Acórdão n.º 2/2010, de 17 de Fevereiro de 2010, do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1312/2009)

Imprimir

 

ACÓRDÃO N.º 02/2010 - 17.Fev.2010 - 1ªS/PL

Recurso Ordinário n.º 23/2009

(Processo n.º 1312/09)

 

DESCRITORES:

Alteração do Resultado Financeiro por Ilegalidade / Alvará / Classificação de Empreiteiro de Obras Públicas / Habilitação a Concurso / Recusa de Visto / Restrição de Concorrência

SUMÁRIO:

1. A exigência, no programa do concurso, em matéria de qualificação dos concorrentes, de alvará com a classificação de empreiteiro geral de 2.ª categoria em classe que cubra o valor global da proposta ou a 10.ª subcategoria da 2.ª categoria em classe que cubra o valor global da proposta e a 15.ª subcategoria da 4.ª categoria, na classe correspondente ao valor dos trabalhos especializados a que respeite, viola o disposto no n.º 1 do art.º 31.º do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro.

2. A violação do preceito legal citado, na medida em que afastou a possibilidade de outros empreiteiros que detivessem as habilitações constantes no n.º 1 do art.º 31.º do Decreto-Lei n.º 12/2004, de serem oponentes ao concurso, é, em abstracto, limitador da concorrência, e, por isso, enquadrável na al. c) do n.º 3 do art.º 44.º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.

3. Não detendo qualquer das sociedades que constituem o consórcio adjudicatário as habilitações legalmente exigíveis para a execução da obra em causa, não lhe poderia esta ser adjudicada.

4. A adjudicação a quem não reúne os requisitos habilitacionais para a execução da obra altera o resultado financeiro do contrato, o que constitui fundamento de recusa de visto previsto na al. c) do n.º 3 do art.º 44.º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.

Conselheira Relatora: Helena Ferreira Lopes

 

ACÓRDÃO N.º 2 /10 - 17-Fev- 2010-1.ª S-PL

Recurso Ordinário N.ª 23/2009

(Processo n.º 1312/09)

