Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 13 de Abril de 2010 (proc. C-91/08)

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Processo C‑91/08

Wall AG
contra
Stadt Frankfurt‑am‑Main
e
Frankfurter Entsorgungs‑ und Service (FES) GmbH

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Frankfurt am Main)

 

«Concessões de serviços - Processo de adjudicação - Dever de transparência - Substituição posterior de um subcontratante»

 

Sumário do acórdão:

1. Quando as alterações introduzidas nas disposições de um contrato de concessão de serviços apresentem características significativamente diferentes das que justificaram a adjudicação do contrato de concessão inicial e sejam, consequentemente, susceptíveis de demonstrar a vontade das partes de renegociar os termos essenciais desse contrato, há que adoptar, em conformidade com a ordem jurídica interna do Estado‑Membro em causa, todas as medidas necessárias para restabelecer a transparência no processo, incluindo um novo processo de adjudicação. Sendo esse o caso, o novo processo de adjudicação deve ser organizado segundo modalidades adaptadas às especificidades da concessão de serviços em causa e permitir que uma empresa situada no território de outro Estado‑Membro possa ter acesso às informações adequadas relativas à referida concessão antes de esta ser adjudicada.

No estado actual do direito da União, os contratos de concessão de serviços não são regulados por nenhuma das directivas pelas quais o legislador da União regulamentou o domínio dos contratos públicos. Todavia, as autoridades públicas que celebram contratos dessa natureza estão obrigadas a respeitar as regras fundamentais do Tratado, nomeadamente os artigos 43.° CE e 49.° CE, bem como o dever de transparência deles decorrente. Este dever de transparência aplica‑se no caso de a concessão de serviços em causa ser susceptível de interessar uma empresa situada num Estado‑Membro diferente daquele onde a concessão é adjudicada.

A alteração de um contrato de concessão de serviços em vigor pode ser considerada substancial quando introduz condições que, se tivessem figurado no processo de adjudicação inicial, teriam permitido admitir proponentes diferentes dos inicialmente admitidos ou teriam permitido seleccionar uma proposta diferente da inicialmente seleccionada.

(cf. n.os 33‑34, 38‑39, 43, disp. 1)

2. Quando uma empresa concessionária conclui um contrato relativo a serviços que recaem no âmbito da concessão de que foi encarregada por uma autarquia local, o dever de transparência decorrente dos artigos 43.° CE e 49.° CE, bem como dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, não se aplica se a referida empresa:

─ tiver sido criada por essa autarquia local para efeitos da eliminação de resíduos e da limpeza das vias públicas, mas estiver igualmente activa no mercado;

─ pertencer em 51% à referida autarquia local, só podendo, porém, as decisões de gestão ser adoptadas por maioria de três quartos dos votos da respectiva assembleia‑geral;

─ tiver apenas um quarto dos membros do conselho geral, incluindo o respectivo presidente, nomeado por essa mesma autarquia; e

─ realizar mais de metade do seu volume de negócios a partir de contratos sinalagmáticos relativos à eliminação de resíduos e à limpeza de vias públicas no território da referida autarquia, financiados por esta última através das contribuições locais pagas pelos seus munícipes.

Com efeito, para determinar se uma entidade de capital misto que apresenta características como as da FES pode ser equiparada a uma autoridade pública vinculada pelo dever de transparência, há que buscar inspiração em certos aspectos da definição do conceito de «entidade adjudicante» que figura no artigo 1.°, alínea b), da Directiva 92/50, relativa aos contratos públicos de serviços, na medida em que esses aspectos respondem às exigências impostas pela aplicação às concessões de serviços do dever de transparência decorrente dos artigos 43.° CE e 49.° CE. Estes últimos artigos e os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como o dever de transparência deles decorrente, prosseguem objectivos idênticos aos visados pela referida directiva, nomeadamente a livre circulação de serviços e a abertura à concorrência não falseada nos Estados‑Membros. Consequentemente, cumpre verificar se estão reunidas duas condições, a saber, por um lado, a de a empresa em causa se encontrar sob o controlo efectivo do Estado ou de outra autoridade pública e, por outro, a de não operar em situação de concorrência no mercado.

(cf. n.os 47‑49, 60, disp. 2)

3. Os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, consagrados pelos artigos 43.° CE e 49.° CE, bem como o dever de transparência deles decorrente, não impõem às autoridades nacionais que rescindam um contrato nem aos órgãos jurisdicionais nacionais que concedam uma injunção sempre que ocorra uma alegada violação desse dever na adjudicação de concessões de serviços. Cabe à ordem jurídica interna regular as vias legais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que os particulares retiram desse dever de maneira a que essas vias não sejam menos favoráveis do que as vias semelhantes de natureza interna nem tornem impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício de tais direitos.

