Acórdão n.º 3/2010, de 12 de Fevereiro de 2010, do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 115/2009)

Imprimir

 

ACÓRDÃO Nº 3 /10 - 12. FEV. 2010 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 31/2009

(Proc. nº 115/09 - SRATC)

 

DESCRITORES:

Empreitada de obras públicas.

Habilitações dos concorrentes.

Divergência entre o Programa de Concurso e o Anúncio.

Plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição.

Nulidade do caderno de encargos.

Recomendação anterior.

 

SUMÁRIO:

I - Nos termos do nº1, do artigo 31º do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro, o programa de concurso relativo a empreitada de obras públicas deve exigir aos concorrentes a titularidade de um certificado de classificação de empreiteiro de obras públicas, que contemple uma única subcategoria, em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo.

II - A não especificação, no programa de concurso, da exigência referida no número anterior ou a exigência cumulativa das habilitações previstas nos nºs 1 e 2 do referido diploma legal, viola o disposto no nº1, do citado artigo 31º, do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro.

III - De acordo com o artigo 132º, nº1, al. f) do Código dos Contratos Públicos (CCP) o programa do concurso público deve indicar os documentos de habilitação, directamente relacionados com o objecto do contrato a celebrar, a apresentar nos termos do artigo 81º.

IV - Nos termos do artigo 77º, nº2, al. a), do CCP, os documentos de habilitação exigidos pelo artigo 81º, do mesmo Código, devem ser apresentados pelo adjudicatário, após notificação para tal, a qual é efectuada juntamente com a notificação da decisão de adjudicação, pelo órgão competente para a decisão de contratar.

V - Em caso de divergência entre o exigido pelo programa de concurso e o exigido pelo anúncio, prevalece o estabelecido naquele, de harmonia com o disposto no artigo 132º, nº6, do CCP.

VI - Após a entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos, continua válido e actual o conteúdo do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro, no que se refere às habilitações exigíveis aos concorrentes.

VII - Nos termos do disposto no artigo 43º, nºs 5, al. f) e 8, al. c) do CCP, é nulo o caderno de encargos quando o projecto de execução, nele integrado, não esteja acompanhado, quando necessário, do plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição, a que se refere o DL nº 46/2008 de 12 de Março.

VIII - Tendo sido recusado o visto ao contrato, por o projecto de execução não ter sido acompanhado do plano referido no ponto anterior, essa ilegalidade deixa de ocorrer se, com o recurso interposto da decisão de recusa, for apresentado o referido plano, com o conteúdo constante do nº2, do artigo 10º, do citado DL nº 46/2008 de 12 de Março.

IX - Não se indiciando que, de modo intencional, tenha sido desacatada uma anterior recomendação do Tribunal de Contas, sobre o cumprimento do nº1, do artigo 31º, do DL nº 12/2004, de 9 de Janeiro, e seja expectável a não repetição da violação do mesmo normativo, justifica-se o uso da faculdade prevista no nº4, do artigo 44º, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

Conselheiro Relator: António M. Santos Soares

 

ACÓRDÃO Nº 3 /10 - 12. FEV. 2010 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 31/2009

(Proc. nº 115/09)

 

Acordam os juízes do Tribunal de Contas, em Plenário da 1ª Secção:

