Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 29 de Abril de 2010 (proc. C-160/08)

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

29 de Abril de 2010 (*)

 

«Incumprimento de Estado - Contratos públicos de serviços - Artigos 43.° CE e 49.° CE - Directivas 92/50/CEE e 2004/18/CE - Serviços públicos de socorro - Transporte médico de emergência e transporte especial de doentes - Dever de transparência - Artigo 45.° CE - Actividades que fazem parte do exercício da autoridade pública - Artigo 86.°, n.° 2, CE - Serviços de interesse económico geral»

 

Sumário:

1. Nos termos do artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE, conjugado com o artigo 55.° CE, as disposições relativas à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços não são aplicáveis às actividades que, num Estado‑Membro, estão ligadas, mesmo ocasionalmente, ao exercício da autoridade pública.

As referidas actividades estão também excluídas do âmbito de aplicação de directivas que, à semelhança das Directivas 92/50 e 2004/18, visam aplicar as disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços.

(cf. n.os 73, 74)

2. A derrogação prevista nos artigos 45.° CE e 55.° CE deve restringir‑se às actividades que, consideradas em si mesmas, apresentam uma ligação directa e específica ao exercício da autoridade pública. Não é assim para as actividades de transporte médico de emergência e de transporte especial de doentes.

Com efeito, a contribuição para a protecção da saúde pública, que pode ser exigida a todo e qualquer indivíduo, designadamente prestando assistência a uma pessoa que corra perigo de vida, não basta para constituir uma forma de exercício da autoridade pública. Também não se pode considerar um exercício suficientemente qualificado de prerrogativas da autoridade pública ou de poderes que exorbitem do direito comum o direito, de os prestadores de serviços de transporte de doentes recorrerem a instrumentos como a lanterna giratória ou a sirene, bem como o direito de prioridade que lhe é reconhecido pelo Código da Estrada, nem elementos que dizem respeito a competências organizacionais especiais no âmbito dos serviços prestados, ao poder de solicitar informações a terceiros ou à intervenção de outros serviços especializados, ou ainda à participação na designação de funcionários administrativos para os serviços em causa e à colaboração com as autoridades públicas e com os membros de corpos profissionais investidos de prerrogativas de autoridade pública.

(cf. n.os 78, 80‑84)

3. Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 10.° da Directiva 92/50, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, conjugado com o artigo 16.° desta directiva, ou, desde 1 de Fevereiro de 2006, por força do artigo 22.° da Directiva 2004/18, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, conjugado com o artigo 35.°, n.° 4, desta directiva, um Estado‑Membro que, no âmbito da adjudicação de contratos de serviços públicos de transporte de doentes, segundo um modelo dito «de submissão», nos termos do qual a remuneração desses serviços é feita pelas entidades adjudicantes, não tenha publicado nenhum anúncio relativo aos resultados do processo de adjudicação de contratos.

Efectivamente, os serviços de transporte médico de emergência ou de transporte especial de doentes, em causa no presente processo, se enquadram simultaneamente na categoria 2 ou 3 do anexo I A da Directiva 92/50 ou do anexo II A da Directiva 2004/18 e na categoria 25 do anexo I B da Directiva 92/50 ou do anexo II B da Directiva 2004/18, pelo que os contratos que têm como objecto esses serviços estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 10.° da Directiva 92/50 ou do artigo 22.° da Directiva 2004/18. Resulta dessas disposições que, nas hipóteses de adjudicação de contratos de serviços públicos de transporte de doentes, caracterizados por uma predominância do valor dos serviços de transporte sobre o dos serviços de saúde, cabe à entidade adjudicante proceder à publicação de um anúncio de concurso ao nível da União, para efeitos da adjudicação do contrato em causa, e assegurar a publicidade dos resultados da adjudicação desse contrato. Em contrapartida, nas hipóteses de adjudicação de contratos de serviços de transporte de doentes, caracterizados por uma predominância do valor dos serviços de saúde sobre o dos serviços de transporte, a entidade adjudicante está obrigada a assegurar a publicidade dos resultados da adjudicação do contrato.

Num contexto em que não se pode excluir que nenhum dos contratos seja caracterizado por uma predominância do valor dos serviços de transporte sobre o dos serviços de saúde, há que limitar a declaração de incumprimento das Directivas 92/50 e 2004/18 a uma violação do artigo 10.° da Directiva 92/50, conjugado com o artigo 16.° desta directiva, ou, desde 1 de Fevereiro de 2006, do artigo 22.° da Directiva 2004/18, conjugado com o artigo 35.°, n.° 4, desta directiva, uma vez que os referidos artigos são, em qualquer caso, aplicáveis aos contratos que respeitam simultaneamente a serviços de transporte e a serviços de saúde, independentemente da relação entre o valor respectivo desses serviços no âmbito do contrato em causa.

A omissão de publicar os resultados do processo de adjudicação de contratos não pode justificar‑se pelo facto de os serviços de transporte de emergência serem «serviços de interesse económico geral», na acepção do artigo 86.°, n.° 2, CE. Com efeito, considerações, como a necessidade de assegurar, em matéria de serviços de transporte de doentes, subsídios cruzados entre as zonas geográficas rentáveis e as menos rentáveis, em função da densidade da população ou da importância de um serviço de proximidade não explicam em que medida a obrigação de garantir a publicidade dos resultados da adjudicação do contrato em causa seria susceptível de frustrar o cumprimento desta missão de interesse económico geral.

(cf. n.os 92, 113, 114, 122, 125, 127‑129, 131, disp.)

 

Texto integral:

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

29 de Abril de 2010 (*)

No processo C‑160/08,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 16 de Abril de 2008,

Comissão Europeia, representada por M. Kellerbauer e D. Kukovec, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo, demandante,
contra
República Federal da Alemanha, representada por M. Lumma e J. Möller, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo, demandada,
apoiada por:
Reino dos Países Baixos, representado por C. M. Wissels e Y. de Vries, na qualidade de agentes, interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts (relator), presidente de secção, E. Juhász, G. Arestis, J. Malenovský e T. von Danwitz, juízes,

advogada‑geral: V. Trstenjak,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 11 de Fevereiro de 2010,

profere o presente

Acórdão

1. Com a sua petição inicial, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, não tendo publicado nenhum anúncio relativo aos contratos adjudicados e tendo adjudicado contratos de serviços públicos de transporte médico de emergência e de transporte especial de doentes sem concurso público ou de modo não transparente, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das Directivas 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), e 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114), nem os princípios da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, tal como estabelecidos nos artigos 43.° CE e 49.° CE.

       Quadro jurídico

       Directiva 92/50

2. Nos termos do artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50, os «contratos públicos de serviços» são contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um prestador de serviços e uma entidade adjudicante.

3. O artigo 3.°, n.° 2, desta directiva enuncia:

«As entidades adjudicantes assegurarão que não se verifique qualquer discriminação entre os vários prestadores de serviços.»

4. O artigo 7.°, n.° 1, da dita directiva prevê que esta é aplicável aos contratos públicos de serviços cujo montante estimado, sem imposto sobre o valor acrescentado (IVA), seja igual ou superior a 200 000 euros.

5. O artigo 10.° da mesma directiva dispõe:

«Os contratos que tenham simultaneamente por objecto serviços enumerados no anexo I A e serviços enumerados no anexo I B serão celebrados de acordo com o disposto nos títulos III a VI sempre que o valor dos serviços enumerados no anexo I A seja superior ao valor dos serviços enumerados no anexo I B. Caso contrário, serão celebrados de acordo com o disposto nos artigos 14.° e 16.°»

6. Os títulos visados no artigo 10.° da Directiva 92/50, aplicáveis na totalidade aos casos previstos na primeira frase do dito artigo, referem‑se, respectivamente, à escolha dos processos de adjudicação e às regras relativas aos concursos (título III; artigos 11.° a 13.°), às regras comuns no domínio técnico (título IV; artigo 14.°), às regras comuns de publicidade (título V; artigos 15.° a 22.°) e às regras comuns de participação, aos critérios de selecção qualitativa e aos critérios de adjudicação dos contratos (título VI; artigos 23.° a 37.°).

7. O artigo 14.° desta directiva respeita às especificações técnicas que devem constar dos documentos relativos ao contrato.

