Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 9 de Dezembro de 2010 (proc. C-568/08)

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Processo C‑568/08

Combinatie Spijker Infrabouw‑De Jonge Konstruktie e o.
contra
Provincie Drenthe

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank Assen)

   

«Contratos públicos - Processos de recurso em matéria de adjudicação de contratos de empreitada de obras públicas - Directiva 89/665/CEE - Obrigação de os Estados‑Membros preverem um processo de recurso - Legislação nacional que permite que o juiz das medidas provisórias autorize uma decisão de adjudicação de um contrato público que posteriormente poderá ser julgada contrária às regras do direito da União pelo juiz que conhece do mérito - Compatibilidade com a directiva - Concessão de indemnizações aos proponentes lesados - Requisitos»

 

Sumário do acordão:

1. O Tribunal de Justiça não pode pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial colocada por um órgão jurisdicional nacional, quando for manifesto que a interpretação ou a apreciação da validade de uma regra do direito da União, solicitadas por um órgão jurisdicional nacional, não têm nenhuma relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, quando o problema é hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (cf. n.° 43).

2. O artigo 1.°, n.os 1 e 3, e o artigo 2.°, n.os 1 e 6, da Directiva 89/665, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos, conforme alterada pela Directiva 92/50, não se opõem a um sistema em que, para obter uma decisão jurisdicional num prazo curto, o único processo disponível é o que se caracteriza pelo facto de ter por objecto permitir a adopção de uma medida urgente, de os advogados não disporem do direito de trocar alegações entre si, de as provas só poderem, em princípio, ser produzidas por documento escrito, de as normas legais em matéria de prova não serem aplicáveis e de a sentença não conduzir a uma regulação definitiva das relações jurídicas nem fazer parte de um processo decisório do qual resulte uma decisão com força de caso julgado.

Como precisa o quinto considerando da Directiva 89/665, que a brevidade dos processos de adjudicação dos contratos públicos exige um tratamento urgente das violações das disposições de direito da União.

Atendendo a este objectivo, a referida directiva deixa aos Estados‑Membros um poder discricionário na escolha das garantias processuais que a mesma prevê, bem como das respectivas formalidades.

(cf. n.os 51, 57, 59, 65, disp. 1)

3. A Directiva 89/665, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos, conforme alterada pela Directiva 92/50, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que, para adoptar uma medida provisória, o juiz das medidas provisórias proceda a uma interpretação da Directiva 2004/18, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, que, em seguida, é qualificada como errónea pelo juiz que conhece do mérito.

Por um lado, o juiz das medidas provisórias é levado a tomar uma decisão no âmbito de um processo urgente no qual quer a recolha de provas quer o exame dos fundamentos das partes são necessariamente mais sumários do que no âmbito do processo para conhecimento do mérito. Por outro lado, a intervenção do juiz das medidas provisórias não visa, contrariamente à do juiz que conhece do mérito, decidir definitivamente dos pedidos que lhe são submetidos, mas proteger provisoriamente os interesses em presença, ponderando‑os, sendo caso disso (cf. n.os 77, 80, disp. 2).

4. No que diz respeito à responsabilidade do Estado por danos causados aos particulares por violações do direito da União que lhe sejam imputáveis, os particulares lesados têm direito a reparação, desde que a norma do direito da União violada tenha por objecto conferir‑lhes direitos, que a violação dessa norma seja suficientemente caracterizada e que haja um nexo de causalidade directo entre essa violação e o dano sofrido. Na falta de disposições do direito da União neste domínio, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro, uma vez satisfeitas as referidas condições, fixar os critérios com base nos quais o prejuízo resultante de uma violação do direito da União em matéria de adjudicação de contratos públicos deve ser determinado e avaliado, desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efectividade.

(cf. n.° 92, disp. 3)

Texto integral:

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

9 de Dezembro de 2010 (*)

No processo C‑568/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Rechtbank Assen (Países Baixos), por decisão de 17 de Dezembro de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 22 de Dezembro de 2008, no processo

Combinatie Spijker Infrabouw‑De Jonge Konstruktie,
van Spijker Infrabouw BV,
de Jonge Konstruktie BV
contra
Provincie Drenthe, 

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues (relator), presidente de secção, A. Arabadjiev, A. Rosas, A. Ó Caoimh e P. Lindh, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:
─ em representação da Combinatie Spijker Infrabouw‑De Jonge Konstruktie, da van Spijker Infrabouw BV e da de Jonge Konstruktie BV, por H. Hoogwout, advocaat,
─ em representação da Provincie Drenthe, por M. Mutsaers e A. Hoekstra‑Borzymowska, advocaten,
─ em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e Y. de Vries, na qualidade de agentes,
─ em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. Konstantinidis e S. Noë, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de Setembro de 2010,

profere o presente

Acórdão

1. O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 1.°, n.os 1 e 3, e 2.°, n.os 1 e 6, da Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos (JO L 395, p. 33), conforme alterada pela Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992 (JO L 209, p. 1, a seguir «Directiva 89/665»).

2. O pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Combinatie Spijker Infrabouw‑De Jonge Konstruktie, a van Spijker Infrabouw BV e a de Jonge Konstruktie BV (a seguir «Combinatie») à Provincie Drenthe (província de Drenthe, a seguir «Provincie»), a respeito da adjudicação de um contrato de empreitada de obras públicas.

       Quadro jurídico

       Regulamentação da União

3. Nos termos do quinto considerando da Directiva 89/665:

«Considerando que, dada a brevidade dos processos de adjudicação dos contratos de direito público, as instâncias de recurso competentes devem nomeadamente estar habilitadas a tomar medidas provisórias para suspender um processo dessa natureza ou a execução de decisões eventualmente tomadas pela entidade adjudicante; que a brevidade dos processos exige um tratamento urgente das violações acima mencionadas».

