Acórdão n.º 72/2009, de 3 de Abril de 2009, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 109/2009)

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ACÓRDÃO N.º 72/2009 - 03.Abr.2009 - 1ª S/SS

(Processo n.º 109/09)

 

DESCRITORES:

Acordo Quadro / Audiência Prévia / Sistema Nacional de Compras Públicas / Entidade Compradora Voluntária / Contrato de Adesão / Apresentação das Propostas / Modelo / Avaliação das Propostas / Adjudicação / Relatório / Alteração do Resultado Financeiro por Ilegalidade / Recusa de Visto

SUMÁRIO:

1. A Agência Nacional de Compras Públicas E.P.E. (ANCP), criada pelo Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de Fevereiro, tem a responsabilidade de conceber, definir, implementar, gerir e avaliar o Sistema Nacional de Compras Públicas (SNCP);

2. O SNCP integra entidades compradoras vinculadas e entidades compradoras voluntárias.

3. Integram o SNCP, na qualidade de entidades compradoras voluntárias, entidades da administração autónoma e do sector empresarial público, mediante a celebração de contrato de adesão com a ANCP.

4. Tendo o Município, em apreço, aderido ao SNCP, como entidade compradora voluntária, fica vinculado, pelo contrato de adesão, a negociar os contratos relativos aos combustíveis rodoviários, abrangidos pelos Acordos Quadro, nas condições expressas nesses acordos.

5. Para a formação daqueles contratos, a entidade adjudicante deve dirigir aos co-contratantes do Acordo Quadro um convite para apresentação de propostas;

6. A inclusão, no convite, do pedido de fornecimento ou manutenção de equipamento de leitura e medição dos postos de abastecimento do

Município e a apresentação de outros benefícios comerciais não especificados, desrespeita o disposto no art.º 259.º, n.ºs 1 e 2 do Código dos Contratos Públicos (CCP), uma vez que estes aspectos não foram submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos do Acordo Quadro.

7. A omissão da indicação do modelo de avaliação das propostas naquele convite viola o disposto no n.º 2 do art.º 259.º do CCP e no art.º 29.º do Caderno de Encargos (CE).

8. A falta de fundamentação da adjudicação em relatório de análise das propostas, bem como a falta do procedimento de audiência prévia, violam o disposto nos arts. 146.º, 147.º e 148.º do CCP, aplicável por força do art.º 259.º, n.º 3, do mesmo diploma legal.

9. A realização de uma negociação prévia ao procedimento exclusivamente com a empresa adjudicatária, para além de desrespeitar os procedimentos estabelecidos nos arts. 115.º, n.º 2, al. a) e 118.º a 124.º do CCP, viola o princípio de que os concorrentes devem ter idênticas oportunidades de propor, aceitar e contrapor modificações das respectivas propostas.

10. As ilegalidades verificadas representaram um risco sério de alteração da escolha e do resultado financeiro do contrato, constituindo, por isso, fundamento da recusa de visto, nos termos do disposto na al. c) do n.º 3 da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.

  

Conselheira Relatora: Helena Abreu Lopes

 

ACÓRDÃO Nº 72/09-03.ABR.09-1.ª S/SS

Processo nº 109/09

 

1. O Município de Loures remeteu para fiscalização prévia o contrato de "Fornecimento de Combustíveis Rodoviários a Granel destinados à Frota Municipal", celebrado entre aquele Município e a Petróleos de Portugal - Petrogal, S.A., com o valor estimado de 500.000,00 €, a que acresce IVA.

2. DOS FACTOS

Além do referido em 1., relevam para a decisão os seguintes factos, evidenciados por documentos constantes do processo:

a) Em 6 de Novembro de 2008 teve lugar uma reunião entre representantes do Município de Loures e da empresa Petróleos de Portugal - Petrogal, S.A., cuja acta consta a fls. 111 dos autos, "com o objectivo de abordar o interesse entre as partes para dar continuidade ao fornecimento de combustíveis e lubrificantes, destinados à frota do município, tendo sido abordadas as seguintes questões:

a. Eventual adjudicação do fornecimento de gasóleo e gasolina, através de um procedimento ao abrigo do "Acordo Quadro" celebrado entre a empresa Petrogal- Petróleos de Portugal, S.A. e a Agência Nacional de Compras Públicas, pelo período de um ano;
b. Condições comerciais a praticar pela referida empresa para além do estipulado no "Acordo Quadro""

