra o vício do jogo e combater a fraude quando o titular do direito exclusivo está autorizado a introduzir novos jogos e a fazer publicidade (primeira questão no processo C‑258/08); em segundo lugar, ao âmbito do controlo da proporcionalidade que o juiz nacional é obrigado a efectuar quando da apreciação da conformidade do seu direito interno com o direito comunitário [segunda questão, alíneas a) e b), no processo C‑258/08]; em terceiro lugar, à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo à autorização de propor jogos pela Internet (primeira questão no processo C‑203/08 e terceira questão no processo C‑258/08); e, em quarto lugar, à aplicação do princípio da igualdade de tratamento e da obrigação de transparência no caso de concessão a um único operador e em caso de prorrogação dessa concessão [segunda questão e terceira questão, alíneas a) e b), no processo C‑203/08].

A)    Quanto à coerência de uma legislação nacional que visa proteger os consumidores e combater a fraude quando essa legislação permite a criação de novos jogos e o recurso à publicidade (processo C‑258/08)

64. Na sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se pode considerar‑se que uma regulamentação de um Estado‑Membro que restringe a oferta de jogos de fortuna e azar com o objectivo de conter o vício do jogo e de combater a fraude e que contribui efectivamente para que esses objectivos sejam alcançados os prossegue de maneira coerente e sistemática quando o(s) titular(es) do direito exclusivo estão autorizados a tornar a sua oferta mais atractiva através da introdução de novos jogos e do recurso à publicidade.

65. Esse órgão jurisdicional coloca esta questão devido às posições adoptadas pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos Gambelli e o. e Placanica e o., já referidos. Assim, no acórdão Gambelli e o., já referido, o Tribunal de Justiça entendeu que uma legislação de um Estado‑Membro que restringia a organização e a exploração das apostas desportivas a fim de proteger os consumidores contra uma incitação excessiva ao jogo quando, na realidade, as autoridades desse Estado‑Membro incitam e encorajam os consumidores a participar nesses jogos a fim de que o tesouro retire daí lucros não prossegue esse objectivo de maneira coerente e sistemática e, portanto, é contrária ao direito comunitário (19).

66. No acórdão Placanica e o., já referido, o Tribunal de Justiça indicou que, se a regulamentação de um Estado‑Membro em matéria de jogos de fortuna e azar tem como objectivo canalizar essa actividade para circuitos controláveis a fim de prevenir a sua exploração com fins criminosos, os operadores autorizados devem constituir uma alternativa fiável, mas simultaneamente atraente, a uma actividade proibida, o que pode, em si mesmo, implicar a oferta de uma extensa gama de jogos, uma publicidade de uma certa envergadura e o recurso a novas técnicas de distribuição (20).

67. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber de que forma esses acórdãos podem ser conciliados no que se refere à sua regulamentação nacional na medida em que esta, recordemo‑lo, visa simultaneamente proteger os consumidores contra uma incitação excessiva ao jogo e combater a fraude.

68. Somos de opinião que a apreciação do juiz nacional, que consta do despacho de reenvio e está reproduzida no texto da questão prejudicial em análise, segundo a qual a legislação em causa contribui efectivamente para atingir esses dois objectivos, permite claramente responder à referida questão em sentido afirmativo. Baseamos a nossa posição nos motivos seguintes.

69. Tal como recordámos anteriormente, a conformidade com o direito comunitário de uma regulamentação de um Estado‑Membro que restringe o exercício de uma liberdade de circulação pressupõe, nomeadamente, que seja adequada para atingir o objectivo que prossegue. Em conformidade com a jurisprudência, é necessário, para esse efeito, que prossiga esse objectivo de maneira coerente e sistemática (21).

70. Esta exigência decorre do bom senso. Assim, uma medida restritiva de uma liberdade de circulação que não prossiga o objectivo que lhe está subjacente de maneira coerente e sistemática é, por isso, inadequada para atingir esse objectivo. Portanto, o objectivo invocado em apoio dessa regulamentação não pode justificar a restrição a uma liberdade fundamental prevista pelo direito comunitário, pois esse objectivo nunca poderá ser atingido. Por outras palavras, a razão invocada, nessa situação, constitui um simples pretexto.

71. Assim, recentemente, o Tribunal de Justiça considerou incoerente a legislação de um Estado‑Membro que proíbe a publicidade aos tratamentos médicos e cirúrgicos efectuados em estabelecimentos médicos privados nos canais de televisão de difusão nacional, autorizando‑os, no entanto, em certas condições, nos canais de televisão de difusão local (22). O mesmo se passa com a regulamentação de um Estado‑Membro em virtude da qual a abertura de uma policlínica dentária dependia da obtenção de uma autorização condicionada à existência de uma necessidade de cuidados ao passo que o estabelecimento de um consultório de grupo que efectuava as mesmas prestações não estava subordinado a essa condição (23).

72. O acórdão Gambelli e o., já referido, insere‑se perfeitamente nessa jurisprudência, ainda que a incoerência salientada pelo Tribunal de Justiça nesse acórdão não resida no conteúdo da própria legislação, mas na sua aplicação concreta pelas autoridades nacionais. Resulta, com efeito, desse acórdão que um Estado‑Membro não pode legitimamente instituir uma regulamentação restritiva em matéria de jogos de fortuna e azar com o único objectivo de proteger os consumidores contra os riscos de despesa excessiva quando, na realidade, conduz uma política de forte incentivo à participação desses mesmos consumidores nesses jogos.

73. Em todos esses casos, a legislação nacional em causa revela‑se, portanto, inadequada para alcançar o objectivo que prossegue quer porque apresenta falhas na sua concepção quer porque a sua aplicação concreta se opõe a esse objectivo.

74. Não é esse o caso nos presentes processos. Com efeito, ao contrário da situação a que se refere o acórdão Gambelli e o., já referido, a lei neerlandesa não visa unicamente proteger os consumidores contra o vício do jogo, mas tem também por objecto combater a fraude. Em conformidade com a jurisprudência, a capacidade desta regulamentação para atingir esses dois objectivos deve ser apreciada à luz de ambos, considerados conjuntamente (24).

75. Conclui‑se que, no quadro da análise da conformidade da lei neerlandesa ao direito comunitário, o comportamento dos titulares dos direitos exclusivos de explorar os jogos de fortuna e azar não deve ser apreciado unicamente à luz do objectivo da protecção dos consumidores contra o vício do jogo, mas tendo igualmente em consideração o objectivo do combate à fraude.

76. Vimos que, no acórdão Placanica e o., já referido, o Tribunal de Justiça admitiu que este último objectivo podia exigir da parte dos operadores autorizados a oferta de uma extensa gama de jogos, publicidade de uma certa envergadura e o recurso a novos jogos a fim de constituir uma alternativa atractiva ao jogo clandestino e proibido. Esta posição deve ser aprovada. A canalização dos jogadores para um circuito legal pressupõe, com efeito, que este seja suficientemente atractivo para satisfazer o desejo de jogar do maior número possível, a fim de evitar que esses consumidores se voltem para circuitos não autorizados ou favoreçam o seu desenvolvimento.

77. Portanto, o facto de os titulares dos direitos exclusivos de explorar jogos de fortuna e azar nos Países Baixos estarem autorizados a tornar a sua oferta atractiva criando novos jogos e recorrendo à publicidade não é, enquanto tal, incoerente com os objectivos prosseguidos pela regulamentação neerlandesa, considerada no seu conjunto, porque esta atitude contribui perfeitamente para o combate à fraude.

78. No entanto, na medida em que a regulamentação neerlandesa visa igualmente proteger os consumidores contra o vício do jogo, importa que a criação de novos jogos e a publicidade sejam rigorosamente controladas pelo Estado‑Membro e limitadas a fim de serem igualmente compatíveis com a prossecução desse objectivo. A conciliação destes dois objectivos prosseguidos pela regulamentação neerlandesa pressupõe, portanto, que a oferta dos titulares do direito exclusivo e a publicidade para os jogos autorizados sejam suficientes para incentivar os consumidores a permanecer no circuito legal sem, no entanto, constituírem uma incitação excessiva ao jogo, que conduziria os consumidores ou, pelo menos, os mais frágeis, a despender mais do que a parte dos seus rendimentos que pode ser destinada ao lazer.