4. O artigo 1.°, n.os 1 e 3, da Directiva 89/665 dispõe:

«1. Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que, no que se refere aos processos de adjudicação de contratos de direito público abrangidos pelo âmbito de aplicação das Directivas 71/305/CEE e 77/62/CEE [e 92/50/CEE], as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos eficazes e, sobretudo, tão rápidos quanto possível, nas condições previstas nos artigos seguintes e, nomeadamente, no n.° 7 do artigo 2.°, com base em que essas decisões tenham violado o direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou as normas nacionais que transpõem esse direito.

[...]

3. Os Estados‑Membros garantirão que os processos de recurso sejam acessíveis, de acordo com as regras que os Estados‑Membros podem determinar, pelo menos a qualquer pessoa que esteja ou tenha estado interessada em obter um determinado contrato de fornecimento público ou de obras públicas e que tenha sido ou possa vir a ser lesada por uma alegada violação. Os Estados‑Membros podem em particular exigir que a pessoa que pretenda utilizar tal processo tenha informado previamente a entidade adjudicante da alegada violação e da sua intenção de interpor recurso».

5. O artigo 2.°, n.os 1 a 6, da Directiva 89/665 tem a seguinte redacção:

«1. Os Estados‑Membros velarão por que as medidas tomadas para os efeitos dos recursos referidos no artigo 1.° prevejam os poderes que permitam:

a) Tomar o mais rapidamente possível, através de um processo de urgência, medidas provisórias destinadas a corrigir a alegada violação ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em causa, incluindo medidas destinadas a suspender ou a fazer suspender o processo de adjudicação do contrato de direito público em causa ou a execução de qualquer decisão tomada pelas entidades adjudicantes;

b) Anular ou fazer anular as decisões ilegais, incluindo suprimir as especificações técnicas, económicas ou financeiras discriminatórias que constem dos documentos do concurso, dos cadernos de encargos ou de qualquer outro documento relacionado com o processo de adjudicação do contrato em causa;

c) Conceder indemnizações às pessoas lesadas por uma violação.

2. Os poderes referidos no n.° 1 podem ser atribuídos a instâncias distintas responsáveis por aspectos diferentes dos processos de recurso.

3. Os processos de recurso, por si só, não devem ter necessariamente efeitos suspensivos automáticos sobre os processos de adjudicação de contratos a que se referem.

4. Os Estados‑Membros podem prever que, sempre que a instância responsável se debruce sobre a necessidade de tomar medidas provisórias, lhe seja possível tomar em consideração as prováveis consequências de tais medidas para todos os interesses susceptíveis de ser lesados, bem como o interesse público, e decidir não conceder essas medidas sempre que as consequências negativas possam superar as vantagens. A decisão de recusa de medidas provisórias não prejudicará os outros direitos reclamados pela pessoa que solicita essas medidas.

5. Os Estados‑Membros podem prever que, sempre que forem reclamadas indemnizações com base em que uma decisão foi tomada ilegalmente, a decisão contestada deva primeiro ser anulada por uma instância que tenha a competência necessária para esse efeito.

6. Os efeitos do exercício dos poderes referidos no n.° 1 sobre o contrato celebrado na sequência da atribuição de um contrato de direito público serão determinados pelo direito nacional.

Além disso, excepto se a decisão tiver de ser anulada antes da concessão de indemnizações, os Estados‑Membros podem prever que, após a celebração do contrato na sequência da atribuição de um contrato de direito público, os poderes da instância de recurso responsável se limitem à concessão de indemnizações a qualquer pessoa que tenha sido lesada por uma violação».

6. Por força, respectivamente, do artigo 33.° da Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (JO L 199, p. 1), e do artigo 36.° da Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54), são revogadas as Directivas 71/305/CEE do Conselho, de 26 de Julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 185, p. 5; EE 17 F3 p. 9), e 77/62/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1976, relativa à coordenação dos processos de celebração dos contratos de fornecimento de direito público (JO L 13, p. 1; EE 17 F1 p. 29).

7. O artigo 82.° da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114), prevê a revogação da Directiva 92/50, com excepção do seu artigo 41.°, bem como das Directivas 93/36 e 93/37. As referências feitas às directivas revogadas entender‑se‑ão como sendo feitas à Directiva 2004/18.

8. Nos termos do artigo 7.°, alínea c), da Directiva 2004/18, conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.° 2083/2005 da Comissão, de 19 de Dezembro de 2005 (JO L 333, p. 28), a directiva é aplicável, entre 1 de Janeiro de 2006 e 31 de Dezembro de 2007, aos contratos de empreitada de obras públicas cujo valor estimado, sem imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»), fosse igual ou superior a 5 278 000 euros.

9. O artigo 9.°, n.° 5, alínea a), da Directiva 2004/18 dispõe:

«Sempre que uma obra prevista ou um projecto de aquisição de serviços possa ocasionar a adjudicação simultânea de contratos por lotes separados, deve ser tido em conta o valor total estimado da totalidade desses lotes.

[...]»

       Legislação nacional

10. À data dos factos em causa no processo principal, o Reino dos Países Baixos não tinha adoptado medidas específicas para transpor a Directiva 89/665 para o direito nacional, por considerar que a legislação neerlandesa em vigor já respondia às exigências desta directiva.

11. Segundo os elementos que constam dos autos, a adjudicação de contratos públicos decorre do direito privado, a adjudicação de um contrato público constitui um acto de direito privado e as decisões prévias à adjudicação de um contrato público tomadas pelos órgãos administrativos são consideradas actos preparatórios de direito privado. O juiz civil é competente para conhecer dos litígios em matéria de adjudicação de contratos públicos, no que respeita tanto à adopção de providências cautelares como ao processo para conhecimento do mérito. A competência do juiz administrativo está excluída, salvo disposição da lei em contrário.

       Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12. Resulta da decisão de reenvio que a Provincie decidiu renovar duas pontes basculantes, na ligação navegável entre Erica e Ter Apel, no município de Emmen (Países Baixos). Esta ligação tem grande importância a nível internacional. A União Europeia atribuiu uma subvenção a este projecto, que previa como condição a realização das obras num determinado prazo, que foi fixado em 1 de Julho de 2008.

13. O contrato de renovação das pontes basculantes foi objecto de um concurso público europeu. O anúncio de concurso de 13 de Julho de 2007 foi publicado em Suplemento aoJornal Oficial da União Europeia.

14. Foram impostos determinados requisitos aos proponentes, nomeadamente no domínio das capacidades técnicas, da integridade e da solvabilidade. Os demais requisitos tinham a ver com as próprias propostas, nomeadamente no que diz respeito às provas que as deviam acompanhar. O critério de adjudicação do contrato era o do preço mais baixo.

15. O anúncio de concurso foi alterado por outro de 23 de Julho de 2007.

16. As propostas, que deviam ser apresentadas até 19 de Setembro de 2007, foram abertas nessa data, e a Provincie lavrou uma acta, finda essa operação. Na acta ficou registado, nomeadamente, que quatro proponentes tinham apresentado propostas e que a proposta mais baixa era a da Machinefabriek Emmen BV (a seguir «MFE»). A proposta da Combinatie, no montante de 1 123 400 euros, ficou em segundo lugar.

17. Por ofício de 2 de Outubro de 2007, a Provincie informou a Combinatie de que tencionava adjudicar o contrato à MFE, porque a proposta desta era a mais baixa, sem dar outras explicações.

18. Por carta de 9 de Outubro de 2007, a Combinatie apresentou o seu protesto contra essa decisão, alegando a existência de sérios indícios que permitiam duvidar de que a MFE preenchesse efectivamente os critérios de adjudicação do contrato. Esta carta deu lugar a um contacto telefónico com os serviços da Provincie, durante o qual foi discutida a questão de saber se uma empresa que sucede a outra pode invocar as referências da empresa predecessora.

19. Em 18 de Outubro de 2007, a Combinatie apresentou um requerimento de medidas provisórias contra a Provincie, perante o juiz das medidas provisórias do Rechtbank Assen, pedindo que este declarasse que a proposta da MFE era inválida, que a Combinatie tinha apresentado a proposta mais baixa e que a Provincie lhe devia atribuir o contrato quando procedesse à adjudicação.

20. Por ofício de 1 de Novembro de 2007, a Provincie comunicou a todos os proponentes a sua decisão de anular o concurso pelo facto de, na sequência da análise do processo de adjudicação, por parte dos seus serviços, se ter constatado que esse processo sofria de vícios tais que não era possível prossegui‑lo. De acordo com este ofício, os principais vícios eram os seguintes: em primeiro lugar, o requisito relativo à experiência foi reduzido de 60% para 50% do montante do contrato em causa e o requisito relativo ao volume de negócios baixou de 150% para 125% desse montante; em segundo lugar, o período de referência para efeitos do cálculo do volume de negócios foi aumentado de três para cinco anos; em terceiro lugar, o critério da experiência foi modificado de tal forma que deixou de corresponder integralmente ao requisito inicialmente estabelecido; por fim, em quarto lugar, essas alterações foram comunicadas no sítio Internet www.aanbestedingskalender.nl, e não no sítio Internet onde tinha sido publicado o concurso, a saber, www.ted.europa.eu. Nesse mesmo ofício, a Provincie indicava que considerava a hipótese de abrir um novo concurso.

21. A Combinatie entendeu que o ofício de 1 de Novembro de 2007 não era um elemento suficiente para lhe permitir desistir do seu pedido de medidas provisórias, mas, no entanto, alterou as conclusões desse pedido.

22. Em 9 de Novembro de 2007, a MFE interveio no processo de medidas provisórias, por recomendação da Provincie, pedindo que o juiz das medidas provisórias lhe adjudicasse o contrato.

23. Por decisão de 28 de Novembro de 2007, o juiz das medidas provisórias do Rechtbank Assen considerou que a MFE tinha argumentado de forma convincente, mediante documentos apresentados no processo de adjudicação e comentados na audiência, sobre o facto de que as obras executadas no passado pela Machinefabriek Hidding BV, que, em 2005, passou a ser a Synmet Engineering & Production BV, lhe podiam ser adjudicadas. O juiz das medidas provisórias concluiu igualmente que a MFE preenchia as condições impostas pela Provincie no anúncio de concurso e tinha fornecido atempadamente os esclarecimentos necessários, que a assinatura da declaração de modelo K apresentada pelo representante da MFE devia ser considerada suficiente e que a MFE tinha apresentado a proposta mais baixa.

24. O juiz das medidas provisórias declarou que a Provincie não tinha agido de forma coerente na definição dos requisitos do volume de negócios e da experiência e que tinham sido introduzidas alterações substanciais no concurso. Contudo, sublinhou que as alterações tinham sido introduzidas numa fase inicial do processo de adjudicação, que não se afigurava que tais alterações tivessem sido introduzidas para beneficiar um dos proponentes, nem que terceiros tivessem apresentado propostas depois da alteração do projecto. Nestas circunstâncias, o juiz das medidas provisórias considerou que as alterações não tinham uma importância tal que permitissem concluir que o processo de concurso não tinha sido suficientemente transparente.

25. O juiz das medidas provisórias considerou que, por força dos princípios da igualdade e da confiança legítima, bem como em razão da boa‑fé pré‑contratual, já não era possível à Provincie, nessa fase do processo, adjudicar, na sequência de um segundo concurso, o mesmo contrato de empreitada de obras a uma empresa diferente daquela que preenchia os requisitos impostos no primeiro concurso.

