Acórdão n.º 113/2009, de 12 de Maio de 2009, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 524/2009)

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ACÓRDÃO N.º 113/2009 - 12.Mai.2009 - 1ª S/SS

(Processo n.º 524/09)

DESCRITORES:

Alteração do Resultado Financeiro por Ilegalidade / Apresentação das Propostas / Avaliação das Propostas / Concurso Internacional / Concurso Público / Contrato de Locação Financeira / Encargo Plurianual / Modelo / Nulidade / Prazo / Publicidade de Concurso / Recusa de Visto / Restrição de Concorrência

SUMÁRIO:

1. Quando se destina a proporcionar a um contraente público o gozo temporário de bens móveis, a locação financeira deve considerar-se como uma modalidade de locação de um bem móvel, a que se aplica, por força do art.º 432.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), o regime dos contratos de aquisição de bens móveis dele constante.

2. O valor de um contrato de locação financeira inclui, para além do preço do bem, o montante dos juros devidos pela locação financeira, os encargos a suportar relativamente à contratação e à gestão do contrato e o valor residual.

3. Atento o valor do contrato, superior a € 206.000,00, limiar estabelecido na al. b) do art.º 7.º da Directiva 2004/18/CE, na redacção do Regulamento (CE) n.º 1422/2007 da Comissão, de 4 de Dezembro de 2007, era obrigatória a realização de concurso público de âmbito internacional e respectiva publicação no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE), conforme o disposto nos arts. 1.º, n.ºs 2, al. d), e 9, 7.º, al. b), 35.º, n.º 2, 36.º e Anexo VIII da Directiva referida.

4. A celebração do contrato cujo anúncio do concurso não tenha sido publicitado no JOUE, nos termos supra referidos, viola o disposto no art.º 20.º, n.º 1, al. b) do Código dos Contratos Públicos, e determina a nulidade do mesmo, conforme o estabelecido nos art.ºs 3.º, n.º 4 da Lei das Finanças Locais e 283.º, n.º 1 do CCP, o que constitui fundamento da recusa de visto, nos termos da al. a) do n.º 3 do art.º 44 da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC).

5. A realização do procedimento e a assunção de encargos plurianuais sem a devida autorização da Assembleia Municipal, em desrespeito pelo disposto nos n.ºs. 1 e 6 do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, constitui violação directa de uma norma financeira, fundamento da recusa de visto, nos termos da al. b) do n.º 3 do art.º 44.º da LOPTC.

6. A fixação de um prazo para apresentação de propostas inferior ao estabelecido no n.º 1 do art.º 136.º do CCP - 47 dias - é susceptível de reduzir a concorrência e limitar o universo das propostas apresentadas.

7. A insuficiência dos elementos relativos ao modelo de avaliação das propostas constitui uma ilegalidade que pode interferir, de forma negativa, na imparcialidade do processo de escolha (cfr. arts. 132.º, n.º 1, al. n) e 139.º do Código dos Contratos Públicos).

8. A insuficiente fundamentação para a fixação de um prazo contratual superior a três anos acarreta encargos financeiros acrescidos e viola os art.º 440.º, n.º 1 do CCP, aplicável aos contratos de locação de bens móveis ex vi dos arts. 432.º e 48.º do mesmo diploma legal.

9. As ilegalidades referidas são susceptíveis de alterar o resultado financeiro do procedimento adoptado e do subsequente contrato, o que constitui fundamento da recusa de visto no termos do disposto na al. c) do n.º 3 do art.º 44.º da LOPTC.

Conselheira Relatora: Helena Abreu Lopes

 

ACÓRDÃO Nº 113 /09-. Maio.12-1.ª S/SS

Proc. Nº 524/2009

1. O Município de Vila Nova de Cerveira remeteu para fiscalização prévia o contrato de "Locação Financeira Mobiliária", celebrado, em 2 de Fevereiro de 2009, entre aquele Município e a CAIXA LEASING E FACTORING - Instituição Financeira de Crédito, S.A.

