Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 25 de Março de 2010 (proc. C-451/08)

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Processo C‑451/08

Helmut Müller GmbH
contra
Bundesanstalt für Immobilienaufgaben

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Düsseldorf)

 

«Processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas - Contratos de empreitada de obras públicas - Conceito - Venda por um organismo público de um terreno no qual o comprador pretende posteriormente realizar obras - Obras que satisfazem objectivos de desenvolvimento urbanístico definidos por uma autarquia local»

 

Sumário do acórdão:

1. O conceito de «contratos de empreitada de obras públicas», na acepção do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18 relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, não exige que a obra objecto do contrato seja executada de forma material ou corpórea para a entidade adjudicante, na medida em que essa obra seja executada no interesse económico directo desta entidade. O exercício pela entidade adjudicante de competências de regulação em matéria de urbanismo não é suficiente para preencher esta última condição.

Com efeito, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 2004/18, os contratos públicos são contratos a título oneroso celebrados por escrito. O carácter oneroso do contrato implica que a entidade adjudicante que celebrou um contrato de empreitada de obras públicas receba, com base no mesmo, uma prestação mediante uma contrapartida. Esta prestação consiste na realização das obras pretendidas pela entidade adjudicante.

A este respeito, o conceito de «contratos de empreitada de obras públicas», na acepção do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18, impõe que as obras objecto do contrato sejam executadas no interesse económico directo da entidade adjudicante, sem que, todavia, seja necessário que a prestação revista a forma da aquisição de um objecto material ou corpóreo.

Ora, o simples exercício de competências de regulação em matéria de urbanismo, visando a realização do interesse geral, não tem por objecto receber uma prestação contratual nem satisfazer o interesse económico directo da entidade adjudicante, conforme exige o artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 2004/18.

(cf. n.os 45, 48, 54, 57‑58, disp. 1)

2. O conceito de «contratos de empreitada de obras públicas», na acepção do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18 relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, exige que o adjudicatário assuma directa ou indirectamente a obrigação de realizar a obra objecto do contrato e que a execução desta obrigação possa ser judicialmente exigível em conformidade com as modalidades estabelecidas pelo direito nacional.

Tratando‑se de um contrato a título oneroso, um contrato de empreitada de obras públicas pressupõe que o adjudicatário se comprometa a realizar a prestação objecto do contrato mediante uma contrapartida. Dado que as obrigações que decorrem do contrato são juridicamente vinculativas, a sua execução deve poder ser judicialmente exigível. Na falta de uma regulamentação prevista pelo direito da União, e em conformidade com o princípio da autonomia processual, as modalidades de execução de tais obrigações são da competência do direito nacional.

(cf. n.os 60, 62‑63, disp. 2)

3. As «necessidades especificadas pela entidade adjudicante», na acepção da terceira hipótese referida no artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18 relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, não podem consistir no simples facto de uma autoridade pública examinar determinados planos de construção que lhe sejam apresentados ou tomar uma decisão no exercício das suas competências em matéria de regulação urbanística.

Com efeito, para se poder considerar que uma entidade adjudicante especificou as necessidades na acepção da dita disposição, é necessário que aquela tenha tomado medidas no sentido de definir as características da obra ou, pelo menos, de exercer uma influência determinante na concepção da mesma.

(cf. n.os 67‑69, disp. 3)

4. Numa situação em que uma autoridade pública vende um terreno no qual o comprador deveria posteriormente realizar obras em conformidade com objectivos de desenvolvimento urbanístico definidos por uma autarquia local, está excluída uma concessão de obras públicas na acepção do artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 2004/18 relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços.

Para que a entidade adjudicante possa transferir para o seu co‑contratante o direito de explorar uma obra na acepção desta disposição, é necessário que a entidade adjudicante possa dispor do direito de exploração desta obra. Tal não é normalmente o caso quando o direito de exploração tem exclusivamente por fundamento o direito de propriedade do operador em causa.

Com efeito, o proprietário de um terreno tem o direito de o explorar no respeito da legislação aplicável. Enquanto um operador gozar do direito de exploração do terreno do qual é proprietário, é de excluir, em princípio, a possibilidade de uma autoridade pública atribuir uma concessão relativa a essa exploração.

Além disso, a essência da concessão reside no facto de o concessionário assumir ele próprio o risco económico principal ou, em todo o caso, substancial ligado à exploração. A este respeito, a incerteza do empreiteiro quanto à questão de saber se o serviço urbanístico da autarquia em causa aprovará ou não os seus planos está ligada às competências de regulação da entidade adjudicante em matéria urbanística e não à relação contratual que decorre de uma concessão. Por conseguinte, o risco não está ligado à exploração.

De qualquer modo, no que diz respeito à duração das concessões, existem sérias razões, entre as quais, nomeadamente, a manutenção da concorrência, que levam a considerar que a atribuição de concessões por tempo indeterminado é contrária à ordem jurídica da União.

(cf. n.os 72‑80, disp. 4)

5. As disposições da Directiva 2004/18 relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços não são aplicáveis a uma situação em que uma autoridade pública vende um terreno a uma empresa tendo outra autoridade pública a intenção de celebrar um contrato de empreitada de obras relativo a este terreno apesar de ainda não ter formalmente decidido proceder à sua adjudicação e em que nem uma das autoridades públicas nem a empresa em causa contraíram obrigações juridicamente vinculativas a este respeito.