8. O artigo 16.° da referida directiva dispõe:

«1. As entidades adjudicantes que tenham adjudicado um contrato público de serviços ou que tenham organizado um concurso para trabalhos de concepção enviarão um anúncio com os resultados do processo de adjudicação ao Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias.

2. Os anúncios serão publicados:

─ para os contratos públicos de fornecimentos enumerados no anexo I A, em conformidade com o disposto nos artigos 17.° a 20.°,

─ para os concursos para trabalhos de concepção, em conformidade com o artigo 17.°

3. No caso de contratos públicos de serviços relativos a serviços enumerados no anexo I B, as entidades adjudicantes indicarão no anúncio se concordam com a publicação.

[...]»

9. Entre os serviços enumerados no anexo I A da Directiva 92/50 figuram, na categoria 2, os «[s]erviços de transporte terrestre [...], incluindo os serviços de veículos blindados, e serviços de mensagens, com excepção do transporte de correio», e, na categoria 3, os «[s]erviços de transporte aéreo de passageiros e mercadoria, com excepção do transporte de correio». Entre os serviços enumerados no anexo I B da Directiva 92/50 figuram, na categoria 25, os «[s]erviços de saúde e de carácter social».

       Directiva 2004/18

10. O artigo 1.°, n.° 2, alíneas a) e d), da Directiva 2004/18 contém as definições seguintes:

«a) ‘Contratos públicos' são contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um ou mais operadores económicos e uma ou mais entidades adjudicantes, que têm por objecto a execução de obras, o fornecimento de produtos ou a prestação de serviços na acepção da presente directiva.

[...]

d) ‘Contratos públicos de serviços' são contratos públicos que não sejam contratos de empreitada de obras públicas ou contratos públicos de fornecimento, relativos à prestação de serviços mencionados no anexo II.

[...]»

11. O artigo 2.° desta directiva dispõe:

«As entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e agem de forma transparente.»

12. Nos termos do artigo 7.°, alínea b), da referida directiva, esta é aplicável aos contratos públicos de serviços cujo valor estimado, sem imposto sobre o valor acrescentado, seja igual ou superior a 249 000 euros. Este montante foi fixado, sucessivamente, em 236 000 euros pelo Regulamento (CE) n.° 1874/2004 da Comissão, de 28 de Outubro de 2004, que altera as Directivas 2004/17/CE e 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativamente aos limiares de valor aplicáveis nos processos de adjudicação dos contratos públicos (JO L 326, p. 17), e, posteriormente, em 211 000 euros, pelo Regulamento (CE) n.° 2083/2005 da Comissão, de 19 de Dezembro de 2005, que altera as Directivas 2004/17/CE e 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativamente aos limiares de valor aplicáveis nos processos de adjudicação dos contratos públicos (JO L 333, p. 28).

13. A Directiva 2004/18 comporta, no título II, sob a epígrafe «Regras aplicáveis aos contratos públicos», o artigo 22.°, que dispõe:

«Os contratos que tenham simultaneamente por objecto a prestação de serviços referidos no anexo II A e de serviços referidos no anexo II B são adjudicados de acordo com os artigos 23.° a 55.° quando o valor dos serviços referidos no anexo II A for superior ao valor dos serviços referidos no anexo II B. Nos restantes casos, estão sujeitos ao artigo 23.° e ao n.° 4 do artigo 35.°»

14. Os artigos 23.° a 55.° da Directiva 2004/18, aplicáveis na íntegra aos casos previstos na primeira frase do artigo 22.° desta directiva, enunciam, sucessivamente, as regras específicas relativas ao caderno de encargos e aos documentos do concurso (artigos 23.° a 27.°), os procedimentos (artigos 28.° a 34.°), as regras de publicidade e de transparência (artigos 35.° a 43.°) e as regras relativas à evolução do processo (artigos 44.° a 55.°).

15. O artigo 23.° da Directiva 2004/18 respeita às especificações técnicas que devem constar dos documentos do concurso.

16. O artigo 35.°, n.° 4, desta directiva dispõe:

«As entidades adjudicantes que tenham adjudicado um contrato público ou celebrado um acordo‑quadro enviarão um anúncio com os resultados do procedimento de adjudicação, no prazo de 48 dias após a adjudicação do contrato público ou a celebração do acordo‑quadro.

[...]

No caso dos contratos públicos de serviços relativos a serviços enumerados no anexo II B, as entidades adjudicantes devem indicar no anúncio se concordam com a sua publicação. [...]»

17. Os serviços visados, respectivamente, nas categorias 2 e 3 do anexo II A e na categoria 25 do anexo II B da Directiva 2004/18 são idênticos aos visados, respectivamente, nas categorias correspondentes dos anexos I A e I B da Directiva 92/50.

       Factos na origem da acção

18. A Comissão recebeu várias denúncias, nomeadamente, de empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros que não a República Federal da Alemanha, relativas à adjudicação de contratos de serviços públicos de transporte de doentes neste Estado‑Membro.

       Contexto geral

19. Na Alemanha, a organização dos serviços de socorro é da competência dos Länder.

20. Na maioria dos Länder, a prestação de serviços de socorro está integrado no chamado sistema «dual» («duales System»), também designado como «modelo de separação» («Trennungsmodell»). Este sistema assenta na distinção entre serviços públicos de socorro, que representam aproximadamente 70% do conjunto dos serviços de socorro, e as prestações de serviço de socorro com base em autorizações concedidas nos termos das leis dos Länder na matéria, que correspondem a cerca de 30% do conjunto dos ditos serviços.

21. Os serviços públicos de socorro abrangem, normalmente, serviços de transporte médico de emergência e serviços de transporte especial de doentes. O transporte médico de emergência designa o transporte em veículo de socorro ou em ambulância, com assistência especializada, de pessoas feridas ou doentes em perigo de vida. O transporte especial de doentes consiste no transporte em ambulância, com assistência especializada, de pessoas doentes, feridas ou que necessitam de qualquer tipo de cuidados, mas que não se encontram em situação de emergência. Estes dois tipos de prestações estão geralmente acessíveis à população, 24 horas por dia, em todo o território em causa, e exigem, na maioria dos casos, a organização de um serviço de urgência permanente dotada de pessoal e de veículos de intervenção.

22. No caso do transporte médico de emergência bem como, em menor escala, no caso do transporte especial de doentes, estão disponíveis serviços médicos. Todavia, a maioria das intervenções nos transportes médicos de emergência assim como todas as intervenções no caso de transporte especial de doentes processam‑se sem a assistência de um médico. No caso do transporte médico de emergência, as prestações médicas são essencialmente fornecidas pelo pessoal da ambulância. As prestações dos médicos de urgência são geralmente reguladas por convenções celebradas, em separado, com os hospitais.

23. No âmbito dos serviços públicos de socorro, as autarquias locais celebram, na sua qualidade de autoridades responsáveis pela organização destes serviços, contratos com prestadores, tendo em vista a prestação dos ditos serviços à população da sua área de jurisdição. A remuneração dos serviços em causa é feita directamente pela entidade adjudicante, de acordo com o chamado modelo de «submissão», único visado na presente acção, ou mediante cobrança de uma contrapartida financeira pelo prestador de serviços, aos pacientes ou às caixas de seguro de doença, de acordo com o chamado modelo de «concessão».

24. Os autores das denúncias apresentadas à Comissão alegaram que, na Alemanha, os contratos de serviços públicos de transporte de doentes não são, regra geral, objecto de anúncio de concurso publicado ao nível da União Europeia e não são adjudicados com transparência. Alguns deles afirmaram que os casos que justificaram a apresentação da sua denúncia são o reflexo de uma prática generalizada neste Estado‑Membro.

25. Investigações feitas pela Comissão revelaram que, entre o ano de 2001 e o ano de 2006, foram publicados no Jornal Oficial das Comunidades Europeias ou no Jornal Oficial da União Europeia só treze anúncios de concurso, provenientes de onze autarquias locais diferentes, relativos à prestação de serviços de transporte médico de emergência ou de transporte especial de doentes. Nesse mesmo período, o número de anúncios relativos aos resultados da adjudicação de contratos foi também muito limitado, tendo sido objecto de apenas duas publicações.

       Casos na origem da acção

26. Os casos denunciados à Comissão e por esta apresentados como exemplos da prática visada na presente acção respeitam aos Länder da Saxónia‑Anhalt, da Renânia do Norte‑Vestefália, da Baixa Saxónia e da Saxónia.