26. Por conseguinte, o juiz das medidas provisórias proibiu a Provincie de adjudicar o contrato a uma empresa diferente da MFE e declarou esta decisão provisoriamente executória.

27. Em 3 de Dezembro de 2007, a Provincie adjudicou o contrato à MFE.

28. Em 11 de Dezembro de 2007, a Combinatie interpôs recurso interlocutório para o Gerechtshof Leeuwarden, pedindo a suspensão da sentença do juiz das medidas provisórias de 28 de Novembro de 2007.

29. Por sentença interlocutória de 30 de Janeiro de 2008, o Gerechtshof Leeuwarden indeferiu esse pedido, por considerar que a MFE tinha um interesse protegido na execução da sentença do juiz das medidas provisórias.

30. O Gerechtshof Leeuwarden sublinhou que o contrato entretanto celebrado entre a Provincie e a MFE devia ser considerado validamente celebrado e que, salvo casos especiais, o simples facto de o processo de concurso enfermar de vícios não fazia com que essa validade pudesse ser atacada. O Gerechtshof concluiu que a única via de recurso de que a Combinatie ainda dispunha, caso fosse constatada a violação do direito dos contratos públicos, era uma acção de indemnização.

31. Em 19 de Dezembro de 2007, a Combinatie ainda interpôs recurso da sentença proferida no processo de medidas provisórias, para obter a sua anulação e a adjudicação do contrato. Após ter tomado conhecimento da sentença interlocutória do Gerechtshof Leeuwarden de 30 de Janeiro de 2008, desistiu desse recurso e decidiu instaurar uma acção de indemnização contra a Provincie no Rechtbank Assen. A citação foi emitida em 29 de Fevereiro de 2008.

32. No âmbito dessa acção, o Rechtbank Assen considera que a decisão de 1 de Novembro de 2007, através da qual a Provincie decidiu anular a sua decisão de adjudicação de 2 de Outubro de 2007 e abrir um novo concurso, é a única aplicação correcta do direito dos contratos públicos. Considera que a Provincie não podia baixar o requisito da experiência, de 60% para 50%, e o do volume de negócios, de 150% para 125%, que não podia prorrogar o período de referência para efeitos do cálculo do volume de negócios, de três para cinco anos, e que devia ter publicado as alterações assim introduzidas no concurso, no mesmo sítio Internet onde tinha publicado o anúncio de concurso original. O Rechtbank Assen declara que, por estas razões, tenciona proferir uma decisão definitiva que substituirá a do juiz das medidas provisórias. O Rechtbank Assen considera que, visto o contrato ter sido adjudicado e as obras já terem começado, ou talvez já estarem concluídas, a única solução é atribuir eventualmente uma indemnização à Combinatie.

33. O Rechtbank Assen interroga‑se sobre se o acto ilícito pode ser imputado à Provincie, tendo em conta as circunstâncias em que foi praticado e a estrutura legal da protecção jurídica em que ocorreu. Segundo este órgão jurisdicional, os interesses sociais preponderantes invocados pela Provincie e a decisão do juiz das medidas provisórias assim como a escolha do legislador neerlandês de instituir tal sistema jurídico podem servir de motivo de justificação.

34. Nestas condições, o Rechtbank Assen decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) a) Os artigos 1.°, n.os 1 e 3, e 2.°, n.os 1 e 6, da Directiva 89/665/CEE devem ser interpretados no sentido de [são incompatíveis com um sistema em que a protecção jurídica [que o] órgão jurisdicional nacional [deve garantir] nos litígios em matéria de concursos públicos [de direito europeu é] dificultada pelo facto de, [nesse sistema,] em que tanto [o juiz] administrativo como [o juiz] civil [podem ser] competentes relativamente à mesma decisão e respectivas consequências, poderem ser proferidas decisões paralelas contraditórias [por esses juízes]?

b) Neste contexto, a jurisdição administrativa pode ser limitada à apreciação [das] decisões de adjudicação? Em caso de resposta afirmativa, por que motivo e/ou em que condições?

c)  Neste contexto, a Algemene wet bestuursrecht [...], que regula, em termos gerais, [as vias de recurso para o juiz] administrativo, pode excluir esse acesso quando se trata de decisões relativas à celebração de um contrato de [obras públicas] entre a entidade adjudicante e um dos proponentes? Em caso de resposta afirmativa, por que motivo e/ou em que condições?

d) A resposta à segunda questão é, para este efeito, relevante?

2) a) Os artigos 1.°, n.os 1 e 3, e 2.°, n.os 1 e 6, da Directiva 89/665/CEE devem ser interpretados no sentido de que [se opõem a um sistema em que], para [obter] uma decisão rápida, [o único] processo [disponível] se caracteriza pelo facto de ter, em princípio, [por objecto permitir a adopção de] uma medida urgente, [os advogados não disporem do] direito de trocas de alegações entre [si,] regra geral, só permitir [a produção de] prova por documento escrito e [...] as normas legais em matéria de prova [não serem aplicáveis]?

b) Em caso de resposta negativa à alínea anterior, essa resposta também [é válida] se a sentença não conduzir a uma regulação definitiva das relações jurídicas e [...] não fizer parte de um processo decisório [do qual resulte] uma [...] decisão [com força de caso julgado]?

c) Para esse efeito, é relevante o facto de a sentença só vincular as partes do processo, embora possam existir ainda outros interessados?

3) É compatível com a Directiva 89/665/CEE que um juiz [das medidas provisórias] ordene à entidade adjudicante que tome uma decisão de adjudicação que, [num processo ulterior de apreciação do mérito, é declarada incompatível com o direito [europeu] em matéria de adjudicação de [contratos públicos]?