b) Na referida reunião, e de acordo com a respectiva acta, as entidades acordaram nos descontos a praticar sobre o preço do combustível e em melhoramentos a introduzir no Posto de Abastecimento de Combustíveis, na máquina de lavar viaturas e na cobertura da Nave;

c) Em reunião de 12 de Novembro de 2008, a Câmara Municipal de Loures deliberou a adesão ao Sistema Nacional de Compras Públicas, na qualidade de entidade compradora voluntária (1);

d) Por contrato de adesão, datado de 12 de Novembro de 2008 e subscrito pela Agência Nacional de Compras Públicas, EPE, e pelo Município de Loures, este Município aderiu ao Sistema Nacional de Compras Públicas, na qualidade de entidade compradora voluntária (2);

e) A cláusula 1.ª desse contrato estabeleceu, no seu n.º 2, que o Município de Loures poderia realizar aquisições de bens e serviços ao abrigo dos Acordos Quadro constantes do anexo ao contrato, o qual incluiu, no seu n.º 6, os Acordos Quadro relativos aos combustíveis rodoviários (aquisição no posto ou a granel) (3);

f) Pela cláusula 2.ª do mesmo contrato, o Município ficou "adstrito" ao "dever" de "Negociar, adjudicar a aquisição e celebrar os contratos com as entidades fornecedoras, nas condições expressas em cada Acordo-Quadro" (4);

g) O contrato ora em apreciação foi efectuado ao abrigo do "Acordo Quadro ANCP n.º 08.02.02.002- Combustíveis Rodoviários", que havia sido celebrado entre a Agência Nacional de Compras Públicas, EPE, e as empresas Petróleos de Portugal - Petrogal, S.A, e Repsol Portuguesa, S.A., em 29 de Setembro de 2008 (5);

h) Nas cláusulas 1.ª e 4.ª deste Acordo Quadro ficou consignado que os fornecimentos às entidades seguem os termos definidos, além do mais, no Caderno de Encargos deste Acordo;

i) O artigo 4.º, n.º 2, do referido Caderno de Encargos (6) estipulou que o mesmo Caderno de Encargos faz parte integrante do Acordo Quadro;

j) O artigo 7.º do mesmo Caderno de Encargos estabeleceu como uma das obrigações da entidade adquirente a celebração dos contratos com as entidades fornecedoras, nas condições expressas no artigo 28.º;

k) Determinaram os n.ºs 1, 3 e 4 do artigo 28.º do Caderno de Encargos (7):

"Artigo 28.º
Aquisição de combustíveis rodoviários
1- A aquisição de combustíveis rodoviários pelas entidades adquirentes será efectuada por consulta às entidades fornecedoras que integram o acordo quadro, para que apresentem as suas propostas, fixando-se um prazo suficiente para o efeito.
2- (...)
3- A entidade agregadora responsável pela aquisição do produto ou serviço deverá negociar as propostas apresentadas pelas entidades fornecedoras.
4- As entidades adquirentes atribuirão o fornecimento à entidade fornecedora que, após a negociação referida no número anterior, apresente a melhor proposta com base nos critérios de adjudicação previstos no artigo 29.º do presente caderno de encargos."

l) Referia o artigo 29.º do mesmo Caderno de Encargos (8):

"Artigo 29.º
Critérios de adjudicação ao abrigo do acordo quadro
1- A adjudicação é feita segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, tendo em conta os seguintes factores, por ordem decrescente de importância:
a. (...)
b. Para o Lote 2 (9):
i. Preço, com uma ponderação mínima de 80% (oitenta por cento); e
ii. Níveis de serviço.
2- Para a avaliação dos níveis de serviço previstos na alínea b) do número anterior, a entidade agregadora poderá valorizar factores como o prazo de entrega, a quantidade mínima de encomenda, o montante do seguro incluído, entre outros."

m) O artigo 26.º, n.º 3, do Caderno de Encargos, referia ainda que "Os descontos estabelecidos no acordo quadro correspondem aos descontos mínimos que podem ser praticados pelas entidades fornecedoras, devendo as entidades adquirentes procurar obter condições mais vantajosas junto das entidades fornecedoras."