Com efeito, mesmo se é conveniente não excluir, à partida, que a Directiva 2004/18 seja aplicável a um processo de adjudicação em duas fases, caracterizado pela venda de um terreno que será posteriormente objecto de um contrato de empreitada de obras, considerando estas operações como um todo, as declarações de intenção de celebrar um contrato não constituem, todavia, obrigações vinculativas e não preenchem de forma alguma a condição da existência de um contrato escrito exigida pelo próprio conceito de contrato público previsto no artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 2004/18.

(cf. n.os 82, 84, 88‑89, disp. 5)

 

Texto integral: 

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

25 de Março de 2010 (*)

No processo C‑451/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Oberlandesgericht Düsseldorf (Alemanha), por decisão de 2 de Outubro de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 16 de Outubro de 2008, no processo

Helmut Müller GmbH
contra
Bundesanstalt für Immobilienaufgaben,
sendo intervenientes:
Gut Spascher Sand Immobilien GmbH,
Município de Wildeshausen,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues (relator), presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, P. Lindh, A. Rosas, A. Ó Caoimh e A. Arabadjiev, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 23 de Setembro de 2009,

vistas as observações apresentadas:
─ em representação da Helmut Müller GmbH, por O. Grübbel, Rechtsanwalt,
─ em representação da Bundesanstalt für Immobilienaufgaben, por S. Hertwig, Rechtsanwalt,
─ em representação do município de Wildeshausen, por J. Lauenroth, Rechtsanwalt,
─ em representação do Governo alemão, por M. Lumma e J. Möller, na qualidade de agentes,
─ em representação do Governo francês, por G. de Bergues e J.‑S. Pilczer, na qualidade de agentes,
─ em representação do Governo italiano, por G. Fiengo, avvocato dello Stato,
─ em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e Y. de Vries, na qualidade de agentes,
─ em representação do Governo austríaco, por E. Riedl e M. Fruhmann, na qualidade de agentes,
─ em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por G. Wilms e C. Zadra, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 17 de Novembro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1. O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do conceito de «contrato de empreitada de obras públicas» na acepção da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114).

2. Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Helmut Müller GmbH (a seguir «Helmut Müller») à Bundesanstalt für Immobilienaufgaben (Administração federal responsável pelos assuntos imobiliários, a seguir «Bundesanstalt») relativo à venda por esta última de um terreno no qual o comprador deveria posteriormente realizar obras em conformidade com objectivos de desenvolvimento urbanístico definidos por uma colectividade territorial, no caso em apreço o município de Wildeshausen.

       Quadro jurídico

       Regulamentação da União

3. Nos termos do segundo considerando da Directiva 2004/18:

«A adjudicação de contratos celebrados nos Estados‑Membros por conta do Estado, das autarquias locais e regionais e de outros organismos de direito público deve respeitar os princípios do Tratado [CE], nomeadamente os princípios da livre circulação de mercadorias, da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, assim como os princípios deles resultantes, tais como os princípios da igualdade de tratamento, da não‑discriminação, do reconhecimento mútuo, da proporcionalidade e da transparência. Todavia, no que se refere aos contratos públicos que ultrapassem um determinado valor, é aconselhável estabelecer disposições que instituam uma coordenação comunitária dos procedimentos nacionais para a adjudicação dos contratos públicos que se baseiem nesses princípios por forma a garantir os seus efeitos e a abertura à concorrência dos contratos públicos. Por conseguinte, tais disposições de coordenação devem ser interpretadas em conformidade com as regras e princípios atrás referidos, bem como com as restantes regras do Tratado.»

4. O artigo 1.°, n.ºs 2 e 3, da referida directiva prevê:

«2. a) ‘Contratos públicos' são contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um ou mais operadores económicos e uma ou mais entidades adjudicantes, que têm por objecto a execução de obras, o fornecimento de produtos ou a prestação de serviços na acepção da presente directiva.

b) ‘Contratos de empreitada de obras públicas' são contratos públicos que têm por objecto quer a execução, quer conjuntamente a concepção e a execução, quer ainda a realização, por qualquer meio, de trabalhos relacionados com uma das actividades na acepção do anexo I ou de uma obra que satisfaça as necessidades especificadas pela entidade adjudicante. Por ‘obra' entende‑se o resultado de um conjunto de trabalhos de construção ou de engenharia civil destinado a desempenhar, por si só, uma função económica ou técnica.

[...]

3. ‘Concessão de obras públicas' é um contrato com as mesmas características que um contrato de empreitada de obras públicas, com excepção de que a contrapartida das obras a efectuar consiste quer unicamente no direito de exploração da obra, quer nesse direito acompanhado de um pagamento.»

5. Nos termos do artigo 16.°, alínea a), da Directiva 2004/18:

«A presente directiva não é aplicável aos contratos públicos de serviços relativos:

a) À aquisição ou locação, sejam quais forem as respectivas modalidades financeiras, de terrenos, edifícios existentes ou outros bens imóveis, ou a direitos sobre esses bens; [...]»