4) a) Em caso de resposta negativa à [terceira questão], a entidade adjudicante deve ser considerada responsável? [Se sim], em que sentido?

b) O mesmo [se pode dizer] em caso de resposta afirmativa à [terceira] questão?

c) Se [essa entidade adjudicante] estiver obrigada a [reparar os danos], o direito comunitário oferece critérios para a sua determinação e avaliação? Em caso de resposta afirmativa, quais?

d) Se a entidade adjudicante não puder ser considerada responsável, [...] o direito comunitário [permite designar] outra [pessoa que o seja]? Com que fundamento?

5) Se, com base no direito nacional e/ou nas respostas às questões [precedentes, se verificar] que, [...] na prática [é] impossível ou extremamente difícil exercer o direito de obter uma indemnização, o que deve fazer o órgão jurisdicional nacional?».

       Quanto às questões prejudiciais

       Observação preliminar

35. Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, a Directiva 89/665 é aplicável aos processos de adjudicação de contratos públicos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Directiva 71/305, tendo esta última sido substituída pela Directiva 93/37, que, por sua vez, foi substituída pela Directiva 2004/18.

36. Nos termos do seu artigo 7.°, alínea c), a Directiva 2004/18 era aplicável, tanto na data da publicação do anúncio de concurso como na data da adjudicação do contrato em causa no processo principal, aos contratos de empreitada de obras públicas cujo valor estimado, sem IVA, fosse igual ou superior a 5 278 000 euros.

37. Segundo a decisão de reenvio, o montante da proposta seleccionada no processo que deu origem ao litígio no processo principal era de 1 117 200 euros, IVA incluído.

38. Por conseguinte, coloca‑se a questão de saber se o contrato em causa no processo principal está ou não abrangido pelo âmbito de aplicação da Directiva 2004/18.

39. O Tribunal de Justiça dirigiu ao órgão jurisdicional de reenvio, em 8 de Dezembro de 2009, um pedido de esclarecimentos ao abrigo do artigo 104.°, n.° 5, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a fim de precisar o valor estimado do contrato em causa no processo principal e, em particular, se esse contrato faz parte de uma obra na acepção do artigo 9.°, n.° 5, alínea a), da referida directiva, caso em que se deveria ter em conta o valor total estimado dessa obra.

40. Por ofício de 28 de Janeiro de 2010, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 2 de Fevereiro de 2010, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que o contrato em causa no processo principal diz respeito a obras que fazem parte de um projecto mais alargado, a saber, a reconstrução da ligação navegável Erica‑Ter Apel, no valor estimado de 6 100 000 euros.

41. É possível deduzir desta resposta que o contrato em causa no processo principal faz parte de uma obra, na acepção do artigo 9.°, n.° 5, alínea a), da Directiva 2004/18, cujo valor total excede o limite de aplicação da mesma. Por conseguinte, há que considerar que o contrato está abrangido pelo âmbito de aplicação desta directiva e, por conseguinte, pelo da Directiva 89/665.

       Quanto à primeira questão

42. Segundo jurisprudência constante, compete em exclusivo ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, acórdãos de 15 de Dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, Colect., p. I‑4921, n.° 59, e de 2 de Abril de 2009, Elshani, C‑459/07, Colect., p. I‑2759, n.° 40).

43. Não obstante, o Tribunal de Justiça entendeu não poder pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial colocada por um órgão jurisdicional nacional, quando for manifesto que a interpretação ou a apreciação da validade de uma regra da União, solicitadas por um órgão jurisdicional nacional, não têm nenhuma relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, quando o problema é hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (v. acórdãos, já referidos, Bosman, n.° 61, e Elshani, n.° 41).

44. Como resulta da decisão de reenvio, a primeira questão assenta na premissa segundo a qual, no âmbito do direito nacional, tanto o juiz administrativo como o juiz civil podem ser competentes a respeito de uma mesma decisão proferida no âmbito de um processo de adjudicação de um contrato público, o que pode conduzir à adopção de decisões jurisdicionais contraditórias.

45. Contudo, resulta das observações apresentadas no Tribunal de Justiça pelo Governo neerlandês e pela Comissão das Comunidades Europeias que, em direito neerlandês, o juiz civil dispõe, regra geral, de uma competência exclusiva para conhecer dos processos em matéria de adjudicação de contratos públicos. Segundo essas observações, o juiz administrativo é competente nesta matéria se uma lei especial dispuser nesse sentido. Nesse caso, tem uma competência exclusiva. Está excluído que, em direito neerlandês, um juiz administrativo e um juiz civil sejam ambos competentes num mesmo litígio em matéria de adjudicação de contratos públicos.

46. É certo que, quando decide no âmbito de um pedido de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça não se pode pronunciar sobre a interpretação de disposições legislativas ou regulamentares nacionais (v. acórdãos de 13 de Outubro de 1976, Saieva, 32/76, Recueil, p. 1523, n.° 7, Colect., p. 623; de 9 de Outubro de 1984, Heineken Brouwerijen, 91/83 e 127/83, Colect., p. 3435, n.° 10; e de 20 de Outubro de 1993, Phil Collins e o., C‑92/92 e C‑326/92, Colect., p. I‑5145, n.° 13).

47. Todavia, é dado assente que, no processo principal, não há risco de decisões contraditórias devido à intervenção de um juiz administrativo, pois todos os processos decorreram perante os órgãos jurisdicionais civis.

48. Segundo as informações de que o Tribunal de Justiça dispõe, a interpretação do direito da União pedida na primeira questão não tem, portanto, nenhuma relação com o objecto do processo principal.