O dever de transparência decorre directamente dos artigos 43.° CE e 49.° CE, os quais têm efeito directo na ordem jurídica interna dos Estados‑Membros e prevalecem sobre qualquer disposição contrária de direito nacional.

cf. n.os 70‑71, disp. 3)

 

Texto integral: 

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

13 de Abril de 2010 (*)

No processo C‑91/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Landgericht Frankfurt am Main (Alemanha), por decisão de 28 de Janeiro de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 28 de Fevereiro de 2008, no processo

Wall AG
contra
Stadt Frankfurt am Main,
Frankfurter Entsorgungs‑ und Service (FES) GmbH,
sendo interveniente:
Deutsche Städte Medien (DSM) GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues (relator), K. Lenaerts, J.‑C. Bonichot, R. Silva de Lapuerta e C. Toader, presidentes de secção, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, K. Schiemann, J. Malenovský, A. Arabadjiev e J.‑J. Kasel, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Junho de 2009,

vistas as observações apresentadas:
─ em representação da Wall AG, por H.‑J. Otto, Rechtsanwalt, C. Friese e R. von zur Mühlen, Justitiare,
─ em representação da Stadt Frankfurt am Main, por L. Horn, J. Sommer, Rechtsanwälte, e B. Weiß, Justitiar,
─ em representação da Frankfurter Entsorgungs‑ und Service (FES) GmbH, por H. Höfler, Rechtsanwalt,
─ em representação da Deutsche Städte Medien (DSM) GmbH, por F. Hausmann e A. Mutschler‑Siebert, Rechtsanwälte,
─ em representação do Governo alemão, por M. Lumma e J. Möller, na qualidade de agentes,
─ em representação do Governo dinamarquês, por B. Weis Fogh, na qualidade de agente,
─ em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e Y. de Vries, na qualidade de agentes,
─ em representação do Governo austríaco, por M. Fruhmann, na qualidade de agente,
─ em representação do Governo finlandês, por A. Guimaraes‑Purokoski, na qualidade de agente,
─ em representação do Governo do Reino Unido, por S. Ossowski, na qualidade de agente, assistido por J. Coppel, barrister,
─ em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Kukovec, B. Schima e C. Zadra, na qualidade de agentes,
─ em representação do Órgão de Fiscalização da EFTA, por N. Fenger, B. Alterskjær e L. Armati, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 27 de Outubro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1. O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 12.° CE, 43.° CE e 49.° CE, dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como do dever de transparência que deles decorre relativamente à adjudicação de concessões de serviços.

2. Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a empresa Wall AG (a seguir «Wall») à Stadt Frankfurt am Main (a seguir «cidade de Frankfurt») a respeito da adjudicação de uma concessão de serviços de exploração e manutenção de certos sanitários públicos na área daquela cidade.

       Quadro jurídico

3. A Directiva 80/723/CEE da Comissão, de 25 de Junho de 1980, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados‑Membros e as empresas públicas (JO L 195, p. 35; EE 08 F2 p. 75), conforme alterada pela Directiva 2000/52/CE da Comissão, de 26 de Julho de 2000 (JO L 193, p. 75, a seguir «Directiva 80/723»), dispõe no seu artigo 2.°:

«1. Para efeitos da presente directiva, entende‑se por:

[...]

b) ‘Empresa pública', qualquer empresa em que os poderes públicos possam exercer, directa ou indirectamente, uma influência dominante em consequência da propriedade, da participação financeira ou das regras que a disciplinam;

[...]

2. Presume‑se a existência de influência dominante quando os poderes públicos, directa ou indirectamente, relativamente à empresa:

a) Tenham a maioria do capital subscrito da empresa;

b) Disponham da maioria dos votos atribuídos às partes sociais emitidas pela empresa, ou

c) Possam designar mais de metade dos membros do órgão de administração, de direcção ou de fiscalização da empresa.»

4. Nos termos do artigo 1.°, alínea b), da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), conforme alterada pela Directiva 2001/78/CE da Comissão, de 13 de Setembro de 2001 (JO L 285, a seguir «Directiva 92/50»):

«b) São consideradas entidades adjudicantes o Estado, as autarquias locais ou regionais, os organismos de direito público, as associações formadas por uma ou mais autarquias ou organismos de direito público.

Considera‑se organismo de direito público qualquer organismo:

─ criado com o objectivo específico de satisfazer necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial, e

─ dotado de personalidade jurídica, e

─ financiado maioritariamente pelo Estado, por autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público, ou submetido a um controlo de gestão por parte dessas entidades, ou que tenha um órgão de administração, de direcção ou de fiscalização cujos membros são, em mais de 50%, designados pelo Estado, por autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público.

[...]»

5. O artigo 17.° da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114), prevê:

«Sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 3.°, a presente directiva não é aplicável às concessões de serviços definidas no n.° 4 do artigo 1.°»

6. O artigo 80.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 2004/18 dispõe:

«Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva até 31 de Janeiro de 2006 e informar imediatamente a Comissão desse facto.»

7. Nos termos do artigo 82.°, primeiro parágrafo, desta directiva:

«A Directiva 92/50/CEE, com excepção do seu artigo 41.°, e as Directivas 93/36/CEE e 93/37/CEE são revogadas com efeitos a partir da data indicada no artigo 80.°, sem prejuízo das obrigações dos Estados‑Membros relativas aos prazos de transposição e de aplicação indicados no anexo XI.»

       Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8. A Wall explora espaços publicitários em ruas e locais públicos e, para este efeito, procede, designadamente, à produção, à montagem, à manutenção e à limpeza de sanitários públicos.

9. A Frankfurter Entsorgungs‑und Service GmbH (a seguir «FES») é uma pessoa colectiva de direito privado constituída sob a forma de sociedade por quotas, tendo por objecto social, designadamente, a eliminação e a gestão de resíduos, a limpeza urbana e a segurança da circulação, por conta de autoridades públicas e de entidades privadas. A cidade de Frankfurt detém 51% do capital da FES, sendo os restantes 49% detidos por uma empresa privada. As decisões da FES são adoptadas pela assembleia‑geral por maioria de três quartos dos votos. Metade dos dezasseis membros do conselho geral da FES é nomeada pelos sócios. Os trabalhadores designam oito membros e cada um dos dois sócios quatro membros. A cidade de Frankfurt tem o direito de propôr um candidato para o lugar de presidente do conselho geral, cujo voto prevalece em caso de empate de votos. A FES emprega aproximadamente 1 400 trabalhadores, 800 dos quais se dedicam a actividades respeitantes à cidade de Frankfurt.