79. É evidente que o ponto de equilíbrio entre estes dois objectivos é difícil de encontrar em concreto. Decorre de uma avaliação complexa dos riscos previsíveis e das consequências dos jogos oferecidos no Estado‑Membro em questão, bem como da publicidade que lhes é feita. É por isso que a apreciação da questão de saber se uma legislação de um Estado‑Membro, como a lei neerlandesa, respeita esse ponto de equilíbrio e, portanto, se pode considerar‑se que prossegue os referidos objectivos de forma coerente e sistemática deveria obedecer aos princípios seguintes.

80. Em primeiro lugar, tal como expõe o órgão jurisdicional de reenvio, devido às sérias dificuldades que essas avaliações apresentam, é necessário reconhecer uma ampla margem de apreciação aos Estados‑Membros. Este reconhecimento insere‑se, de resto, na jurisprudência em matéria de jogos de fortuna e azar, segundo a qual os Estados‑Membros devem ter um poder de apreciação suficiente para determinar as exigências que implica a protecção dos jogadores e, em geral, tendo em conta as particularidades sócio‑culturais de cada Estado‑Membro, a protecção da ordem social (25).

81. Em segundo lugar, a apreciação da adequação da legislação nacional em causa para atingir os objectivos que prossegue deve ser efectuada pelos órgãos jurisdicionais nacionais, que estão em melhor posição para apreciar concretamente as condições de aplicação da referida legislação e os seus efeitos concretos (26).

82. Por conseguinte, a legislação nacional em causa deve ser considerada adequada para atingir os objectivos que prossegue se o juiz nacional, como se verifica no presente processo, indicar que essa legislação contribui efectivamente para atingir todos os seus objectivos. Esta apreciação do juiz implica, com efeito, que este verificou que a oferta de jogos e a publicidade autorizadas não constituem para os consumidores uma incitação excessiva ao jogo e que, na realidade, produziria efeitos de endividamento ou de vício.

83. A Comissão, nas suas observações escritas, não concorda totalmente com esta análise. Em especial, dúvida que a regulamentação neerlandesa em causa possa encontrar justificação no objectivo de combate à fraude. Recordou a jurisprudência relativa ao ónus da prova que incumbe ao Estado‑Membro cuja regulamentação restringe uma liberdade de circulação (27). Sustentou que essa jurisprudência podia ser perfeitamente transposta para o domínio dos jogos de fortuna e azar, tal como resulta do acórdão Lindman (28).

84. A Comissão alegou que o despacho de reenvio não contém qualquer elemento de que se possa deduzir que os jogos clandestinos são um problema sério nos Países Baixos. Recordou que, no processo que deu lugar ao acórdão Placanica e o., já referido, o Governo italiano referiu elementos factuais que demonstram que as actividades de jogo e apostas clandestinos constituíam um problema grave em Itália.

85. Não compartilhamos das dúvidas da Comissão no que respeita à possibilidade de o Governo neerlandês justificar a sua regulamentação no combate à fraude fiscal.

86. É certo que, em conformidade com a jurisprudência, incumbe aos Estados‑Membros cuja legislação restringe uma liberdade de circulação demonstrar a necessidade e a proporcionalidade dessa restrição. No entanto, o alcance dessa obrigação deve ser apreciado em função do interesse que a legislação em causa visa proteger.

87. Assim, quando se trata de proteger a saúde das pessoas, admite‑se que um Estado‑Membro possa adoptar uma legislação restritiva de uma liberdade de circulação sem ter de esperar que a realidade do risco fique plenamente demonstrada (29). Basta que exista um risco potencial para a saúde. A mesma interpretação deve prevalecer, em nossa opinião, no que respeita à protecção da sociedade contra o risco de uma perturbação grave da ordem pública.

88. No que respeita aos jogos de fortuna e azar, um Estado‑Membro pode considerar que existe, na sua população, uma atracção por esses jogos que, não sendo satisfeita num circuito legal, procurará sê‑lo num quadro clandestino. Além disso, a importância dos montantes que essa actividade permite obter legitimamente levar a que se tema que se desenvolvam redes clandestinas que venha perturbar seriamente a ordem pública.

89. A este respeito, o Tribunal de Justiça admitiu que as lotarias organizadas em grande escala (30), as máquinas de jogo (31), as apostas em competições desportivas (32) e os jogos de casino (33) são susceptíveis de criar um risco elevado de delito e de fraude, devido aos montantes elevados que permitem obter.

90. Um Estado‑Membro pode também legitimamente considerar que a propensão de uma parte da população para os jogos de fortuna e azar e os riscos gerados pela falta de enquadramento dessa actividade num circuito controlado se agravam devido aos meios modernos de comunicação, nomeadamente a Internet. Este sistema de comunicação permitiu, com efeito, que todas as pessoas que dele dispõem tenham acesso a um grande número de jogos em suporte electrónico. O carácter potencialmente perigoso desses jogos foi claramente aceite pelo Tribunal de Justiça no processo Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Baw International, já referido, no qual declarou que, devido à falta de contacto directo entre o consumidor e o operador, os jogos de fortuna e azar acessíveis através da Internet comportam riscos de natureza diferente e de uma importância acrescida em relação aos mercados tradicionais desses jogos, no que se refere a eventuais fraudes cometidas pelos operadores contra os consumidores (34).

91. Além disso, vimos que os Estados‑Membros dispõem de um poder de apreciação suficiente para determinar as exigências que a protecção dos jogadores e a protecção da ordem social, em função das suas especificidades sócio‑culturais, implicam.

92. À luz destas considerações e desta jurisprudência, a defesa das liberdades fundamentais de circulação não justifica, portanto, em nossa opinião, que se obrigue os Estados‑Membros a esperar que se desenvolvam verdadeiras redes de jogos clandestinos no seu território para adoptar medidas destinadas a enquadrar o exercício dessa actividade e a combater tais práticas. Os Estados‑Membros podem invocar o risco de fraudes ligadas ao jogo como fundamento para uma legislação restritiva dessa actividade sem ter de demonstrar a prática efectiva de fraudes no seu território.

93. Por outras palavras, um Estado‑Membro pode, a título preventivo, tomar medidas restritivas destinadas a combater a fraude no domínio dos jogos de fortuna e azar.

94. À luz destes elementos, propomos ao Tribunal de Justiça que responda que deve considerar‑se que uma legislação de um Estado‑Membro que restringe o fornecimento de jogos de fortuna e azar a fim de conter o vício do jogo e de combater a fraude, em virtude da qual o(s) titular(es) do direito exclusivo de fornecer esses jogos estão autorizados a tornar a sua oferta atractiva através da introdução de novos jogos e do recurso à publicidade, prossegue esses objectivos de maneira coerente e sistemática quando, segundo a apreciação do juiz nacional, essa legislação, atento o seu conteúdo e a sua aplicação, contribui efectivamente para alcançar os dois objectivos pretendidos.

B)    Quanto ao âmbito do controlo da conformidade da legislação nacional (processo C‑258/08)

95. No n.° 75 do acórdão Gambelli e o., já referido, o Tribunal de Justiça declarou que compete ao órgão jurisdicional de reenvio analisar se a regulamentação nacional em causa, tendo em conta as suas modalidades concretas de aplicação, obedece verdadeiramente aos objectivos susceptíveis de a justificar e se as restrições que impõe não se mostram desproporcionadas em relação a esses objectivos. O Hoge Raad questiona‑se sobre o âmbito desta obrigação.

96. Pergunta assim, na alínea a) da sua segunda questão, se o juiz nacional, depois de ter chegado à conclusão de que a sua legislação é conforme ao artigo 49.° CE, deve ainda verificar, em cada caso concreto de aplicação, se uma medida destinada a assegurar o respeito dessa legislação, como uma ordem a um operador económico para tornar inacessível às pessoas que residem no seu território nacional a sua página Internet que propõe jogos de fortuna e azar, é adequada para atingir os objectivos prosseguidos pela referida legislação e é proporcionada.