49. Por conseguinte, a primeira questão deve ser julgada inadmissível.

       Quanto à segunda questão

50. Através da sua segunda questão, alínea a), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Directiva 89/665 se opõe a um sistema em que, para obter uma decisão rápida, o único processo disponível é o que se caracteriza pelo facto de ter por objecto permitir a adopção de uma medida urgente, de os advogados não terem o direito de trocar alegações entre si, de as provas só poderem, em princípio, ser produzidas por documento escrito e de as normas legais em matéria de prova não serem aplicáveis.

51. Há que recordar, como precisa o quinto considerando da Directiva 89/665, que a brevidade dos processos de adjudicação dos contratos públicos exige um tratamento urgente das violações das disposições de direito da União.

52. Atendendo a este objectivo, o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665 prevê a criação, nos Estados‑Membros, de recursos eficazes e, sobretudo, tão rápidos quanto possível contra as decisões que tenham podido violar o direito da União em matéria de contratos públicos ou as normas nacionais que transpõem esse direito.

53. Em particular, o artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da referida directiva impõe que os Estados‑Membros prevejam os poderes que permitam «[t]omar o mais rapidamente possível, através de um processo de urgência, medidas provisórias destinadas a corrigir a alegada violação ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em causa [...]».

54. Uma vez que o artigo 2.°, n.° 2, da mesma directiva dispõe que os poderes referidos no seu artigo 2.°, n.° 1, podem ser atribuídos a instâncias distintas, responsáveis por aspectos diferentes dos processos de recurso, decorre daí que os Estados‑Membros têm a faculdade de atribuir o poder de tomar medidas provisórias e de conceder indemnizações a instâncias distintas.

55. O artigo 2.°, n.° 3, da Directiva 89/665 prevê que os processos de recurso, por si sós, não devem ter necessariamente efeitos suspensivos automáticos sobre os processos de adjudicação dos contratos a que se referem. Daqui decorre que esta directiva permite aos Estados‑Membros preverem, na sua legislação nacional, que podem ser requeridas medidas suspensivas, sendo caso disso, em processos distintos daqueles que respeitam ao mérito dos processos de adjudicação de contratos públicos.

56. Na medida em que precisa que uma decisão de recusa de medidas provisórias não prejudica os outros direitos reclamados pela pessoa que requer essas medidas, o artigo 2.°, n.° 4, da referida directiva admite igualmente a possibilidade de um processo para conhecimento do mérito distinto do processo destinado à concessão de medidas provisórias.

57. Assim, deve considerar‑se que a Directiva 89/665 deixa aos Estados‑Membros um poder discricionário na escolha das garantias processuais que a mesma prevê, bem como das respectivas formalidades.

58. Deve realçar‑se que, na medida em que as características do processo de medidas provisórias em causa no processo principal são inerentes aos processos destinados à adopção, o mais rapidamente possível, de medidas provisórias, tais características são, enquanto tais, conformes ao previsto nos artigos 1.°, n.° 1, e 2.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/665.

59. Resulta do que precede que a Directiva 89/665 não se opõe a um sistema em que, para obter uma decisão rápida, o único processo disponível é o que se caracteriza pelo facto de ter por objecto permitir a adopção de uma medida urgente, de os advogados não terem o direito de trocar alegações entre si, de as provas só poderem, em princípio, ser produzidas por documento escrito e de as normas legais em matéria de prova não serem aplicáveis.

60. Através da sua segunda questão, alínea b), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a análise precedente também é válida caso a sentença em matéria de medidas provisórias não conduza a uma regulação definitiva das relações jurídicas e não faça parte de um processo decisório do qual resulte uma decisão com força de caso julgado.

61. Pela sua natureza, uma medida provisória não regula em definitivo as relações jurídicas. Além disso, os efeitos produzidos pelo processo decisório em que essa medida se insere decorrem da ordem jurídica interna do Estado em questão. Por conseguinte, a Directiva 89/665 não se opõe à adopção de tal medida.

62. Através da sua segunda questão, alínea c), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se é relevante que a sentença em matéria de medidas provisórias só vincule as partes no processo, embora possa haver outros interessados.

63. Esta parte da questão assenta numa hipótese que não se verifica no litígio no processo principal. Com efeito, no âmbito deste litígio, o processo de medidas provisórias não se limitou à recorrente e à recorrida, a saber, a Combinatie e a Provincie. Pelo contrário, um terceiro interessado, a saber, a MFE, pôde intervir para defender os seus interesses, de resto, com sucesso.

64. Consequentemente, não há que responder a esta parte da questão.

65. Atendendo às considerações precedentes, deve responder‑se à segunda questão que o artigo 1.°, n.os 1 e 3, e o artigo 2.°, n.os 1 e 6, da Directiva 89/665 não se opõem a um sistema em que, para obter uma decisão jurisdicional num prazo curto, o único processo disponível é o que se caracteriza pelo facto de ter por objecto permitir a adopção de uma medida urgente, de os advogados não disporem do direito de trocar alegações entre si, de as provas só poderem, em princípio, ser produzidas por documento escrito, de as normas legais em matéria de prova não serem aplicáveis e de a sentença não conduzir a uma regulação definitiva das relações jurídicas nem fazer parte de um processo decisório do qual resulte uma decisão com força de caso julgado.

       Quanto à terceira questão

66. Através da sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Directiva 89/665 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que um juiz das medidas provisórias ordene à entidade adjudicante que adopte uma decisão de adjudicação de um contrato público, que, no decurso de um processo ulterior para conhecimento do mérito, é declarada incompatível com a Directiva 2004/18.

67. Tal como foi relembrado no n.° 42 do presente acórdão, compete ao juiz nacional apreciar, tendo em conta as particularidades do processo, a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça.

68. A terceira questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio assenta na premissa segundo a qual, no processo principal, o juiz das medidas provisórias ordenou à entidade adjudicante que adjudicasse o contrato à MFE.