n) A fls. 61 dos autos consta uma proposta subscrita pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal de Loures, numerada como Proposta n.º 774/2008, e datada de 18 de Novembro de 2008, propondo a adjudicação à Petrogal, ao abrigo do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, e do Acordo Quadro celebrado com a Agência Nacional de Compras Públicas, E.P.E. Este documento não tem exarado qualquer acto de aprovação;

o) Em 19 de Novembro de 2008, a autarquia formalizou os convites para apresentação de propostas à duas empresas signatárias do Acordo Quadro (Petrogal e Repsol (10)), propostas que deveriam ser apresentadas até às 11h do dia 24 de Novembro de 2008, "com vista à eventual satisfação dos seguintes parâmetros comerciais:

a. Contrato de fornecimento de gasóleo e gasolina a granel pelo período de um ano, a iniciar em Dezembro de 2008;
b. Fornecimento (estimado) de 500.000 (quinhentos mil) litros de gasóleo e 60.000 (sessenta mil) litros de gasolina, durante tal período;
c. Prazo de entrega dos referidos combustíveis, contado a partir da solicitação para o efeito;
d. Manutenção do equipamento de leitura e medição dos postos de abastecimento do Município;
e. Outros benefícios comerciais."

A redacção da alínea d) do convite dirigido à Repsol era ligeiramente diferente, referindo:
"(...)
d. Fornecimento do equipamento de leitura e medição dos postos de abastecimento do Município, dado que os actuais foram fornecidos pela Petrogal e dispõem de software específico.
(...)"

p) Em 24 de Novembro de 2008 foram apresentadas as propostas das empresas Petrogal e Repsol (11);

q) A proposta da Petrogal incluiu os descontos já anteriormente acordados e remeteu para os compromissos assumidos na reunião de 6 de Novembro de 2008 quanto aos outros benefícios comerciais;

r) A proposta da Repsol incluiu uma modalidade de desconto diferente da avançada pela Petrogal, a cedência de uma bomba industrial eléctrica com sistema de gestão de frota e o apoio prestado pelo Laboratório de Controlo de Qualidade da Repsol;

s) Em 24 de Novembro de 2008 foi apresentada uma outra Proposta n.º 774/2008 (12), do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Loures, contendo a proposta de adjudicação à Petrogal, que veio a ser aprovada em reunião de Câmara de 26 de Novembro de 2008 (13).

t) A proposta aprovada refere apenas as garantias e condições comerciais apresentadas pela Petrogal, sem qualquer referência à proposta da Repsol, e conclui:
"(...) Tenho a honra de propor que a Câmara Municipal delibere aprovar:
- A adjudicação do fornecimento de combustíveis destinados à frota municipal, através do procedimento por ajuste directo, ao abrigo do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, e com referência ao n.º de Acordo 08.02.02.002, à empresa Petróleos de Portugal - Petrogal, S.A., face às garantias e condições comerciais previstas no Acordo Quadro celebrado com a Agência Nacional de Compras Públicas, E.P.E., e às garantias e condições comerciais adicionais, constantes na acta de reunião em anexo, pelo período de 1 ano, entre 1 de Dezembro de 2008 e 30 de Novembro de 2009 (...)"

u) Tendo este Tribunal solicitado ao Município de Loures que juntasse cópia da acta da reunião em que, após a formalização do convite para apresentação de propostas, se procedeu à negociação com os dois concorrentes, aquela autarquia informou, conforme ofício a fls. 136 do processo:
"Não houve lugar à negociação com os dois concorrentes, uma vez que a adjudicação repousou na apreciação dos atributos de cada uma das propostas apresentadas, atendendo à urgência de ver satisfeita a necessidade de fornecimento de combustíveis".

v) Questionado para remeter as actas ou outros documentos donde constassem os factores e subfactores do critério de adjudicação, a respectiva ponderação e a sua aplicação concreta ao caso, o Município respondeu pelo mesmo ofício:
"Na sequência dos convites para apresentação de propostas dirigidas aos concorrentes Petrogal e Repsol, estes concorrentes apresentaram propostas cujos atributos em matéria de preço final para o Município, considerando os descontos e os bónus nelas referenciados, eram absolutamente idênticas.
Daí que, para consideração da proposta economicamente mais vantajosa e para efeitos de adjudicação, fosse tido em conta o factor "outras condições comerciais", como factor diferenciador do mérito das propostas apresentadas, parâmetro que fora indicado no convite.
Os documentos onde constam estas informações são os convites à apresentação de propostas, as propostas apresentadas e a acta da reunião com a Petrogal."

w) No ofício a fls. 83, o Município de Loures referiu ainda:
"(...) atenta a urgência na satisfação da necessidade do Município no fornecimento dos combustíveis, a decisão de adjudicação resultou, tão só, da apreciação das propostas apresentadas pelas duas concorrentes."

x) O contrato foi celebrado em 13 de Janeiro de 2009, para vigorar pelo prazo de um ano, com início em 1 de Dezembro de 2008 e termo em 30 de Novembro de 2009. 