97. Pergunta igualmente, na alínea b) da sua segunda questão, se a resposta a esta questão deverá ser diferente quando a medida a tomar é exigida, no âmbito de um processo civil, pelo operador económico titular do direito exclusivo de explorar os jogos de fortuna e azar e não pela autoridade pública.

98. Estas questões têm origem na argumentação apresentada pela Ladbrokes no âmbito do recurso que interpôs para o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑258/08, segundo a qual a condição enunciada no n.° 75 do acórdão Gambelli e o., já referido, deveria ter sido apreciada em concreto pelo juiz de mérito no que se refere à injunção pedida pela De Lotto. Segundo a Ladbrokes, o juiz nacional, no âmbito dessa apreciação, deveria ter tido igualmente em consideração o facto de ter sido autorizada a propor jogos de fortuna e azar pela Internet no Reino Unido.

99. Somos de opinião que o juiz de mérito a que a De Lotto submeteu a questão não era obrigado a verificar e a demonstrar que uma simples medida de execução, como a ordem dada à Ladbrokes, era adequada para atingir os objectivos prosseguidos pela legislação neerlandesa nem que era proporcionada. Sustentamos igualmente que esta resposta não depende do facto de essa ordem ter sido pedida e proferida no âmbito de um processo privado e não a pedido das autoridades estatais.

100. Baseamos estas tomadas de posição no alcance do controlo do respeito do princípio da proporcionalidade, que incumbe ao juiz nacional, tal como decorre da jurisprudência, em especial do n.° 75 do acórdão Gambelli e o., já referido, bem como no conteúdo e efeitos da ordem proferida contra a Ladbrokes.

101. Em conformidade com a jurisprudência, quando um Estado‑Membro, no âmbito do exercício das suas competências próprias, restringe o exercício de uma liberdade de circulação a fim de defender um interesse protegido pelo Tratado ou considerado legítimo pela jurisprudência, deve estar em condições de demonstrar que a restrição que impõe é adequada para proteger efectivamente esse interesse legítimo e que é proporcionada a esse objectivo.

102. A condição da adequação determina o direito desse Estado‑Membro de se prevalecer do interesse legítimo invocado como fundamento da restrição. A condição da proporcionalidade, em sentido estrito, tem por objecto limitar a restrição ao que é necessário para a protecção desse interesse. Estas duas condições impõem‑se porque os Estados‑Membros devem exercer as suas competências no respeito dos compromissos que assumiram no âmbito do Tratado, em especial das liberdades fundamentais de circulação. Quando um Estado‑Membro restringe uma dessas liberdades, as referidas condições permitem encontrar um justo equilíbrio entre o que a protecção do interesse em causa impõe e a liberdade fundamental em questão.

103. Assim, podemos deduzir daí, nesta fase da nossa análise, que é a existência de uma restrição a uma liberdade de circulação que tem o efeito de submeter a acção de um Estado‑Membro no âmbito das suas competências próprias ao respeito das duas condições supra referidas, ou seja, ao princípio comunitário da proporcionalidade em sentido amplo (35). Não existindo restrição, este princípio não se aplica e é apenas à luz dos princípios gerais do seu direito nacional que a acção de um Estado‑Membro deve ser controlada (36).

104. A jurisprudência precisou, em seguida, o alcance do controlo da proporcionalidade que o juiz nacional deve efectuar. Por um lado, deve analisar em separado cada uma das restrições previstas pela sua legislação interna (37). Assim, no que respeita à legislação italiana em causa no acórdão Placanica e o., já referido, essa obrigação levou o órgão jurisdicional nacional a ter de apreciar sucessivamente se se justificava ou não a obrigação de os operadores económicos se munirem de uma concessão, o modo de atribuição das concessões e, em especial, a exclusão das empresas cujos accionistas individuais não eram identificáveis em qualquer momento, a obrigação de obter uma autorização de polícia e, enfim, as sanções penais destinadas a combater as violações dessa legislação.

105. Por outro, o juiz nacional deve proceder a uma dupla análise. Em primeiro lugar, deve examinar o conteúdo da sua legislação, tal como se encontra redigida. Uma legislação restritiva de uma liberdade de circulação não pode ser conforme ao direito comunitário se, tal como foi prevista pelo legislador nacional, for discriminatória, ou inadequada para atingir os objectivos que prossegue, ou ainda desproporcionada.

106. Todavia, esta análise teórica não basta. O juiz nacional, em segundo lugar, deve igualmente apreciar as condições em que a sua legislação nacional é concretamente aplicada. Incumbe‑lhe, assim, verificar se a legislação em causa, na sua aplicação pelas autoridades competentes e, eventualmente, pelos operadores económicos, o é de modo não discriminatório, em conformidade com os seus objectivos e de modo proporcionado (38).

107. Esse controlo da aplicação da legislação em causa impõe‑se logicamente para que a restrição à liberdade de circulação se considere verdadeiramente justificada pela defesa do interesse legítimo invocada em apoio dessa restrição. Assim, em conformidade com o n.° 69 do acórdão Gambelli e o., já referido, se, de facto, as autoridades de um Estado‑Membro incitam e encorajam os consumidores a participar nos jogos de fortuna e azar para que o tesouro público daí retire lucros, esse Estado não pode justificar as restrições previstas pela sua legislação nacional pela protecção da ordem pública social que visa a redução das ocasiões de jogo.

108. No litígio no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio expôs que esses controlos tinham sido efectuados e que, no final, o juiz de mérito entendeu que a regulamentação neerlandesa era conforme ao artigo 49.° CE. Como vimos anteriormente, esta apreciação é da competência do juiz nacional.

109. Importa portanto, para se continuar a análise da questão em exame, partir da premissa de que esta apreciação é fundada, sem prejuízo, nesta fase, das consequências que se deve extrair da resposta do Tribunal de Justiça à quarta questão, relativa ao alcance, neste litígio, do princípio da igualdade de tratamento e da obrigação de transparência decorrente do artigo 49.° CE.

110. A questão que se coloca é, portanto, a de saber se, depois de ter verificado, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que a lei neerlandesa é conforme ao artigo 49.° CE, o juiz nacional deve também examinar e demonstrar que a ordem dada à Ladbrokes de proibir o acesso da sua página Internet às pessoas que residem nos Países Baixos é efectivamente adequada à consecução dos objectivos prosseguidos por essa lei e proporcionada a estes.

111. Somos de opinião que o órgão jurisdicional nacional não é obrigado a proceder a esse exame porque essa ordem limita‑se estritamente a assegurar a aplicação do artigo 1.°, alínea a), da lei neerlandesa, que proíbe qualquer pessoa não autorizada, independentemente da sua identidade, de propor jogos de fortuna e azar nos Países Baixos. Por si só não cria qualquer restrição à livre prestação de serviços que não esteja já prevista nessa disposição. Apenas tem por objecto e por efeito assegurar a sua aplicação.

112. Assim, não é necessário que o juiz nacional examine e demonstre que a medida de execução em causa é conforme ao princípio comunitário da proporcionalidade nas circunstâncias especificas do litígio que lhe é submetido e, em especial, na perspectiva do operador económico a quem deve ser aplicada. A apreciação do juiz nacional segundo a qual a lei neerlandesa é conforme ao artigo 49.° CE deve abranger, logicamente, todas as medidas que, em sentido estrito, se limitam a assegurar o seu respeito, seja qual for o operador económico em causa e o âmbito do litígio em que a execução é solicitada.

113. Para nos convencermos da inutilidade desse exame, basta observar que a tese da Ladbrokes, se fosse adoptada, conduziria a que se tivesse de ponderar a anulação da ordem controvertida, o que conduziria a privar a legislação neerlandesa de qualquer efeito relativamente a esse operador económico quando se concluiu que a restrição prevista por essa legislação é conforme ao direito comunitário. Por outras palavras, a tese da Ladbrokes equivale, na realidade, a pôr em causa essa conformidade.