69. Segundo as constatações que figuram na decisão de reenvio, esta premissa não é exacta. Como afirma o órgão jurisdicional de reenvio, o juiz das medidas provisórias proibiu a Provincie de adjudicar o contrato a uma empresa diferente da MFE. Contudo, não resulta dos elementos dos autos que o juiz das medidas provisórias tenha imposto à Provincie a adjudicação do mercado à MFE.

70. A este respeito, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, a Combinatie, o Governo neerlandês e a Comissão alegaram que a Provincie podia ter dado vários seguimentos à sentença em matéria de medidas provisórias de 28 de Novembro de 2007, além da adjudicação do contrato em causa no processo principal à MFE.

71. Além disso, resulta ainda das respostas recebidas pelo Tribunal de Justiça que a Provincie podia ter renunciado à adjudicação do contrato ou recorrido a um órgão jurisdicional para conhecer da questão de mérito, ou ainda interposto recurso da sentença em matéria de medidas provisórias de 28 de Novembro de 2007, ou, por fim, aguardado, antes de adjudicar o contrato, que um eventual recurso fosse interposto pela Combinatie contra essa decisão em matéria de medidas provisórias.

72. No que diz respeito a esta quarta possibilidade, resulta dos autos que a Combinatie recorreu efectivamente, em 11 de Dezembro de 2007, da sentença em matéria de medidas provisórias, ao passo que a Provincie adjudicou a obra à MFE em 3 de Dezembro de 2007.

73. Decorre daqui que a hipótese de um juiz das medidas provisórias ter ordenado à entidade adjudicante que adoptasse uma decisão de adjudicação de um contrato público não se verifica no litígio no processo principal.

74. Para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, é, portanto, necessário reformular a terceira questão. Através desta questão, o órgão jurisdicional nacional pretende, de facto, saber se a Directiva 89/665 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que, para adoptar uma medida provisória, o juiz das medidas provisórias proceda a uma interpretação da Directiva 2004/18, que, em seguida, é qualificada de errónea pelo juiz que conhece do mérito.

75. Como foi realçado nos n.os 52 a 54 do presente acórdão, a Directiva 89/665 impõe aos Estados‑Membros a criação de recursos em matéria de medidas provisórias contra decisões relativas a contratos públicos que possam ter violado o direito da União ou as normas nacionais que transpõem esse direito.

76. O artigo 2.°, n.° 2, da referida directiva prevê que tais recursos podem ser atribuídos a instâncias distintas das responsáveis pelos recursos para conhecimento do mérito, como as acções de indemnização.

77. Atendendo à possibilidade de prever um sistema desta natureza, não se pode excluir que o juiz das medidas provisórias e o juiz que conhece do mérito, chamados a tratar sucessivamente um mesmo litígio, tenham uma interpretação divergente das regras do direito da União aplicáveis. Por um lado, o juiz das medidas provisórias é levado a tomar uma decisão no âmbito de um processo urgente no qual quer a recolha de provas quer o exame dos fundamentos das partes são necessariamente mais sumários do que no âmbito do processo para conhecimento do mérito. Por outro lado, a intervenção do juiz das medidas provisórias não visa, contrariamente à do juiz que conhece do mérito, decidir definitivamente dos pedidos que lhe são submetidos, mas proteger provisoriamente os interesses em presença, ponderando‑os, sendo caso disso.

78. O legislador da União reconheceu a natureza específica da missão do juiz das medidas provisórias no artigo 2.°, n.os 1, alínea a), e 4, da Directiva 89/665, sublinhando, em particular, o carácter provisório das medidas tomadas pelo juiz das medidas provisórias.

79. É inerente ao sistema de recursos previsto nesta directiva que o juiz que conhece do mérito pode adoptar uma interpretação do direito da União, nomeadamente da Directiva 2004/18, diferente da do juiz das medidas provisórias. Tal divergência de apreciação não implica que um sistema jurisdicional como o que está em causa no processo principal não preencha os requisitos da Directiva 89/665.

80. Por conseguinte, há que responder à terceira questão que a Directiva 89/665 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que, para adoptar uma medida provisória, o juiz das medidas provisórias proceda a uma interpretação da Directiva 2004/18, que, em seguida, é qualificada como errónea pelo juiz que conhece do mérito.

       Quanto à quarta questão

81. Através da sua quarta questão, alíneas a) e b), o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se uma entidade adjudicante deve ser considerada responsável quando tenha tomado uma decisão de adjudicação de um contrato público na sequência de uma injunção nesse sentido por parte de um juiz das medidas provisórias e, no decurso de um processo ulterior para conhecimento do mérito, essa decisão seja declarada incompatível com as normas da União em matéria de adjudicação de contratos públicos.

82. Estas questões repousam na hipótese de que, no litígio no processo principal, o juiz das medidas provisórias ordenou à entidade adjudicante que adjudicasse o contrato em causa a determinado operador.

83. Ora, como foi exposto nos n.os 69 a 73 do presente acórdão, esta hipótese não se verifica no litígio no processo principal.

84. Nestas condições, não há que responder à quarta questão, alíneas a) e b).

85. Através da sua quarta questão, alínea c), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, caso a autoridade adjudicante esteja obrigada a reparar o dano decorrente de uma violação do direito da União em matéria de adjudicação de contratos públicos, o direito da União oferece critérios com base nos quais o dano deve ser determinado e avaliado e, em caso de resposta afirmativa, quais são esses critérios.

86. O artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/665 indica claramente que os Estados‑Membros devem prever a possibilidade de conceder indemnizações em caso de violação das regras do direito da União em matéria de adjudicação de contratos públicos, mas não contém nenhuma precisão quanto às condições nas quais uma entidade adjudicante pode ser responsabilizada, nem quanto à determinação do montante da indemnização que pode ser condenada a pagar.