10. A FES realiza com a cidade de Frankfurt um volume de negócios líquido de 92 milhões de euros e de 52 milhões de euros com outras entidades de direito público e de direito privado. Do volume de negócios líquido realizado pela FES, em 2005, com a cidade de Frankfurt, 51,3 milhões de euros correspondem à eliminação de resíduos e 36,2 milhões de euros à limpeza urbana. 

11. Em 18 de Dezembro de 2002, a cidade de Frankfurt solicitou, através de uma «publicação voluntária à escala da União Europeia» surgida no jornal oficial desta cidade, a apresentação de candidaturas a um concurso para adjudicação de um contrato de concessão de serviços de exploração, manutenção, assistência e limpeza de onze sanitários públicos urbanos, por um período de dezasseis anos. Dois destes onze sanitários públicos, a saber, os situados na estação de Rödelheim e em Galluswarte, tinham de ser reconstruídos. A contrapartida pela prestação destes serviços resumia‑se ao direito de cobrar uma taxa pela utilização das instalações e de explorar, durante a vigência do contrato, os espaços publicitários situados no exterior e no interior das instalações sanitárias e em outros locais públicos do território da cidade de Frankfurt.

12. Em 4 de Julho de 2003, a cidade de Frankfurt convidou as empresas interessadas a apresentarem propostas. Em anexo a este convite figurava um projecto de contrato de concessão de serviços cujos artigos 18.°, n.° 2, e 30.°, n.° 4, estipulavam que qualquer alteração de subcontratante só era permitida com o consentimento da cidade de Frankfurt.

13. A Wall, a FES e três outras empresas, igualmente estabelecidas na Alemanha, apresentaram propostas.

14. Resulta da decisão de reenvio que, no projecto desenvolvido na sua proposta, a FES deu as seguintes indicações: «Prefácio - [...] O concurso aberto pela [cidade de Frankfurt] fornece à FES a possibilidade de renovar, com um parceiro tão competente e experiente quanto [a Wall], quer o material quer a rede de abastecimento dos sanitários públicos, bem como apresentar um refinanciamento realista e responsável no que respeita aos trabalhadores [...]. Galluswarte - [...] Em concertação com as autoridades, será integrado um City‑WC totalmente automatizado da [Wall] sob a ponte do comboio suburbano [...]. Estação de Rödelheim - Dado que os sanitários da estação de Rödelheim serão demolidos no âmbito da reorganização do local, será integrado um City‑WC totalmente automatizado da [Wall], em conformidade com os planos existentes [...]. Projecto em matéria de segurança - [...] Os City‑WC dispõem de um mecanismo de autolimpeza totalmente automático. Projecto em matéria publicitária - [...] A comercialização dos espaços publicitários é efectuada por intermédio do parceiro da FES, [a Wall], especialista experiente no domínio publicitário, que opera no mundo inteiro [...]. Suportes publicitários utilizados - Serão utilizados os modernos e estéticos produtos da [Wall].»

15. A Wall detém várias patentes relativas ao funcionamento dos «City‑WC».

16. Em 18 de Março de 2004, a Wall foi excluída do processo de adjudicação e a sua proposta rejeitada.

17. Em 9 de Junho de 2004, a concessão foi adjudicada à FES. Em 20 e 22 de Julho de 2004, a FES e a cidade de Frankfurt celebraram entre si o correspondente contrato, válido até 31 de Dezembro de 2019 (a seguir «contrato de concessão»). Segundo a decisão de reenvio, os projectos da FES que resultaram das negociações foram objecto de um acordo integrado nesse contrato. Todavia, nas suas observações escritas, a cidade de Frankfurt afirma que os dados contidos no projecto da FES não foram integrados no conteúdo do contrato de concessão. Apenas foi integrada a designação da Wall entre os subcontratantes da FES.

18. O exame do texto do contrato de concessão, junto aos autos do processo nacional, revela que a Wall é designada como subcontratante sem que outros detalhes sobre os seus produtos ou prestações tenham sido reproduzidos nesse contrato.

19. O artigo 18.°, n.° 2, do contrato de concessão prevê que a FES efectuará os trabalhos de construção dos sanitários públicos pelos seus próprios meios e/ou através de subcontratantes, entre os quais figura a Wall. Esta disposição estipula que a alteração de um subcontratante só é permitida com o consentimento por escrito da cidade de Frankfurt.

20. O artigo 30.°, n.° 4, do referido contrato precisa que a Wall é o subcontratante da FES para as prestações publicitárias visadas pela concessão em causa. Nos termos desta disposição, a alteração de um subcontratante só é permitida com o consentimento por escrito da cidade de Frankfurt.

21. Em 5 de Janeiro de 2005, a Wall foi convidada pela FES a apresentar uma proposta para as prestações publicitárias objecto da concessão adjudicada a esta última. Além disso, a FES convidou a empresa Deutsche Städte Medien GmbH (a seguir «DSM») a apresentar uma proposta para o mesmo efeito.