I - RELATÓRIO

1. Recorreram os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento (SMAS) da Câmara Municipal de Ponta Delgada, representados pela Presidente do seu Conselho de Administração, da Decisão nº 12/2009 da Secção Regional dos Açores do Tribunal de Contas que recusou o visto ao contrato de empreitada de "Construção de Infra-estruturas de Saneamento Básico na Bacia Hidrográfica da Praia dos Mosteiros", celebrado em 2 de Setembro de 2009, entre aqueles Serviços e a empresa "A. R. Casanova, Construção Civil, Lda.", pelo valor de 439.939,49 €, acrescido de IVA.
Tal decisão foi proferida com fundamento no disposto no artigo 44º, nº3, al. c), da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, por, por um lado, havendo divergência entre a exigência habilitacional feita no Programa de Concurso e a que foi efectuada no Anúncio do mesmo - o que fazia prevalecer a exigência prevista no Programa de Concurso - ter sido exigido, cumulativamente, a habilitação de empreiteiro geral e uma subcategoria, em classe correspondente ao valor da proposta, e, por outro lado, por inexistir um Plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição (RCD), junto ao projecto de execução da empreitada. 2. Com as suas alegações, os SMAS da Câmara Municipal de Ponta Delgada juntaram um "Plano de gestão de resíduos de demolição e construção - RCD" e, naquelas, formularam as seguintes conclusões:
" 1. De facto, as exigências ao nível das habilitações exigidas ao adjudicatário não coincidem no programa de concurso e no anúncio do mesmo;
2. Contudo, o facto de ter sido feita esta dupla exigência, que apenas resultou de um lapso administrativo, não teve qualquer reflexo no resultado financeiro do contrato;
3. Na verdade, não houve nenhum concorrente excluído do presente procedimento concursal pelo facto de não apresentar aqueles dois requisitos habilitacionais, sendo que os concorrentes que se apresentaram ao concurso foram os mesmos que habitualmente concorrem a obras do género;
4. Acresce que o valor da proposta adjudicada foi substancialmente mais baixo que o valor base do concurso;
5. Deste modo, resulta claro que o lapso existente no programa de concurso, no que toca aos requisitos de habilitação do adjudicatário, não afectou o resultado financeiro do contrato, cujo valor, substancialmente abaixo do preço base do concurso, é de todo conveniente para a defesa do interesse e do erário público, razão pela qual deverá ser relevada tal falha, porquanto a mesma não chegou a ter qualquer consequência;
6. Por outro lado, é um facto que o caderno de encargos do presente procedimento concursal não estava acompanhado do plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição;
7. No entanto, encontra-se, na presente data, assegurado o cumprimento integral, por parte do adjudicatário, daquele plano, plano esse totalmente revisto e modificado, de acordo com as doutas sugestões emanadas deste Tribunal na decisão aqui recorrida e conforme decorre do Decreto-Lei nº 46/2008;
8. Deste modo, encontra-se integralmente satisfeito o objectivo da lei, ao exigir a existência e cumprimento do plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição, uma vez que este plano existe, cumpre o exigido pela lei que o regula e será cumprido pelo adjudicatário na execução soa trabalhos da presente empreitada; 9. Assim sendo, encontra-se, assim, sanada a invalidade que poderia obstar à concessão do visto, por parte deste Douto Tribunal, ao contrato de empreitada de obras públicas supra identificado.".
Terminou as suas alegações referindo que o recurso deve ser julgado procedente, devendo revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que conceda o visto ao contrato.

3. O Exmº. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que o recurso merece total provimento, salientando, por um lado, que "... o novo Código dos Contratos Públicos (CCP), no Capítulo sobre "Habilitação" dos concorrentes (artigo 81º e segs.), apenas exige a apresentação de alvarás, ou títulos de registo, emitidos pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, IP, contendo as habilitações adequadas e necessárias à execução da obra a realizar...".
Mais acentuou que "... parece ter sido intenção do legislador, no novo CCP... garantir ... ao dono da obra, que a entidade, a quem vai pretender adjudicar a empreitada ... detém as condições técnicas necessárias e suficientes para levar a bom termo todas as exigências do tipo de obra a realizar, de acordo com o caderno de encargos.".
Por essa razão, - referiu ainda o mesmo Magistrado - " ... o legislador fez constar do Código um princípio geral de prevalência das suas próprias normas, relativas às fases de formação e de execução do contrato, sobre quaisquer disposições das peças do procedimento com elas desconformes (cfr. artigo 51º, do CCP); significa isto, que sempre que o dono da obra, no „programa de concurso‟ ... exigir algo que esteja em desconformidade com as regras gerais do Código, ... será sempre o Código a prevalecer.". E referiu ainda que "... assim, se o dono da obra fizer uma exigência ilegal no „programa de concurso‟, ... para além do que consta do artigo 81º, nº2, relativa a „habilitações técnicas‟ dos concorrentes, ... tal exigência não é vinculativa para os concorrentes que dela se podem eximir sem quaisquer consequências - porque o que prevalece são as normas deste Código.".
Com isto, - continua o mesmo Magistrado - "deixará de fazer qualquer sentido falar-se em „restrições à concorrência‟, através de exigências habilitacionais ilegais, formuladas pelos entes públicos nos procedimentos pré-contratuais, uma vez que tais exigências são, sobretudo, dirigidas aos próprios concorrentes, que devem, melhor que ninguém, saber quais serão os alvarás que têm de possuir para melhor os habilitar à execução das empreitadas a que se candidatam... Nesses casos, esvazia-se de conteúdo o artigo 31º do DL nº12/2004 de 9 de Janeiro, elaborado num contexto legislativo diverso do actual...".
Por outro lado, e no que se refere ao Plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição - RCD, salientou o Magistrado do Ministério Público que a adjudicatária procedeu à sua elaboração e junção, embora tardia, ao projecto de execução da empreitada, fazendo cessar o vício gerador de nulidade do dito projecto, o que faz cessar, igualmente, o segundo fundamento de recusa do visto invocado na Decisão recorrida.

4. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.  

II - MATÉRIA DE FACTO

Tendo em conta a Decisão recorrida e o que consta do processo, dá-se como assente a seguinte matéria de facto:

A) A abertura do concurso público que antecedeu o contrato foi autorizada por deliberação do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Ponta Delgada, de 14 de Maio de 2009, a qual aprovou o programa do procedimento e o caderno de encargos;

B) No Programa do Concurso, sob a epígrafe "Documentos de habilitação", foi exigido que os concorrentes fossem titulares do "certificado de classificação como empreiteiro geral, de acordo com o estabelecido na Portaria nº 19/2004 de 10 de Janeiro, na 6ª subcategoria da 2ª categoria, em classe correspondente ao valor da proposta" (ponto 5.);

C) No Anúncio do concurso (1), e sobre a mesma matéria, foi pedido "alvará de construção emitido pelo Instituto da Conservação e do Imobiliário (INCI) ... que comprove a detenção das seguintes autorizações: A 6ª subcategoria da 2ª categoria, de classe correspondente ao valor global da proposta" (ponto 8.3.);

D) De acordo com a declaração do adjudicatário que integra a proposta, os trabalhos a realizar enquadram-se na 6ª subcategoria da 2ª categoria;

E) A adjudicação foi efectuada por deliberação do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Ponta Delgada, de 23 de Julho de 2009;

F) A obra ainda não foi consignada;

G) Em sede de devolução do processo, foram solicitados esclarecimentos sobre a divergência verificada, em matéria de habilitações, entre o teor do programa do concurso - no qual foi exigido certificado de classificação de empreiteiro geral, na 6ª subcategoria da 2ª categoria, em classe correspondente ao valor da proposta - e o do Anúncio - onde foi pedida apenas a 6ª subcategoria da 2ª categoria, de classe correspondente ao valor total da proposta - bem como sobre a existência do plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição;

H) Nas suas respostas a Senhora Presidente do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Ponta Delgada alegou, a propósito das habilitações exigidas ao adjudicatário, o seguinte:
"Efectivamente no ponto 8.3. do Anúncio é referido que um dos documentos de habilitação dos concorrentes é ser detentor do alvará de construção emitido pelo INCI.
Já no nº5 do Programa do Concurso refere-se que os concorrentes deverão ser titulares do certificado de classificação como empreiteiro geral.
Tratando-se efectivamente de um lapso, procuramos nos elementos base do concurso, nomeadamente o Caderno de Encargos, se haveria alguma interpretação específica para eventuais divergências entre elementos do Anúncio e do Processo de Concurso. Como não encontramos nenhuma disposição para o caso daqueles dois documentos, nem tão-pouco na legislação vigente e considerando que todos os concorrentes, percebendo tratar-se de um lapso, seguiram o disposto no Anúncio, entendemos, salvo melhor opinião, que o erro não pôs em causa o princípio da livre concorrência.
Acrescenta-se que não foi excluído qualquer concorrente por não ter as categorias exigidas quer no Caderno de Encargos, quer no Anúncio do concurso;
Quanto à segunda questão, referiu-se que "por lapso dos SMAS, não foi efectivamente elaborado o Plano de Prevenção e Gestão de RCD, tal como consagrado no art. 10º do Decreto-Lei nº 46/2008 de 12 de Março", tendo o Serviço procedido ao envio de um documento, designado por plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição, elaborado então, na sequência das devoluções do processo;

I) Na Decisão nº 10/2008 - SRATC de 14 de Maio de 2008 (2) o Tribunal de Contas recomendou aos Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Ponta Delgada, atento o disposto no nº1, do artigo 31º do Decreto-Lei nº 12/2004 de 9 de Janeiro, que, "para efeitos de admissão a procedimentos de contratação de empreitadas de obras públicas, deve ser exigida a titularidade de alvará em classe que cubra o valor global da obra relativamente a uma única subcategoria, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo";

J) Com as alegações de recurso foi junto um "Plano de gestão de resíduos de demolição e construção - RCD" relativo à obra de "Infra-estruturas de Saneamento Básico na Bacia Hidrográfica da Praia dos Mosteiros", cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido.

