Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 4 de Fevereiro de 2010 (proc. 5832/10)

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Sumário:

I. Nas acções administrativas especiais a fase de produção de prova pode ser dispensada pelo juiz se, após os articulados, o processo contiver os factos necessários à boa decisão da causa, que devam considerar-se provados segundo as regras substantivas aplicáveis;
II. O art.º 86.º do Código dos Contratos Públicos, mesmo na redacção anterior ao Dec.-Lei n.º 278/2009, de 2 de Outubro, deve ser interpretado no sentido do adjudicatário que tenha apresentado documentos de habilitação irregulares ser ouvido antes da decisão sobre a caducidade da adjudicação;
III. Além disso, se as irregularidades forem de reduzida gravidade e ou passíveis de sanação, a entidade adjudicante deve conceder-lhe prazo razoável para esse efeito.

 

Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO, SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO:

I - Relatório

I..................... - Sistemas de Informação, S.A., inconformada com a sentença proferida na acção de contencioso pré-contratual que no TAF de Sintra instaurou contra a Agência Nacional de Compras Públicas, EPE (ANCP), e as contra-interessadas C................ - Tecnologias de ............., S.A., A...... - Sistemas de ..................., Lda., V................. - Comércio .................., , S.A., P... P....... T....., S.A. S..........., LEVEL - Trusted Services, S.A., I....... - Prestação ..................., S.A., R........... II - ................, S.A., e C........-E - ......................., S.A., todas com os demais sinais identificativos nos autos, veio interpor recurso jurisdicional em cujas alegações concluiu como segue:

1. São manifestos os vícios de que enferma a sentença recorrida, que interpretou erradamente a matéria de facto controvertida constante dos autos, bem como a prova sobre a mesma produzida e, igualmente, fez errada interpretação e aplicação da lei a considerar.

2. A sentença recorrida desconsiderou factos importantes para a decisão da causa, tendo utilizado uma fundamentação deficiente e escassa.

3. Entendeu o Tribunal que o "Relatório do auditor de segurança entregue pela Autora à Demandada em 20.03.2009 não atesta a conformidade com a plataforma electrónica da Autora com as normas técnicas da Portaria n.° 701-G/2008 de 29.7, não cumprindo assim o requisito previsto no art. 15°, al. b) do Programa do Concurso. "

4. Mais considerou o Mm.º Juiz a quo ' (...) que o documento/relatório de segurança apresentado pela Autora estava desconforme com algumas das normas da Portaria n. ° 701-G/2008, de 29.7. "

5. Conclui assim o Mm.° Juiz a quo que "pelo exposto, improcede o vicio de violação de lei, por violação do art. 15.º, al. b) do Programa do Concurso, do art. 36° da Portaria n.° 701-G/2008, de 29.7, do art. 86°, n.° 1, al. a) do Código dos Contratos Públicos."

6. Entendeu também o Tribunal a quo que "O art. 38° da Portaria tem a ver com o processo de actividades que habilitam a ESPE à emissão de um parecer: análise técnica de segurança e auditoria física às plataformas electrónicas (...). Assim sendo, o disposto no citado preceito legal não tem aplicação ao caso."

7. Finalmente entendeu ainda o Tribunal a quo que "(...) Tal como vem configurada a lide, não tem utilidade apreciar e decidir da eventual confirmação da adjudicação da Conformidade da Plataforma V......., por ter entregue os documentos ou habilitação exigidos no art. 15.° do Programa do Concurso. "

8. A acção foi julgada improcedente e absolveu a Recorrida e as demais Contra-Interessadas dos pedidos.

9. Porém, resulta do Relatório de conformidade elaborado pelo Auditor de Segurança que "Este documento atesta a conformidade da plataforma electrónica I............ DL - Compras AP da empresa Infosistema com as normas técnicas da portaria n" 701 G / 2008 de 29 de Julho de 2008, tendo por conseguinte sido emitido um "Parecer Positivo no que respeita ao grau de conformidade da plataforma face aos requisitos analisados".

10. Ora, mesmo que tenham sido detectadas algumas desconformidades menores, as mesmas não impediram o auditor de segurança de reiterar o seu parecer positivo e de atestar a conformidade da plataforma electrónica da ora Recorrente, tendo referido, a título de esclarecimento o seguinte: "Confesso-vos que não saberia de que melhor forma transmitir a conformidade da V/ plataforma face aos requisitos da Portaria n.° 701 G/2008. Esperava que esta avaliação global de conformidade fosse claramente indicada pelo "Parecer Positivo " que redigi e assinei no documento de conformidade:."