114. Estas considerações permitem‑nos igualmente a conclusão de que esta análise não pode depender do facto de a medida de execução em causa ser exigida pelas autoridades públicas ou, como no caso vertente, no âmbito de um processo entre particulares, pelo operador económico titular da licença para explorar jogos de fortuna e azar no Estado‑Membro em questão.

115. O que importa é que a legislação nacional restritiva de uma liberdade de circulação, de que a medida em causa apenas visa assegurar a sua aplicação, é conforme ao direito comunitário. Uma vez que essa condição se realizou em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a escolha pelo Estado‑Membro em questão das medidas que se limitam a assegurar a estrita aplicação dessa legislação é da sua competência própria. Compete‑lhe, portanto, decidir livremente se essas medidas só podem ser tomadas a pedido da autoridade pública ou, como no caso vertente, a pedido de um particular no âmbito de um litígio entre particulares.

116. Propomos, portanto, que o Tribunal de Justiça responda à segunda questão, alíneas a) e b), do Hoge Raad der Nederlanden, do seguinte modo. Por um lado, o juiz nacional, depois de ter concluído que a sua legislação é conforme ao artigo 49.° CE, não é obrigado a verificar, em cada caso concreto, que uma medida destinada a assegurar o respeito dessa legislação, como uma ordem a um operador económico de tornar inacessível às pessoas que residem no território nacional a sua página Internet que propõe jogos de fortuna e azar, é adequada para atingir os objectivos prosseguidos pela referida legislação e é proporcionada, desde que essa medida de execução se limite a assegurar o estrito respeito dessa legislação. Por outro lado, a resposta a esta questão não pode ser diferente consoante a medida em causa seja solicitada pela autoridade pública ou por um particular, no âmbito de um litígio entre particulares.

C)    Quanto à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo à autorização de propor jogos pela Internet concedida a um operador económico pelo Estado‑Membro no qual está estabelecido (processos C‑203/08 e C‑258/08)

117. O Raad van State, na sua primeira questão prejudicial no processo C‑203/08, bem como o Hoge Raad der Nederlanden, na sua terceira questão prejudicial no processo C‑258/08, perguntam ao Tribunal de Justiça, em substância, se o artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que a circunstância de um prestador de jogos em suporte electrónico estar autorizado a exercer essa actividade pelo Estado‑Membro no território do qual está estabelecido se opõe a que as autoridades competentes de outro Estado‑Membro, no qual os jogos de fortuna e azar estão sujeitos a um sistema de licença limitada a um único operador, proíbam esse prestador de propor jogos pela Internet às pessoas que residem no território desse outro Estado‑Membro.

118. Esta questão é submetida ao Tribunal de Justiça porque a Betfair sustentou que o Reino dos Países Baixos, devido ao princípio do reconhecimento mútuo decorrente do acórdão Rewe‑Zentral, dito «Cassis de Dijon» (39), era obrigado a reconhecer as licenças que lhe foram concedidas emitidas por outros Estados‑Membros.

119. Somos de opinião que esta posição não pode ser acolhida, pelas duas razões seguintes.

120. Por um lado, em conformidade com a posição que o Tribunal de Justiça adoptou no acórdão Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Baw International, já referido, o princípio do reconhecimento mútuo não se aplica à autorização de fornecer jogos de fortuna e azar pela Internet.

121. Assim, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça entendeu que, uma vez que os jogos de fortuna e azar oferecidos na Internet não são objecto de harmonização comunitária, um Estado‑Membro pode entender que o simples facto de um operador oferecer legalmente esses serviços noutro Estado‑Membro, onde está estabelecido e já está, em princípio, sujeito a requisitos legais e a controlos por parte das autoridades competentes desse Estado‑Membro, não pode ser considerado como uma garantia suficiente de protecção dos consumidores nacionais contra os riscos de fraude e de criminalidade, à luz das prováveis dificuldades encontradas, nesse contexto, pelas autoridades do Estado‑Membro de estabelecimento, para avaliar as qualidades e a integridade profissionais de tal operador (40).

122. Conclui‑se que a circunstância de a Ladbrokes e a Betfair serem autorizadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, no território do qual estão estabelecidas, a propor jogos em suporte electrónico não pode pôr em causa a conformidade com o direito comunitário de uma regulamentação, como a lei neerlandesa, que submete o direito de propor jogos de fortuna e azar às pessoas que residem nos Países Baixos a um sistema de licença limitado a um único operador económico.

123. Por outro lado, um regime de direitos exclusivos visa precisamente proibir qualquer operador que não o(s) titular(es) desses direitos de exercer a actividade abrangida por esse regime. Desde que esse regime validamente se justifique e, portanto, seja conforme ao direito comunitário, é indiferente que os operadores que pretendam explorar jogos de fortuna e azar no Estado‑Membro em que existe esse monopólio sejam autorizados a exercer essa actividade no Estado‑Membro onde estão estabelecidos.

124. Propomos, portanto, que o Tribunal de Justiça responda que o artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que a circunstância de um prestador de jogos em suporte electrónico estar autorizado a exercer essa actividade pelo Estado‑Membro em cujo território está estabelecido não se opõe a que as autoridades competentes de outro Estado‑Membro, no qual os jogos de fortuna e azar estão sujeitos a um sistema de licença limitado a um único operador, proíbam esse prestador de propor jogos pela Internet às pessoas que residem no território desse outro Estado‑Membro.

D)    Quanto à aplicação do princípio da igualdade de tratamento e da obrigação de transparência (processo C‑203/08)

125. O Raad van State procura apreciar a conformidade com o direito comunitário da prorrogação das licenças da De Lotto e da SGR, por decisões, respectivamente, de 10 de Dezembro de 2004 e de 21 de Junho de 2005, dando por adquirido que essas decisões foram tomadas sem terem sido precedidas de concurso.

126. Pergunta, deste modo, na sua segunda questão, se o princípio da igualdade de tratamento e a obrigação de transparência que dele decorre, e que, segundo a jurisprudência, se impõem aos Estados‑Membros quando, em matéria de jogos de fortuna e azar, atribuem concessões de serviços públicos, se aplicam igualmente no âmbito de um sistema de licença a um único operador.

127. Na alínea a) da sua terceira questão, interroga o Tribunal de Justiça a questão de saber se, num sistema limitado a um único operador, a prorrogação da licença do titular da autorização sem o colocar em concorrência com outros prestadores pode constituir um meio adequado e proporcionado de realizar os objectivos que a jurisprudência considera constituírem motivos legítimos de restrição das liberdades de circulação no domínio dos jogos de fortuna e azar e, eventualmente, em que condições.

128. Na alínea b) da sua terceira questão, pergunta se a resposta à segunda questão é relevante para a resposta à alínea a) da terceira questão.

129. Propomos ao Tribunal de Justiça que interprete estas três questões do seguinte modo. Em primeiro lugar, o Raad van State coloca a questão de princípio de saber se a obrigação de transparência se aplica num regime de licença a um único operador no domínio dos jogos de fortuna e azar. Em segundo lugar, em caso de resposta afirmativa a esta questão, pretende saber se, e sendo caso disso em que condições, a prorrogação da licença de exploração dos jogos de fortuna e azar sem concurso se pode justificar por razões legítimas como a protecção dos consumidores contra o risco do vício do jogo e a defesa da ordem pública.

130. Antes da análise destas duas questões, importa recordar as grandes linhas da jurisprudência relativa à obrigação de transparência traçadas no âmbito dos contratos de direito público ou de concessões.

1.    As grandes linhas da jurisprudência relativa à obrigação de transparência

131. As autoridades públicas de um Estado‑Membro que pretendam celebrar um contrato público ou de concessão estão obrigadas a respeitar as regras fundamentais do Tratado e, em especial, as liberdades de circulação (41).

132. Segundo a jurisprudência, na medida em que esse contrato ou essa concessão pode igualmente interessar a uma empresa situada noutro Estado‑Membro que não seja o da entidade adjudicante, a adjudicação, sem qualquer transparência, desse contrato ou dessa concessão a uma empresa situada no Estado‑Membro dessa entidade adjudicante constitui uma diferença de tratamento em detrimento da primeira empresa (42).