       Regulamentação nacional

6. O § 10, n.° 1, do Código da Construção (Baugesetzbuch), de 23 de Setembro de 2004 (BGBl. 2004 I, p. 2414, a seguir «BauGB»), dispõe:

«O município aprovará o plano urbanístico da área por despacho.»

7. O § 12 do BauGB tem a seguinte redacção:

«1) O município pode determinar, mediante um plano urbanístico de uma área para obras, que um projecto é admissível quando o promotor, com base num plano de execução de projecto acordado com o município e de medidas de desenvolvimento (plano de projecto e desenvolvimento), esteja disposto a comprometer‑se e se comprometa a executá‑lo num determinado prazo e a assumir, no todo ou em parte, os respectivos custos de planeamento e de desenvolvimento antes da decisão nos termos do § 10, n.° 1 (contrato de execução). [...]

[...]

3 a) Quando um plano urbanístico de uma área para obras afecte, através da determinação de uma zona de construção [...] ou por outro modo, uma obra a um determinado fim [...], há que [...] prever que, no quadro das afectações estabelecidas, apenas serão autorizados os projectos a cuja realização o promotor se comprometeu no contrato de execução. [...]

[...]»

       Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8. A Bundesanstalt era proprietária de um bem imóvel denominado «quartel Wittekind», com uma superfície de cerca de 24 hectares, situado em Wildeshausen (Alemanha).

9. Em Outubro de 2005, o Conselho Municipal de Wildeshausen decidiu, tendo em vista a reutilização civil dos terrenos em causa, que representam aproximadamente 3% da área urbanizada e a urbanizar do município, realizar estudos para um projecto de desenvolvimento urbanístico.

10. Em Outubro de 2006, a Bundesanstalt tornou pública, através da Internet e da imprensa diária, a sua intenção de vender o quartel Wittekind.

11. Em 2 de Novembro de 2006, a Helmut Müller, uma empresa do sector imobiliário, apresentou uma proposta de compra no valor de 4 milhões de euros, condicionada, porém, à aprovação de um plano urbanístico baseado nos seus projectos de utilização dos terrenos.

12. O quartel Wittekind foi desactivado no início de 2007.

13. Em Janeiro de 2007, a Bundesanstalt abriu um concurso público com o objectivo de vender o referido bem imóvel o mais rapidamente possível no estado em que se encontrava.

14. Em 9 de Janeiro de 2007, a Helmut Müller apresentou uma proposta no valor de 400 000 euros, que elevou para 1 milhão de euros em 15 de Janeiro de 2007.

15. Outra empresa imobiliária, a Gut Spascher Sand Immobilien GmbH (a seguir «GSSI»), na altura em fase de constituição, apresentou uma proposta no valor de 2,5 milhões de euros.

16. Foram apresentadas duas outras propostas de compra.

17. Nos termos da avaliação apresentada pela Bundesanstalt no órgão jurisdicional de reenvio, o valor dos terrenos em causa ascendia, em 1 de Maio de 2007, a 2,33 milhões de euros.

18. Segundo a decisão de reenvio, os projectos dos proponentes foram apresentados ao município de Wildeshausen na presença da Bundesanstalt, tendo esses projectos sido discutidos com os proponentes.

19. Entretanto, a Bundesanstalt avaliou os projectos da Helmut Müller e da GSSI e deu preferência ao projecto desta última por razões urbanísticas, tendo considerado que este projecto promoveria um aumento da atractividade do município de Wildeshausen, e informou‑a desse facto.

20. Ficou, então, acordado vender o bem apenas quando o Conselho Municipal de Wildeshausen tivesse aprovado o projecto. A Bundesanstalt afirmou que deixava a decisão à consideração do município de Wildeshausen.

21. Ainda segundo a decisão de reenvio, o Conselho Municipal de Wildeshausen pronunciou‑se a favor do projecto da GSSI e, em 24 de Maio de 2007, decidiu, designadamente, o seguinte:

«O Conselho Municipal de Wildeshausen está disposto a examinar o projecto apresentado pelo Sr. R. [gerente da GSSI] e a iniciar o procedimento para aprovação do correspondente plano urbanístico da área [...]

A lei não confere qualquer direito de obter a aprovação de um plano urbanístico da área (eventualmente ligado a um projecto).

A lei proíbe [o município de Wildeshausen] de assumir compromissos vinculativos em matéria de possibilidades de construção ou que seja condicionado o seu poder de apreciação (que se encontra, aliás, juridicamente delimitado) antes da conclusão do procedimento regular de planificação urbanística.

As decisões precedentes não vinculam, por conseguinte, de forma alguma, o plano urbanístico do [município de Wildeshausen].

O promotor e os demais interessados no projecto assumirão os riscos decorrentes das despesas de planeamento e outras.»

22. Imediatamente após esta decisão de 24 de Maio de 2007, o Conselho Municipal de Wildeshausen revogou a decisão que tinha adoptado, em Outubro de 2005, de proceder a estudos urbanísticos preliminares.