87. Esta disposição constitui uma concretização do princípio da responsabilidade do Estado pelos danos causados aos particulares por violações do direito da União que lhe sejam imputáveis. Segundo jurisprudência desenvolvida depois da adopção da Directiva 89/665, mas desde então constante, este princípio é inerente à ordem jurídica da União. O Tribunal de Justiça declarou que os particulares lesados têm um direito a reparação, desde que estejam preenchidos três requisitos, a saber, que a norma do direito da União violada tenha por objecto conferir‑lhes direitos, que a violação dessa norma seja suficientemente caracterizada e que haja um nexo de causalidade directo entre essa violação e o dano sofrido pelos particulares (acórdãos de 19 de Novembro de 1991, Francovich e o., C‑6/90 e C‑9/90, Colect., p. I‑5357, n.° 35; de 5 de Março de 1996, Brasserie du pêcheur et Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, Colect., p. I‑1029, n.os 31 e 51; e de 24 de Março de 2009, Danske Slagterier, C‑445/06, Colect., p. I‑2119, n.os 19 e 20).

88. No seu estado actual, a jurisprudência do Tribunal de Justiça não enunciou, relativamente aos recursos em matéria de adjudicação de contratos públicos, critérios mais detalhados com base nos quais o prejuízo deve ser determinado e avaliado.

89. No que respeita à legislação da União, deve realçar‑se que a Directiva 89/665 foi amplamente alterada pela Directiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, que altera as Directivas 89/665/CEE e 92/13/CEE (JO L 335, p. 31), adoptada após a data dos factos que deram origem ao litígio no processo principal. Contudo, nessa ocasião, o legislador da União absteve‑se de adoptar disposições a este respeito.

90. Na falta de disposições da União neste domínio, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro fixar os critérios com base nos quais o prejuízo resultante de uma violação do direito da União em matéria de adjudicação de contratos públicos deve ser determinado e avaliado (v., por analogia, acórdãos de 19 de Junho de 2003, GAT, C‑315/01, Colect., p. I‑6351, n.° 46, e de 30 de Setembro de 2010, Strabag e o., C‑314/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 33), desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efectividade (v., neste sentido, acórdão de 13 de Julho de 2006, Manfredi e o., C‑295/04 a C‑298/04, Colect., p. I‑6619, n.° 98).

91. Resulta de jurisprudência constante que as modalidades processuais das acções destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União não devem ser menos favoráveis do que as que respeitam a acções similares de direito interno (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efectividade) (v., designadamente, acórdãos de 16 de Dezembro de 1976, Rewe‑Zentralfinanz e Rewe Zentral, 33/76, Colect., p. 813, n.° 5; de 13 de Março de 2007, Unibet, C‑432/05, Colect., p. I‑2271, n.° 43; de 15 de Abril de 2008, Impact, C‑268/06, Colect., p. I‑2483, n.° 46, e de 8 de Julho de 2010, Bulicke, C‑246/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 25).

92. Por conseguinte, deve responder‑se à quarta questão, alínea c), que, no que diz respeito à responsabilidade do Estado por danos causados aos particulares por violações do direito da União que lhe sejam imputáveis, os particulares lesados têm direito a reparação, desde que a norma do direito da União violada tenha por objecto conferir‑lhes direitos, que a violação dessa norma seja suficientemente caracterizada e que haja um nexo de causalidade directo entre essa violação e o dano sofrido. Na falta de disposições do direito da União neste domínio, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro, uma vez satisfeitas as referidas condições, fixar os critérios com base nos quais o prejuízo resultante de uma violação do direito da União em matéria de adjudicação de contratos públicos deve ser determinado e avaliado, desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efectividade.

93. Atendendo a esta resposta, não há que responder à alínea d) da quarta questão.

       Quanto à quinta questão

94. Com a quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber o que deve fazer o órgão jurisdicional nacional se, na prática, for impossível ou extremamente difícil exercer o direito a uma indemnização.

95. Tendo em conta as respostas dadas às questões precedentes e face aos autos do processo, nada indica que seja esse o caso no processo principal.

96. Por conseguinte, não é necessário responder a esta questão.

       Quanto às despesas

97. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

       Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

       1) O artigo 1.°, n.os 1 e 3, e o artigo 2.°, n.os 1 e 6, da Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos, conforme alterada pela Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, não se opõem a um sistema em que, para obter uma decisão jurisdicional num prazo curto, o único processo disponível é o que se caracteriza pelo facto de ter por objecto permitir a adopção de uma medida urgente, de os advogados não disporem do direito de trocar alegações entre si, de as provas só poderem, em princípio, ser produzidas por documento escrito, de as normas legais em matéria de prova não serem aplicáveis e de a sentença não conduzir a uma regulação definitiva das relações jurídicas nem fazer parte de um processo decisório do qual resulte uma decisão com força de caso julgado.

       2) A Directiva 89/665, conforme alterada pela Directiva 92/50, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que, para adoptar uma medida provisória, o juiz das medidas provisórias proceda a uma interpretação da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, que, em seguida, é qualificada como errónea pelo juiz que conhece do mérito.

       3) No que diz respeito à responsabilidade do Estado por danos causados aos particulares por violações do direito da União que lhe sejam imputáveis, os particulares lesados têm direito a reparação, desde que a norma do direito da União violada tenha por objecto conferir‑lhes direitos, que a violação dessa norma seja suficientemente caracterizada e que haja um nexo de causalidade directo entre essa violação e o dano sofrido. Na falta de disposições do direito da União neste domínio, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro, uma vez satisfeitas as referidas condições, fixar os critérios com base nos quais o prejuízo resultante de uma violação do direito da União em matéria de adjudicação de contratos públicos deve ser determinado e avaliado, desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efectividade.

 

Assinaturas

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(*) Língua do processo: neerlandês.