2. DOS FACTOS

Além do referido em 1, relevam para a decisão os seguintes factos, evidenciados por informações e documentos constantes do processo:

a) Através do contrato em apreço, o locador (CAIXA LEASING E FACTORING - Instituição Financeira de Crédito, S.A) adquire e disponibiliza ao locatário (Município de Vila Nova de Cerveira), pelo período de 5 anos, um autocarro com 51 lugares, de marca Volvo B12B 420 Euro 4;

b) O veículo foi seleccionado ao abrigo de um contrato público de aprovisionamento (cfr. fls. 12, 20 e 78 a 81 dos autos);

c) Para a celebração do contrato de locação foi realizado um concurso público, autorizado por despacho do Presidente da Câmara de 10 de Novembro de 2008 (vd. fls. 20 a 22), o qual foi ratificado, por unanimidade, pela Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, em deliberação de 12 de Novembro de 2008 (vd. fls. 26);

d) Na informação que precedeu a autorização da realização do concurso referiu-se (cfr. fls. 20):
" 2. (...) Estima-se que o respectivo preço contratual não deverá exceder 205.843,36 € (ao qual acresce o valor de IVA à taxa legal em vigor) (...).
3. Nos termos da regra geral de escolha de procedimento (prevista no artigo 18.º do CCP) e do valor máximo do benefício económico que pode ser obtido pelo adjudicatário com a execução do contrato a celebrar (de acordo com os limites ao valor do contrato constantes da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CCP), propõe-se a adopção de um Concurso Público sem Anúncio no JOUE."

e) O anúncio de abertura do concurso foi publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 219, de 11 de Novembro de 2008 (vd. fls. 23 a 25);

f) Questionado sobre a publicação do anúncio de abertura do concurso no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE), veio o Município referir, no ofício n.º GSE -3120/2009, de 21 de Abril de 2009, a fls. 72 e 73 dos autos:
" (...) o mesmo não foi publicado no JOUE, pelo facto do valor não ultrapassar os € 206.000,00";

g) O prazo para apresentação de propostas foi fixado em 20 dias a contar do envio do anúncio para publicação (vd. fls. 24);

h) O critério de adjudicação foi fixado da seguinte forma (vd. artigo 9.º do Programa de Concurso, a fls. 9, e n.º 12 do anúncio do concurso, a fls. 24):
" A adjudicação será feita segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, tendo em conta os seguintes factores:
» 90% - Valor mais baixo, considerando o valor total da operação incluindo o somatório das rendas, do valor residual, despesas administrativas e outras;
» 10% - Existência ou não de tecto máximo referente à taxa utilizada."

i) A adjudicação da locação financeira mobiliária foi efectuada à CAIXA LEASING E FACTORING - Instituição Financeira de Crédito, S.A, por despacho do Presidente da Câmara Municipal, de 22 de Janeiro de 2009, ratificado por deliberação da Câmara de 11 de Fevereiro de 2009 (vd. fls.47 e 48 dos autos)

j) A adjudicação foi feita pelo valor de € 225.355,35, acrescido de IVA, em que € 205.843,36 é o valor da viatura e o restante corresponde a encargos, juros e valor residual (cfr. fls. 37, 41 e 47);

k) O contrato consagrou o pagamento de 60 rendas mensais, cada uma no valor indicativo de € 3.545, 93, e o valor residual de € 8.233,73, o que corresponde a um total estimado de € 220.989,53, a que acresce IVA. Nos termos da cláusula 5.ª das Condições Gerais são ainda devidas despesas administrativas, comissões e outros encargos relativos à contratação e gestão do contrato. O valor das rendas é indicativo, atendendo a que estão indexadas à EURIBOR a 30 dias;

l) O contrato de locação financeira foi celebrado pelo prazo de 60 meses, o que corresponde a 5 anos (cfr. cláusula 7.ª das Condições Particulares do contrato);

m) Na informação que precedeu a autorização da realização do concurso foi referido (cfr. fls. 20):
" (...) 5. Considerando o estipulado no artigo 48.º do C.C.P., o qual impõe para as locações financeiras um prazo de três anos, no caso concreto, dado que estamos perante a aquisição de um autocarro, cujo período de amortização é de 5 anos e também porque os encargos financeiros, anualmente, serão menores para a autarquia, propõe-se que o prazo desta Locação Financeira seja de 5 anos.(...)"