133. Com efeito, não existindo transparência, esta última empresa não tem nenhuma possibilidade real de manifestar o seu interesse em obter o contrato público ou a concessão em causa.

134. O Tribunal de Justiça concluiu, destes elementos, que essa diferença de tratamento, que, ao excluir todas as empresas situadas noutro Estado‑Membro, prejudica principalmente estas últimas, constitui uma discriminação indirecta em função da nacionalidade, proibida nos termos dos artigos 43.° CE e 49.° CE, a menos que se justifique por circunstâncias objectivas (43).

135. A obrigação de transparência impõe‑se, por conseguinte, a fim de permitir que quaisquer empresas situadas num Estado‑Membro que não seja o da autoridade adjudicante e que possam estar interessadas no contrato público ou na concessão em causa possam obter a adjudicação do contrato. Constitui assim uma expressão concreta e específica do princípio da igualdade de tratamento, destinada a permitir às empresas o exercício efectivo dos direitos que lhes são conferidos pelos artigos 43.° CE e 49.° CE.

136. Quando os contratos públicos ou as concessões em causa são abrangidos por uma das directivas em matéria de contratos públicos, esses diplomas de coordenação prevêem as condições e as modalidades em que essa obrigação de transparência deve ser concretizada definindo regras precisas de adjudicação.

137. Quando o contrato público ou a concessão em causa não estão abrangidos pelos referidos diplomas de coordenação, os Estados‑Membros não deixam de estar obrigados a respeitar a obrigação de transparência na medida em que esta decorre das regras fundamentais do Tratado, bem como do princípio da igualdade de tratamento (44).

138. Assim, no acórdão de 13 de Setembro de 2007, Comissão/Itália (45), citado pelo Raad van State, o Tribunal de Justiça observou que a atribuição da gestão e da recolha de apostas sobre competições hípicas em Itália constituía uma concessão de serviço público e recordou que os contratos de concessão de serviços públicos estão excluídos do âmbito de aplicação da Directiva 92/50/CEE do Conselho (46). Em seguida, indicou que as entidades públicas que celebram tais contratos estão obrigadas a respeitar as regras fundamentais do Tratado em geral, designadamente os artigos 43.° CE e 49.° CE, e o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade em particular, que são uma expressão específica do princípio geral da igualdade de tratamento, e que implicam uma obrigação de transparência (47).

139. O alcance desta obrigação, quando o contrato em questão não é abrangido por uma das directivas sobre contratos públicos, foi definido pelo Tribunal de Justiça em função dos objectivos prosseguidos pela referida obrigação. Visa, por um lado, permitir que qualquer empresa potencialmente interessada seja informada e possa apresentar a sua candidatura. Tem por objecto, por outro lado, assegurar um controlo da imparcialidade do procedimento de adjudicação.

140. Assim, segundo a jurisprudência, a obrigação de transparência não impõe necessariamente a abertura de um concurso, mas requer que a entidade adjudicante garanta, em favor de qualquer empresa potencialmente interessada, um grau de publicidade adequado que permita uma abertura do contrato público ou da concessão dos serviços à concorrência, bem como o controlo da imparcialidade dos procedimentos de adjudicação (48).

141. Uma empresa situada no território de outro Estado‑Membro deve, portanto, ter acesso às informações adequadas relativas ao contrato ou à concessão em causa antes de este ou esta serem atribuídos, de modo a que, se essa empresa o pretender, possa estar em posição de manifestar o seu interesse para obter esse contrato ou essa concessão (49).

142. Além disso, os critérios com base nos quais o contrato ou a concessão em causa é atribuído devem ser objectivos, não discriminatórios e conhecidos antecipadamente, de modo a enquadrar o exercício do poder de apreciação da autoridades adjudicante, a fim de este não ser utilizado de modo arbitrário (50).

143. A obrigação de transparência tem, no entanto, excepções.

144. Por um lado, esta obrigação, tal como decorre das regras do Tratado, não se impõe se o contrato público ou a concessão em causa não possuir interesse transfronteiriço (51). Por outras palavras, não se aplica se esse contrato ou essa concessão for insusceptível de ter interesse para uma empresa situada noutro Estado‑Membro (52), nomeadamente em razão de um interesse económico muito reduzido (53).

145. Por outro lado, a obrigação de transparência, ainda que o contrato ou a concessão em questão esteja abrangido por uma directiva, não se aplica se, simultaneamente, a entidade pública adjudicante exercer sobre a entidade adjudicatária um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e se essa entidade realizar o essencial da sua actividade com a autoridade ou as autoridades públicas que a detêm (54).

146. Esta segunda excepção tem origem no facto de uma autoridade pública ter a possibilidade de desempenhar as missões de interesse público que lhe incumbem através dos seus próprios meios, administrativos e técnicos, sem ser obrigada a recorrer a entidades externas que não pertençam aos seus serviços (55).

147. Há que analisar agora se essa jurisprudência é aplicável no domínio dos jogos de fortuna e azar no quadro de um regime de direito exclusivo de um operador único.

2.    Quanto à aplicação do princípio da transparência no domínio dos jogos de fortuna e azar no quadro de um regime de direito exclusivo de um operador único

148. O Raad van State, na sua segunda questão, pergunta se o artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que o princípio da igualdade de tratamento e a obrigação de transparência que dele decorre são igualmente aplicáveis a um regime de licença no domínio dos jogos de fortuna e azar segundo o qual essa licença é concedida apenas a um operador.

149. Segundo o Governo neerlandês, este princípio e esta obrigação não são aplicáveis no caso vertente. Esse Governo sustenta que estão circunscritas às concessões não abrangidas pelos diplomas comunitários de coordenação porque essas concessões não podem escapar às regras do Tratado. Todavia, a referida obrigação não pode abranger um regime de licença, que procede de uma autorização de polícia e não de um contrato. Alega, além disso, que a abertura do contrato à concorrência teria os mesmos efeitos prejudiciais que a concorrência no mercado. Designadamente, o titular da licença, se essa licença for temporária, é tentado a obter o máximo de lucro no período de duração da licença.

150. O Governo neerlandês e a De Lotto sustentam igualmente que a obrigação de transparência não se aplica porque, devido à regulamentação neerlandesa, os titulares da licença devem afectar as receitas da exploração a determinadas obras. Sublinham, além disso, que a De Lotto não pode realizar lucros, de modo que nenhuma empresa comercial pode estar interessada numa exploração nessas condições.

151. Os Governos dinamarquês, grego, austríaco, finlandês e norueguês são igualmente de opinião que a obrigação de transparência não é aplicável num regime de licença a um operador único.

152. Não concordamos com essas posições. A jurisprudência relativa à obrigação de transparência é aplicável, em nossa opinião, a um regime de licença limitado a um único operador no domínio dos jogos de fortuna e azar, pelas seguintes razões.

153. Em primeiro lugar, essa jurisprudência tem como fundamento as consequências de um contrato de direito público ou de concessão para as liberdades de circulação e não a origem contratual dessas consequências. Como já vimos, esses contratos devem ser precedidos de concurso porque têm por objecto e efeito atribuir o exercício de uma actividade a um ou a vários operadores económicos. Na falta de publicidade adequada, o princípio da igualdade de tratamento é violado porque as empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros, potencialmente interessadas nessa actividade, não teriam possibilidade de manifestar o seu interesse e, portanto, de exercer os direitos que lhes são conferidos pelos artigos 43.° CE e 49.° CE.

154. A obrigação de transparência surge assim como condição prévia obrigatória do direito de um Estado‑Membro atribuir a um ou a vários operadores privados o direito exclusivo de exercer uma actividade económica, independentemente do modo de selecção desse ou desses operadores.

155. Assim, em nossa opinião, deve também encontrar aplicação no quadro de um regime de licença a um operador único concedida pelas autoridades de um Estado‑Membro no exercício dos poderes de polícia, uma vez que os efeitos dessa licença relativamente às empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros potencialmente interessadas no exercício dessa actividade são os mesmos que os de um contrato de concessão.

156. Além disso, o facto de o monopólio de exploração proceder de uma licença emitida no quadro de um procedimento de polícia em vez de decorrer de um contrato de concessão não elimina o risco de parcialidade que a obrigação de transparência também visa evitar.