22. Por carta de 15 de Junho de 2005, a FES solicitou então à cidade de Frankfurt que consentisse na substituição do subcontratante pela DSM relativamente à utilização do material publicitário. Em 21 de Junho de 2005, a cidade de Frankfurt deu o seu consentimento a essa substituição de subcontratante.

23. A FES adjudicou as referidas prestações à DSM e, em 21 de Junho de 2005, celebrou com esta última um contrato que previa o pagamento à FES pela DSM de uma remuneração anual de 786 206 euros.

24. Em 28 de Julho de 2005, a FES solicitou a apresentação de uma proposta para o fornecimento de dois «Wall‑City‑WC». A Wall apresentou uma proposta, mas, em 7 de Setembro de 2005, foi informada pela FES de que esta tinha recebido uma proposta mais vantajosa e que, consequentemente, não podia tomar em consideração a proposta da Wall.

25. Por carta de 10 de Outubro de 2005, a FES solicitou à cidade de Frankfurt, em conformidade com o contrato de concessão, que consentisse numa substituição de subcontratante a fim de os sanitários públicos serem fornecidos por outras empresas e não pela Wall.

26. Em 19 de Dezembro de 2005, a cidade de Frankfurt respondeu à FES que a questão relativa à substituição do subcontratante para os sanitários públicos não tinha de lhe ser colocada, porquanto considerava que a FES pretendia passar a realizar as obras pelos seus próprios meios e sob sua exclusiva responsabilidade. Nesta ocasião, a cidade de Frankfurt precisou que considerava que as exigências descritas na documentação contratual eram respeitadas.

27. A Wall interpôs recurso para o órgão jurisdicional de reenvio pedindo que este, por um lado, condene a FES a não executar o contrato relativo às prestações publicitárias celebrado com a DSM e, por outro, a não celebrar com terceiros e/ou a não executar qualquer contrato relativo à construção dos dois sanitários públicos que deviam ser reconstruídos. A Wall pediu igualmente que a cidade de Frankfurt seja condenada a não permitir a celebração de um contrato entre a FES e qualquer outra parte que não seja a Wall, relativo à construção destes dois sanitários públicos. A título subsidiário, a Wall pediu a condenação solidária da cidade de Frankfurt e da FES no pagamento a seu favor do montante de 1 038 682, 18 euros, acrescido de juros.

28. Foi nestas condições que o Landgericht Frankfurt am Main decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) O princípio da igualdade de tratamento e a proibição comunitária de discriminação em razão da nacionalidade, consagrados, designadamente, nos artigos 12.° [CE], 43.° [CE] e 49.° CE, devem ser interpretados no sentido de que o dever de transparência que daí decorre para as entidades públicas, que consiste em submeter à concorrência com um grau adequado de publicidade a adjudicação de concessões de serviços e em permitir o controlo da imparcialidade na tramitação do processo de adjudicação (v. acórdãos de 7 de Dezembro de 2000, Telaustria e Telefonadress, C‑324/98, Colect., p. I‑10745, n.ºs 60 a 62; de 21 de Julho de 2005, Coname, C‑231/03, Colect., p. I‑7287, n.os 17 a 22; de 13 de Outubro de 2005, Parking Brixen, C‑458/03, Colect., p. I‑8585, n.ºs 46 a 50; de 6 de Abril de 2006, ANAV, C‑410/04, Colect., p. I‑3303, n.° 21; e de 13 de Setembro de 2007, Comissão/Itália, C‑260/04, Colect., p. I‑7083, n.° 24), [exige] que a legislação nacional confira ao concorrente preterido [o direito de obter uma injunção destinada a] impedir a violação iminente desse dever e/ou a sua continuação?

2) Em caso de resposta negativa à primeira questão: o dever de transparência acima referido faz parte do direito consuetudinário das Comunidades Europeias no sentido de que já é aplicado contínua e permanentemente, de modo uniforme e generalizado, e de que é reconhecido como norma vinculativa pelos sujeitos de direito?

3) No caso de se pretender alterar um contrato de concessão de serviços - incluindo a substituição de um [subcontratante preciso cuja intervenção foi realçada no concurso] -, o dever de transparência referido [na primeira questão] exige igualmente uma nova submissão à concorrência das negociações com um grau adequado de publicidade e[, nesse caso,] de acordo com que critérios?

4) Os princípios e o dever de transparência referidos na primeira questão devem ser interpretados no sentido de que, nas concessões de serviços, o contrato celebrado na sequência do incumprimento desse dever, e que visa constituir ou alterar uma relação jurídica duradoura, deve ser rescindido?

5) Os princípios e o dever de transparência referidos na primeira questão e o artigo 86.°, n.° 1, CE, eventualmente em conjugação com o artigo 2.°, n.° 1, [alínea] b), e n.° 2, da Directiva 80/723 [...] e com o artigo 1.°, n.° 9, da Directiva 2004/18 [...], devem ser interpretados no sentido de que uma empresa, na qualidade de empresa pública ou entidade adjudicante, está sujeita a esse dever de transparência se:

─ tiver sido criada por uma autarquia local para a gestão de resíduos e a limpeza de vias públicas, mas também operar comercialmente no mercado;

─ for detida por essa autarquia em 51%, mas carecendo as deliberações sociais de uma maioria de três quartos;

─ essa autarquia apenas tiver o direito de nomear um quarto dos membros do conselho geral da empresa, incluindo o presidente desse mesmo conselho; e

─ mais de metade do seu volume de negócios resultar de contratos relativos à gestão de resíduos e à limpeza de vias públicas no território da referida autarquia, sendo esta financiada através de contribuições municipais cobradas aos seus munícipes?»