       Land da Saxónia‑Anhalt

27. De acordo com as informações da Comissão, a cidade de Magdeburgo aplica, desde Outubro de 2005, um procedimento de autorização («Genehmigungsverfahren») para a adjudicação de contratos de serviços públicos de transporte de doentes a título oneroso. As prestações consistem na disponibilização de pessoal e de veículos para o transporte médico de emergência ou para o transporte especial de doentes, no período entre o ano de 2007 e o ano de 2011. O valor do contrato é de um montante global anual de 7,84 milhões de euros. Não houve publicação de anúncio de concurso a nível da União.

       Land da Renânia do Norte‑Vestefália

28. De acordo com as informações da Comissão, a cidade de Bona adjudicou, em 2004, um contrato de serviços públicos de transporte de doentes para o período de 1 de Janeiro de 2005 a 31 de Dezembro de 2008. O objecto do contrato em causa consistia, nomeadamente, na exploração de quatro postos de socorro. O montante total do contrato era de, pelo menos, 5,28 milhões de euros. Este contrato foi objecto de um anúncio de concurso publicado a nível nacional, mas não a nível da União. Pelo menos um proponente que manifestou interesse foi afastado, e o processo de adjudicação acabou por ser suspenso, por falta de resultado económico. O contrato em causa foi, finalmente, atribuído ao anterior prestador de serviços.

29. Ainda de acordo com informações da Comissão, em 1998, uma empresa manifestou interesse, junto da cidade de Witten, em retomar a exploração do posto de socorro de Witten‑Herbede. A exploração desse posto, que representa um contrato de um valor anual de 945 753 euros foi, no entanto, atribuída à Deutsche Rote Kreuz (Cruz Vermelha alemã, a seguir «DRK»). Não houve publicação de anúncio de concurso a nível da União.

       Land da Baixa Saxónia

30. De acordo com informações da Comissão, em 2004, a região de Hanôver organizou, pela primeira vez, um processo de adjudicação de contrato de prestação de serviços públicos de transporte de doentes no seu território. Apenas os operadores já encarregados, à época, desses serviços, a saber, a Arbeiter‑Samariter‑Bund (a seguir «ASB»), a DRK, a Johanniter‑Unfall‑Hilfe (a seguir «JUH») e a RKT GmbH, foram autorizados a participar nesse processo. O valor do contrato, para o período entre 1 de Janeiro de 2005 e 31 de Dezembro de 2009, era da ordem dos 65 milhões de euros.

31. Sempre de acordo com informações da Comissão, em 1993, a circunscrição administrativa [Landkreis] de Hameln‑Pyrmont encarregou a secção da DRK desse Landkreis da prestação dos serviços públicos de transporte de doentes no seu território. O contrato, com uma duração inicial de dez anos, não foi denunciado. Em 2003, foi prorrogado por mais dez anos, sem publicação de anúncio de concurso. Além disso, em 1999, foi criado um novo posto de socorro no município de Emmerthal, e a DRK ficou igualmente encarregada da sua exploração, sem publicação prévia de anúncio de concurso. O valor total destes contratos atingia 7,2 milhões de euros por ano.

32. A Comissão recolheu também informações de acordo com as quais, desde 1992, a referida secção da DRK prestava serviços públicos de transporte de doentes no território do Landkreis de Uelzen. Em 2002, o contrato celebrado entre este Landkreis e a respectiva secção da DRK foi alargado à exploração do posto de socorro de Bad Bevensen, sem publicação de anúncio de concurso. O seu valor global é da ordem dos 4,45 milhões de euros por ano.

       Land da Saxónia

33. De acordo com informações recolhidas pela Comissão, os contratos existentes entre a Rettungszweckverband Westsachsen e a ASB, a DRK, a JUH e o corpo de bombeiros profissionais de Zwickau, com uma duração inicial de quatro anos, são aplicáveis aos Landkreise de Chemnitzer Land, Aue‑Schwarzenberg, Zwickauer Land e à cidade de Zwickau. Em 2003, esses contratos, que representam um valor global de 7,9 milhões de euros por ano, foram prorrogados por mais quatro anos, sem publicação de anúncio de concurso. No seu termo, foram prolongados até 31 de Dezembro de 2008.

34. Os contratos celebrados entre a Rettungszweckverband Chemnitz/Stollberg e a ASB, a DRK, a JUH e o corpo de bombeiros profissionais de Chemnitz, com uma duração inicial de quatro anos, aplicam‑se ao Landkreis de Stollberg e à cidade de Chemnitz. A 1 de Setembro de 2002, estes contratos, de um valor global anual de 3,3 milhões de euros, foram prorrogados por mais quatro anos, sem publicação de anúncio de concurso. No seu termo, foram prolongados até 31 de Dezembro de 2008.

35. Os contratos celebrados entre a Rettungszweckverband Vogtland e a ASB, a DRK, a JUH, a sociedade privada de serviços de socorro de Plauen e o corpo de bombeiros profissionais de Plauen, com uma duração de quatro anos, aplicam‑se ao Landkreis de Vogtland e à cidade de Plauen. Estes contratos, de um valor global anual de 3,9 milhões de euros, foram celebrados sem publicação de anúncio de concurso e entraram em vigor em 1 de Janeiro de 2002 ou em 1 de Janeiro de 2004. No seu termo, foram prorrogados até 31 de Dezembro de 2008.

       Procedimento pré‑contencioso

36. Numa notificação para cumprir de 10 de Abril de 2006, a Comissão comunicou à República Federal da Alemanha que existia a probabilidade de esta:

─ em matéria de adjudicação, a título oneroso, de contratos relativos a serviços de socorro em que sejam predominantes as prestações de transporte, na acepção da categoria 2 ou 3 do anexo I A da Directiva 92/50 ou do anexo II A da Directiva 2004/18, ter violado, até 31 de Janeiro de 2006, o artigo 10.° da Directiva 92/50, conjugado com os títulos III a VI desta directiva, e, a partir de 1 de Fevereiro de 2006, o artigo 22.° da Directiva 2004/18, conjugado com os artigos 23.° a 55.° da referida directiva, e

─ em matéria de adjudicação, a título oneroso, de contratos relativos a serviços de socorro em que sejam predominantes as prestações médicas, na acepção da categoria 25 do anexo I B da Directiva 92/50 ou do anexo II B da Directiva 2004/18, ter violado, até 31 de Janeiro de 2006, o artigo 10.° da Directiva 92/50, conjugado com o artigo 16.° da referida directiva, e, a partir de 1 de Fevereiro de 2006, o artigo 22.° da Directiva 2004/18, conjugado com o seu artigo 35.°, n.° 4, e, em qualquer dos casos, os princípios da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços que constam dos artigos 43.° CE e 49.° CE, nomeadamente a proibição de discriminação inerente a esses princípios.

37. A República Federal da Alemanha respondeu a esta notificação para cumprir, por ofício de 10 de Julho de 2006, em que alegou, designadamente, que as missões confiadas aos serviços públicos de socorro são organizadas de acordo com regras de direito público e que a sua execução está sujeita à soberania do Estado. De acordo com este Estado‑Membro, as convenções relativas aos serviços de transporte de doentes não podem, por conseguinte, ser qualificadas de «contratos públicos de serviços».

38. Não se considerando convencida com esta resposta, em 15 de Dezembro de 2006, a Comissão enviou à República Federal da Alemanha um parecer fundamentado em que reiterou as acusações formuladas na notificação para cumprir e convidou este Estado‑Membro a tomar as medidas necessárias para pôr termo a essa violação no prazo de dois meses a contar da recepção do respectivo parecer.

39. Uma vez que a República Federal da Alemanha manteve sua posição no ofício de resposta ao parecer fundamentado, datado de 22 de Fevereiro de 2007, a Comissão intentou a presente acção.

       Quanto à acção

       Quanto à admissibilidade

40. Sendo as condições de admissibilidade de uma acção e as acusações nela enunciadas de ordem pública, o Tribunal de Justiça pode examiná‑las oficiosamente, nos termos do artigo 92.°, n.° 2, do seu Regulamento de Processo. Além disso, tem o direito de verificar oficiosamente o cumprimento das garantias processuais conferidas pela ordem jurídica da União (v., neste sentido, acórdão de 7 de Maio de 1991, Interhotel/Comissão, C‑291/89, Colect., p. I‑2257, n.os 14 e 15).