1. RELATÓRIO

1.1. A Câmara Municipal de Sousel (CMS), inconformada com o Acórdão n.º 145/2009, de 08SET2009, que recusou o visto ao contrato celebrado, em 30JUN2009, entre a referida Câmara e o consórcio "Joaquim Fernandes Marques & Filho, S.A/Mondo Portugal, SA", pelo valor de 630.203,73€, acrescido de IVA, tendo por objecto o "Complexo Desportivo Municipal - Relvado Sintético e Estruturas de Apoio", veio do mesmo interpor recurso jurisdicional, concluindo como se segue:
1. Nos termos do art.º 31.º n.º 2 do DL 12/2004 a habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral, desde que adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global, dispensa a exigência do n.º 1.
2. O adjudicatário/empreiteiro Joaquim Fernandes Marques e Filhos, S.A., é detentor de alvará de empreiteiro geral de 2.ª categoria e de valor que cobre a totalidade da obra por ter a classe 3, cujo limite máximo é de €664,000,00, tal como consta do alvará; 3. O Ponto 3.2 do Programa do Concurso está em sintonia com o art.º 31.º, n.º 2 do DL 12/2004 que exige "aos concorrentes o alvará de construção com a classificação de empreiteiro geral de 2.ª categoria e classe que cubra o valor da proposta ou a posse da 10.ª categoria e classe que cubra o valor global da proposta....".
4. O Programa do Concurso está em sintonia com o referido preceito exigindo em termos de habilitação dos concorrentes a possibilidade de verificação alternativa dos dois tipos de habilitação exigidos, sendo certo que pelo facto da habilitação do concorrente Joaquim Fernando Marques & Filhos, S.A. ser determinada por alvará de empreiteiro geral de 2.ª categoria com classe 3 que cobre o valor total da proposta é suficiente para aferir por si só da habilitação necessária.
5. Ao entender de forma diversa o tribunal violou o art.º 31.º n.º 2 do DL 12/2004 e o ponto 6.2 do Programa do Concurso, importando a sua revogação.
6. No ponto 6.2 do Programa do Concurso não se explicitou o conceito de obra adequada prevista no n.º 1 do art.º 31 pelo simples facto de tal não ser necessário uma vez que os concorrentes tanto podem ser admitidos consoante a sua categoria e em classe que cubra o valor global da proposta, como pode apresentar-se com um conjunto de alvarás ou títulos de registo admissíveis desde que a habilitação assegure o valor das obras a realizar, como inequivocamente o permite o art.º 84.º n.º 1 b) do CCP.
7. Será da análise dos valores das classes que cada um detém e da natureza das obras abrangidas pelas respectivas categorias e subcategorias em função dos respectivos alvarás que o conceito de obra adequada há-de resultar, por forma a que seja assegurada a boa execução da obra.
8. No caso concreto não nos parece que o conceito de obra adequada à empreitada em questão seja o de obras de urbanização.
9. Na ausência de outra definição teremos de nos socorrer da definição prevista no DL 555/99, alínea h), a qual ali refere que: "são obras de urbanização: as obras de criação e remodelação de infra-estruturas destinadas a servir directamente o espaço urbano ou as edificações, redes de esgotos e de abastecimento de águas, electricidade, gás e telecomunicações e ainda espaços verdes e outros espaços de utilização colectiva".
10. Temos assim que obras de urbanização serão sempre as inerentes à construção de infra-estruturas, de edificação que será afecta a espaços públicos, cuja utilização será comum, enquadrando-se esta noção nas afectas a um conjunto urbano público ligado a uma estrutura de utilidade comum, como seja um loteamento.
11. No caso dos autos não são deste tipo as obras a realizar; trata-se da construção de uma base em betuminoso com cerca de 10 000 metros quadrados, compostas por camadas de "tout venant" e massa asfáltica, contendo a respectiva rede de drenagem, utilizando processos construtivos em tudo semelhantes aos da construção das vias rodoviárias, sobre a qual será colocado um tapete de relva sintética, incluindo a respectiva rede de rega, constituindo como é fácil de verificar o maior volume dos trabalhos da empreitada, tanto em volume e quantidade como em preço.
12. Entendemos, por isso, que as obras a realizar se aproximam mais das de natureza rodoviária e pavimentação. Daí que tendo o empreiteiro Joaquim Fernandes Marques & Filhos, S.A. o alvará de empreiteiro geral de 2.ª categoria com a classe 3 que inclui obras rodoviárias e pavimentação de valor que cobre a proposta, é suficiente a sua habilitação por ser a adequada à realização das obras em causa, sendo aquelas - as rodoviárias - as que têm maior expressão na empreitada, superior a € 215.000,00.
13. Nos termos do artigo 84.º, n.º 1, alínea b), do CCP, pode ler-se: "quando o adjudicatário for um agrupamento de pessoas singulares e colectivas b) o documento referido no n.º 2 do art.º 81.º pode ser apresentado por apenas um dos seus membros, podendo ser substituído pela apresentação de vários alvarás ou títulos de registo dos seus membros que, em conjunto, contenham as habilitações adequadas e necessárias à execução das obras a realizar".
14. Tomando como bom o quadro que a seguir discrimina todas as categorias e subcategorias, classe e respectivos valores, parece-nos evidente que não assiste razão ao douto Acórdão recorrido quanto à falta de habilitação do consorciado/adjudicatário. Vejamos:
(...)
15. O consórcio adjudicatário possui classificação suficiente em todas as categorias em que os respectivos trabalhos especializados se inserem, quer quanto à adjudicatária Joaquim Fernandes Marques & Filhos, S.A., quer quanto à Mondo Portugal, S.A., detentora de alvará de 2.ª categoria, 10.ª subcategoria na classe 2 até € 332.000,00 em virtude dos trabalhos especializados que lhes compete executar ascenderem a € 137.830,00.
16. O douto Acórdão recorrido violou pois o art.º 84.º, n.º 1, alínea b), do CCP, e errou na interpretação e aplicação da habilitação do consórcio adjudicatário face aos trabalhos a executar na empreitada em apreço, o que determina a revogação do mesmo substituindo-o por outro que conceda o visto ao tribunal. 1.2. O M.P. teve vista dos autos, tendo-se pronunciado pela improcedência do recurso (fls. 24 a 32)