       Quanto às questões prejudiciais

       Observação preliminar

29. O processo principal visa dois acontecimentos, a saber, por um lado, a decisão pela qual a FES mudou de subcontratante para as prestações publicitárias objecto da concessão que lhe foi adjudicada pela cidade de Frankfurt, tendo o contrato que concretiza essa alteração sido celebrado, com o acordo desta última, em 21 de Junho de 2005, e, por outro, a intenção da FES de adjudicar a um operador diferente da Wall a reconstrução de dois sanitários públicos. Esta intenção foi manifestada numa carta de 10 de Outubro de 2005, pela qual a FES pediu à cidade de Frankfurt que consentisse numa substituição do subcontratante para essa prestação. Por carta de 19 de Dezembro de 2005, a cidade de Frankfurt respondeu à FES que a questão da mudança de subcontratante para os sanitários públicos não tinha de lhe ser colocada, porquanto considerava que a FES pretendia passar a realizar as obras pelos seus próprios meios e sob sua exclusiva responsabilidade. Na decisão de reenvio, esta resposta é interpretada no sentido de que a cidade de Frankfurt consentiu na substituição do subcontratante para o fornecimento dos dois sanitários públicos. Segundo esta interpretação, importa tomar como data de referência, para exame do pedido de decisão prejudicial, o dia 19 de Dezembro de 2005, que é a data da carta através da qual se considera que a cidade de Frankfurt consentiu na substituição do subcontratante solicitada pela FES.

       Quanto à terceira questão

30. Com a terceira questão, que há que tratar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, consagrados pelos artigos 12.° CE, 43.° CE e 49.° CE, bem como o dever de transparência deles decorrente, impõem, quando se prevê alterar um contrato de concessão de serviços - incluindo quando essa alteração se destina a substituir um subcontratante preciso cuja intervenção foi realçada no concurso -, que se abram de novo à concorrência as negociações respeitantes a essa alteração, garantindo um grau de publicidade adequado e, se assim for, quais as modalidades segundo as quais essa abertura à concorrência deve ser realizada.

31. A referida questão tem por objecto a aplicação das regras e dos princípios mencionados no número precedente a uma situação em que, no quadro da execução de um contrato de concessão de serviços, se pretende substituir um dos subcontratantes do concessionário.

32. Uma vez que os artigos 43.° CE e 49.° CE constituem aplicações especiais da proibição geral de discriminação em razão da nacionalidade, consagrada no artigo 12.° CE, não é necessário evocar esta última disposição para responder à referida questão (v., neste sentido, acórdãos de 8 de Março de 2001, Metallgesellschaft e o., C‑397/98 e C‑410/98, Colect., p. I‑1727, n.ºs 38 e 39, e de 17 de Janeiro de 2008, Lammers & Van Cleeff, C‑105/07, Colect., p. I‑173, n.° 14).

33. No estado actual do direito da União, os contratos de concessão de serviços não são regulados por nenhuma das directivas pelas quais o legislador da União regulamentou o domínio dos contratos públicos (v. acórdãos Coname, já referido, n.° 16, e de 17 de Julho de 2008, ASM Brescia, C‑347/06, Colect., p. I‑5641, n.° 57). Todavia, as autoridades públicas que celebram contratos dessa natureza estão obrigadas a respeitar as regras fundamentais do Tratado CE, nomeadamente os artigos 43.° CE e 49.° CE, bem como o dever de transparência deles decorrente (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Telaustria e Telefonadress, n.ºs 60 a 62; Coname, n.ºs 16 a 19; e Parking Brixen, n.ºs 46 a 49).

34. Este dever de transparência aplica‑se no caso de a concessão de serviços em causa ser susceptível de interessar uma empresa situada num Estado‑Membro diferente daquele onde a concessão é adjudicada (v., neste sentido, acórdão Coname, já referido, n.° 17; v., igualmente, por analogia, acórdãos de 13 de Novembro de 2007, Comissão/Irlanda, C‑507/03, Colect., p. I‑9777, n.° 29, e de 21 de Fevereiro de 2008, Comissão/Itália, C‑412/04, Colect., p. I‑619, n.° 66).

35. O facto de, no caso do processo principal, a concessão de serviços poder interessar a empresas situadas num Estado‑Membro diferente da República Federal da Alemanha resulta da decisão de reenvio na medida em que o órgão jurisdicional nacional observa que o anúncio para apresentação de candidaturas foi divulgado no jornal oficial da cidade de Frankfurt «à escala da União Europeia» e considera que uma violação do dever de transparência pode constituir uma discriminação exercida, pelo menos potencialmente, em detrimento das empresas de outros Estados‑Membros.

36. O dever de transparência a que estão vinculadas as autoridades públicas que celebram um contrato de concessão de serviços implica que seja garantido a todos os potenciais concorrentes um grau de publicidade adequado para permitir uma abertura da concessão de serviços à concorrência, bem como a fiscalização da imparcialidade dos processos de adjudicação (v. acórdãos, já referidos, Telaustria e Telefonadress, n.os 60 a 62; Parking Brixen, n.os 46 a 49; e ANAV, n.° 21).