3. DOS ACORDOS QUADRO E DO PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL APLICÁVEL

O Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de Fevereiro, criou a Agência Nacional de Compras Públicas E.P.E. (ANCP), com a responsabilidade de conceber, definir, implementar, gerir e avaliar o Sistema Nacional de Compras Públicas (SNCP).
Um dos princípios orientadores deste Sistema é a celebração de Acordos Quadro, competindo à ANCP negociar e celebrar esses acordos (14).
Nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 37/2007, integram o SNCP, na qualidade de entidades compradoras vinculadas, os serviços da administração directa do Estado e os institutos públicos, podendo integrá-lo, na qualidade de entidades compradoras voluntárias, entidades da administração autónoma e do sector empresarial público, mediante a celebração de contrato de adesão com a ANCP.
Face a estes preceitos legais e ao que consta das alíneas c) a f) do ponto 2. deste Acórdão, concluímos que o Município de Loures, ao aderir ao SNCP, como entidade compradora voluntária, ficou vinculado, pelo contrato de adesão celebrado, a negociar os contratos abrangidos pelos Acordos Quadro objecto de adesão nas condições expressas nesses acordos.
Por outro lado, atentas as datas em que foram praticados os actos referidos nas várias alíneas do probatório, e nos termos do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, ao presente procedimento aplicam-se as regras constantes do Código dos Contratos Públicos, aprovado por esse diploma (15).
De acordo com o disposto nos artigos 26.º, n.º 1, alínea e), 258.º, n.º 1, e 252.º, n.º 1, alínea a), do referido Código dos Contratos Públicos, o procedimento de ajuste directo pode ser utilizado quando esteja em causa a aquisição de bens ao abrigo de um Acordo Quadro celebrado com uma única entidade, correspondendo, nesse caso, o conteúdo dos contratos às condições contratuais estabelecidas nesse Acordo Quadro, como determina o n.º 2 do artigo 258.º.
Para a formação de contratos a celebrar ao abrigo de Acordos Quadro celebrados com várias entidades, como sucede no caso em análise, determina o artigo 259.º que a entidade adjudicante deve dirigir aos co-contratantes do Acordo Quadro um convite à apresentação de propostas.
O mesmo artigo refere que as propostas são circunscritas aos termos do Acordo Quadro a concretizar, desenvolver ou complementar ou aos aspectos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos do Acordo Quadro para os efeitos do procedimento de formação do contrato a celebrar ao seu abrigo.

O n.º 2 do referido artigo impõe que o convite deva indicar:

- O prazo e o modo de apresentação das propostas;
- Os termos do Acordo Quadro a concretizar, desenvolver ou complementar ou os aspectos a submeter à concorrência;
- O modelo de avaliação das propostas com base nos factores e eventuais subfactores que densificaram o critério de adjudicação previamente previsto no programa do procedimento de formação do Acordo Quadro.

Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo a este procedimento é aplicável o disposto nos artigos 139.º e seguintes, com as necessárias adaptações.
Estes preceitos incluem as regras sobre o modelo de avaliação de propostas, as regras sobre os relatórios de análise das propostas e de aplicação do critério de adjudicação e as regras sobre negociações.
Quanto à análise de propostas e aplicação do critério de adjudicação, destaque-se que, nos termos dos artigos 146.º, 148.º, 122.º e 124.º, os relatórios devem sempre ser devidamente fundamentados.
Quanto às negociações, saliente-se que, nos termos do n.º 4 do artigo 120.º, os concorrentes devem ter idênticas oportunidades de propor, de aceitar e de contrapor modificações das respectivas propostas durante as sessões de negociação.
As normas invocadas determinam, entre outros aspectos, que se atenda às regras fixadas nos próprios Acordos Quadro e nos documentos do procedimento que conduziu à sua celebração. 

4. DAS ILEGALIDADES VERIFICADAS

Do confronto dos factos elencados no ponto 2 com o regime resultante das normas referidas no ponto 3 e das cláusulas do Acordo Quadro e dos artigos do Caderno de Encargos mencionados nas alíneas f) a m) do ponto 2 deste Acórdão, resulta evidente que foram praticadas várias ilegalidades.