23. Por contrato celebrado perante notário em 6 de Junho de 2007, a Bundesanstalt vendeu, com o acordo do município de Wildeshausen, o quartel Wittekind à GSSI. Informou a Helmut Müller desse facto em 7 de Junho de 2007. Em Janeiro de 2008, procedeu‑se à inscrição no registo predial do direito de propriedade da GSSI sobre este bem imóvel. Por escritura pública de 15 de Maio de 2008, a Bundesanstalt e a GSSI confirmaram o contrato de compra e venda de 6 de Junho de 2007.

24. A Helmut Müller interpôs recurso para a Vergabekammer (entidade dotada de competência jurisdicional em primeira instância em matéria de contratos públicos), com fundamento no facto de não ter tido lugar o processo de adjudicação legalmente previsto, não obstante a venda do referido quartel estar sujeita ao direito da contratação pública. A Helmut Müller alegou que o contrato de compra e venda era nulo porque não foi informada em tempo útil enquanto candidata à aquisição do terreno.

25. A Vergabekammer julgou inadmissível o recurso com fundamento, essencialmente, no facto de não ter sido adjudicado à GSSI qualquer contrato de empreitada de obras.

26. A Helmut Müller interpôs recurso desta decisão de inadmissibilidade para o Oberlandesgericht Düsseldorf alegando que, tendo em conta as circunstâncias, se devia considerar que seria adjudicado à GSSI um contrato de empreitada de obras sob a forma de uma concessão de obras. Segundo a Helmut Müller, as decisões relevantes foram tomadas de comum acordo entre a Bundesanstalt e o município de Wildeshausen.

27. O Oberlandesgericht Düsseldorf é favorável a esta argumentação. Esse órgão jurisdicional considera que, num futuro não muito longínquo, mas que não pode ainda ser precisado, o município de Wildeshausen exercerá o seu poder de apreciação aprovando um plano urbanístico da área para obras na acepção do § 12 do BauGB e celebrando um contrato de execução com a GSSI na acepção da mesma disposição, adjudicando, por este meio, um contrato de empreitada de obras públicas à GSSI.

28. Dado que o município de Wildeshausen não tem de efectuar nenhum pagamento, o referido órgão jurisdicional considera que este contrato de empreitada de obras públicas deve ser celebrado sob a forma jurídica de uma concessão de obras públicas e que a GSSI deve assumir o risco económico inerente a esta operação. Segundo o mesmo órgão jurisdicional, há que considerar, do ponto de vista do direito da contratação pública, a transferência da propriedade do terreno e a adjudicação do contrato de empreitada de obras públicas como um todo. Os actos da Bundesanstalt e do município de Wildeshausen apenas se encontram desfasados no tempo.

29. O Oberlandesgericht Düsseldorf acrescenta que adoptou a mesma posição noutros litígios que lhe foram submetidos, nomeadamente na decisão de 13 de Junho de 2007 relativa ao campo de aviação de Ahlhorn (Alemanha). Todavia, não existe unanimidade a respeito da sua análise, indo a posição dominante na justiça alemã num outro sentido. Além disso, segundo a decisão de reenvio, o Governo federal alemão estava em vias de alterar a legislação alemã em matéria de contratação pública em sentido oposto à posição preconizada pelo referido órgão jurisdicional.

30. O projecto de lei evocado pelo órgão jurisdicional de reenvio tinha previsto introduzir precisões à definição do conceito de «contratos de empreitada de obras públicas» que figura no § 99, n.° 3, da Lei contra as práticas restritivas da concorrência (Gesetz gegen Wettbewerbsbeschränkungen) de 15 de Julho de 2005 (BGBl. 2005 I, p. 2114) nos seguintes termos, encontrando‑se as alterações previstas em itálico:

«Os contratos de empreitada de obras públicas são contratos que têm por objecto quer a execução quer a concepção acompanhada da execução, pela entidade adjudicante, de trabalhos ou de uma obra que seja o resultado de trabalhos de construção ou de engenharia civil destinado a desempenhar, por si só, uma função económica ou técnica, ou de uma obra que apresente um interesse económico directo para a entidade adjudicante e seja executada por terceiros em conformidade com as necessidades especificadas por esta entidade.»

31. Estava igualmente previsto completar o § 99 da referida lei com um novo n.° 6 com a seguinte definição de concessão de obras públicas:

«Concessão de obras públicas é um contrato que tem por objecto a execução de um contrato de empreitada no qual a contrapartida das obras não consiste num pagamento, mas no direito de exploração da instalação durante um determinado período ou, eventualmente, nesse direito acompanhado do pagamento de um preço.»

32. Pouco tempo após ter sido submetido o presente pedido de decisão prejudicial, foram aprovadas essas alterações no quadro da Lei relativa à modernização do direito da contratação pública (Gesetz zur Modernisierung des Vergaberechts) de 20 de Abril de 2009 (BGBl. 2009 I, p. 790).

33. Nestas condições, o Oberlandesgericht Düsseldorf decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) O contrato de empreitada de obras públicas exige, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva [2004/18], que a obra seja [executada a favor da] entidade adjudicante em sentido material ou corpóreo e lhe traga um benefício económico directo?

2) Na medida em que, nos termos da definição do conceito de contrato de empreitada de obras públicas contida no artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva [2004/18], não seja possível renunciar ao elemento da aquisição: de acordo com a segunda variante da disposição, deve considerar‑se que existe uma aquisição quando para a entidade adjudicante a obra se destina a realizar um fim público (por exemplo, o desenvolvimento urbanístico de uma área do município) e, nos termos do contrato de empreitada, lhe caiba assegurar que o fim público seja realizado e que a obra fique [...] [afectada] a este fim?