1.3. Foram colhidos os vistos legais.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. O Acórdão recorrido, para além do facto a que se refere o intróito deste Acórdão, deu como assente a seguinte matéria de facto:

A) O contrato em apreço foi precedido de concurso público, cujo aviso de abertura foi publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Março de 2009;

B) O preço base do concurso foi de 650.248,50 €;

C) Ao concurso apresentaram-se 3 concorrentes, tendo sido todos admitidos;

D) O prazo de execução da obra é de 150 dias;

E) A consignação da obra ocorreu em 24 de Julho de 2009;

F) O critério de adjudicação, de acordo com o Programa do Concurso e o Anúncio do mesmo, é o do mais baixo preço;

G) No ponto 6.2 do Programa de Concurso e no ponto 8 do Anúncio do mesmo concurso, foi exigido aos concorrentes, em termos de habilitações, a titularidade de "alvará de construção emitido pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, InCI, I.P., com a classificação de empreiteiro geral de 2ª categoria, em classe que cubra o valor global da proposta ou a posse da 10ª subcategoria da 2ª categoria em classe que cubra o valor global da proposta e a 15ª subcategoria da 2ª categoria na classe correspondente ao valor dos trabalhos especializados a que respeite";

H) O consórcio adjudicatário comprovou a sua habilitação para a execução da empreitada através da apresentação dos alvarás de construção nºs 34812 (Joaquim Fernandes Marques & Filho, SA) e 59302 (Mondo Portugal, SA), onde se constata que é Empreiteiro Geral ou Construtor Geral de Obras de Urbanização - classe 2 e detentor das seguintes classes nas categorias exigidas:

Categorias

Subcategorias

Classe

Valor dos trabalhos

correspondentes

Joaquim

Fernandes Marques & Filho, SA

Mondo

Portugal, SA

10.ª

2.ª

2

2

267.504,22

15.ª

4.ª

1

-

4.924,91

Outros trabalhos, englobados em categorias e subcategorias não exigidas no Programa do Concurso

357.741,56

Valor total da proposta

630.170,69 €

 

 

 

 

 

 

 

 

I) De acordo com a declaração do adjudicatário, que acompanhou a proposta, nos termos do ponto 14.4 do programa do procedimento, o valor dos trabalhos a efectuar em cada uma das subcategorias é o seguinte:

Joaquim Fernandes Marques & Filho, SA

Mondo Portugal, SA

Cat.

Subcategoria

Valor

Cat.

Subcategoria

Valor

1.ª

1.ª Estruturas e elementos de betão

 

4.ª Alvenarias, rebocos, cantarias

 

5.ª Estuques, pinturas e revestimentos

 

6.ª Carpintarias

 

7.ª Trabalhos em perfis não estruturais

8.ª Canalizações e condutas em edifícios

9.ªInstalações sem qualificação específica

127.300,46

 

7.929,62

 

43.314,99

 

8.505,00

 

8.040,60

100.910,86

 

6.273,97

  

  

  

2.ª

10.ª Infra-estruturas de desporto e lazer

129.674,22

2.ª

10.ª Infra-estruturas de desporto e lazer

137.830,00

4.ª

1.ª Instalações eléctricas de baixa tensão

8.ª Sistemas de extinção de incêndios, seg.

10.ª AVAC e refrigeração

12.ª Redes de distribuição e instalações gás

15:º Outras instalações mecânicas e electr.

19.037,21

 

18.148,23

 

12.689,78

 

2.569,97

 

4.924,91

 

 

 

5.ª

1.ª Demolições

 

11.ª Impermeabilizações e isolamentos

900,00

 

16.141,46

 

 

 

TOTAL

492.373,73

TOTAL

137.830,00

 