37. Tendo em vista assegurar a transparência dos processos e a igualdade de tratamento dos proponentes, as alterações substanciais introduzidas nas disposições essenciais de um contrato de concessão de serviços podem exigir, em certas hipóteses, a adjudicação de um novo contrato de concessão quando apresentem características significativamente diferentes das do contrato inicial e sejam, consequentemente, susceptíveis de demonstrar a vontade das partes de renegociar os termos essenciais desse contrato (v., por analogia com os contratos públicos, acórdãos de 5 de Outubro de 2000, Comissão/França, C‑337/98, Colect., p. I‑8377, n.ºs 44 e 46, e de 19 de Junho de 2008, pressetext Nachrichtenagentur, C‑454/06, Colect., p. I‑4401, n.° 34).

38. A alteração de um contrato de concessão de serviços em vigor pode ser considerada substancial quando introduz condições que, se tivessem figurado no processo de adjudicação inicial, teriam permitido admitir proponentes diferentes dos inicialmente admitidos ou teriam permitido seleccionar uma proposta diferente da inicialmente seleccionada (v., por analogia, acórdão pressetext Nachrichtenagentur, já referido, n.° 35).

39. A substituição de subcontratante, mesmo quando a faculdade de o fazer está prevista no contrato, pode, em casos excepcionais, constituir uma alteração desse tipo de um dos elementos essenciais do contrato de concessão quando o recurso a determinado subcontratante e não a outro tenha sido, atendendo às características próprias da prestação em causa, um elemento determinante da celebração do contrato, o que, em qualquer dos casos, compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

40. O órgão jurisdicional de reenvio observa que, no projecto anexo à proposta apresentada à cidade de Frankfurt pela FES, esta indicou que utilizaria os «City‑WC» da Wall. Segundo aquele órgão jurisdicional, é provável que, nesse caso, a concessão tenha sido adjudicada à FES em razão da identidade do subcontratante por ela apresentado.

41. Cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se as situações descritas nos n.os 37 a 39 do presente acórdão se verificam.

42. Se, no quadro desta apreciação, o órgão jurisdicional de reenvio concluir pela existência de uma alteração de um dos elementos essenciais do contrato de concessão, há que adoptar, em conformidade com a ordem jurídica interna do Estado‑Membro em causa, todas as medidas necessárias para restabelecer a transparência no processo, incluindo um novo processo de adjudicação. Sendo esse o caso, o novo processo de adjudicação deve ser organizado segundo modalidades adaptadas às especificidades da concessão de serviços em causa e permitir que uma empresa situada no território de outro Estado‑Membro possa ter acesso às informações adequadas relativas à referida concessão antes de esta ser adjudicada.

43. Por conseguinte, deve responder‑se à terceira questão que, quando as alterações introduzidas nas disposições de um contrato de concessão de serviços apresentem características significativamente diferentes das que justificaram a adjudicação do contrato de concessão inicial e sejam, consequentemente, susceptíveis de demonstrar a vontade das partes de renegociar os termos essenciais desse contrato, há que adoptar, em conformidade com a ordem jurídica interna do Estado‑Membro em causa, todas as medidas necessárias para restabelecer a transparência no processo, incluindo um novo processo de adjudicação. Sendo esse o caso, o novo processo de adjudicação deve ser organizado segundo modalidades adaptadas às especificidades da concessão de serviços em causa e permitir que uma empresa situada no território de outro Estado‑Membro possa ter acesso às informações adequadas relativas à referida concessão antes de esta ser adjudicada.

       Quanto à quinta questão

44. Com a quinta questão, que importa abordar em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, à luz do artigo 86.°, n.° 1, CE, conjugado, eventualmente, com os artigos 2.°, n.os 1, alínea b), e 2, da Directiva 80/723 e 1.°, n.° 9, da Directiva 2004/18, uma empresa concessionária com as características da FES está vinculada ao dever de transparência que decorre dos artigos 43.° CE e 49.° CE, bem como dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, quando celebra um contrato relativo a serviços que recaem no âmbito da concessão de que foi encarregada pela autoridade pública.

45. Mais precisamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 86.°, n.° 1, CE é pertinente para definir o âmbito de aplicação do referido dever de transparência.

46. No que respeita ao artigo 86.°, n.° 1, CE, basta recordar que esta disposição se dirige aos Estados‑Membros e não directamente às empresas.

47. Para determinar se uma entidade que apresenta características como as da FES pode ser equiparada a uma autoridade pública vinculada pelo dever de transparência, há que buscar inspiração em certos aspectos da definição do conceito de «entidade adjudicante» que figura no artigo 1.°, alínea b), da Directiva 92/50, relativa aos contratos públicos de serviços, na medida em que esses aspectos respondem às exigências impostas pela aplicação às concessões de serviços do dever de transparência decorrente dos artigos 43.° CE e 49.° CE.

48. Com efeito, estes últimos artigos e os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como o dever de transparência deles decorrente, prosseguem objectivos idênticos aos visados pela referida directiva, nomeadamente a livre circulação de serviços e a abertura à concorrência não falseada nos Estados‑Membros.

49. Tendo em conta o que precede, cumpre verificar se estão reunidas duas condições, a saber, por um lado, a de a empresa em causa se encontrar sob o controlo efectivo do Estado ou de outra autoridade pública e, por outro, a de não operar em situação de concorrência no mercado.

50. Quanto à primeira destas duas condições, resulta da decisão de reenvio que, embora a cidade de Frankfurt detenha 51% do capital da FES, essa participação não lhe permite controlar efectivamente a gestão desta empresa. Com efeito, para serem adoptadas as decisões da FES, é necessária uma maioria de três quartos dos votos da assembleia‑geral.