n) No PPI para 2009 encontra-se inscrito um valor de despesa, no montante de € 55.000,00, para o ano em curso, na rubrica "Aquisição de material de transporte - locação financeira", não prevendo essa rubrica qualquer despesa em anos futuros.

3. DAS ILEGALIDADES VERIFICADAS.

O contrato em apreciação é um contrato de locação financeira, através do qual o locador concede ao Município, mediante retribuição, o gozo temporário de um autocarro, adquirido pelo próprio locador, por indicação do locatário, com a possibilidade de este poder vir a comprar esse veículo.
Este tipo de contrato destina-se essencialmente a assegurar a obtenção de recursos financeiros que permitam a concretização do negócio de aquisição dos bens corpóreos (1), incorporando, portanto, a prestação de serviços financeiros.
Não obstante esta componente de fornecimento de serviços, o Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, no n.º 2 do seu artigo 431.º, veio estipular que, quando se destina a proporcionar a um contraente público o gozo temporário de bens móveis, a locação financeira se deve considerar como uma modalidade de locação de um bem móvel, a que se aplica, por força do artigo 432.º do mesmo Código, o regime dos contratos de aquisição de bens móveis(2).
Atendendo a que o procedimento de formação do contrato em referência foi iniciado em data posterior à entrada em vigor daquele Código (3), é-lhe aplicável o regime dele constante.
Ora, à luz do regime constante do Código dos Contratos Públicos e da legislação financeira aplicável, são de apontar à tramitação do concurso público que precedeu o contrato ora submetido a visto várias ilegalidades, que de seguida se identificam. 