J) Questionada a entidade adjudicante sobre as habilitações exigidas, face ao disposto no nº2, da Portaria nº 19/2004 de 10 de Janeiro, e sobre como considerava possível a adjudicação, face, por um lado, ao alvará solicitado e aos alvarás que as empresas consorciadas demonstravam possuir, e, por outro lado, ao facto de nenhuma das empresas consorciadas possuir a classe suficiente para a execução dos trabalhos em causa, tanto para o valor global como para os trabalhos especializados, veio a mesma entidade dizer, em síntese, o seguinte:
"...O alvará solicitado ... visou dar cumprimento ao disposto no artigo 12.º n.º1 do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, porquanto se aceitavam empresas titulares do alvará de empreiteiro geral da 2.ª categoria, ou empresas titulares da 10.ª subcategoria da 2.ª categoria, em classe correspondente ao valor da proposta, devendo neste último caso ser ainda titular da 15.ª subcategoria da 4.ª categoria, na classe correspondente ao valor dos trabalhos especializados a que respeita.
No caso presente o consórcio apresentou os alvarás nºs 34812, de Joaquim Fernandes & Filhos SA, contendo a classificação de empreiteiro geral na classe 3, e o alvará n.º 59302, de Mondo Portugal SA, contendo a 10ª subcategoria da 2ª categoria na classe 2; Nestes termos foi por nós entendido que a empresa Joaquim Fernandes & Filhos SA, habilitada à realização de todos os trabalhos, sendo detentora da classe 3, como empreiteiro geral, possuía classe suficiente para executar a totalidade da obra porquanto o limite desta classe - 664.000,00 € - é superior ao valor da empreitada - 630.203,73€.
Quanto à empresa Mondo, mostra-se titular da classe 2 cujo limite - 332.000€ - comporta o valor dos trabalhos dos quais é responsável - 137.830,00€..."  

2.2. O DIREITO

2.2.1. Do Acórdão recorrido

O Acórdão recorrido recusou o visto ao contrato com base na violação do disposto no art.º 31.º, nºs 1 e 2 do DL n.º 12/2004, de 9/01, no n.º 1 da Portaria n.º 1371/2008, de 2/12, e ainda dos artigos 132.º, n.º 1, f), e 81.º, n.º 2, 6, 8, do CCP
A este propósito diz o referido aresto: (i) o valor da empreitada é de 630.203,73€, acrescido de IVA; (ii) do disposto no art.º 31.º, nºs 1 e 2 do DL n.º 12/2004, de 9/01, no n.º 1 da Portaria n.º 1371/2008, de 2/12, e do ponto 6.2 da Portaria n.º 104/2001, de 21/02, resulta que "deve ser exigida a subcategoria respeitanteao tipo de trabalhos mais expressivo", sendo que "esta subcategoria terá de ser de classe que cubra o valor global da proposta; (iii) o n.º 1 da Portaria 1371/2008, estabelece a classe 3 para trabalhos com um valor até 664.000 €.; (iv) ora, atento o valor dos trabalhos em causa, a classe adequada para a presente empreitada é a classe 3; (v) no programa do concurso não foi indicada a categoria adequada para a obra, conforme resulta da alínea G) do probatório; (vi) na verdade, no que se refere à classificação de empreiteiro geral de 2.ª categoria, exigida no Programa de Concurso, o adjudicante não indicou qual a categoria adequada para a obra em causa, e que deveria ser a de obras de urbanização; (vii) e isto porque a 2.º categoria engloba, também, para além das obras de urbanização, as vias de comunicação e outras infra-estruturas, como resulta do n.º 1 da Portaria n.º 19/2004, de 10/01; (viii) acresce que não foram exigidas subcategorias relativas aos restantes trabalhos especializados, que fazem parte da obra, e que representam 56,8% do custo desta (no valor de €357.741,56, conforme resulta das alíneas H) e I) do probatório); (ix) acresce ainda que o adjudicatário não possui as habilitações exigidas no Programa do Concurso (ou seja a classificação como empreiteiro geral da 2.ª categoria em classeque cobrisse o valor global da proposta e a 15.ª categoria da 4.ª categoria, em classe correspondente ao valor dos trabalhos especializados); (x) o consórcio adjudicatário, na classificação de empreiteiro geral de obras de urbanização, apenas possui a classe 2, a qual só é suficiente para trabalhos com valor até €332.000,00, como resulta do n.º 1 da Portaria 1371/2008, de 2/12 (xi) conclui-se, assim, por um lado, que, no Programa do Concurso - e no que se refere à classificação de empreiteiro geral da 2.ª categoria - não foi indicada a categoria adequada para a obra em causa (que deveria ser a de obras de urbanização), nem foram exigidas subcategorias relativas aos restantes trabalhos especializados que fazem parte da obra e que representam mais de 50% do valor desta), e, por outro, que o adjudicatário não possui as habilitações exigidas no Programa do Concurso, uma vez que possuindo apenas a classe 2 - a que correspondem trabalhos com um valor até €332.000,00 - não detém a classe 3, a qual é a correspondente ao valor dos trabalhos da presente empreitada, de harmonia com o que dispõe a Portaria n.º 1371/2008, de 2/12 (xii) mais conclui que as referidas ilegalidades são susceptíveis de alterarem o resultado financeiro do contrato, uma vez que permitiram a candidatura deempresas que não dispunham das habilitações legalmente necessárias para a realização da obra, tendo esta sido adjudicada a quem não reunia as condições técnicas adequadas à sua concretização, o que integra o fundamento de recusa do visto previsto na alínea c) do n.º 3 do art.º 44.º da Lei 98/97, de 26/08.  