51. Além disso, os restantes 49% do capital da FES são detidos, não por uma ou várias outras autoridades públicas, mas por uma empresa privada que, enquanto tal, obedece a considerações próprias dos interesses privados e prossegue objectivos diferentes do interesse público (v., neste sentido, acórdão de 11 de Janeiro de 2005, Stadt Halle e RPL Lochau, C‑26/03, Colect., p. I‑1, n.° 50).

52. Além disso, a cidade de Frankfurt apenas dispõe de um quarto dos votos no seio do conselho geral da FES. O facto de aquela cidade ter o direito de propor um candidato para o lugar de presidente do conselho geral da FES, cujo voto prevalece em caso de empate de votos, não basta para lhe permitir exercer uma influência determinante sobre esta.

53. Nestas circunstâncias, a condição relativa ao controlo efectivo pelo Estado ou por outra autoridade pública não se encontra preenchida.

54. Quanto à segunda condição mencionada no n.° 49 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que mais de metade do volume de negócios da FES provém de contratos sinalagmáticos relativos à eliminação de resíduos e à limpeza das vias públicas no território da cidade de Frankfurt.

55. Um relacionamento deste tipo deve ser equiparado ao que existe nas relações comerciais normais, que se desenvolvem no quadro de contratos sinalagmáticos livremente negociados entre co‑contratantes (v., neste sentido, acórdão de 3 de Outubro de 2000, University of Cambdrige, C‑380/98, Colect., p. I‑8035, n.° 25).

56. Aliás, pode deduzir‑se da decisão de reenvio que a FES exerce as suas actividades em situação de concorrência no mercado, como resulta, por um lado, do facto de retirar parte substancial das suas receitas de actividades com autoridades públicas diferentes da cidade de Frankfurt e com empresas privadas que operam no mercado e, por outro, da circunstância de ter sido colocada em competição com outras empresas para obter a concessão em causa no processo principal.

57. Nestas circunstâncias, a segunda condição necessária para equiparar uma empresa a uma autoridade pública também não está preenchida.

58. O órgão jurisdicional de reenvio interroga igualmente o Tribunal de Justiça acerca da eventual aplicabilidade da Directiva 80/723.

59. Na medida em que visa a transparência das relações financeiras entre os Estados‑Membros e as empresas públicas, esta directiva não é aplicável enquanto tal à matéria visada pela quinta questão.

60. Consequentemente, há que responder à quinta questão que, quando uma empresa concessionária conclui um contrato relativo a serviços que recaem no âmbito da concessão de que foi encarregada por uma autarquia local, o dever de transparência decorrente dos artigos 43.° CE e 49.° CE, bem como dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, não se aplica se a referida empresa:

─ tiver sido criada por essa autarquia local para efeitos da eliminação de resíduos e da limpeza das vias públicas, mas estiver igualmente activa no mercado;

─ pertencer em 51% à referida autarquia local, só podendo, porém, as decisões de gestão ser adoptadas por maioria de três quartos dos votos da respectiva assembleia‑geral;

─ tiver apenas um quarto dos membros do conselho geral, incluindo o respectivo presidente, nomeado por essa mesma autarquia; e

─ realizar mais de metade do seu volume de negócios a partir de contratos sinalagmáticos relativos à eliminação de resíduos e à limpeza de vias públicas no território da referida autarquia, financiados por esta última através das contribuições locais pagas pelos seus munícipes.

       Quanto à primeira, segunda e quarta questões

61. Com a primeira, segunda e quarta questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, consagrados pelos artigos 43.° CE e 49.° CE, bem como o dever de transparência deles decorrente, impõem, por um lado, às autoridades nacionais que rescindam um contrato celebrado em violação do referido dever de transparência e, por outro, aos órgãos jurisdicionais nacionais que concedam ao candidato cuja proposta foi preterida o direito de obter uma injunção destinada a prevenir uma violação iminente ou a fazer cessar uma violação já verificada desse dever. O órgão jurisdicional nacional pergunta igualmente se este dever pode ser considerado matéria do direito consuetudinário da União.

62. Como já foi sublinhado no n.° 33 do presente acórdão, os contratos de concessão de serviços não se regem, no estado actual do direito da União, por nenhuma das directivas que regulam o domínio dos contratos públicos.

63. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, na falta de regulamentação da União, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as vias legais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União (v., neste sentido, acórdão de 13 de Março de 2007, Unibet, C‑432/05, Colect., p. I‑2271, n.° 39 e jurisprudência referida).

64. Essas vias não devem ser menos favoráveis do que as vias semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) nem devem tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efectividade) (v., neste sentido, acórdão Unibet, já referido, n.° 43 e jurisprudência referida).

65. Decorre daqui que os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, consagrados pelos artigos 43.° CE e 49.° CE, bem como o dever de transparência deles decorrente, não impõem às autoridades nacionais que rescindam um contrato nem aos órgãos jurisdicionais nacionais que concedam uma injunção sempre que ocorra uma alegada violação desse dever na adjudicação de concessões de serviços. Cabe à ordem jurídica interna regular as vias legais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que os particulares retiram desse dever de maneira a que essas vias não sejam menos favoráveis do que as vias semelhantes de natureza interna nem tornem impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício de tais direitos.