3) O conceito de contrato de empreitada de obras públicas, nos termos da primeira e [...] segunda variantes do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva [2004/18], exige que o empreiteiro esteja directa ou indirectamente obrigado a executar a obra? Nesse caso, deve tratar‑se de uma obrigação judicialmente exigível?

4) O conceito de contrato de empreitada de obras públicas, nos termos da terceira variante do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva [2004/18], exige que o empreiteiro esteja obrigado a executar a obra ou que esta constitua o objecto do contrato?

5) O conceito de contrato de empreitada de obras públicas, nos termos da terceira variante do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva [2004/18], abrange os contratos através dos quais se pretende assegurar, mediante as necessidades especificadas pela entidade adjudicante, que a obra a executar fica [afectada] a um determinado fim público, e nos termos dos quais é simultaneamente atribuída (indirectamente no próprio interesse) à entidade adjudicante (por força de cláusula contratual) a faculdade legal para garantir a afectação da obra à realização do fim público?

6) [É legítimo falar] de ‘necessidades especificadas pela entidade adjudicante', [nos termos do] artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva [2004/18], [...] quando as obras devam ser executadas segundo os planos examinados e aprovados pela entidade adjudicante?

7) A concessão de obras públicas [é de excluir], por força do artigo 1.°, n.° 3, da Directiva [2004/18], quando o concessionário é ou se tornar o proprietário do terreno em que a obra deve ser realizada ou quando a concessão de obras for adjudicada por tempo indeterminado?

8) A Directiva [2004/18] deve igualmente ser aplicada - com a consequência jurídica de que a entidade adjudicante fica obrigada a abrir concurso público - quando a venda de um terreno por um terceiro e a adjudicação de um contrato de empreitada de obras públicas forem realizadas de forma diferida [no tempo] e, à data da celebração do contrato de venda do terreno, o contrato de empreitada de obras públicas ainda não tenha sido adjudicado, mas já exista nesse momento por parte da entidade adjudicante a intenção de adjudicá‑lo?

9) Os contratos de venda de terreno e de [adjudicação de] empreitada de obras públicas, que embora distintos entre si são conexos, devem ser qualificados como uma unidade nos termos das normas relativas à adjudicação de contratos, quando, no momento da celebração do contrato de venda do terreno, a adjudicação de um contrato de empreitada de obras públicas estava prevista e as partes estabeleceram conscientemente um vínculo estreito - em termos materiais e, possivelmente também, temporais - entre os dois contratos (v. acórdão [...] de 10 de Novembro de 2005[, Comissão/Áustria, C‑29/04, Colect., p. I‑9705])?»

       Quanto às questões prejudiciais

       Observações preliminares

34. Na maioria das versões linguísticas da Directiva 2004/18, o conceito de «contratos de empreitada de obras públicas», previsto no seu artigo 1.°, n.° 2, alínea b), contempla três hipóteses. A primeira consiste na execução, eventualmente acompanhada da concepção, de trabalhos de construção abrangidos por uma das categorias enumeradas no anexo I desta directiva. A segunda diz respeito à execução, eventualmente acompanhada da concepção, de uma obra. A terceira hipótese consiste na realização, por qualquer meio, de uma obra que satisfaça as necessidades especificadas pela entidade adjudicante.

35. Uma «obra», nos termos da mesma disposição, é definida como o «resultado de um conjunto de trabalhos de construção ou de engenharia civil destinado a desempenhar, por si só, uma função económica ou técnica».

36. Enquanto a maioria das versões linguísticas utiliza o termo «obra» para a segunda e terceira hipóteses, a versão alemã utiliza dois termos distintos, a saber, «Bauwerk» (obra) para a segunda hipótese e «Bauleistung» (prestação de serviços de construção) para a terceira.

37. Além disso, a versão alemã do mencionado artigo 1.°, n.° 2, alínea b), é a única que prevê que a actividade referida na terceira hipótese deve ser realizada não apenas «por qualquer meio» mas também «por terceiros» («durch Dritte»).

38. Segundo jurisprudência assente, a formulação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única para a interpretação dessa disposição, nem ser‑lhe atribuído carácter prioritário em relação a outras versões linguísticas. Tal abordagem seria incompatível com a exigência de aplicação uniforme do direito da União. Em caso de divergência entre as versões linguísticas, a disposição em questão deve ser interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (v. acórdãos de 27 de Março de 1990, Cricket St Thomas, C‑372/88, Colect., p. I‑1345, n.ºs 18 e 19; de 12 de Novembro de 1998, Institute of the Motor Industry, C‑149/97, Colect., p. I‑7053, n.° 16; e de 9 de Outubro de 2008, Sabatauskas e o., C‑239/07, Colect., p. I‑7523, n.ºs 38 e 39).

39. É à luz destas considerações que importa responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

       Quanto à primeira e segunda questões

40. Com as duas primeiras questões, que cumpre examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o conceito de «contratos de empreitada de obras públicas», na acepção do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18, exige que a empreitada objecto do contrato seja executada em sentido material ou corpóreo para a entidade adjudicante e no interesse económico directo desta ou se basta que essa obra satisfaça um objectivo público, como o desenvolvimento urbanístico de uma parte de um município.