2.2.2. Do invocado erro de julgamento, por o Acórdão recorrido ter violado o disposto no n.º 2 do art.º 31.º do DL 12/2004, e o ponto 6.2. do Programa do Concurso

Dispõe o art° 31.º do referido diploma, sob a epígrafe "Exigibilidade e verificação das habilitações", que:
1- Nos concursos de obras públicas e no licenciamento municipal, deve ser exigida uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, sem prejuízo da eventual exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes.
2- A habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral, desde que adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global, dispensa a exigência a que se refere o número anterior." 

Da interpretação do referido preceito podemos concluir o seguinte:

(i) Se o dono da obra apenas exigir o que consta do n.º 1 do art.º 31.º não está a violar qualquer normativo relativo às habilitações exigidas quanto aos empreiteiros;
(ii) Se apenas exigir o que consta do n.º 2 do art° 31.º está a violar o disposto no n.º 1 do art° 31.º;
(iii) Se fizer constar do programa do concurso as duas hipóteses - a do n.º 1 e a do n.º 2 do art° 31.º - não está a violar qualquer normativo relativo às habilitações exigidas quanto aos empreiteiros; ou seja, se, no programa do concurso, o dono da obra possibilitar que, quer os empreiteiros com a habilitação mencionada no nº1, do artigo 31º, quer os empreiteiros com a habilitação referida no nº2, do mesmo normativo, podem concorrer, também não viola qualquer normativo. 

É certo que a Portaria n.º 104/2001, de 21 de Fevereiro, que aprovou a minuta do Programa de concurso tipo refere expressamente o seguinte:
"6. Admissão dos concorrentes:
6.1. Podem ser admitidos a concurso:
a) Os titulares do certificado de classificação de obras públicas...
b) (...)
c) (...).
6.2. - O certificado de classificação de obras públicas previsto na alínea a) do n.º 6.1 deve conter:
a1) A classificação como empreiteiro geral (1) de (edifícios, estradas, vias ferras, obras de urbanização, obras hidráulicas, instalações eléctricas ou instalações mecânicas, de acordo com o estabelecido na Portaria n.º 412-I/99, de 4 de Junho) na ....(1.ª, 3.ª 4.ª ou 5.ª) categoria, em classe correspondente ao valor da proposta;
ou (1)
a2) A ....subcategoria da ....categoria, a qual tem de ser de classe que cubra o valor global da proposta e integrar-se na categoria em que o tipo da obra se enquadra (2);
b) A(s) ....subcategoria(s) da(s) ....categoria(s), na classe correspondente à parte dos trabalhos a que respeite(m), caso o concorrente não recorra à faculdade conferida no n.º 6.3 (indicar as restantes subcategorias necessárias à execução da obra". 