a) Do âmbito do concurso realizado

Uma das regras claramente expressas no Código dos Contratos Públicos é a de que entre o procedimento de formação utilizado e o valor do contrato tem de haver compatibilidade, independentemente do valor que haja sido estimado aquando do lançamento desse procedimento. Como se refere no artigo 18.º, a escolha do procedimento utilizado condiciona o valor do contrato a celebrar.
Nessa linha, a alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do Código estabelece que a escolha do concurso público cujo anúncio não tenha sido publicado no JOUE só permite a celebração de um contrato de locação ou de aquisição de bens móveis cujo valor seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 7.º da Directiva n.º 2004/18/CE.
O limiar estabelecido na alínea b) do artigo 7.º da Directiva 2004/18/CE, na redacção do Regulamento (CE) n.º 1422/2007 da Comissão, de 4 de Dezembro de 2007, é de € 206.000,00 (4).
É certo que, como se referiu na alínea d) do ponto 2 deste Acórdão, os serviços da autarquia estimaram que o preço contratual não deveria exceder € 205.843,36, acrescido de IVA, e consideraram, por isso, não ser necessário publicar o anúncio do concurso no JOUE.
No entanto, como se conclui do referido nas alíneas j) e k) do mesmo ponto, os valores da adjudicação e do contrato ultrapassaram essa estimativa, bem como o limiar estabelecido na Directiva.
Poderá dizer-se que o valor do bem em causa não excede aquela estimativa. É, de facto, esse o preço do autocarro que, como tal, está referido na cláusula 5 das Condições Particulares do contrato.
Só que o contrato em análise não se confunde com a mera aquisição do bem. É, como vimos, um contrato de financiamento a médio prazo remunerado. Através dele, o locador far-se-á pagar pelo preço do autocarro, pelo custo do financiamento (expresso nos juros calculados sobre o montante avançado pelo locador para a compra do bem), pelo custo da própria operação e da respectiva gestão e, em caso de o locatário optar pela compra do bem, pelo seu valor residual.
Para determinar o valor do contrato em análise, deve atender-se ao disposto no artigo 17.º do Código dos Contratos Públicos.
De acordo com este preceito, o valor do contrato corresponde ao valor da totalidade do benefício económico obtido pelo adjudicatário com a execução de todas as prestações que constituem o objecto do contrato, incluindo, além do preço a pagar, o valor de quaisquer contraprestações a efectuar em favor do adjudicatário e ainda o valor das vantagens que decorram directamente para este da execução do contrato e que possam ser configuradas como contrapartidas das prestações que lhe incumbem.
Assim, é claro que o valor do contrato inclui, no caso, para além do preço do bem, o montante dos juros devidos pela locação financeira, os encargos a suportar relativamente à contratação e à gestão do contrato e o valor residual.
Ora, como já referimos, a soma desses valores, tal como consta das alíneas j) e k) do ponto 2, é, em qualquer caso, superior a € 206.000,00, limiar estabelecido na alínea b) do artigo 7.º da Directiva 2004/18/CE, na redacção do Regulamento (CE) n.º 1422/2007 da Comissão, de 4 de Dezembro de 2007.
Assim, a publicação do anúncio do concurso no JOUE era obrigatória, conforme decorre também dos artigos 1º, n.º 2, alínea d), e n.º 9, 7º, alínea b), 35º, n.º 2, 36º e Anexo VIII da Directiva referida.
Não tendo essa publicitação sido realizada (cfr. alíneas e) e f) do probatório), resulta do estabelecido no artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do Código dos Contratos Públicos, que o contrato não podia ter sido celebrado.
Ao omitir-se essa publicitação, prejudicou-se ainda a realização da mais ampla concorrência possível, a igualdade de oportunidades entre os operadores económicos do espaço europeu e a realização do mercado único a que Portugal se encontra obrigado pela vinculação aos Tratados Europeus.
Como bem se referiu no Acórdão n.º 119/2007, da 1ª Secção do Tribunal de Contas, essas situações podem dar origem a acções de incumprimento e a condenações por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos previstos nos artigos 226º a 229º do Tratado CEE.
E a jurisprudência desse Tribunal tem sido invariável no sentido de que, relativamente aos contratos abrangidos pelas directivas comunitárias e relativamente às entidades sujeitas ao seu âmbito de aplicação, não há fundamento, a não ser que expressamente previsto nas próprias directivas, para, situando-se os contratos em causa acima dos limiares comunitários, não proceder à realização de concurso publico de âmbito internacional e à sua publicação no JOUE, por forma a assegurar a concorrência comunitária e a concretização do mercado interno.
Este Tribunal vem mesmo afirmando que, independentemente das directivas, as regras e princípios fundamentais do Tratado impõem um grau de publicidade adequada para garantir a abertura da concorrência aos contratos públicos e o controlo da imparcialidade dos processos de adjudicação.

b) Do prazo para apresentação de propostas

Havendo lugar à publicação do anúncio no JOUE, e por força do disposto no n.º 1 do artigo 136.º do Código dos Contratos Públicos, o prazo estabelecido para entrega das propostas não poderia ter sido inferior a 47 dias. No caso, foi apenas de 20 dias (cfr. alínea g) do ponto 2 deste Acórdão).