41. Há que recordar que, numa acção por incumprimento, a fase pré‑contenciosa tem por finalidade dar ao Estado‑Membro em questão a oportunidade, por um lado, de cumprir as suas obrigações decorrentes do direito da União e, por outro, de invocar utilmente os seus meios de defesa contra as acusações formuladas pela Comissão (acórdão de 24 de Junho de 2004, Comissão/Países Baixos, C‑350/02, Colect., p. I‑6213, n.° 18).

42. A regularidade desse procedimento constitui uma garantia essencial pretendida pelo Tratado CE, não apenas para a protecção dos direitos do Estado‑Membro em causa mas igualmente para assegurar que o eventual processo contencioso tenha por objecto um litígio claramente definido (v., neste sentido, acórdão Comissão/Países Baixos, já referido, n.° 19).

43. Daqui resulta que o objecto de uma acção intentada nos termos do artigo 226.° CE é delimitado pelo procedimento pré‑contencioso previsto nesta disposição e, por conseguinte, deixa de poder ser alargado na fase contenciosa. O parecer fundamentado da Comissão e a acção devem basear‑se nos mesmos fundamentos e argumentos, pelo que o Tribunal de Justiça não pode examinar uma acusação que não tenha sido formulada no parecer fundamentado, o qual deve conter uma exposição coerente e detalhada das razões que criaram na Comissão a convicção de que o Estado‑Membro interessado não cumpriu uma das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado (v. acórdãos Comissão/Países Baixos, já referido, n.° 20, e de 27 de Abril de 2006, Comissão/Alemanha, C‑441/02, Colect., p. I‑3449, n.os 59 e 60).

44. A este título, compete à Comissão indicar, já no decurso da fase pré‑contenciosa, a disposição ou as disposições precisas que definem uma obrigação cujo desrespeito pelo Estado‑Membro é alegado (v. acórdão de 22 de Março de 2007, Comissão/Bélgica, C‑437/04, Colect., p. I‑2513, n.° 39).

45. No caso vertente, importa, por um lado, salientar que, quer na notificação para cumprir quer no parecer fundamentado, a Comissão circunscreveu a acusação relativa a uma violação dos artigos 43.° CE e 49.° CE à adjudicação de contratos de serviços públicos de transporte de doentes, caracterizados por uma predominância do valor dos serviços de saúde, na acepção do anexo I B da Directiva 92/50 ou do anexo II B da Directiva 2004/18, sobre o dos serviços de transporte, na acepção do anexo I A da Directiva 92/50 ou do anexo II A da Directiva 2004/18.

46. No tocante à adjudicação dos contratos de tais serviços caracterizados por uma predominância contrária, as acusações da Comissão incidiram, no decurso da fase pré‑contenciosa, na violação das Directivas 92/50 e 2004/18. Ao invés, na notificação para cumprir e no parecer fundamentado, não é feita menção de uma acusação relativa à violação dos artigos 43.° CE e 49.° CE, relacionada com a adjudicação dos referidos contratos.

47. Em contrapartida, na sua petição inicial, a Comissão formula agora a acusação relativa a uma violação dos artigos 43.° CE e 49.° CE, também a propósito da adjudicação dos contratos visados no número anterior, o que constitui uma extensão irregular do objecto do alegado incumprimento, tal como foi definido na fase pré‑contenciosa. Assim, a acusação relativa a uma violação dos referidos artigos deve ser julgada inadmissível na parte em que se refere à adjudicação desses contratos.

48. Por outro lado, na medida em que resulta da leitura de determinadas passagens da petição inicial que a presente acção deve ser entendida no sentido de que comporta uma acusação relativa à violação, nas diferentes adjudicações dos contratos em causa, do artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 92/50 ou do artigo 2.° da Directiva 2004/18, cabe observar que estas duas disposições não foram de modo nenhum mencionadas pela Comissão, na fase pré‑contenciosa, como tendo sido objecto de uma alegada violação. A acusação relativa a uma violação das referidas disposições é, por conseguinte, igualmente inadmissível.

49. Por fim, importa realçar que resulta das disposições conjugadas dos artigos 38.°, n.° 1, e 42.°, n.° 2, do Regulamento de Processo que o objecto do pedido deve ser determinado na petição inicial e que um pedido formulado, pela primeira vez, na réplica modifica o objecto inicial da petição e, por conseguinte, deve ser considerado um pedido novo e rejeitado como inadmissível.

50. No caso vertente, importa concluir que, na petição inicial, a Comissão esclareceu expressamente que, embora a prática controvertida de adjudicações de contratos se verifique também noutros Länder, a presente acção se limita à adjudicação de contratos nos Länder da Saxónia‑Anhalt, da Renânia do Norte‑Vestefália, da Baixa Saxónia e da Saxónia.

51. Nestas condições, o pedido da Comissão, que consta da réplica, destinado a que o Tribunal de Justiça declare a existência da prática em causa à escala global do território da República Federal da Alemanha, constitui uma extensão irregular do objecto inicial da petição. Assim, as acusações formuladas pela Comissão devem ser declaradas inadmissíveis na parte em que visam outros Länder para além dos identificados no número anterior.

52. Por conseguinte, a acção deve ser declarada inadmissível na parte em que se destina a que o Tribunal de Justiça declare a existência de:

─ uma violação dos artigos 43.° CE e 49.° CE, no que respeita à adjudicação de contratos de serviços públicos de transporte de doentes, caracterizados por uma predominância do valor dos serviços de transporte, na acepção do anexo I A da Directiva 92/50 ou do anexo II A da Directiva 2004/18, sobre o dos serviços de saúde, na acepção do anexo I B da Directiva 92/50 ou do anexo II B da Directiva 2004/18;

─ uma violação do artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 92/50 ou do artigo 2.° da Directiva 2004/18; e

─ uma prática de adjudicação de contratos de serviços públicos de socorro, contrária ao direito da União, noutros Länder além dos Länder da Saxónia‑Anhalt, da Renânia do Norte‑Vestefália, da Baixa Saxónia e da Saxónia.

       Quanto ao mérito

       Argumentos das partes

53. Em primeiro lugar, a Comissão alega a existência de uma violação dos artigos 10.° e 16.° da Directiva 92/50 e dos artigos 22.° e 35.°, n.° 4, da Directiva 2004/18. Sustenta que, independentemente da importância respectiva, nos diferentes contratos identificados na sua petição, do valor dos serviços de transporte e do valor dos serviços de saúde, os resultados da adjudicação destes contratos não foram objecto de medidas de publicidade.

54. A Comissão alega também a existência de uma violação do princípio da proibição de discriminações contido nos artigos 43.° CE e 49.° CE, o qual se impõe às entidades adjudicantes além das obrigações decorrentes das Directivas 92/50 e 2004/18. A este respeito, a condição relativa à existência de um interesse transfronteiriço certo, consagrada pelo acórdão de 13 de Novembro de 2007, Comissão/Irlanda (C‑507/03, Colect., p. I‑9777, n.os 29 e 30), está preenchida no caso presente, tendo em conta a origem das denúncias apresentadas à Comissão e a importância do valor económico dos serviços em causa.

55. A Comissão sustenta que os casos que lhe foram denunciados são reveladores de uma prática generalizada que consiste em adjudicar os contratos de serviços públicos de transporte de doentes, sem respeitar as disposições do direito da União destinadas a garantir a transparência e a concorrência desses mercados. O número muito restrito dos processos de adjudicação lançados à escala europeia pelas autarquias locais, a saber, treze anúncios de concurso num período de seis anos, publicados por onze dos mais de 400 Landkreise e cidades da Alemanha, confirma a existência desta prática.

56. Em segundo lugar, a Comissão afirma que a violação, pelas autarquias locais alemãs, da regulamentação da União sobre os contratos públicos de serviços não pode ser justificada por considerações relativas ao exercício da soberania estatal.

57. A Comissão sustenta que os serviços em causa no presente processo não cabem no âmbito de aplicação dos artigos 45.° CE e 55.° CE, uma vez que não constituem, enquanto tais, uma participação directa e específica no exercício da autoridade pública. Realça, em especial, que os ditos serviços não implicam a detenção, pelos seus prestadores, de um poder coercivo especial nem competências especiais de intervenção.