157. Em segundo lugar, somos de opinião que a especial natureza dos jogos de fortuna e azar não justifica que um Estado‑Membro seja autorizado a derrogar essa obrigação.

158. Os riscos ligados a essa actividade e as considerações de ordem moral que a envolvem devem conduzir, em nossa opinião, a reconhecer aos Estados‑Membros o direito de serem eles próprios a exercer a referida actividade através de uma entidade que lhe pertença. Parece inegável, com efeito, que os Estados‑Membros podem dirigir e controlar a actividade dessa entidade ainda mais facilmente do que o poderia fazer relativamente a um operador privado. Esse sistema pode, portanto, permitir assegurar uma melhor protecção dos consumidores contra o risco de vício do jogo e da ordem pública contra os riscos de fraude e de jogo clandestino (56).

159. A especial natureza dos jogos de fortuna e azar justifica igualmente, como já havíamos dito, que um Estado‑Membro seja autorizado a conferir a um operador privado um monopólio de exploração.

160. No entanto, a partir do momento em que um Estado‑Membro decide confiar a exploração de um tipo de jogo de fortuna e azar ao sector privado, deve respeitar o princípio da igualdade de tratamento entre todos os operadores económicos potencialmente interessados.

161. Não cremos, com efeito, que a abertura de concurso para o contrato viesse a produzir efeitos prejudiciais comparáveis aos da concorrência no mercado. O carácter prejudicial da instauração da concorrência no mercado, ou seja, entre vários operadores autorizados a explorar o mesmo jogo de fortuna e azar, deve‑se ao facto de esses operadores serem levados a rivalizar em inventividade para tornar a sua oferta mais atractiva e, assim, aumentar as despesas ligadas ao jogo bem como os riscos de vício. Em contrapartida, essas consequências não são de recear, em nossa opinião, na fase de concessão da licença.

162. No quadro de um regime de direito exclusivo concedido a um único operador, a protecção dos consumidores contra o risco do vício do jogo e o combate à fraude é assegurada através das condições impostas pelo Estado‑Membro ao operador único a fim de enquadrar rigorosamente a sua actividade. Esses objectivos são igualmente prosseguidas através dos meios definidos por esse Estado‑Membro para avaliar as consequências dessa actividade e verificar o respeito das condições impostas ao operador. Não vemos de que forma é que a abertura à concorrência na fase da selecção desse operador único comprometeria necessariamente o respeito, por este, das condições que regem a sua actividade.

163. Também nos parece possível admitir que essa concorrência poderia permitir que as autoridades competentes conferissem a licença ao prestador que lhes parece mais capaz de respeitar o conjunto dessas condições. Além disso, tendo em conta a importância dos interesses financeiros que representam os jogos de fortuna e azar, é muito desejável que as condições em que um Estado‑Membro decide conceder um monopólio a uma entidade privada sejam transparentes e que a sua imparcialidade possa ser controlada.

164. Por último, a argumentação do Governo neerlandês e da De Lotto, segundo a qual a obrigação de transparência não tem aqui aplicação devido às obrigações que as licenças impõem aos titulares do monopólio no que respeita à afectação das receitas, não põe em causa, em nossa opinião, a aplicação dessa obrigação nas circunstâncias do caso vertente.

165. É certo que um Estado‑Membro pode determinar que as receitas decorrentes da exploração de um jogo de fortuna e azar no seu território devem ser integral ou parcialmente afectas a causas de interesse geral. É igualmente verdade que, em conformidade com a jurisprudência, a obrigação de transparência não se aplica se o contrato em causa não tiver interesse transfronteiriço em razão, nomeadamente, de um interesse económico muito reduzido.

166. Todavia, este conceito de interesse económico muito reduzido visa apenas, em nossa opinião, o valor económico do contrato em causa (57). Visa, por exemplo, a realização de uma construção modesta a uma distância relativamente importante das fronteiras do Estado‑Membro. A modéstia da obra a realizar e a distância a percorrer permitem presumir que nenhuma empresa estabelecida noutro Estado‑Membro pode estar interessada nessa construção. Em contrapartida, o conceito de interesse económico muito reduzido não abrange a situação em que o diminuto interesse económico de um contrato para uma sociedade estabelecida noutro Estado‑Membro resulta da aplicação das condições que regem o exercício da actividade em causa e dos critérios de selecção do operador.

167. Estas condições e estes critérios, em nossa opinião, fazem parte, precisamente, dos elementos que a obrigação de transparência tem por objectivo dar a conhecer aos prestadores de serviços potencialmente interessados no contrato em questão. Ainda que, na prática, as condições impostas pelo Estado‑Membro sejam susceptíveis de dissuadir as empresas de manifestar o seu interesse pela actividade em causa, é necessário que essas condições sejam efectivamente levadas ao seu conhecimento a fim de poderem tomar tal decisão.

168. Assim, no presente litígio, é inegável que os contratos representados pela exploração nos Países Baixos do loto, das apostas desportivas e das lotarias ou das apostas em corridas de cavalos, ainda por cima em situação de monopólio, são susceptíveis de ter interesse para os prestadores de jogos estabelecidos noutros Estados‑Membros, tendo em conta as receitas elevadas que essas actividades produzem (58).

169. Por conseguinte, consideramos que o Governo neerlandês não pode invocar a excepção relativa à inexistência de interesse transfronteiriço.

170. Esta interpretação restritiva da referida excepção também se justifica, em nossa opinião, dado o amplo poder de apreciação de que os Estados‑Membros devem dispor no domínio dos jogos de fortuna e azar, tanto na determinação dos objectivos da sua legislação como na escolha dos meios para os atingir. A transparência, que desempenha um papel de importância crescente na vida pública das sociedades modernas, a ponto de se tornar uma das referências visíveis da democracia, surge aqui como a justa contrapartida das restrições que, no exercício dos seus poderes soberanos nesse domínio de actividade, os Estados‑Membros podem impor às liberdades de circulação. Por outras palavras, a obrigação de transparência é tanto mais importante quanto, no domínio dos jogos de fortuna e azar, se reconhece aos Estados‑Membros um amplo poder de apreciação. Exclusividade não é sinónimo de opacidade.

171. Conclui‑se que as autoridades neerlandesas competentes para emitir uma licença de exploração de um jogo de fortuna e azar nos Países Baixos devem proceder a um concurso, salvo se puderem demonstrar que exercem sobre a entidade adjudicatária um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços e que essa entidade realiza o essencial da sua actividade com essas autoridades.

172. Compete ao juiz nacional, se for caso disso, verificar este ponto no que se refere à De Lotto.

173. À luz destas considerações, somos de opinião que o artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que o princípio da igualdade de tratamento e a obrigação de transparência que dele decorre também se aplicam no domínio dos jogos de fortuna e azar no âmbito de um regime de licença emitida a um único operador.

3.    Quanto à prorrogação da licença de exploração de um jogo de fortuna e azar sem concurso

174. Em direito neerlandês, as licenças são emitidas, em princípio, por um período de cinco anos. A Betfair sustenta que as licenças da De Lotto e da SGR foram prorrogadas, respectivamente, em Dezembro de 2004 e em Junho de 2005, sem ter tido a possibilidade de concorrer para que essas licenças lhe fossem concedidas.

175. O Raad van State pergunta, em substância se, e em caso afirmativo em que condições, a prorrogação da licença de exploração de um jogo de fortuna e azar sem concurso pode ser justificada por um dos motivos legítimos de restrição das liberdades de circulação no domínio dos jogos de fortuna e azar.

176. A titular liminar, deve salientar‑se que as autoridades nacionais competentes sustentaram, perante o juiz de mérito, que a limitação da licença a cinco anos visa unicamente fornecer uma data de referência às autoridades públicas competentes para adaptar, se for caso disso, as regras ligadas à licença, pelo que, na realidade, as licenças têm um carácter quase permanente.