Assim:

a) O convite para a apresentação de propostas incluiu o pedido de fornecimento ou manutenção do equipamento de leitura e medição dos postos de abastecimento do Município e a apresentação de outros benefícios comerciais não especificados.
Como vimos, o disposto no n.º 1 do artigo 259.º do Código dos Contratos Públicos impõe que as propostas solicitadas se circunscrevam aos aspectos do Acordo Quadro que devam ser complementados em virtude das particularidades da necessidade cuja satisfação se visa e aos aspectos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos do Acordo Quadro.
Ora, o Caderno de Encargos referido apenas estabeleceu que seriam submetidos à concorrência nos contratos a celebrar em execução do Acordo Quadro, os preços e descontos a praticar (vd. artigos 26.º e 29.º, alínea b)i.) e os níveis de serviço (vd. artigos 24.º e 29.º, alínea b)ii.).
Os níveis de serviço dizem respeito a aspectos relativos a prazos de entrega, a normas de segurança, a procedimentos em caso de anomalias, aos custos delas derivados, a serviços de atendimento e piquete, a horários e procedimentos de entrega, a responsabilidade pelos riscos, a apresentação de relatórios de gestão (16), a quantidades mínimas de encomenda ou a montantes de seguro (17). Ainda que pudessem ser estabelecidos outros aspectos relativos a níveis de serviço, os mesmos só poderiam reportar-se às condições de fornecimento dos combustíveis em causa.
Quanto ao pedido de fornecimento e manutenção do equipamento de leitura e medição dos postos de abastecimento do Município, é duvidoso que o mesmo se enquadre no estabelecido no referido artigo 259.º, n.º 1. Quanto à solicitação de propostas para benefícios comerciais não especificados, é seguro que ela não respeita a necessidade de especificação dos aspectos submetidos à concorrência e admite a apresentação de propostas relativamente a aspectos não consentidos pelo caderno de encargos (18).

Foi, pois, desrespeitado o disposto no artigo 259.º, n.ºs 1 e 2, do Código dos Contratos Públicos.

b) O convite para apresentação de propostas não incluiu qualquer modelo de avaliação das propostas, com base nos factores e eventuais subfactores densificadores do critério de adjudicação previamente previsto no Caderno de Encargos do Acordo Quadro.
Foi, assim, também por essa via, violado o disposto no n.º 2 do artigo 259.º do Código dos Contratos Públicos e no artigo 29.º do Caderno de Encargos.

c) Conforme consta das alíneas t) e v) do probatório, a adjudicação foi feita com base nas "outras condições comerciais" propostas, como factor diferenciador do mérito das propostas apresentadas. Como se referiu na nota 18, essas condições respeitam a aspectos não recondutíveis ao preço ou aos níveis de serviço.
Assim, para além de não assentar num modelo de avaliação objectivo e transparentemente publicitado, a adjudicação foi feita com base num critério não admitido pelos artigos 259.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos e 29.º do Caderno de Encargos.

d) Como decorre do apontado nas alíneas t), v) e w) do ponto 2 deste Acórdão, a adjudicação não foi fundamentada em qualquer relatório de análise de propostas.
Não foi também observado qualquer procedimento de audiência prévia.
Foram, pois, incumpridos os artigos 146.º, 147.º e 148.º do Código dos Contratos Públicos, aplicáveis por força do artigo 259.º, n.º 3.
Acresce que as diferenças verificadas nas propostas e a falta de comparação dos preços e descontos propostos não permitem concluir que os mesmos conduzissem, efectivamente, a um preço final idêntico, como afirmou a autarquia.

e) O procedimento realizado não incluiu a negociação das propostas apresentadas pelas entidades fornecedoras, conforme estabelecia o artigo 28.º, n.º 3, do Caderno de Encargos do Acordo Quadro, a qual deveria ter decorrido nos termos do estabelecido nos artigos 118.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos.

f) No entanto, procedeu-se a uma negociação prévia ao procedimento com a empresa que veio a ser a adjudicatária. Essa negociação foi, em vários momentos, assumida como relevante e o seu resultado veio a integrar o processo de adjudicação e a corresponder às condições efectivamente contratadas - vejam-se os factos apontados nas alíneas q), t) e v) do probatório.
Esta negociação prévia, para além de desrespeitar os procedimentos estabelecidos nos artigos 115.º, n.º 2, alínea a), e 118.º a 124.º do Código dos Contratos Públicos, viola frontalmente o princípio estabelecido no n.º 4 do artigo 120.º, de que os concorrentes devem ter idênticas oportunidades de propor, aceitar e contrapor modificações das respectivas propostas.

g) A sequência de actos praticados e, em particular, o que se refere nas alíneas a), b), c), s), t) e v) do ponto 2, permitem concluir com clareza que o Município acabou por objectivamente favorecer a empresa adjudicatária, violando o direito dos concorrentes a um tratamento igual, justo e imparcial e a observância na actuação contratual administrativa de princípios fundamentais de imparcialidade, concorrência, igualdade, legalidade e transparência.