58. Nem a utilização de lanternas giratórias e de sirenes, nem o reconhecimento, a favor dos prestadores destes serviços, de um direito de prioridade de passagem, na acepção do Código da Estrada alemão, nem a circunstância de poderem ser tomadas medidas de urgência sem o consentimento do ferido ou pelo pessoal da ambulância que não dispõe de formação médica completa constituem expressões desse poder ou de tais competências.

59. Mesmo admitindo, como sustenta a República Federal da Alemanha, que os serviços públicos de socorro constituem, para as entidades públicas que assumem a sua responsabilidade, uma missão que implica o exercício directo e específico da autoridade pública, a integração funcional, na planificação, na organização e na administração destes serviços, de auxiliares encarregados de fornecer serviços de transporte de doentes não significa, no entanto, que eles gozem de direitos soberanos ou de poderes coercivos.

60. Em terceiro lugar, a Comissão contesta que o artigo 86.°, n.° 2, CE possa ser utilmente invocado no caso presente. Observa, a este respeito, que o acórdão de 25 de Outubro de 2001, Ambulanz Glöckner (C‑475/99, Colect., p. I‑8089), não tem qualquer relevância para apreciar a conformidade da prática controvertida com o direito da União relativo aos contratos públicos e que a aplicabilidade desta disposição teria exigido a demonstração de que a aplicação das regras do mercado interno era susceptível de impedir a prestação de um serviço de socorro de qualidade, eficaz e rentável, o que a República Federal da Alemanha nem sequer defendeu.

61. A República Federal da Alemanha contesta, em primeiro lugar, determinados factos alegados pela Comissão.

62. No que respeita, em primeiro lugar, ao processo de adjudicação organizado pela cidade de Bona, alega que a exclusão do proponente se ficou a dever a que, por não oferecer garantia de fiabilidade profissional, lhe foi recusada a renovação da autorização exigida pela lei do Land da Renânia do Norte‑Vestefália, para efeitos da exploração de serviços privados de socorro, o que as autoridades desta cidade deviam ter em conta no âmbito da adjudicação de um contrato público.

63. No tocante, em segundo lugar, ao posto de socorro de Bad Bevensen, a República Federal da Alemanha afirma que a operação materializada por um contrato celebrado em Abril de 2004 teve apenas como objecto a retoma, pela secção do Landkreis da DRK, das actividades, do pessoal e do material da associação de municípios de Bevensen, bem como do contrato de Julho de 1984 que vinculava a dita associação ao Landkreis de Uelzen. Este contrato de Abril de 2004 inscrevia‑se na continuidade de um contrato inicial que, por ter sido celebrado em Julho de 1984, não recaía no âmbito de aplicação da Directiva 92/50. O referido contrato não modificou substancialmente este contrato inicial, quanto ao objecto, ao alcance geográfico do mercado, à oferta de prestações ou ainda ao modo de financiamento.

64. No que toca, em terceiro lugar, ao Land da Saxónia, a República Federal da Alemanha afirma que o alegado incumprimento cessou com o termo dos contratos renovados entre o ano de 2002 e o ano de 2004 e com a entrada em vigor, em Janeiro de 2005, da nova regulamentação deste Land, que passou a exigir o recurso a um processo transparente de adjudicação de contratos de serviços públicos de transporte de doentes.

65. Em segundo lugar, a República Federal da Alemanha, apoiada neste ponto pelo Reino dos Países Baixos, alega que, enquanto elementos da política pública de prevenção de riscos e da protecção da saúde, os serviços públicos de transporte de doentes cabem na excepção enunciada nos artigos 45.° CE e 55.° CE, o que faz com que fiquem excluídos do âmbito de aplicação do direito da União relativamente aos contratos públicos.

66. Salienta, a este respeito, que a qualificação da actividade em causa à luz do direito nacional é determinante para apreciar a sua ligação ao exercício da autoridade pública. No caso vertente, a organização dos serviços públicos de transporte de doentes, incluindo os contratos celebrados com os prestadores desses serviços, está sujeita a normas de direito público. Além disso, e sobretudo, a actividade confiada a estes prestadores faz parte do exercício da autoridade pública, como prova o direito de prioridade de passagem e os atributos com ele relacionados, a saber, a utilização de lanterna giratória e de sirenes, de que gozam os condutores de veículos de socorro.

67. A República Federal da Alemanha acrescenta que as actividades ligadas aos serviços públicos de transporte de doentes pressupõem, tipicamente, a detenção de poderes especiais, a saber, a planificação, a organização e a gestão dos serviços, a imposição de obrigações de informação e de declaração a terceiros, bem como de decisões de intervenção a outros serviços especializados, e a participação na designação de membros do pessoal destes serviços como funcionários administrativos. Estas actividades assentam numa coordenação estreita entre os diferentes elementos, humanos e técnicos, da «cadeia de socorro», que só uma autoridade pública está em condições de assumir em permanência e em todo o território em causa.

68. A República Federal da Alemanha e o Reino dos Países Baixos defendem que o facto de os serviços públicos de socorro constituírem, enquanto tais, uma missão de autoridade para a entidade pública encarregada de os executar milita igualmente a favor da ligação funcional dos prestadores destes serviços ao exercício da autoridade pública. O mesmo se podia dizer da colaboração destes prestadores com outros actores, também implicados na planificação, na organização e na gestão desses serviços, como as forças policiais, a protecção civil e os corpos de bombeiros, que assumem tarefas de prevenção ou de protecção e podem tomar medidas de evacuação, de segurança, de bloqueio de passagem, de assistência na execução de medidas de alojamento, por exemplo, de pessoas que sofrem de afecções mentais, sendo estas tarefas e estas medidas características dessa missão de autoridade pública.

69. Em terceiro lugar, a República Federal da Alemanha, também apoiada neste ponto pelo Reino dos Países Baixos, alega, a título subsidiário, que os serviços de transporte de doentes se enquadram no conceito de «serviço de interesse económico geral», na acepção do artigo 86.°, n.° 2, CE, ao qual está ligada uma autorização de derrogar não só as regras da concorrência (v. acórdão Ambulanz Glöckner, já referido) mas também as liberdades fundamentais e as regras sobre os contratos públicos.

70. A República Federal da Alemanha sustenta que é necessária uma derrogação a essas liberdades e regras, para permitir subsídios cruzados entre as zonas geográficas de forte densidade populacional, onde o fornecimento de serviços de transporte de doentes gera lucros, e as zonas geográficas de baixa densidade populacional, claramente menos rentáveis nesta óptica.

71. O nexo existente entre os serviços de socorro e a protecção civil milita também a favor de uma derrogação das normas do direito da União sobre os contratos públicos. Com efeito, a obrigação de o Estado assegurar a protecção civil em caso de catástrofe exige a protecção das organizações sanitárias nacionais, as quais estão obrigadas a prestar ajuda em situações semelhantes e garantem efectivamente a disponibilidade de um grande número de voluntários que residem nas proximidades do local de intervenção.

       Apreciação do Tribunal de Justiça

72. Tendo em conta as consequências decorrentes da aplicação do artigo 45.° , primeiro parágrafo, CE e do artigo 55.° CE, importa, antes de mais, verificar se estas disposições são aplicáveis ao presente caso (v., neste sentido, acórdão de 13 de Dezembro de 2007, Comissão/Itália, C‑465/05, Colect., p. I‑11091, n.° 31).

─ Quanto à excepção prevista no artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE, conjugada com o artigo 55.° CE

73. Nos termos do artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE, conjugado com o artigo 55.° CE, as disposições relativas à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços não são aplicáveis às actividades que, num Estado‑Membro, estão ligadas, mesmo ocasionalmente, ao exercício da autoridade pública.

74. Como a advogada‑geral realçou no n.° 51 das conclusões, as referidas actividades estão também excluídas do âmbito de aplicação de directivas que, à semelhança das Directivas 92/50 e 2004/18, visam aplicar as disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços.

75. Importa, assim, verificar se as actividades de serviços de transporte de doentes ora em causa fazem parte das actividades previstas no artigo 45.°, primeiro parágrafo, CE.

76. A este respeito, há que recordar que, enquanto derrogação às regras fundamentais da liberdade de estabelecimento e da liberdade de prestação de serviços, os artigos 45.° CE e 55.° CE devem ser interpretados de forma a limitar o seu alcance ao estritamente necessário para salvaguardar os interesses que estas disposições permitem aos Estados‑Membros proteger (v., nomeadamente, acórdãos de 15 de Março de 1988, Comissão/Grécia, 147/86, Colect., p. 1637, n.° 7; de 30 de Março de 2006, Servizi Ausiliari Dottori Commercialisti, C‑451/03, Colect., p. I‑2941, n.° 45; e de 22 de Outubro de 2009, Comissão/Portugal, C‑438/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 34).