c) Do modelo de avaliação das propostas

De acordo com o disposto nos artigos 132.º, n.º 1, alínea n), do Código dos Contratos Públicos, no caso de o critério de adjudicação adoptado ser o da proposta economicamente mais vantajosa, como sucedeu no caso, o Programa de Concurso deve indicar o modelo de avaliação das propostas.
Este modelo deve ser elaborado nos termos do estabelecido naquele preceito e no artigo 139.º do mesmo Código.
Assim, não só devem ser indicados no Programa de Concurso os factores e eventuais subfactores do critério de adjudicação e os respectivos coeficientes de ponderação, mas deve esse mesmo Programa incluir, relativamente a cada um dos factores ou subfactores elementares, a respectiva escala de pontuação, bem como a expressão matemática ou o conjunto ordenado de diferentes atributos susceptíveis de serem propostos para cada um dos aspectos da execução do contrato respeitantes a esse factor ou subfactor, que permitam a atribuição das pontuações parciais.
As operações de avaliação do júri devem, em conformidade, ser feitas através da aplicação da escala de pontuação e da expressão matemática estabelecidas no Programa.
Como se conclui do referido na alínea h) do ponto 2 deste Acórdão, o Programa de Concurso não incluiu a especificação necessária quanto à escala de pontuação e à expressão matemática ou conjunto ordenado de atributos.

d) Do prazo contratual

O n.º 1 do artigo 440.º do Código dos Contratos Públicos (aplicável aos contratos de locação de bens móveis por via dos artigos 432.º e 48.º) estabelece que o prazo de vigência dos contratos não pode ser superior a três anos, salvo se tal se revelar necessário ou conveniente em função da natureza das prestações objecto do contrato ou das condições da sua execução.
O artigo 48.º dispõe, por sua vez, que a fixação de um prazo de vigência do contrato a celebrar superior a três anos deve ser sempre fundamentada.
Atendendo a que a disciplina do Código aponta para que a regra seja a de a vigência dos contratos não exceder três anos e para que uma duração superior seja excepção, exigindo uma especial fundamentação, afigura-se nos que o que foi invocado pela autarquia para justificar um prazo contratual de cinco anos é insuficiente para o efeito (cfr. alíneas l) e m) do probatório).

e) Da autorização para a assunção de encargos plurianuais

O contrato em apreço, com a vigência de 60 meses, implica a realização de despesas mensais durante todo esse prazo de vigência e o eventual pagamento do valor residual no fim do contrato.
O valor estimado dos encargos anuais com as rendas é, para cada ano, de € 42.551,16 (€ 3.545,93 x 12).
Nos termos do disposto no artigo 22.º, n.ºs 1 e 6, do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, ainda em vigor (5), a abertura de procedimento relativamente a despesas que dêem lugar a encargo orçamental em mais de um ano económico, nomeadamente com a aquisição de bens através de locação financeira, não pode ser efectivada sem prévia autorização do órgão deliberativo do Município, ou seja, da Assembleia Municipal.
Essa autorização não seria exigível se a despesa resultasse de um plano ou programa plurianual legalmente aprovado por aquele órgão (cfr. alínea a) do n.º 1 do referido artigo 22.º). Como vimos na alínea n) do probatório, foi junto ao processo cópia do Plano Plurianual de Investimentos (PPI) da autarquia, mas nesse Plano, e para o caso, está apenas contemplada despesa para 2009 e não para anos subsequentes.
A autorização da Assembleia Municipal não seria também necessária se os encargos decorrentes do contrato não excedessem o limite de € 99.759,58 em cada um dos anos económicos seguintes ao da sua contracção e o prazo de execução de três anos (cfr. alínea b) do n.º 1 do referido artigo 22.º). Os encargos anuais em causa não excedem o valor referido, mas, como já vimos, o prazo de execução do contrato é superior a três anos.
Assim, não se verificando nenhuma das situações ressalvadas naquelas duas alíneas, a abertura do concurso carecia de ter sido autorizada pela Assembleia Municipal, o que não sucedeu.  