41. Há que precisar, à partida, que a venda, por uma autoridade pública, de um terreno sem edificações ou de um terreno e das construções aí existentes a uma empresa não constitui um contrato de empreitada de obras públicas na acepção do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18. Com efeito, por um lado, no quadro deste contrato, a autoridade pública deve assumir a posição de comprador e não de vendedor. Por outro, o objecto do mesmo contrato deve consistir na execução de obras.

42. O teor do artigo 16.°, alínea a), da referida directiva corrobora esta análise.

43. Consequentemente, está excluído que uma venda como, no processo principal, a venda do quartel Wittekind pela Bundesanstalt à GSSI possa constituir, por si só, um contrato de empreitada de obras públicas na acepção do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18.

44. Estas questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio não visam, contudo, esta relação de vendedor a comprador, mas visam antes as relações entre o município de Wildeshausen e a GSSI, a saber, entre a autoridade pública em matéria de urbanismo e o comprador do quartel Wittekind. O dito órgão jurisdicional pretende saber se estas relações são susceptíveis de constituir um contrato de empreitada de obras públicas na acepção da referida disposição.

45. A este respeito, impõe‑se salientar que, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 2004/18, os contratos públicos são contratos a título oneroso celebrados por escrito.

46. O conceito de contrato é essencial no quadro da definição do âmbito de aplicação da Directiva 2004/18. Como é referido no seu segundo considerando, esta directiva tem por objecto a aplicação das normas do direito da União à adjudicação de contratos celebrados por conta do Estado, das colectividades territoriais e regionais e de outros organismos de direito público. Não fazem parte do âmbito de aplicação desta directiva outras categorias de actividades da alçada das autoridades públicas.

47. Além disso, só um contrato celebrado a título oneroso pode constituir um contrato público abrangido pela Directiva 2004/18.

48. O carácter oneroso do contrato implica que a entidade adjudicante que celebrou um contrato de empreitada de obras públicas receba, com base no mesmo, uma prestação mediante uma contrapartida. Esta prestação consiste na realização das obras pretendidas pela entidade adjudicante (v. acórdãos de 12 de Julho de 2001, Ordine degli Architetti e o., C‑399/98, Colect., p. I‑5409, n.° 77, e de 18 de Janeiro de 2007, Auroux e o., C‑220/05, Colect., p. I‑385, n.° 45).

49. Tal prestação, em razão da sua natureza e do sistema e objectivos da Directiva 2004/18, deve revestir um interesse económico directo para a entidade adjudicante.

50. Este interesse económico está claramente demonstrado quando é previsto que a entidade adjudicante será a proprietária dos trabalhos ou da obra objecto do contrato.

51. Tal interesse económico pode igualmente ser comprovado se for previsto que a entidade adjudicante disporá de um título jurídico que lhe garanta a disponibilidade das obras objecto do contrato tendo em vista a sua afectação pública (v., neste sentido, acórdão Ordine degli Architetti e o., já referido, n.ºs 67, 71 e 77).

52. O interesse económico pode ainda residir nas vantagens económicas que a entidade adjudicante poderá retirar da utilização ou da cessão futuras da obra, no facto de ter participado financeiramente na realização da obra ou nos riscos que assume em caso de insucesso económico da obra (v., neste sentido, acórdão Auroux e o., já referido, n.ºs 13, 17, 18 e 45).

53. O Tribunal de Justiça já decidiu que uma convenção pela qual uma primeira entidade adjudicante confia a uma segunda entidade adjudicante a realização de uma obra constitui um contrato de empreitada de obras públicas, independentemente de estar ou não previsto que a primeira entidade adjudicante é ou será proprietária da totalidade ou de parte dessa obra (acórdão Auroux e o., já referido, n.° 47).

54. Decorre do exposto que o conceito de «contratos de empreitada de obras públicas», na acepção do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18, impõe que as obras objecto do contrato sejam executadas no interesse económico directo da entidade adjudicante, sem que, todavia, seja necessário que a prestação revista a forma da aquisição de um objecto material ou corpóreo.

55. Coloca‑se a questão de saber se se encontram preenchidas estas condições quando as obras a realizar visam satisfazer um objectivo público de interesse geral cujo respeito deve ser assegurado pela entidade adjudicante, como o desenvolvimento ou a coerência urbanística de uma parte de um município.

56. Nos Estados‑Membros da União Europeia, a execução das obras de construção, pelo menos quando estas têm uma certa envergadura, deve, regra geral, ser objecto de autorização prévia por parte da autoridade pública competente em matéria de urbanismo. Esta autoridade deve apreciar, no exercício das suas competências de regulação, se a execução da obra é conforme com o interesse público.

57. Ora, o simples exercício de competências de regulação em matéria de urbanismo, visando a realização do interesse geral, não tem por objecto receber uma prestação contratual nem satisfazer o interesse económico directo da entidade adjudicante, conforme exige o artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 2004/18.