77. Resulta igualmente de jurisprudência assente que a apreciação da eventual aplicação das excepções previstas nos artigos 45.° CE e 55.° CE deve tomar em consideração que os limites impostos por estes artigos às ditas excepções têm de respeitar o direito da União (v., designadamente, acórdãos de 21 de Junho de 1974, Reyners, 2/74, Colect., p. 325, n.° 50, e Comissão/Portugal, já referido, n.° 35).

78. De acordo com jurisprudência assente, a derrogação prevista nesses artigos deve restringir‑se às actividades que, consideradas em si mesmas, apresentam uma ligação directa e específica ao exercício da autoridade pública (v. acórdãos Reyners, já referido, n.° 45; de 13 de Julho de 1993, Thijssen, C‑42/92, Colect., p. I‑4047, n.° 8; e acórdão Comissão/Portugal, já referido, n.° 36).

79. Como a advogada‑geral frisou no n.° 58 das suas conclusões, essa participação implica um exercício suficientemente qualificado de prerrogativas, de privilégios de autoridade pública ou de poderes coercivos.

80. No caso presente, importa antes de mais observar que a contribuição para a protecção da saúde pública, que pode ser exigida a todo e qualquer indivíduo, designadamente prestando assistência a uma pessoa que corra perigo de vida, não basta para constituir uma forma de exercício da autoridade pública (v., neste sentido, acórdãos de 29 de Outubro de 1998, Comissão/Espanha, C‑114/97, Colect., p. I‑6717, n.° 37, e Comissão/Itália, já referido, n.° 38).

81. Quanto ao direito de os prestadores de serviços de transporte de doentes recorrerem a instrumentos como a lanterna giratória ou a sirene, bem como ao direito de prioridade que lhe é reconhecido pelo Código da Estrada alemão, traduzem, é certo, a importância preponderante atribuída pelo legislador nacional à saúde pública relativamente às regras gerais da circulação rodoviária.

82. Contudo, tais direitos não podem, enquanto tais, ser entendidos como uma participação directa e específica no exercício da autoridade pública, tendo em conta que os prestadores em causa não são investidos de prerrogativas ou de um poder coercivo que exorbitem do direito comum para garantir o seu cumprimento, o qual, como é pacífico entre as partes, faz parte da competência das autoridades policiais e judiciais (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Comissão/Itália, n.° 39, e Comissão/Portugal, n.° 44).

83. Também não se pode considerar um exercício suficientemente qualificado de prerrogativas da autoridade pública ou de poderes que exorbitem do direito comum elementos, como os aduzidos pela República Federal da Alemanha, que dizem respeito a competências organizacionais especiais no âmbito dos serviços prestados, ao poder de solicitar informações a terceiros ou à intervenção de outros serviços especializados, ou ainda à participação na designação de funcionários administrativos para os serviços em causa.

84. O facto, igualmente frisado pela República Federal da Alemanha, de que o fornecimento de serviços públicos de transporte de doentes implica uma colaboração com as autoridades públicas e com os membros de corpos profissionais investidos de prerrogativas de autoridade pública, como os membros das forças policiais, também não constitui um elemento de conexão das actividades destes serviços com o exercício da autoridade pública (v., neste sentido, acórdão Reyners, já referido, n.° 51).

85. O mesmo se diga da circunstância, também alegada pela República Federal da Alemanha, de que os contratos relativos aos serviços em causa são matéria do domínio do direito público e que as actividades em causa são exercidas por conta de entidades de direito público que assumem a responsabilidade dos serviços públicos de socorro (v., neste sentido, acórdão de 18 de Dezembro de 2007, Jundt, C‑281/06, Colect., p. I‑12231, n.os 36 a 39).

86. Por conseguinte, deve ser afastada a aplicação dos artigos 45.° CE e 55.° CE às actividades do caso presente.

87. Consequentemente, há que apreciar se está provado o incumprimento alegado pela Comissão.

       ─ Quanto ao incumprimento alegado pela Comissão

88. A título preliminar, importa observar, em primeiro lugar, que resulta das indicações dadas pela Comissão nos seus articulados apresentados ao Tribunal de Justiça que a presente acção está circunscrita, de entre as diferentes modalidades de fornecimento de serviços públicos de transporte de doentes existentes na República Federal da Alemanha, ao chamado modelo de «submissão», nos termos do qual o prestador a quem foi adjudicado o contrato é remunerado directamente pela entidade adjudicante com a qual celebrou esse contrato, ou por um organismo de financiamento ligado a essa entidade adjudicante.

89. Em segundo lugar, a República Federal da Alemanha não contestou a afirmação da Comissão de acordo com a qual as autarquias locais que adjudicaram os diferentes contratos identificados na acção são entidades adjudicantes, na acepção do artigo 1.°, alínea b), da Directiva 92/50 ou do artigo 1.°, n.° 9, da Directiva 2004/18 (v., neste sentido, acórdão de 18 de Novembro de 2004, Comissão/Alemanha, C‑126/03, Colect., p. I‑11197, n.° 18).

90. Em terceiro lugar, no que se refere à circunstância, alegada pela República Federal da Alemanha, de que os contratos através dos quais esses serviços foram adjudicados se enquadram no direito público, a mesma não é susceptível de ocultar a existência do elemento contratual exigido no artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50 ou no artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 2004/18. Como alega a Comissão, a referida circunstância milita, pelo contrário, a favor da existência desse elemento (v., neste sentido, acórdão de 12 de Julho de 2001, Ordine degli Architetti e o., C‑399/98, Colect., p. I‑5409, n.° 73).

91. A redução a escrito e o carácter oneroso desses contratos não são, por seu turno, de modo algum contestados pela República Federal da Alemanha, que também não contradiz as indicações numéricas da Comissão, segundo as quais o montante respectivo dos diferentes contratos em causa ultrapassa claramente os limiares de aplicação fixados no artigo 7.° da Directiva 92/50 ou da Directiva 2004/18.

92. Em quarto lugar, é igualmente pacífico entre as partes que os serviços de transporte médico de emergência ou de transporte especial de doentes, em causa no presente processo, se enquadram simultaneamente na categoria 2 ou 3 do anexo I A da Directiva 92/50 ou do anexo II A da Directiva 2004/18 e na categoria 25 do anexo I B da Directiva 92/50 ou do anexo II B da Directiva 2004/18, pelo que os contratos que têm como objecto esses serviços estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 10.° da Directiva 92/50 ou do artigo 22.° da Directiva 2004/18 (v., neste sentido, acórdão de 24 de Setembro de 1998, Tögel, C‑76/97, Colect., p. I‑5357, n.° 40).

93. Ao invés, a República Federal da Alemanha refuta alguns factos alegados pela Comissão. Contesta também a alegação desta, de acordo com a qual os referidos factos são reveladores de uma prática generalizada em matéria de adjudicação de contratos de serviços públicos de transporte de doentes.

       (i) Quanto aos factos alegados

94. É jurisprudência assente que, quando a Comissão invoca denúncias circunstanciadas que deixam transparecer repetidos incumprimentos do direito da União, incumbe ao Estado‑Membro em causa contestar de maneira concreta os factos alegados nessas denúncias (v. acórdão de 19 de Março de 2009, Comissão/Grécia, C‑489/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 40 e jurisprudência citada).

95. No caso vertente, a República Federal da Alemanha não contesta a veracidade dos factos denunciados pela Comissão, no que respeita, respectivamente, ao contrato concluído pela cidade de Magdeburgo, no Land da Saxónia‑Anhalt, ao contrato relativo à exploração do posto de socorro de Witten‑Herbede, no Land da Renânia do Norte‑Vestefália, bem como aos contratos concluídos pela região de Hanôver e pelo Landkreis de Hameln‑Pyrmont, no Land da Baixa Saxónia, contratos esses mencionados nos n.os 27 e 29 a 31 do presente acórdão.

96. Em contrapartida, este Estado‑Membro apresenta objecções às alegações factuais da Comissão relativas aos contratos concluídos, respectivamente, pela cidade de Bona, pelo Landkreis de Uelzen e por diversas autarquias locais do Land da Saxónia.