4. DA RELEVÂNCIA DAS ILEGALIDADES IDENTIFICADAS

As ilegalidades identificadas no ponto anterior constituem fundamento de recusa de visto ao contrato em apreço, nos termos do n.º 3 do artigo 44.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) (6).
Em primeiro lugar, como vimos, resulta do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do Código dos Contratos Públicos que, em virtude da não publicação do anúncio do concurso em JOUE, este contrato não poderia ter sido celebrado, dado que é de valor superior ao limiar fixado na alínea b) do artigo 7.º da Directiva n.º 2004/18/CE.
Uma vez que a lei, nestas condições, expressamente proíbe a celebração do contrato, deve aplicar-se ao caso o disposto no n.º 4 do artigo 3.º da Lei das Finanças Locais (7). De acordo com este preceito legal, são nulas as deliberações de qualquer órgão dos municípios que determinem ou autorizem a realização de despesas não permitidas por lei.
Esta nulidade, que pode ser declarada a todo o tempo, origina a nulidade do contrato, nos termos do estabelecido no artigo 283.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos.
A nulidade é fundamento de recusa de visto, como estabelece a alínea a) do n.º 3 do artigo 44º da LOPTC.
A realização do procedimento e a assunção de encargos plurianuais sem a devida autorização da Assembleia Municipal, em desrespeito pelo disposto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, constitui a violação directa de uma norma financeira, o que igualmente consubstancia fundamento de recusa de visto, desta vez nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 44º da LOPTC.
A ilegalidade decorrente da fixação de um prazo para apresentação de propostas inferior ao devido é susceptível de reduzir a concorrência e limitar o universo das propostas apresentadas, prejudicando o interesse financeiro em dispor de condições para a obtenção da melhor proposta.
A insuficiência dos elementos relativos ao modelo de avaliação das propostas constitui uma ilegalidade que pode interferir, de forma negativa, na imparcialidade do processo de escolha.
A insuficiente fundamentação para o estabelecimento de um prazo contratual superior a três anos não permite garantir e aferir da necessidade ou conveniência dessa solução, a qual acarreta encargos financeiros acrescidos, eventualmente não justificados.
Estas ilegalidades são, todas elas, susceptíveis de conduzir à alteração do resultado financeiro do procedimento adoptado e do subsequente contrato.
Ora, as ilegalidades que alterem, ou possam alterar, o resultado financeiro dos contratos constituem fundamento da recusa de visto, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC.
Refira-se, a propósito, que, para efeitos desta norma, quando aí se diz "Ilegalidade que (...) possa alterar o respectivo resultado financeiro"pretende-se significar que basta o simples perigo ou risco de que da ilegalidade constatada possa resultar a alteração do respectivo resultado financeiro.

5. DECISÃO

Pelos fundamentos indicados, e por força do disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC, acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção, em recusar o visto ao contrato acima identificado.
São devidos emolumentos nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Regime Jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio, e respectivas alterações.
Lisboa, 12 de Maio de 2009 

Os Juízes Conselheiros, - (Helena Abreu Lopes - Relatora) - (João Figueiredo) -(António Santos Soares)

(Procurador Geral Adjunto) - (Jorge Leal)


(1) Cfr. Acórdão n.º 119/1.ª S/SS, de 30 de Agosto de 2007.
(2) Ao invés, no que respeita à locação financeira de bens imóveis, o Código prevê que o respectivo regime seja diverso do regime aplicável à aquisição ou locação do bem sobre que incide: cfr. artigo 27.º, n.º 1, alínea c).
(3) Cfr. artigo 16.º, n.º 1, e 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 18/208, de 29 de Janeiro e alíneas c) e e) do ponto 2 deste Acórdão
(4) Cfr. Portaria 701-C/2008, de 29 de Julho, que publicita a actualização dos limiares para aplicação das Directivas Europeias de Contratação Pública, a qual esclarece, no entanto, no seu preâmbulo, que os regulamentos comunitários que alteram os referidos limiares são de aplicação directa, não carecendo da publicação de portarias nacionais.
(5) Cfr, artigo 14.º, n.º 1, alínea f), do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro.
(6) Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto, e 35/2007, de 13 de Agosto.
(7) Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 14/2007, publicada no D.R. de 15 de Fevereiro de 2007, e alterada pelas Leis n.ºs 22-A/2007, de 29 de Junho, e 67-A/2007, de 31 de Dezembro. Vd. também o artigo 51.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.