III - O DIREITO

1. Como se disse acima, a Decisão recorrida recusou o visto ao contrato de empreitada celebrado pelos SMAS de Ponta Delgada por duas ordens de razões:
Por um lado, porque, verificando-se haver divergência entre as habilitações exigidas aos concorrentes, no Programa de Concurso e no Anúncio, e, como prevalecem as normas do Programa de Concurso, não foi observado o disposto no artigo 31º, nº1, do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro, já que foi exigida a habilitação de empreiteiro geral, cumulativamente com a exigência da 6ª subcategoria, da 2ª categoria, em classe correspondente ao valor da proposta, o que constitui ilegalidade susceptível de restringir o universo de potenciais concorrentes e, desse modo, alterar o resultado financeiro do contrato.
Por outro lado, porque não foi elaborado o Plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição, com o conteúdo fixado no nº2, do artigo 10º, do DL nº 46/2008 de 12 de Março.
Vejamos, então, se a Decisão recorrida é ou não passível de censura, começando por analisar a questão relativa às habilitações:

2. No que concerne às habilitações exigíveis aos concorrentes no âmbito dos concursos de empreitadas de obras públicas, tem este Tribunal firmado constante e uniforme jurisprudência, quanto à interpretação do artigo 31º, do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro, normativo este que dispõe: 

Artigo 31º
Exigibilidade e verificação das habilitações
1. Nos concursos de obras públicas e no licenciamento municipal, deve ser exigida uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, sem prejuízo da eventual exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes.
2. A habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral, desde que adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global, dispensa a exigência a que se refere o número anterior. 

Assim, tem-se entendido, pacificamente, que, deste normativo, resulta que se o dono da obra posta a concurso, exigir, no programa de concurso, apenas o que consta do nº1, deste artigo 31º, não viola qualquer dispositivo relativo às habilitações exigidas aos concorrentes.
Por outro lado, se, no mesmo programa, o dono da obra possibilitar que, quer os concorrentes com a habilitação mencionada no nº1, do artigo 31º, quer os concorrentes com a habilitação referida no nº2, do mesmo normativo, podem concorrer, também não viola qualquer dispositivo legal relativo às habilitações exigidas aos candidatos.
Ao invés, porém, se apenas exigir o que consta do nº2, do citado artigo 31º, ou se, cumulativamente, exigir as habilitações previstas nos nºs 1 e 2, está a violar o disposto no nº1 do dito artigo 31º.

2. 1. Com a entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro, várias matérias foram objecto de uma redefinição da sua disciplina, interessando, porém, aludir aqui, à da habilitação.
Porque estamos, no caso vertente, no âmbito de um concurso público, importa atentar no artigo 132º do CCP:
Este normativo, sob a epígrafe, "Programa do concurso", estabelecia, no seu nº1, al. f), na redacção primitiva, (3) - a que estava em vigor à data da abertura do procedimento que antecedeu o contrato aqui em causa - que "o programa do concurso público deve indicar os documentos de habilitação, directamente relacionados com o objecto do contrato a celebrar, a apresentar nos termos do disposto no nº6, do artigo 81º."
Ora, inserido no Capítulo VIII (Habilitação), do Título II, da Parte II, do CCP, e sob a epígrafe "Documentos de habilitação", o artigo 81º estabelece, nos seus nºs 1, 2, 3 e 6: 