177. O órgão jurisdicional de reenvio, a quem compete interpretar a legislação interna aplicável e apreciar a matéria de facto do litígio que deve resolver, não aceitou esta análise. Ao perguntar se, e em que medida, se pode derrogar a obrigação de transparência, o órgão jurisdicional de reenvio admite implícita e também necessariamente que as licenças da De Lotto e da SGR foram objecto de uma prorrogação ou de uma renovação.

178. Se assim não fosse, teria questionado o Tribunal de Justiça sobre a conformidade ao direito comunitário de um regime de direito exclusivo quase permanente.

179. Admitindo que o tenha feito, teríamos manifestado as nossas dúvidas quanto à compatibilidade de tal regime com as liberdades de circulação.

180. As razões susceptíveis de justificar uma restrição das liberdades de circulação no domínio dos jogos de fortuna e azar podem legitimar, em nossa opinião, a concessão de direitos exclusivos por um período suficientemente longo, de vários anos. Assim, um Estado‑Membro pode entender que a protecção dos consumidores contra os riscos ligados aos jogos não autorizados, em especial os jogos em suporte electrónico, exige uma certa estabilidade na escolha do titular do(s) direito(s) exclusivo(s).

181. Do mesmo modo, vimos que, num sistema de monopólio, os lucros que se podem obter têm tendência a ser limitados. Quando um Estado‑Membro decide atribuir esse monopólio a uma entidade privada independente, o período da licença pode revelar‑se um meio útil para compensar a modicidade do interesse económico desse contrato a fim de suscitar o interesse de vários operadores económicos e de poder assim proceder a uma selecção.

182. Nessa medida, somos de opinião que a concessão de direitos exclusivos por um período indeterminado se revela ser, a priori, dificilmente justificável porque fecha o mercado de um Estado‑Membro a todos os operadores económicos potencialmente interessados, sem qualquer limitação no tempo. A partir do momento em que um Estado‑Membro decide confiar a exploração de um jogo de fortuna e azar a uma entidade privada independente, dificilmente imaginamos as razões pelas quais deveria ser conferido indefinidamente um direito exclusivo ao mesmo operador (59).

183. No que se refere à questão de saber em que medida uma licença concedida por um período determinado pode ser prorrogada ou renovada sem concurso, a jurisprudência, em especial o acórdão de 13 de Setembro de 2007, Comissão/Itália, já referido, esboça uma resposta a esta questão.

184. Em primeiro lugar, não se exclui que a renovação de uma autorização exclusiva de explorar um jogo de fortuna e azar sem concurso se possa justificar pela defesa de um interesse essencial abrangido pelos artigos 45.° CE e 46.° CE ou por uma razão imperiosa de interesse geral consagrada na jurisprudência, como a protecção dos consumidores contra os riscos de despesa excessiva e do vício do jogo, e a prevenção da fraude (60).

185. Em segundo lugar, compete ao Estado‑Membro demonstrar que essa derrogação ao princípio da igualdade de tratamento e à obrigação de transparência encontra a sua justificação numa dessas razões e que é conforme ao princípio da proporcionalidade (61).

186. No caso vertente, o Governo neerlandês limita‑se a remeter para a argumentação que apresentou no âmbito da questão anterior. Já indicámos os motivos pelos quais essa argumentação não nos parece convincente.

187. Não vemos, com efeito, de que forma a abertura de concurso para a concessão do contrato no termo da licença quinquenal pode comprometer os objectivos da legislação neerlandesa, relativos à protecção dos consumidores contra o vício do jogo e à prevenção da criminalidade. Estes objectivos, como já sustentámos, são prosseguidos, efectivamente, através da concessão de um monopólio de exploração, bem como pelas condições de enquadramento da actividade do operador autorizado e pelas modalidades de avaliação e de controlo estabelecidas pelo Estado‑Membro. O Governo neerlandês não demonstra que a eficácia desse sistema fica comprometida pela abertura de um concurso no termo da licença.

188. Também se pode sustentar que o respeito dessas condições fica melhor garantido através da referida abertura de concurso se a capacidade para respeitar rigorosamente essas condições fizer parte dos critérios com base nos quais é emitida a licença.

189. A circunstância de o sistema de licença única instituído por um Estado‑Membro, na sua concepção e na sua execução, permitir, como nos presentes processos, alcançar os objectivos prosseguidos não deveria bastar, portanto, em nossa opinião, para justificar que as licenças sejam prorrogadas sem abertura de concurso. Cabe ao Estado‑Membro explicar de que forma os motivos prosseguidos pela sua lei nacional em matéria de jogos de fortuna e azar não permitem admitir a possibilidade de mudar de operador no termo desse prazo.

190. Não queremos, portanto, afastar a possibilidade de essa justificação poder ser aceite em circunstâncias especiais. Queremos simplesmente declarar que a referida justificação só pode ser admitida se se demonstrar que a abertura de concurso pode efectivamente lesar um dos interesses visados nos artigos 45.° CE e 46.° CE ou que a jurisprudência reconhece como razão imperiosa de interesse geral.

191. Propomos ao Tribunal de Justiça, em resposta à questão apresentada, que acolha a proposta da Comissão e reproduza o n.° 33 do acórdão de 13 de Setembro de 2007, Comissão/Itália, já referido, segundo o qual o artigo 49.° CE se opõe a que a licença do operador único autorizado seja prorrogada sem abertura de concurso, excepto se essa prorrogação corresponder a um interesse essencial, na acepção dos artigos 45.° CE e 46.° CE, ou a uma exigência imperiosa de interesse geral, na acepção da jurisprudência, e for conforme ao princípio da proporcionalidade. Compete ao juiz nacional determinar se é isso que se verifica.

IV - Conclusão

192. À luz das considerações precedentes, propomos ao Tribunal de Justiça que declare:

1) Uma legislação de um Estado‑Membro que restringe o fornecimento de jogos de fortuna e azar a fim de conter o vício do jogo e de combater a fraude, em virtude da qual o(s) titular(es) do direito exclusivo de fornecer esses jogos estão autorizados a tornar a sua oferta atractiva através da introdução de novos jogos e do recurso à publicidade, prossegue esses objectivos de maneira coerente e sistemática quando, segundo a apreciação do juiz nacional, essa legislação, atento o seu conteúdo e a sua aplicação, contribui efectivamente para alcançar os dois objectivos pretendidos.

2) O juiz nacional, depois de ter concluído que a sua legislação é conforme ao artigo 49.° CE, não é obrigado a verificar, em cada caso concreto, que uma medida destinada a assegurar o respeito dessa legislação, como uma ordem a um operador económico de tornar inacessível às pessoas que residem no território nacional a sua página Internet que propõe jogos de fortuna e azar, é adequada para atingir os objectivos prosseguidos pela referida legislação e é proporcionada, desde que essa medida de execução se limite a assegurar o estrito respeito dessa legislação.

A resposta a esta questão não pode ser diferente consoante a medida em causa seja solicitada pela autoridade pública ou por um particular, no âmbito de um litígio entre particulares.

3) O artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que a circunstância de um prestador de jogos em suporte electrónico estar autorizado a exercer essa actividade pelo Estado‑Membro em cujo território está estabelecido não se opõe a que as autoridades competentes de outro Estado‑Membro, no qual os jogos de fortuna e azar estão sujeitos a um sistema de licença limitado a um único operador, proíbam esse prestador de propor jogos pela Internet às pessoas que residem no território desse outro Estado‑Membro.

4) O artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que o princípio da igualdade de tratamento e a obrigação de transparência que dele decorre também se aplicam no domínio dos jogos de fortuna e azar no âmbito de um regime de licença emitida a um único operador.

O artigo 49.° CE opõe‑se a uma legislação nacional por força da qual a licença do operador único autorizado é prorrogada sem abertura de concurso, excepto se essa prorrogação corresponder a um interesse essencial, na acepção dos artigos 45.° CE e 46.° CE, ou a uma exigência imperiosa de interesse geral, na acepção da jurisprudência, e for conforme ao princípio da proporcionalidade. Compete ao juiz nacional determinar se é isso que se verifica.»