Todavia, posteriormente, entrou em vigor o Decreto-Lei 12/2004, de 9 de Janeiro, que no seu art.º 31.º, veio alterar e revogar implicitamente o que da Portaria n.º 104/2001 constava no seu ponto 6.2.
No caso dos autos, no programa do concurso, em matéria de qualificação dos concorrentes, exigiu-se que o alvará contenha as seguintes habilitações (ponto 6.2):
a) Classificação de empreiteiro geral de 2º categoria em classe que cubra o valor global da proposta;
b) Ou a 10ª subcategoria da 2ª categoria em classe que cubra o valor global da proposta e 15ª subcategoria da 4ª Categoria, na classe correspondente ao valor dos trabalhos especializados a que respeite.
No programa de concurso foi exigido aos concorrentes a subcategoria respeitante ao tipo de trabalhos mais expressivo (10.ª da 2.ª Categoria), de classe correspondente ao valor da proposta.
Também foi exigido, em alternativa, a classificação em empreiteiro geral de 2.ª categoria (sem especificar a adequada ao tipo de obra em causa, neste caso de urbanização), em classe correspondente ao valor da proposta.
Por outro lado, não foram exigidas subcategorias relativas aos restantes trabalhos especializados (das 1.ª, 4.ª e 5.ª categorias), que fazem parte da presente obra e que representam 56,8 % do custo da obra (no valor global de 357 741,56, conforme se observa nos quadros acima referidos).
Nesta medida o programa do concurso não observou o disposto no n.º 1 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, sendo que, como veremos a seguir, o adjudicatário apenas está habilitado a executar obras, nessa subcategoria, da classe 2, ou seja, até ao valor de €332.000,00 (cfr. n.º 1 da Portaria n.º 1371/2008, de 2 de Dezembro).
A violação daquele preceito, na medida em que afastou a possibilidade de os empreiteiros que detivessem as habilitações constantes no n.º 1 do art.º 31.º do DL 12/2004, de serem oponentes ao concurso, é, em abstracto, é limitador da concorrência(2), e, por isso, enquadrável na alínea c) do n.º 3 do art.º 44.º da Lei 98/97, de 26/08.

Improcedem, por todo o exposto, os invocados vícios de violação de lei.

2.2.3. Do invocado erro de julgamento, por o consórcio adjudicatário, ao invés do referido no Acórdão recorrido, ter apresentado os documentos de habilitação adequados e necessários à execução da obra.
A Recorrente vem, entre o mais, alegar que a sociedade "Joaquim Fernandes & Filhos SA, é detentora de alvará de empreiteiro geral de 2.ª categoria e de valor que cobre a totalidade da obra, por ter a classe 3, cujo o limite máximo é €664.000,00, tal como consta do alvará".
Com relevância, alega ainda que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 84.º do CCP, o alvará pode ser apresentado apenas por uma das sociedades consorciadas.

Vejamos:

De acordo com o ponto 2 do anúncio do concurso, o contrato tem por objecto a "Construção de um Campo de Futebol, cujo terreno de jogo de Futebol terá as dimensões de 104,40m x 60,40m (6.724,00m2) inserido numa área de relvado sintético de 7.552,00m2 com as dimensões de 110,40m x 68,40m (homologado pela FIFA), e de edifício com 2 blocos de balneários."
Da análise efectuada à proposta adjudicada, verifica-se que a empreitada em causa se resume à realização dos seguintes trabalhos: 

Capítulos

Valor(euros)

%

  Arquitectura

107.484,52

17,06

 1. Alvenarias

6.660,66

 

 2. Cantarias

1.268,97

 3. Coberturas

1.441,08

 4. Impermeabilizações e isolamentos

16.141,44

 5. Revestimento em paredes e tectos

21.641,35

 6. Revestimentos em pavimentos e rodapés

21.673,63

 7. Carpintarias

8.505,00

 8. Serralharias e caixilharias de alumínio e/ou aço

8.040,50

 9. Equipamento sanitário

6.127,70

 10. Vidros e espelhos

145,25

 11. Diversos

4.588,94

 12. Estaleiro

11.250,00

  Arquitectura paisagística / Campo de futebol

270.570,70

42,94

 1. Demolições

900,00

 

 2. Movimento de terras

0,00

 

 3. Pavimentos

267.465,73

 4. Diversos

2.205,00

Rede de rega

35.931,76

5,70

Fundações e estruturas - Edifício do balneário (estabilidade de betão armado)