Artigo 81º
Documentos de habilitação
1 - Nos procedimentos de formação de quaisquer contratos, o adjudicatário deve apresentar os seguintes documentos de habilitação:
a) Declaração emitida conforme modelo constante do anexo II ao presente Código e do qual faz parte integrante;
b) Documentos comprovativos de que não se encontra nas situações previstas nas alíneas b), d), e) e i) do artigo 55º.
2 - No caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada (4) ou de concessão de obras públicas, o adjudicatário, para além dos documentos referidos no número anterior, deve também apresentar os alvarás ou os títulos de registo emitidos pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, IP , contendo as habilitações adequadas e necessárias à execução da obra a realizar, ou, no caso de o contrato respeitar a um lote funcionalmente não autónomo, as habilitações adequadas e necessárias à execução dos trabalhos inerentes à totalidade dos lotes que constituem a obra.
3 - Para efeitos da verificação das habilitações referidas no número anterior, o adjudicatário pode apresentar alvarás ou títulos de registo da titularidade de subcontratados, desde que acompanhados de declaração através da qual estes se comprometam, incondicionalmente, a executar os trabalhos correspondentes às habilitações deles constantes.
...............................................................
6 - Independentemente do objecto do contrato a celebrar, o adjudicatário deve ainda apresentar os documentos de habilitação que o programa do procedimento exija (5), nomeadamente, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de aquisição de serviços, quaisquer documentos comprovativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a prestação dos serviços em causa.
............................................................................... 

Na matéria dos documentos de habilitação, importa, ainda, citar o artigo 77º, nºs 1 e 2, al. a), do mesmo CCP, que dispõe:

Artigo 77º
Notificação da decisão de adjudicação
1 - A decisão de adjudicação é notificada, em simultâneo, a todos os concorrentes.
2 - Juntamente com a notificação da decisão de adjudicação, o órgão competente para a decisão de contratar deve notificar o adjudicatário para:
a) Apresentar os documentos de habilitação exigidos nos termos do disposto no artigo 81º;
................................................................................. 

Verifica-se, assim, do atrás exposto, que, como também entende ANDRADE DA SILVA, (6) o regime da habilitação estabelecido no CCP é uma das mais salientes inovações do procedimento pré-contratual.
No regime anterior, (7) o ónus da habilitação recaía sobre todos os concorrentes, os quais teriam que demonstrar que possuíam as qualificações exigidas para que pudessem concorrer e, portanto, para que as suas propostas pudessem ser apreciadas e para virem a celebrar o contrato, a que o procedimento respeitava.
No regime do DL nº 59/99 de 2 de Março, logo no acto público do concurso, a comissão de abertura deste deliberava sobre a admissão ou exclusão dos concorrentes, de acordo com o seu artigo 92º, pelo que todos deveriam incluir, no seu processo de candidatura, os documentos exigidos no Programa de Concurso e no respectivo Anúncio.
Ao invés, no âmbito do novo Código dos Contratos Públicos, e de acordo com o regime resultante dos seus artigos 77º e 81º, o ónus da habilitação recai, não sobre todos os concorrentes, mas apenas sobre o adjudicatário e, por outro lado, é cumprido após a adjudicação.
Veremos, adiante, todavia, se esta foi a alteração mais sensível, introduzida pelo CCP, nesta matéria da habilitação, ou se outras houve, com repercussão no caso em apreço, designadamente, quanto ao âmbito de incidência do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro.

2. 2. No caso sub judice, foi feita, pelo dono da obra, no Programa de Concurso, e de harmonia com o disposto no artigo 132º, nº1, al. f), do CCP, a indicação dos documentos de habilitação relacionados com o objecto docontrato que deveriam vir a ser apresentados, nos termos do artigo 81º, nº6, do mesmo Código.
Verifica-se, porém, que, como resulta da matéria de facto dada por assente nas alíneas B) e C) do probatório, existe uma divergência entre a exigência formulada no Programa de Concurso (PC) e a exigência indicada no Anúncio do mesmo.
Efectivamente, enquanto no Programa de Concurso se exigiu que os concorrentes fossem titulares do certificado de classificação como empreiteiro geral, na 6ª subcategoria, da 2ª categoria, em classe correspondente ao valor da proposta, já no Anúncio foi feita a exigência de que os concorrentes fossem titulares de alvará de construção, emitido pelo INCI, IP., que comprovasse a detenção da 6ª subcategoria, da 2ª categoria, em classe correspondente ao valor global da proposta.
Como se refere na Decisão recorrida, em caso de divergência entre o Programa de Concurso e o Anúncio, prevalecem as normas daquele.
Na verdade, o artigo 132º, nº6, do CCP estipula que "as normas do programa de concurso prevalecem sobre quaisquer indicações constantes dos anúncios com elas desconformes".
Tal prevalência resulta, fundamentalmente, do facto de o Programa de Concurso ser, de acordo com o artigo 41º do CCP, o regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração. (8)
Com base nessa prevalência, entendeu-se, na Decisão recorrida, que havia sido feita, aos concorrentes, uma exigência habilitacional que ofendia o disposto no nº1, do artigo 31º, do DL nº 12/2004, de 9 de Janeiro, já que se exigira, cumulativamente, a titularidade de certificado de classificação como empreiteiro geral e a 6ª subcategoria, da 2ª categoria, em classe correspondente ao valor da proposta. Daí, ter a Decisão recorrida concluído que foi violado o dito artigo 31º, nº1, do DL nº 12/2004 e, que - como já havia assinalado na Decisão nº 10/2008 - isso era susceptível de afectar o resultado financeiro do contrato, por conduzir a uma restrição do universo de potenciais concorrentes.