____________________________________________________

(1) Língua original: francês.
(2) V. processos pendentes no Tribunal de Justiça, Winner Wetten (C‑409/06); Markus Stoß e. o. (C‑316/07, C‑358/07 a C‑360/07, C‑409/07 e C‑410/07); Carmen Media Group (C‑46/08); Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (C‑55/08); Zeturf (C‑212/08) e Sjöberg e Gerdin (C‑447/08 e C‑448/08).
(3) Fundação para os jogos de prognósticos desportivos (a seguir «De Lotto»).
(4) A seguir «SGR». A SGR é uma filial da Scientific Games Corporation Inc., com sede em Nova Iorque (Estados Unidos da América).
(5) A seguir «Betfair».
(6) A seguir «Ladbrokes».
(7) C‑42/07, ainda não publicado na Colectânea.
(8) A seguir a «lei neerlandesa».
(9) A Comissão das Comunidades Europeias indica que, segundo o relatório anual da comissão de controlo de jogos, as apostas mútuas geraram, em 2007, um volume de negócios de 34,3 milhões de euros, o que, após dedução de 25 milhões de euros de ganhos distribuídos e de 6,2 milhões de euros de despesas, se traduz num rendimento dos jogos de 3,1 milhões de euros e das receitas líquidas de 3,4 milhões de euros. Desse montante, 3,2 milhões de euros revertem, em conformidade com a lei neerlandesa e com a licença concedida, para instituições e organizações caritativas da área dos desportos equestres e para a Federação do Desporto Equestre. Os lucros da SGR atingiram 200 000 euros.
(10) Acórdão de 11 de Setembro de 2003, Anomar e o. (C‑6/01, Colect., p. I‑8621, n.os 46 e 47).
(11) V., nesse sentido, acórdão Gambelli e o., já referido, n.° 59.
(12) Idem.
(13) Acórdão Placanica e o., já referido (n.° 46 e jurisprudência aí indicada).
(14) Acórdão de 26 de Outubro de 2006, Comissão/Grécia (C‑65/05, Colect., p. I‑10341, n.° 49).
(15) Acórdão de 21 de Setembro de 1999, Läärä e o. (C‑124/97, Colect., p. I‑6067, n.° 37). V. igualmente acórdão de 21 de Outubro de 1999, Zenatti (C‑67/98, Colect., p. I‑7289, n.° 35), e Anomar e o., já referido (n.° 74).
(16) Acórdão Läärä, já referido (n.° 37).
(17) Acórdãos já referidos Läärä e o. (n.os 35 e 39), Zenatti (n.° 33) e Anomar e o. (n.° 87).
(18) Acórdãos já referidos Läärä e o. (n.° 36), e Zenatti (n.° 34).
(19) Acórdão Gambelli e o., já referido (n.° 69).
(20) Acórdão Placanica e o., já referido (n.° 55).
(21) Acórdão Gambelli e o. já referido (n.° 67).
(22) Acórdão de 17 de Julho de 2008, Corporación Dermoestética (C‑500/06, Colect., p. I‑5785, n.° 40).
(23) Acórdão de 10 de Março de 2009, Hartlauer (C‑169/07, Colect., ainda não publicado na Colectânea, n.° 63).
(24) Acórdãos já referidos Läärä e o. (n.° 33), e Zenatti (n.° 31).
(25) Acórdão Gambelli e o., já referido (n.° 63).
(26) Acórdãos já referidos Zenatti (n.° 37) e Gambelli e o. (n.° 66).
(27) A Comissão refere o acórdão de 7 de Julho de 2005, Comissão/Áustria (C‑147/03, Colect., p. I‑5969), nos termos do qual «é às autoridades nacionais que invocam uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de pessoas que cabe demonstrar, em cada caso, que as suas normas são necessárias e proporcionadas à luz do objectivo prosseguido. As razões justificativas que podem ser invocadas por um Estado‑Membro devem ser acompanhadas da análise da oportunidade e da proporcionalidade da medida restritiva adoptada por esse Estado, bem como dos elementos precisos que permitam suster a sua argumentação» (n.° 63).
(28) Acórdão de 13 de Novembro de 2003 (C‑42/02, Colect., p. I‑13519).
(29) Acórdãos de 19 de Maio de 2009, Comissão/Itália (C‑531/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 54), e Apothekerkammer des Saarlandes e o. (C‑171/07 e C‑172/07, Colect., ainda não publicado na Colectânea, n.° 30).
(30) Acórdão de 24 de Março de 1994, Schindler (C‑275/92, Colect., p. I‑1039).
(31) Acórdão Läärä e o., já referido.
(32) Acórdão Zenatti, já referido.
(33) Acórdão Anomar e o., já referido.
(34) Acórdão Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Baw International, já referido (n.° 70).
(35) V., neste sentido, acórdão Placanica e o., já referido (n.° 49).
(36) V., neste sentido, acórdão de 14 de Abril de 2005, Deponiezweckverband Eiterköpfe (C‑6/03, Colect., p. I‑2753, n.° 63).
(37) Acórdão Placanica e o., já referido (n.° 49).
(38) Acórdãos já referidos Zenatti (n.° 37) e Gambelli e o. (n.° 75).
(39) Acórdão de 20 de Fevereiro de 1979 (120/78, Colect., p. 327).
(40) Acórdão Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Baw International, já referido (n.° 69).
(41) Acórdãos de 13 de Novembro de 2007, Comissão/Irlanda (C‑507/03, Colect., p. I‑9777, n.° 26), e de 10 de Setembro de 2009, Sea (C‑573/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 39).
(42) Acórdãos de 21 de Julho de 2005, Coname (C‑231/03, Colect., p. I‑7287, n.° 17), e de 17 de Julho de 2008, ASM Brescia (C‑347/06, Colect., p. I‑5641, n.° 59).
(43) Acórdão ASM Brescia, já referido (n.° 60 e jurisprudência aí indicada).
(44) V., nomeadamente, acórdão de 13 de Novembro de 2008, Coditel Brabant (C‑324/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 25 e jurisprudência aí indicada).
(45) C‑260/04, Colect., p. I‑7083.
(46) Directiva de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1).
(47) Acórdão de 13 de Setembro de 2007, Comissão/Itália, já referido (n.os 22 a 24).
(48) Acórdão Coditel Brabant, já referido (n.° 25).
(49) Acórdão Coname, já referido (n.os 21 e 28).
(50) V., neste sentido, acórdão de 17 de Julho de 2008, Comissão/França (C‑389/05, Colect., p. I‑5397, n.° 94 e jurisprudência aí indicada).
(51) Acórdão Comissão/Irlanda, já referido (n.° 33).
(52) Idem (n.° 32).
(53) Acórdão Coname, já referido (n.° 20).
(54) V., neste sentido, acórdãos de 18 de Novembro de 1999, Teckal (C‑107/98, Colect., p. I‑8121, n.° 50); de 11 de Janeiro de 2005, Stadt Halle e RPL Lochau (C‑26/03, Colect., p. I‑1, n.° 49), e de 3 de Outubro de 2005, Parking Brixen (C‑458/03, Colect., p. I‑8585, n.° 62).
(55) Acórdão Coditel Brabant, já referido (n.° 48).
(56) Acórdão do Tribunal da EFTA de 14 de Março de 2007, EFTA Surveillance Authority/Norway (E‑1/06, Report of EFTA Court, p. 7, n.° 51).
(57) V., neste sentido, acórdão de 15 de Maio de 2008, SECAP e Santorso (C‑147/06 e C‑148/06, Colect., p. I‑3565, n.° 31).
(58) A Comissão refere que, em 2007, segundo o relatório anual da comissão de controlo de jogos, o volume de negócios gerado pelas apostas desportivas atingiu 22,3 milhões de euros e o volume de negócios total da De Lotto 270 milhões de euros. O volume de negócios da SGR, por seu lado, atingiu nesse mesmo ano 34,3 milhões de euros.
(59) V., neste sentido, acórdão de 19 de Junho de 2008, pressetext Nachrichtenagentur (C‑454/06, Colect., p. I‑4401, n.° 73).
(60) Acórdão de 13 de Setembro de 2007, Comissão/Itália, já referido (n.os 26 a 32).
(61) Idem (n.° 33).