97. No que toca, antes de mais, ao contrato celebrado pela cidade de Bona, referido no n.° 28 do presente acórdão, as precisões dadas pela República Federal da Alemanha quanto às razões do afastamento de um proponente alemão não são, no entanto, de molde a eclipsar as alegações da Comissão, não contestadas por este Estado‑Membro, de incumprimento, no âmbito deste contrato, das regras de direito da União relativas à transparência em matéria de contratos públicos.

98. Em seguida, no caso do contrato celebrado pelo Landkreis de Uelzen, referido no n.° 32 do presente acórdão, a acusação formulada pela Comissão assenta, como resulta da troca de observações entre as partes, ocorrida no Tribunal de Justiça, no alargamento, em 2004, do objecto do contrato celebrado em 1984, entre o referido Landkreis e a respectiva secção da DRK, à exploração do posto de socorro de Bad Bevensen, em desrespeito do direito da União relativo aos contratos públicos.

99. Quanto a este aspecto, importa lembrar que uma alteração do contrato inicial pode ser considerada substancial e, assim, constituir uma nova adjudicação do contrato, na acepção da Directiva 92/50 ou da Directiva 2004/18, designadamente quando alarga o contrato, numa medida importante, a serviços inicialmente não previstos (v., neste sentido, acórdão de 19 de Junho de 2008, pressetext Nachrichtenagentur, C‑454/06, Colect., p. I‑4401, n.° 36).

100. No caso presente, resulta das indicações que constam dos autos que o valor do contrato relativo à exploração do posto de socorro de Bad Bevensen é de 673 719,92 euros, ou seja, um montante claramente superior aos limiares de aplicação fixados no artigo 7.° das Directivas 92/50 e 2004/18.

101. Nestas condições, o alargamento contratual visado no n.° 98 do presente acórdão deve, como defende a Comissão, ser considerado uma alteração substancial do contrato inicial, que teria exigido o cumprimento das disposições pertinentes do direito da União relativo aos contratos públicos.

102. Por fim, no que toca aos contratos celebrados no Land da Saxónia, referidos nos n.os 33 a 35 do presente acórdão, a circunstância, alegada pela República Federal da Alemanha, relativa à cessação do incumprimento imputado com o termo dos contratos renovados entre o ano de 2002 e o ano de 2004 e a entrada em vigor, em Janeiro de 2005, de nova regulamentação deste Land que introduz um processo transparente de adjudicação de contratos de serviços públicos de socorro, não são susceptíveis de afastar as alegações da Comissão, não contestadas por este Estado‑Membro, de acordo com as quais os referidos contratos foram prorrogados, na vigência da precedente regulamentação, com efeitos até 31 de Dezembro de 2008, ao arrepio de toda a transparência à escala da União.

103. A situação denunciada pela Comissão relativamente a estes diferentes contratos do Land da Saxónia persistia, pois, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, data pertinente para apreciação da existência do alegado incumprimento (v., neste sentido, acórdão de 6 de Outubro de 2009, Comissão/Espanha, C‑562/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 23), a saber, 16 de Fevereiro de 2007.

104. Decorre daí que se deve considerar provada a totalidade dos factos alegados pela Comissão.

       (ii) Quanto à prática alegada

105. A República Federal da Alemanha censura a Comissão por invocar casos individuais para alegar a existência de uma prática generalizada de adjudicação de contratos de serviços públicos de transporte de doentes contrária ao direito da União.

106. A este respeito, há que recordar que a Comissão pode pedir ao Tribunal de Justiça a declaração de um incumprimento do direito da União, por as autoridades de um Estado‑Membro terem adoptado uma prática generalizada contrária a este, ilustrando essa prática com situações específicas (v., neste sentido, acórdão de 25 de Outubro de 2007, Comissão/Irlanda, C‑248/05, Colect., p. I‑9261, n.° 64 e jurisprudência citada).

107. A declaração de um alegado incumprimento com base na prática administrativa seguida num Estado‑Membro implica, no entanto, a produção, pela Comissão, de provas suficientemente documentadas e circunstanciadas da prática censurada. Delas deve resultar que essa prática administrativa apresente um certo grau de constância e de generalidade. Para o efeito, a Comissão não se pode basear numa qualquer presunção (v. acórdãos de 7 de Junho de 2007, Comissão/Grécia, C‑156/04, Colect., p. I‑4129, n.° 50 e jurisprudência citada, e de 19 de Março de 2009, Comissão/Grécia, já referido, n.° 48).

108. Quando a Comissão tenha fornecido elementos suficientes que revelem que as autoridades de um Estado‑Membro demandado adoptaram uma prática reiterada e persistente que é contrária às disposições do direito da União, incumbe a esse Estado‑Membro contestar de modo substancial e detalhado os dados assim apresentados e as consequências que daí decorrem (v. acórdãos de 26 de Abril de 2005, Comissão/Irlanda, C‑494/01, Colect., p. I‑3331, n.° 47, e de 25 de Outubro de 2007, Comissão/Irlanda, já referido, n.° 69).

109. No caso presente, confrontada com as alegações factuais da Comissão, relativas a casos reiterados de incumprimento do direito da União no âmbito da adjudicação de contratos de serviços públicos de transporte de doentes nos Länder da Saxónia‑Anhalt, da Renânia do Norte‑Vestefália, da Baixa Saxónia e da Saxónia, a República Federal da Alemanha não pôde, como resulta dos n.os 95 a 104 do presente acórdão, infirmar a realidade dos factos denunciados. Também não aduziu elementos susceptíveis de demonstrar que, nestes Länder, outros contratos celebrados de acordo com o modelo de submissão tenham, por seu turno, respeitado o direito da União relativo aos contratos públicos.

110. Pelo contrário, como a advogada‑geral realçou no n.° 150 das suas conclusões, as indicações da Comissão, não impugnadas pela República Federal da Alemanha, que atestam um número muito limitado de casos de adjudicação de um contrato de serviços públicos de transporte de doentes no cumprimento do direito da União, corroboram a existência, nesses quatro Länder, de uma prática que ultrapassa os casos particulares indicados pela Comissão na presente acção.

111. Resulta das considerações precedentes que a prática alegada pela Comissão deve ser considerada provada no que respeita aos Länder da Saxónia‑Anhalt, da Renânia do Norte‑Vestefália, da Baixa Saxónia e da Saxónia.

112. Por conseguinte, cabe apreciar a existência de violações das Directivas 92/50 e 2004/18 e dos artigos 43.° CE e 49.° CE, alegadas pela Comissão.

       (iii) Quanto às violações relativas ao incumprimento da Directiva 92/50 ou da Directiva 2004/18 e dos artigos 43.° CE e 49.° CE

113. Na sua acção, a Comissão defende que, nas hipóteses de adjudicação de contratos de serviços públicos de transporte de doentes, caracterizados por uma predominância do valor dos serviços de transporte sobre o dos serviços de saúde, a prática em causa constitui uma violação do artigo 10.° da Directiva 92/50, conjugado com os títulos III a VI desta directiva, ou, desde 1 de Fevereiro de 2006, do artigo 22.° da Directiva 2004/18, conjugado com os artigos 23.° a 55.° desta directiva. Por força destes diferentes títulos ou disposições, cabe à entidade adjudicante proceder à publicação de um anúncio de concurso ao nível da União, para efeitos da adjudicação do contrato em causa, e assegurar a publicidade dos resultados da adjudicação desse contrato.

114. Nas hipóteses de adjudicação de contratos de serviços de transporte de doentes, caracterizados por uma predominância do valor dos serviços de saúde sobre o dos serviços de transporte, a Comissão alega que a prática em causa constitui violação do artigo 10.° da Directiva 92/50, conjugado com o artigo 16.° desta directiva, ou, desde 1 de Fevereiro de 2006, do artigo 22.° da Directiva 2004/18, conjugado com o artigo 35.°, n.° 4, desta directiva. Estas disposições impõem, no essencial, à entidade adjudicante que assegure a publicidade dos resultados da adjudicação do contrato em causa.

115. A Comissão suscita também uma acusação relativa à violação dos artigos 43.° CE e 49.° CE, acusação essa que, como decorre dos n.os 45 a 47 e 52 do presente acórdão, apenas é admissível na parte em que visa a adjudicação dos contratos integrados na hipótese mencionada no número anterior.