3. No parecer que, nos termos do artigo 99º, nº1, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, emitiu no processo, o Exmº Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de que o novo Código dos Contratos Público, no Capítulo sobre "Habilitação" (artigo 81º e segs.), apenas exige a apresentação de alvarás, ou títulos de registo, emitidos pelo INCI, IP, contendo as habilitações adequadas à execução da obra a realizar.
Mais referiu o mesmo Magistrado que parece ter sido intenção do legislador do CCP garantir ao dono da obra que a entidade, a quem vai adjudicar a empreitada, detém as condições técnicas necessárias e suficientes para levar a bom termo as exigências do tipo de obra a realizar. Por essa razão, o legislador do CCP fez constar do Código um princípio geral de prevalência das suas próprias normas - relativas às fases de formação e de execução do contrato - sobre quaisquer disposições das peças do procedimento, princípio esse consagrado no artigo 51º, nº1, al. b), do CCP. Isso significará que, sempre que o dono da obra, no Programa de Concurso, exigir algo que esteja em desconformidade com as regras gerais do Código, será sempre este a prevalecer.
Referiu, ainda, o Ministério Público, que, se o dono da obra fizer uma exigência ilegal no Programa de concurso, para além do que consta do artigo 81º, nº2, do CCP, relativamente a habilitação, tal exigência não é vinculativa para os concorrentes, que dela se podem eximir, sem quaisquer consequências.
Daí que deixa de ter sentido falar-se em "restrições à concorrência", através de exigências habilitacionais ilegais, formuladas pelos entes públicos, uma vez que tais exigências são dirigidas aos concorrentes e estes, melhor que ninguém, devem saber quais são os alvarás que devem possuir para os habilitar à execução das empreitadas a que se candidatam. Nesses casos está esvaziado de conteúdo o disposto no DL nº12/2004 de 9 de Janeiro, porque elaborado num contexto legislativo diverso do actual.
Antes de prosseguir, e analisar esta posição do Ministério Público, importa, aludir à norma de prevalência indicada, ou seja o artigo 51º, do CCP:

Artigo 51º
Prevalência
As normas constantes deste Código relativas às fases de formação e de execução do contrato prevalecem sobre quaisquer disposições das peças do procedimento com elas desconformes. 

3. 1. Entrando na questão abordada pelo Exmº Magistrado do Ministério Público, há que dizer, desde já, que, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
Efectivamente, e como vimos, o artigo 132º, nº1, al. f) do CCP, na redacção anterior à que foi introduzida pelo DL nº278/2009 de 2 de Outubro, estabelece que o PC deve indicar os documentos de habilitação directamente relacionados com o objecto do contrato, a apresentar nos termos do artigo 81º, nº6.
Por seu turno, o nº6, deste artigo 81º, estipula que o adjudicatário deve apresentar os documentos de habilitação que o programa do procedimento exija.
A apresentação dos documentos de habilitação - designadamente os alvarás ou os títulos de registo emitidos pelo INCI, IP - deve, porém, ser feita apenas pelo adjudicatário, e no momento assinalado no artigo 77º, nº2, al. a) do CCP, supra transcrito.

Ora, foi esta, somente, a alteração introduzida pelo CCP, nesta matéria.

Na verdade, continua o dono da obra a poder exigir, no Programa de Concurso, as habilitações que considera adequadas e necessárias para a boa realização da empreitada, e, para tal, deve ter em conta o disposto no artigo 31º, nºs 1 e 2, do DL nº 12/2004, de 9 de Janeiro.
Aliás, como resulta do preâmbulo deste último diploma legal, foi seu objectivo essencial criar as condições para que o título habilitante para a actividade da construção passasse a oferecer a credibilidade que o colocasse como documento bastante para atestar a capacidade das empresas para o exercício da actividade.