66.465,45

10,55

Muro de suporte (estabilidade de betão armado)

41.345,21

6,56

Rede águas, incêndios e esgotos

57.777,00

9,17

 1. Rede exterior de abastecimento de água

1.537,88

 

 2. Rede predial abastecimento de água

8.683,29

 3. Rede de águas residuais domésticas

6.272,11

 4. Rede de águas pluviais

33.346,94

 5. Estação elevatória

2.495,78

 6. Equipamento electromecânico

2.430,00

 

 7. Rede de combate a incêndios

3.011,00

Instalações eléctricas

35.335,20

5,61

 1. Rede de terras / pára-raios

4.059,00

 

 2. Quadros eléctricos

7.299,00

 

 3. Iluminação normal

6.123,76

 

 4. Iluminação de emergência

1.259,41

 

 5. Alimentações específicas

295,97

 

 6. Canalizações

10.459,35

 

 7. Tubagem

4.686,71

 

 8. Diversos

1.152,00

 

  Rede de abastecimento de gás natural

2.569,95

0,41

 1. Ramal de média pressão

1.548,18

 

 2. Ramal de baixa pressão

301,77

 

 3. Ensaios e emissão de TR

 720,00

 

Instalações mecânicas

12.689,78

2,01

 1. Central térmica

7.810,79

 

 2. Caldeira a gás

4.878,99

 

Total da proposta

630.170,69

100,00

 

No programa do concurso, em matéria de qualificação dos concorrentes, exige-se, como atrás já se referiu, que o alvará contenha as seguintes habilitações (ponto 6.2):
c) Classificação de empreiteiro geral de 2º categoria em classe que cubra o valor global da proposta;
d) Ou a 10ª subcategoria da 2ª categoria em classe que cubra o valor global da proposta e 15ª subcategoria da 4ª Categoria, na classe correspondente ao valor dos trabalhos especializados a que respeite. 

O consórcio adjudicatário comprovou a sua habilitação para a execução da empreitada através da apresentação dos alvarás deconstrução nºs 34812 (Joaquim Fernandes Marques & Filho, SA) e 59302 (Mondo Portugal, SA), onde se constata que é Empreiteiro Geral ou Construtor Geral de Obras Rodoviárias - classe 3, Empreiteiro Geral ou Construtor Geral de Obras de Urbanização - classe 2 (até 332.000 €), onde se poderá enquadrar a presente empreitada, e detentor das seguintes classes nas categorias exigidas:

Subcategoria

Categoria

Classe

Valor dos trabalhos correspondentes

(euros)

Joaquim Fernandes Marques & Filho, SA

Mondo Portugal, SA

10.ª

2.ª

2

2

267.504,22

15.ª

4.ª

1

-

4.924,91

Outros trabalhos, englobados em categorias e subcategorias não exigidas no Programa do Concurso

357.741,56

Valor total da proposta

630.170,69

 

De acordo com a declaração do adjudicatário, que acompanhou a proposta, nos termos do ponto 14.4 do programa de procedimento, o valor dos trabalhos a efectuar em cada uma das subcategorias é o seguinte:

Joaquim Fernandes Marques & Filho, SA

Mondo Portugal, SA

  

Cat.

Subcategoria

  

Valor

  

Cat.

  

Subcategoria

  

Valor

1.ª

 

1.ª Estruturas e elementos de betão

 

4.ª Alvenarias, rebocos, cantarias

 

5.ª Estuques, pinturas e revestimentos

 

6.ª Carpintarias

 

7.ª Trabalhos em perfis não estruturais

 

8.ª Canalizações e condutas em edifícios

 

9.ªInstalações sem qualificação específica

127.300,46

 

 

7.929,62

 

 

43.314,99

 

 

8.505,00

 

 

8.040,60

 

 

6.273,97

 

 

 

2.ª

 

10.ª Infra-estruturas de desporto e lazer

129.674,22

2.ª

 

10.ª Infra-estruturas de desporto e lazer

137.830,00

4.ª

 

1.ª Instalações eléctricas de baixa tensão

 

8.ª Sistemas de extinção de incêndios, seg.

 

10.ª AVAC e refrigeração

 

12.ª Redes de distribuição e instalações gás

 

15:º Outras instalações mecânicas e electr.