5. DOS FUNDAMENTOS DE RECUSA DO VISTO

Para além de terem prejudicado os direitos do contra-interessado e o interesse público de salvaguarda dos princípios referidos, as ilegalidades verificadas impediram que o procedimento garantisse o adequado ajustamento da escolha à necessidade pública em causa.
As ilegalidades referidas no ponto anterior impediram a criação de condições de verdadeira concorrência entre os dois fornecedores, e esse facto impediu a obtenção de condições financeiras mais vantajosas para a entidade adjudicante.
Dessa forma, não foi acautelada a adequada utilização da despesa pública envolvida nem realizado o disposto nos artigos 42.º, n.º 6, e 47.º, n.º 2, da Lei n.º 91/2001, na redacção da Lei n.º48/2004, de 24 de Agosto, e no artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro.
Ora, as ilegalidades que alterem, ou possam alterar, o respectivo resultado financeiro constituem fundamento da recusa de visto a contratos sujeitos a fiscalização prévia do Tribunal de Contas, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 44.º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.
Refira-se, a propósito, que, para efeitos desta norma, quando aí se diz "Ilegalidade que (...) possa alterar o respectivo resultado financeiro" pretende-se significar que basta o simples perigo ou risco de que da ilegalidade constatada possa resultar a alteração do respectivo resultado financeiro.
Ora, no caso, as ilegalidades praticadas representaram um risco sério de alteração da escolha e do resultado financeiro, que merece forte censura e desvalor.  

6. DECISÃO

Pelos fundamentos indicados, e por força do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 44.º da Lei n.º 98/97, acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção, em recusar o visto ao contrato acima identificado.
São devidos emolumentos nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Regime Jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio, e respectivas alterações. 

Lisboa, 3 de Abril de 2009

Helena Abreu Lopes (Relatora) - João Figueiredo - Helena Ferreira Lopes

O Procurador Geral Adjunto - (Daciano Pinto)


(1) Vd. acta a fls. 14 dos autos.
(2) Vd. fls. 14 a 24 dos autos.
(3) Vd. fls. 20 e 24.
(4) Vd. fls. 21
(5) Vd. fls. 52 e segs.
(6) Vd. fls. 27.
(7) Vd. fls. 37.
(8) Vd. fls. 37 e 55.
(9) O Lote 2 corresponde, no Acordo-Quadro, à aquisição de combustíveis rodoviários a granel - cfr. artigo 3.º, n.º 2, do Caderno de Encargos, a fls. 27.
(10) Vd. fls. 113.
(11) Vd. fls. 115 e segs. e 119 e segs.
(12) Com a mesma referência do documento referido na alínea n).
(13) Vd. fls 63, 64, 67 e 68.
(14) Vd. artigo 4,º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 37/2007 e artigo 6.º, n.º 1, alínea c), dos Estatutos da ANCP, aprovados pelo mesmo Decreto-Lei.
(15) E isso não obstante o Acordo Quadro utilizado determinar, na sua cláusula 10.ª, que se aplica ao mesmo, em tudo o que for omisso, o regime jurídico constante do Decreto-Lei n.º 197/99. Efectivamente, por força dos artigos 14.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, o Decreto-Lei n.º 197/99 foi revogado, com excepção dos artigos 16.º a 22.º e 29.º, considerando-se todas as remissões para as disposições e diplomas revogados feitas para as correspondentes disposições do Código dos Contratos Públicos.
(16) Cfr. fls. 107.
(17) Cfr. artigo 29.º, n.º 2, do Caderno de Encargos
(18) Como, de resto, se veio a verificar: a Petrogal propôs-se arranjar e melhorar a imagem do posto de abastecimento, ceder a cobertura da máquina de lavar viaturas e substituir a cobertura da Nave; a Repsol propôs ceder uma bomba industrial eléctrica com sistema de gestão de frota.