E, em boa verdade, nem poderia ser de outra forma:
Não fazia sentido que se deixasse ao arbítrio dos concorrentes a definição das habilitações que os mesmos considerassem adequadas e necessárias para a realização da obra posta a concurso.
Essa ponderação deve ser feita pelo dono da obra, para garantir, por um lado, que a obra seja realizada por quem lhe oferece as condições técnicas que entende como adequadas e necessárias para tal, e, por outro lado, para garantir que as habilitações adequadas e necessárias para a realização da obra, não ponham em causa, entre outros, o princípio da concorrência.
Permanece, pois, válido e actual, o conteúdo do referido DL nº 12/2004, não havendo razão para fazer intervir, aqui, o disposto no mencionado artigo 51º, do CCP.

4. Como se disse acima, verificou-se, no caso presente, uma divergência entre a exigência habilitacional formulada no PC e aquela que foi feita no Anúncio.
Em caso de divergência entre o Programa de Concurso e o Anúncio do mesmo, prevalecem, como decidiu a Secção Regional dos Açores do Tribunal de Contas, as normas do Programa de Concurso, nos termos do disposto no artigo 132º, nº6, do CCP.
Ora, resulta do PC, que foi exigido, cumulativamente, a titularidade de certificado de classificação como empreiteiro geral e a 6ª subcategoria, da 2ª categoria, em classe correspondente ao valor da proposta.
A exigência cumulativa destas habilitações impede que os concorrentes titulares da habilitação prevista no nº1, do artigo 31º, do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro, se candidatem a concurso.
É que esta norma impõe, como se viu acima, que deva ser exigida uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, sem prejuízo da eventual exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes. Ora, da circunstância de ter sido feita a citada exigência cumulativa, resulta a possibilidade de alteração do resultado financeiro do contrato, pela possibilidade de ter sido dificultado o acesso dos eventuais concorrentes ao procedimento e, assim, afectado o princípio da concorrência.
Foi, por isso, violado o disposto no artigo 31º, nº1, do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro, como se concluiu na Decisão recorrida.

4. 1. Como consta da matéria de facto, dada por assente, a entidade recorrente foi objecto de uma Recomendação do Tribunal de Contas, em matéria de habilitações a exigir aos concorrentes, pelo nº1, do artigo 31º, do DL nº 12/2004, a qual lhe foi transmitida através da Decisão nº 10/2008 de 14 de Maio de 2008.
Tendo sido chamada a pronunciar-se sobre a divergência de exigências habilitacionais formuladas no PC e no Anúncio, - que, por força da prevalência do disposto no PC, tinha por consequência ter sido efectuada a mencionada exigência habilitacional cumulativa, o que não era consonante com a citada recomendação - veio a entidade recorrente referir ter-se tratado de um lapso e que os concorrentes seguiram o que foi indicado no Anúncio, sendo que nenhum concorrente havia sido excluído por não possuir as habilitações exigidas em qualquer das referidas peças procedimentais.
As razões atrás apontadas, - designadamente, pela prevalência que a lei faz recair sobre que consta do Programa de Concurso, - não afastam a ilegalidade verificada.
Todavia, atendendo às circunstâncias invocadas, não parece ter havido, por parte da entidade recorrente, uma intenção evidente de não acatar aquela recomendação.
Por isso, e sendo expectável uma nova e derradeira recomendação sobre a matéria, seja suficiente para que, no futuro, a entidade recorrente não volte a incorrer na mesma ilegalidade, entende-se, quanto a esta parte, poder fazer-se, de novo, uso da faculdade prevista no artigo 44º, nº4, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, e, conceder-se o visto ao contrato.