58. Por conseguinte, importa responder à primeira e segunda questões que o conceito de «contratos de empreitada de obras públicas», na acepção do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18, não exige que a obra objecto do contrato seja executada de forma material ou corpórea para a entidade adjudicante, na medida em que essa obra seja executada no interesse económico directo desta entidade. O exercício pela entidade adjudicante de competências de regulação em matéria de urbanismo não é suficiente para preencher esta última condição.

       Quanto à terceira e quarta questões

59. Com a terceira e quarta questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se o conceito de «contratos de empreitada de obras públicas», na acepção do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18, exige que o adjudicatário assuma directa ou indirectamente a obrigação de realizar a obra objecto do contrato e que a execução desta obrigação possa ser judicialmente exigível.

60. Como foi recordado nos n.ºs 45 e 47 do presente acórdão, o artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 2004/18 define o contrato de empreitada de obras públicas como um contrato a título oneroso. Este conceito baseia‑se na ideia de que o adjudicatário se compromete a realizar a prestação objecto do contrato mediante uma contrapartida. Ao celebrar um contrato de empreitada de obras públicas, o adjudicatário obriga‑se, por conseguinte, a executar, ou a mandar executar, a obra objecto deste.

61. É indiferente que o adjudicatário execute a obra pelos seus próprios meios ou recorra a subcontratantes (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Ordine degli Architetti e o., n.° 90, e Auroux e o., n.° 44).

62. Dado que as obrigações que decorrem do contrato são juridicamente vinculativas, a sua execução deve poder ser judicialmente exigível. Na falta de uma regulamentação prevista pelo direito da União, e em conformidade com o princípio da autonomia processual, as modalidades de execução de tais obrigações são da competência do direito nacional.

63. Por conseguinte, há que responder à terceira e quarta questões que o conceito de «contratos de empreitada de obras públicas», na acepção do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18, exige que o adjudicatário assuma directa ou indirectamente a obrigação de realizar a obra objecto do contrato e que a execução desta obrigação possa ser judicialmente exigível em conformidade com as modalidades estabelecidas pelo direito nacional.

       Quanto à quinta e sexta questões

64. Com a quinta e sexta questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se as «necessidades especificadas pela entidade adjudicante», na acepção da terceira hipótese referida no artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18, podem consistir quer no facto de a entidade adjudicante exercer a competência de se assegurar que a obra a realizar satisfaz um interesse público quer no exercício da competência reconhecida à entidade adjudicante para verificar e aprovar os planos de construção.

65. Estas questões têm origem no facto de, no processo principal, a entidade adjudicante presumida, isto é, o município de Wildeshausen, não ter aprovado um caderno das necessidades que justificavam a realização de uma obra nos terrenos do quartel Wittekind. Nos termos da decisão de reenvio, o mencionado município limitou‑se a decidir que estava disposto a examinar o projecto apresentado pela GSSI e a dar início ao procedimento para aprovação do correspondente plano urbanístico da área.

66. Ora, no âmbito da terceira hipótese referida no artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18, prevê‑se que os contratos de empreitada de obras públicas têm por objecto a realização de uma «obra que satisfaça as necessidades especificadas pela entidade adjudicante».

67. Para se poder considerar que uma entidade adjudicante especificou as necessidades na acepção da dita disposição, é necessário que aquela tenha tomado medidas no sentido de definir as características da obra ou, pelo menos, de exercer uma influência determinante na concepção da mesma.

68. O simples facto de uma autoridade pública, no exercício das suas competências em matéria de regulação urbanística, examinar determinados planos de construção que lhe sejam submetidos ou tomar uma decisão no exercício das competências de que dispõe nesta matéria não responde à exigência relativa às «necessidades especificadas pela entidade adjudicante» na acepção da mencionada disposição.

69. Consequentemente, importa responder à quinta e sexta questões que as «necessidades especificadas pela entidade adjudicante», na acepção da terceira hipótese referida no artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18, não podem consistir no simples facto de uma autoridade pública examinar determinados planos de construção que lhe sejam apresentados ou tomar uma decisão no exercício das suas competências em matéria de regulação urbanística.

       Quanto à sétima questão

70. Com a sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se é de excluir uma concessão de obras públicas na acepção do artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 2004/18 no caso de o único operador ao qual a concessão pode ser atribuída ser já proprietário do terreno no qual a obra deve ser realizada ou de a concessão ter sido atribuída por um período indeterminado.

71. Nos termos do artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 2004/18, a concessão de obras públicas «é um contrato com as mesmas características que um contrato de empreitada de obras públicas, com excepção de que a contrapartida das obras a efectuar consiste quer unicamente no direito de exploração da obra, quer nesse direito acompanhado de um pagamento».

72. Para que a entidade adjudicante possa transferir para o seu co‑contratante o direito de explorar uma obra na acepção desta disposição, é necessário que a entidade adjudicante possa dispor do direito de exploração desta obra.

73. Tal não é normalmente o caso quando o direito de exploração tem exclusivamente por fundamento o direito de propriedade do operador em causa.

74. Com efeito, o proprietário de um terreno tem o direito de o explorar no respeito da legislação aplicável. Enquanto um operador gozar do direito de exploração do terreno do qual é proprietário, é de excluir, em princípio, a possibilidade de uma autoridade pública atribuir uma concessão relativa a essa exploração.