116. A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, no âmbito de uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, incumbe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado, fornecendo ao Tribunal de Justiça todos os elementos necessários para que este verifique a existência desse incumprimento, não podendo basear‑se numa qualquer presunção (v. acórdão de 29 de Outubro de 2009, Comissão/Finlândia, C‑246/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 52 e jurisprudência citada).

117. Como a advogada‑geral realçou no n.° 113 das suas conclusões, a obrigação de a Comissão demonstrar com precisão o objecto concreto do alegado incumprimento é indispensável a uma correcta compreensão, pelo Estado‑Membro demandado, das medidas que lhe são exigidas, em caso de declaração do referido incumprimento, para restabelecer a total conformidade da situação denunciada com o direito da União.

118. No caso presente, resulta dos autos que, após ter indicado, no parecer fundamentado, não dispor de informação suficiente para determinar que serviços, se os serviços de transporte ou os serviços de saúde, têm um valor predominante nos contratos identificados, a Comissão se absteve voluntariamente, como salientou a advogada‑geral no n.° 96 das suas conclusões, de definir esse aspecto no âmbito da presente acção, sem que resulte dos autos que essa escolha tenha sido ditada por uma alegada falta de cooperação das autoridades alemãs no decurso do processo pré‑contencioso.

119. Com efeito, na petição inicial, a Comissão afirmou, em termos gerais, que, tanto nos contratos relativos aos serviços de transporte especial de doentes como nos relativos aos serviços de transporte médico de emergência, o valor dos serviços de transporte de doentes pode ser considerável e que, visto os contratos controvertidos, geralmente, abrangerem ao mesmo tempo os dois tipos de serviços, a relação entre os valores respectivos varia de contrato para contrato, pelo que se pode imaginar tanto contratos caracterizados por uma predominância do valor dos serviços de transporte sobre o dos serviços de saúde como contratos caracterizados pela predominância inversa.

120. Ao optar por uma abordagem baseada nesses pressupostos, a Comissão renunciou deliberadamente a provar que os contratos em causa ou, pelo menos, alguns deles são caracterizados por uma predominância do valor dos serviços de transporte sobre o dos serviços de saúde.

121. Em contrapartida, no tocante às Directivas 92/50 e 2004/18, a Comissão concentrou as suas acusações no facto de que, independentemente da subdivisão jurídica feita no artigo 10.° da Directiva 92/50 ou no artigo 22.° da Directiva 2004/18, o artigo 16.° da Directiva 92/50 ou o artigo 35.°, n.° 4, da Directiva 2004/18 tinham sido ignorados, aquando da adjudicação de cada um desses contratos, dada a falta de publicidade dos resultados da adjudicação dos referidos contratos, o que a República Federal da Alemanha não contestou relativamente a nenhum deles.

122. Num contexto destes, em que, na falta de elementos suficientemente concretos apresentados pela Comissão, não se pode excluir que nenhum dos contratos identificados na acção seja caracterizado por uma predominância do valor dos serviços de transporte sobre o dos serviços de saúde, há que limitar a declaração de incumprimento das Directivas 92/50 e 2004/18 a uma violação do artigo 10.° da Directiva 92/50, conjugado com o artigo 16.° desta directiva, ou, desde 1 de Fevereiro de 2006, do artigo 22.° da Directiva 2004/18, conjugado com o artigo 35.°, n.° 4, desta directiva, uma vez que os referidos artigos são, em qualquer caso, aplicáveis aos contratos que, como os que estão ora em causa, respeitam simultaneamente a serviços de transporte e a serviços de saúde, independentemente da relação entre o valor respectivo desses serviços no âmbito do contrato em causa.

123. Como a advogada‑geral frisou no n.° 93 das suas conclusões, a Comissão também não procurou provar que os contratos identificados na sua acção ou, pelo menos, alguns deles se caracterizavam por uma predominância do valor dos serviços de saúde sobre o dos serviços de transporte. Nestas condições, em que, na falta de indicações concretas suficientes, não se pode excluir que nenhum dos contratos em causa se caracterize por uma predominância dessa natureza, o Tribunal de Justiça não está em condições de declarar um alegado incumprimento dos artigos 43.° CE e 49.° CE. Esta conclusão impõe‑se também quanto à questão de saber se os contratos identificados pela Comissão apresentam um interesse transfronteiriço certo.

124. Importa, além disso, verificar a justeza da argumentação da República Federal da Alemanha e do Reino dos Países Baixos, respeitante à justificação assente no artigo 86.°, n.° 2, CE.

       ─ Quanto à justificação assente no artigo 86.°, n.° 2, CE

125. Nos n.os 55 e 60 do acórdão Ambulanz Glöckner, já referido, o Tribunal de Justiça qualificou os serviços de transporte de emergência de «serviços de interesse económico geral», na acepção do artigo 86.°, n.° 2, CE.

126. Resulta, no entanto, de jurisprudência constante que compete ao Estado‑Membro que invoca o artigo 86.°, n.° 2, CE demonstrar que os requisitos de aplicação desta disposição se encontram reunidos (v., designadamente, acórdão de 23 de Outubro de 1997, Comissão/França, C‑159/94, Colect., p. I‑5815, n.° 101).

127. No caso presente, a República Federal da Alemanha salientou a necessidade de assegurar, em matéria de serviços de transporte de doentes, subsídios cruzados entre as zonas geográficas rentáveis e as menos rentáveis, em função da densidade da população. Salientou também a importância de um serviço de proximidade e da colaboração com os outros serviços implicados em missões de socorro, o que implica a disponibilização de pessoal residente perto dos locais de intervenção e facilmente mobilizável em situações de emergência ou de catástrofe.

128. Todavia, tais considerações poderiam, certamente, justificar, como observou a Comissão, o recurso, pela entidade adjudicante competente, a medidas específicas destinadas a garantir, designadamente através de esquemas remuneratórios adaptados às especificidades do território a cobrir ou mediante uma obrigação de presença suficiente de meios humanos e técnicos no local, a prestação pelo co‑contratante de um serviço de transporte de qualidade, eficaz e acessível em todo o território em causa, em condições economicamente aceitáveis.

129. Em contrapartida, não explicam em que medida a obrigação de garantir a publicidade dos resultados da adjudicação do contrato em causa seria susceptível de frustrar o cumprimento desta missão de interesse económico geral.

130. Decorre daí que a argumentação relativa ao artigo 86.°, n.° 2, CE deve ser rejeitada.

131. Perante todas as considerações que precedem, há que declarar que, não tendo publicado nenhum anúncio relativo aos resultados do processo de adjudicação de contratos, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 10.° da Directiva 92/50, conjugado com o artigo 16.° desta directiva, ou, desde 1 de Fevereiro de 2006, por força do artigo 22.° da Directiva 2004/18, conjugado com o artigo 35.°, n.° 4, desta directiva, no âmbito da adjudicação de contratos de serviços públicos de transporte de doentes, segundo o modelo de submissão nos Länder da Saxónia‑Anhalt, da Renânia do Norte‑Vestefália, da Baixa Saxónia e da Saxónia.

132. A acção deve ser julgada improcedente quanto ao restante.

       Quanto às despesas

133. Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do artigo 69.°, n.° 3, deste regulamento, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal de Justiça pode repartir as despesas ou decidir que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. No caso, tendo a Comissão e a República Federal da Alemanha sido parcialmente vencidas, suportarão as suas próprias despesas.

134. Nos termos do artigo 69.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do referido regulamento, o Estado‑Membro que interveio no processo deve suportar as suas próprias despesas. O Reino dos Países Baixos suportará, por conseguinte, as suas próprias despesas.

       Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

       1) Não tendo publicado o anúncio relativo aos resultados do processo de adjudicação de contratos, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 10.° da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, conjugado com o artigo 16.° desta directiva, ou, desde 1 de Fevereiro de 2006, por força do artigo 22.° da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, conjugado com o artigo 35.°, n.° 4, desta directiva, no âmbito da adjudicação de contratos de serviços públicos de transporte médico de emergência e de transporte especial de doentes, segundo o modelo de submissão nos Länder da Saxónia‑Anhalt, da Renânia do Norte‑Vestefália, da Baixa Saxónia e da Saxónia.

       2) A acção é julgada improcedente quanto ao restante.

       3) A Comissão Europeia, a República Federal da Alemanha e o Reino dos Países Baixos suportarão as suas próprias despesas.

 

Assinaturas

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(*) Língua do processo: alemão.