5. Vejamos, de seguida, a segunda questão a analisar neste recurso: A Decisão recorrida considerou, também, na fundamentação da recusa do visto, que o projecto de execução da empreitada não havia sido acompanhado do Plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição (RCD), com o conteúdo previsto no artigo 10º, nº2, do DL nº 46/2008 de 12 de Março (9) tal como se dispõe no artigo 43º, nº5, do CCP.
Efectivamente, o artigo 43º, nº5, al. f), do CCP estabelece que, em qualquer dos casos previstos nos nºs 1 a 3, do mesmo normativo, o projecto de execução deve ser acompanhado, sempre que tal se revele necessário, do Plano de prevenção e gestão de RCD, nos termos da legislação aplicável.
Tal legislação é, precisamente, o DL nº 46/2008 de 12 de Março, diploma que, no seu artigo 10º, estabelece a obrigatoriedade da existência daquele Plano, a acompanhar o projecto de execução, e com o conteúdo constante do nº2, do supra citado artigo 10º.
Por seu lado, o referido artigo 43º do CCP, estabelece, no seu nº8, al. c), que o caderno de encargos é nulo, quando o projecto de execução não seja acompanhado dos elementos previstos no nº5, entre os quais se conta o mencionado Plano de prevenção e gestão de RCD.
Ora, uma vez que o dito Plano não acompanhara o projecto de execução, e atendendo ao tipo de obra que é objecto do contrato de empreitada, bem andou a Decisão recorrida ao conferir o relevo que conferiu às consequências de tal omissão, isto é a nulidade do caderno de encargos e, consequentemente, a nulidade do contrato (artigos 43º, nº8, al. c) e 283º, nº1, do CCP).
Porém, como se mostra dos autos, (vide a matéria de facto dada por assente na alínea J) do probatório), foi apresentado pela entidade recorrente um Plano de gestão de resíduos de demolição e construção - RCD, cujo conteúdo cumpre, no essencial, o exigido no nº2, do artigo 10º, do citado DL nº 46/2008, de 12 de Março.
Afastado está, assim, o fundamento de recusa do visto decorrente da não apresentação daquele Plano, em cumprimento do citado artigo 43º, nº5, al. f) do CCP. 

IV - DECISÃO  

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Plenário:

a) Conceder provimento ao recurso interposto pelos SMAS de Ponta Delgada;
b) Conceder o visto ao contrato de empreitada de "Construção de Infra-estruturas de Saneamento Básico na Bacia da Praia dos Mosteiros";
c) Recomendar, aos SMAS de Ponta Delgada, o rigoroso cumprimento, no futuro, do disposto no artigo 31º, nº1, do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro.
São devidos emolumentos (artigos 5º, nº1, al. b) e 6º, nº2, do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo ao DL nº 66/96, de 31 de Maio, aplicáveis ex vi do artigo 17º, nº3, do mesmo diploma legal). 

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2010.

Os Juízes Conselheiros - (António M. Santos Soares, relator) - (Helena Abreu Lopes) - (João Figueiredo) - (Helena Ferreira Lopes)

Fui presente - O Procurador-Geral Adjunto - (Daciano Pinto)


(1) Publicado no Diário da República, 2ª série, de 25 de Maio de 2009.
(2) Proferida no Processo de fiscalização prévia nº 34/2008.
(3) O artigo 132º, nº1, al. f) do CCP, foi alterado pelo DL nº 278/2009 de 2 de Outubro, mantendo a redacção anterior, com excepção de aí se referir ao artigo 81º, e não ao artigo 81º, nº6, do CCP, como estava na redacção primitiva.
(4) Negrito nosso.
(5) Negrito nosso.
(6) Vide notas aos artigos 77º e 81º do seu "Código dos Contratos Públicos, Comentado e Anotado", 2008, ed. Almedina.
(7) Vide os artigos 34º a 36º, 46º, 48º, 101º, 105º e 109º do DL nº 197/99 de 8 de Junho e os artigos 67º a 70º do DL nº 59/99 de 2 de Março.
(8) No âmbito da legislação anterior ao actual CCP, este Tribunal, designadamente nos Acórdãos nºs 295/06, de 29 de Setembro de 2006, 141/07 de 17 de Dezembro de 2007, 54/08 de 8 de Abril de 2008 e 63/08 de 13 de Maio de 2008, considerou o Programa de Concurso como sendo um regulamento ad hoc onde se inscrevem, de forma imperativa, os trâmites e formalidades a que deve obedecer o procedimento adjudicatório, isto é, o seu regime fundamental. No mesmo sentido ia a lição de M. ESTEVES DE OLIVEIRA e de R. ESTEVES DE OLIVEIRA, in "Concursos e outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa", ed. Almedina, Coimbra, págs. 135 e segs..
(9) O DL nº 46/2008, de 12 de Março estabelece o regime das operações de gestão de resíduos resultantes de obras, ou demolições de edifícios, ou de derrocadas.