66. Por último, o órgão jurisdicional de reenvio suscita outra questão. Em seu entender, um desenvolvimento puramente jurisprudencial do direito não pode constituir uma lei de protecção susceptível de fundamentar uma responsabilidade nos termos do Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch). Apenas o direito consuetudinário constitui uma norma jurídica na acepção desse código. Referindo‑se à jurisprudência do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional), o órgão jurisdicional de reenvio afirma que o reconhecimento do direito consuetudinário pressupõe uma aplicação prolongada, contínua e permanente, de modo uniforme e generalizado, bem como o seu reconhecimento como norma vinculativa pelos sujeitos de direito interessados.

67. Todavia, para o órgão jurisdicional nacional, o dever de transparência formulado nos acórdãos do Tribunal de Justiça é tão recente que não se pode considerar que goza do estatuto de direito consuetudinário, tal como definido no número anterior.

68. A este respeito, deve sublinhar‑se que o dever de transparência decorre do direito da União, nomeadamente dos artigos 43.° CE e 49.° CE (v., neste sentido, acórdão Coname, já referido, n.ºs 17 a 19). Estas disposições, cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça, têm efeito directo na ordem jurídica interna dos Estados‑Membros e prevalecem sobre qualquer disposição contrária de direito nacional.

69. Por força, nomeadamente, do artigo 4.°, n.° 3, TUE, incumbe a todas as autoridades dos Estados‑Membros assegurar o respeito das normas do direito da União no âmbito das suas competências (v., neste sentido, acórdão de 12 de Fevereiro de 2008, Kempter, C‑2/06, Colect., p. I‑411, n.° 34 e jurisprudência referida).

70. Cabe ao órgão jurisdicional nacional dar à lei interna que deve aplicar, em toda a medida do possível, uma interpretação conforme com as exigências do direito da União e que permita, em particular, assegurar o respeito do dever de transparência (v., neste sentido, acórdão de 27 de Fevereiro de 2003, Santex, C‑327/00, Colect., p. I‑1877, n.° 63 e jurisprudência referida).

71. Em face das considerações precedentes, há que responder à primeira, segunda e quarta questões que os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, consagrados pelos artigos 43.° CE e 49.° CE, bem como o dever de transparência deles decorrente, não impõem às autoridades nacionais que rescindam um contrato nem aos órgãos jurisdicionais nacionais que concedam uma injunção sempre que ocorra uma alegada violação desse dever na adjudicação de concessões de serviços. Cabe à ordem jurídica interna regular as vias legais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que os particulares retiram desse dever de maneira a que essas vias não sejam menos favoráveis do que as vias semelhantes de natureza interna nem tornem impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício de tais direitos. O dever de transparência decorre directamente dos artigos 43.° CE e 49.° CE, os quais têm efeito directo na ordem jurídica interna dos Estados‑Membros e prevalecem sobre qualquer disposição contrária de direito nacional.

       Quanto às despesas

72. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

       Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

       1) Quando as alterações introduzidas nas disposições de um contrato de concessão de serviços apresentem características significativamente diferentes das que justificaram a adjudicação do contrato de concessão inicial e sejam, consequentemente, susceptíveis de demonstrar a vontade das partes de renegociar os termos essenciais desse contrato, há que adoptar, em conformidade com a ordem jurídica interna do Estado‑Membro em causa, todas as medidas necessárias para restabelecer a transparência no processo, incluindo um novo processo de adjudicação. Sendo esse o caso, o novo processo de adjudicação deve ser organizado segundo modalidades adaptadas às especificidades da concessão de serviços em causa e permitir que uma empresa situada no território de outro Estado‑Membro possa ter acesso às informações adequadas relativas à referida concessão antes de esta ser adjudicada.

       2) Quando uma empresa concessionária conclui um contrato relativo a serviços que recaem no âmbito da concessão de que foi encarregada por uma autarquia local, o dever de transparência decorrente dos artigos 43.° CE e 49.° CE, bem como dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, não se aplica se a referida empresa:

       ─ tiver sido criada por essa autarquia local para efeitos da eliminação de resíduos e da limpeza das vias públicas, mas estiver igualmente activa no mercado;

       ─ pertencer em 51% à referida autarquia local, só podendo, porém, as decisões de gestão ser adoptadas por maioria de três quartos dos votos da respectiva   assembleia‑geral;

       ─ tiver apenas um quarto dos membros do conselho geral, incluindo o respectivo presidente, nomeado por essa mesma autarquia; e

       ─ realizar mais de metade do seu volume de negócios a partir de contratos sinalagmáticos relativos à eliminação de resíduos e à limpeza de vias públicas no território da referida autarquia, financiados por esta última através das contribuições locais pagas pelos seus munícipes.

       3) Os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, consagrados pelos artigos 43.° CE e 49.° CE, bem como o dever de transparência deles decorrente, não impõem às autoridades nacionais que rescindam um contrato nem aos órgãos jurisdicionais nacionais que concedam uma injunção sempre que ocorra uma alegada violação desse dever na adjudicação de concessões de serviços. Cabe à ordem jurídica interna regular as vias legais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que os particulares retiram desse dever de maneira a que essas vias não sejam menos favoráveis do que as vias semelhantes de natureza interna nem tornem impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício de tais direitos. O dever de transparência decorre directamente dos artigos 43.° CE e 49.° CE, os quais têm efeito directo na ordem jurídica interna dos Estados‑Membros e prevalecem sobre qualquer disposição contrária de direito nacional.

Assinaturas

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(*) Língua do processo: alemão.