75. Além disso, importa salientar que a essência da concessão reside no facto de o concessionário assumir ele próprio o risco económico principal ou, em todo o caso, substancial ligado à exploração (v., neste sentido, em relação às concessões de serviços públicos, acórdão de 10 de Setembro de 2009, Eurawasser, C‑206/08, Colect., p. I‑0000, n.ºs 59 e 77).

76. A Comissão das Comunidades Europeias defende que este risco pode residir na incerteza do empreiteiro quanto à questão de saber se o serviço urbanístico da colectividade em causa aprovará ou não os seus planos.

77. Este argumento não pode proceder.

78. Numa situação como a evocada pela Comissão, o risco está ligado às competências de regulação da entidade adjudicante em matéria urbanística e não à relação contratual que decorre da concessão. Por conseguinte, o risco não está ligado à exploração.

79. De qualquer modo, no que diz respeito à duração das concessões, existem sérias razões, entre as quais, nomeadamente, a manutenção da concorrência, que levam a considerar que a atribuição de concessões por tempo indeterminado é contrária à ordem jurídica da União, como salientou o advogado‑geral nos n.ºs 96 e 97 das suas conclusões (v., no mesmo sentido, acórdão de 19 de Junho de 2008, pressetext Nachrichtenagentur, C‑454/06, Colect., p. I‑4401, n.° 73).

80. Assim, há que responder à sétima questão que, em circunstâncias como as do processo principal, está excluída uma concessão de obras públicas na acepção do artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 2004/18.

       Quanto à oitava e nona questões

81. Importa apreciar em conjunto a oitava e nona questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio. Com a oitava questão, pergunta, no essencial, se as disposições da Directiva 2004/18 se aplicam a uma situação na qual uma autoridade pública vende um terreno a uma empresa tendo outra autoridade pública a intenção de celebrar um contrato de empreitada de obras relativo a este terreno apesar de ainda não ter formalmente decidido proceder à sua adjudicação. A nona questão prende‑se com a possibilidade de, do ponto de vista jurídico, se considerar como um todo a venda do terreno e a adjudicação subsequente de um contrato de empreitada de obras que tem por objecto esse mesmo terreno.

82. A este respeito, é conveniente não excluir, à partida, que a Directiva 2004/18 seja aplicável a um processo de adjudicação em duas fases, caracterizado pela venda de um terreno que será posteriormente objecto de um contrato de empreitada de obras, considerando estas operações como um todo.

83. Todavia, as circunstâncias do processo principal não confirmam a existência dos pressupostos de tal aplicação da dita directiva.

84. Como o Governo francês salientou nas suas observações escritas, as partes no processo principal não contraíram obrigações juridicamente vinculativas.

85. Antes de mais, o município de Wildeshausen e a GSSI não assumiram obrigações de tal natureza.

86. Em seguida, a GSSI não assumiu nenhum compromisso de realizar o projecto de valorização do terreno adquirido.

87. Por fim, dos contratos de compra e venda celebrados perante o notário não resulta nenhum indício de que seria adjudicado a breve trecho um contrato de empreitada de obras públicas.

88. As declarações de intenção referidas nos autos não constituem obrigações vinculativas e não preenchem de forma alguma a condição da existência de um contrato escrito exigida pelo próprio conceito de contrato público previsto no artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 2004/18.

89. Assim, há que responder à oitava e nona questões que, em circunstâncias como as do processo principal, as disposições da Directiva 2004/18 não são aplicáveis a uma situação em que uma autoridade pública vende um terreno a uma empresa tendo outra autoridade pública a intenção de celebrar um contrato de empreitada de obras relativo a este terreno apesar de ainda não ter formalmente decidido proceder à sua adjudicação.

       Quanto às despesas

90. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

       Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

       1) O conceito de «contratos de empreitada de obras públicas», na acepção do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, não exige que a obra objecto do contrato seja executada de forma material ou corpórea para a entidade adjudicante, na medida em que essa obra seja executada no interesse económico directo desta entidade. O exercício pela entidade adjudicante de competências de regulação em matéria de urbanismo não é suficiente para preencher esta última condição.

       2) O conceito de «contratos de empreitada de obras públicas», na acepção do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18, exige que o adjudicatário assuma directa ou indirectamente a obrigação de realizar a obra objecto do contrato e que a execução desta obrigação possa ser judicialmente exigível em conformidade com as modalidades estabelecidas pelo direito nacional.

       3) As «necessidades especificadas pela entidade adjudicante», na acepção da terceira hipótese referida no artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18, não podem consistir no simples facto de uma autoridade pública examinar determinados planos de construção que lhe sejam apresentados ou tomar uma decisão no exercício das suas competências em matéria de regulação urbanística.

       4) Em circunstâncias como as do processo principal, está excluída uma concessão de obras públicas na acepção do artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 2004/18.

       5) Em circunstâncias como as do processo principal, as disposições da Directiva 2004/18 não são aplicáveis a uma situação em que uma autoridade pública vende um terreno a uma empresa tendo outra autoridade pública a intenção de celebrar um contrato de empreitada de obras relativo a este terreno apesar de ainda não ter formalmente decidido proceder à sua adjudicação.

 

Assinaturas

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(*) Língua do processo: alemão.