 

 

19.037,21

 

18.148,23

 

12.689,78

 

2.569,97

 

4.924,91

 

 

 

5.ª

 

1.ª Demolições

 

11.ª Impermeabilizações e isolamentos

900,00

 

16.141,46

 

 

 

 

TOTAL

492.373,73

TOTAL

137.830,00

 

 

Do quadro acima evidencia-se que o tipo de trabalhos mais expressivo na obra em causa enquadra-se na 10.ª subcategoria (Infra-estruturas de desporto e de lazer) da 2.ª categoria (Vias de comunicação, obras de urbanização e outras infra-estruturas), sendo necessária a classe 3 (classe correspondente ao valor da proposta) e nenhuma das empresas do consórcio é detentora desta classe (3).

Por outro lado, destacam-se ainda os diversos trabalhos que fazem parte da presente empreitada, englobados em categorias e subcategorias não exigidas no concurso (56,8% do valor da proposta) e para os quais era necessária a devida habilitação dos concorrentes.
Ora, a adjudicatária é titular do alvará de Empreiteiro Geral ou Construtor Geral de Obras Rodoviárias - classe 3 (até 664.000 €) e a ora Recorrente entendeu que, este se adequava e era suficiente para a realização da empreitada em causa.
A classificação em empreiteiro geral ou construtor geral (3) depende da posse cumulativa das subcategorias determinantes, de acordo com o quadro infra: 

Categorias

Empreiteiro geral ou construtor geral

Subcategorias determinantes

2.ª

Obras rodoviárias

1.ª Vias de circulação rodoviária e aeródromos.

3.ª Pontes e viadutos de betão

2.ª

Obras de urbanização

1.ª Vias de circulação rodoviária e aeródromos.

6.ª Saneamento básico

 

Deste quadro acima, verifica-se que quer as subcategorias determinantes das obras de urbanização (1.ª e 6.ª) quer as das obras rodoviárias (1.ª e 3.ª) não correspondem a trabalhos especializados a efectuar na empreitada, face ao teor da declaração do adjudicatário que acompanhou a proposta (nos termos do ponto 14.4 do programa de procedimento), uma vez que só existem trabalhos da 10.ª subcategoria (Infra-estruturas de desporto e de lazer) da 2.ª categoria (Vias de comunicação, obras de urbanização e outras infra-estruturas), conforme se observa no quadro acima.
Salienta-se ainda que, da consulta ao Anexo II - Classificação das obras por categorias - da Portaria n.º 701-H/2008, de 29 de Julho, o projecto da empreitada insere-se na categoria de Espaços Exteriores (zonas desportivas, de recreio e lazer) e não na categoria de Estradas e arruamentos.  

Em suma: o consórcio adjudicatário não detém as habilitações necessárias para a execução da obra.

Não detendo qualquer as sociedades que constituem o consórcio adjudicatário as habilitações legalmente exigíveis para a execução da obra em causa, não lhe poderia esta ser adjudicada.
A adjudicação a quem não reunia os requisitos habilitacionais para a execução da obra altera o resultado financeiro do contrato.
Verifica-se, assim, o fundamento de recusa de visto previsto na alínea c) do n.º 3 do art.º 44.º da Lei n.º 98/97, de 26/08. Improcede, assim, o invocado erro de julgamento, por nenhuma das sociedades consorciadas ter a habilitação necessária para executar a obra, não se mostrando, por isso, violado o disposto na alínea b) do n.º 1 do artº 84.º do CCP.

3. DECISÃO

Termos em que se decide julgar improcedente o recurso, mantendo-se o Acórdão recorrido.
Emolumentos legais.
Registe e notifique.
Lisboa, 17 de Fevereiro de 2010 

Os Juízes Conselheiros - (Helena Ferreira Lopes) - (António Santos Carvalho) -(Pinto Almeida)

O Procurador-Geral Adjunto - (Daciano Pinto)


(1) Sublinhado nosso  
(2) Anote-se que in casu concorreram apenas 3 sociedade
(3) Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, e do artigo 2.º da Portaria n.º 19/2004, de 10 de Janeiro.