11. Salienta-se ainda o facto de o auditor de segurança ter mencionado expressamente que as situações detectadas consubstanciavam meras ''inconformidades menores identificadas no relatório.", que não assumiram qualquer relevância, pois o referido auditor veio reiterar com evidente clareza que mantinha o seu parecer positivo e que atestava a conformidade da plataforma electrónica.

12. Mais se realça que não existia nenhum modelo ou expressão escrita que deveria ser obedecida de forma a que fosse atestada a conformidade da plataforma electrónica em apreço.

13. No entanto, a pretensão do auditor de segurança ficou translúcida com a expressão "Confesso-vos que não saberia de que melhor forma transmitir a conformidade da V/plataforma face aos requisitos da Portaria n" 701 G/2008. "

14. Porém, o Mm.° Juiz a quo apenas levou em consideração a parte do relatório do auditor de segurança que menos relevância assume no presente caso, ou seja a parte referente à existência de inconformidades menores identificadas no relatório, tendo ignorando a parte relativa ao "Parecer Positivo" e a que expressamente afirma que a plataforma electrónica se encontra conforme às normas da Portaria n.° 701-G/2008, dando-se assim cumprimento ao art. 36° da referida Portaria.

15. O Mm.° Juiz o quo desconsiderou, pois, a parte respeitante (i) ao parecer positivo; (ii) à confirmação do mesmo e (iii) à pouca importância que o próprio auditor de segurança dá às pequenas e insignificantes não conformidades detectadas.

16. Pelo exposto, o Mm." Juiz a quo fez uma errada apreciação dos factos e desconsiderou a maioria os que se mostravam mais relevantes para a apreciação da causa e descoberta da verdade material.

17. Em consequência, a sentença recorrida violou o art. 36° da Portaria n° 701 G/2008 de 29.7, na medida em que desconsiderou e interpretou de forma errónea o que o documento autêntico atestava, não obstante não ter sido invocada a sua falsidade.

18. Mais ainda, o Mm.º Juiz a quo decidiu não ouvir o auditor de segurança e as demais testemunhas arroladas pela Recorrente, postergando assim uma prova fundamental para a descoberta da verdade material e para pudesse tomar uma decisão justa, imparcial e esclarecida.

19. Tal acção constitui uma violação do princípio do inquisitório previsto no art. 265°, n.° 3 do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA., segundo o qual o Mm.º Juiz a quo deveria proceder à realização das diligências que se afigurem necessárias, nomeadamente ao apuramento da verdade material e à justa composição da litígio, como resulta das normas supra elencadas, e, por consequência, uma violação do disposto no artigo 103°do CPA.

20. Mais, o Mm.° Juiz a quo fez um errada interpretação do disposto no n.° 3 do art. 38° da mencionada Portaria que contém regras que são aplicáveis a ambos os relatórios de segurança, o inicial e o anual, bem como, dos arts. 36° a 38° da mencionada Portaria.

21. Dispõe o n.° 3 do art. 38° da referida Portaria, no que concerne aos relatórios de Segurança, quer inicial quer anual que, "caso o auditor externo emita parecer negativo ou condicionado deverá a entidade gestora das plataformas no prazo de 30 dias, corrigir as situações detectadas".

22. Assim sendo, ainda que o Auditor de Segurança tivesse atestado que a plataforma da ora Recorrente não era conforme com a Portaria em análise, o que - reafirma-se, não sucedeu porque o referido auditor de segurança atestou a conformidade - então a ora Recorrente sempre teria 30 dias para corrigir a situação.

23. Interpretação esta que aliás foi seguida pela C........, entidade com competência supervisora nesta matéria, através do seu parecer de dia 09.06. 2009, segundo o qual veio confirmar que atestava a conformidade da plataforma electrónica da Recorrente nos termos que se seguem:

"Nestes termos, e ainda de acordo com os números 4 e 5 do art. 36° da Portaria 701 G/2008, de 29 de Julho, irá ser comunicado às entidades competentes, pela Entidade Supervisora das Plataformas Electrónicas, a inclusão da entidade gestora da plataforma COMPRASAP da I........... na lista de entidades certificadas pela Entidade Supervisora das Plataformas Electrónicas no portal único dedicado aos contratos públicos, bem como ainda será publicado no mesmo portal o documento de conformidade anexo.

Contudo, a manutenção do parecer favorável agora emitido para o início de actividade da plataforma electrónica fica condicionado a, num prazo máximo de 30 dias, se proceder à correcção das não conformidades assinaladas na tabela da página seguinte ".

24. Deste modo, não podia a Recorrida ter deliberado a caducidade da adjudicação efectuada à Recorrente sem ter concedido um prazo de 30 dias para a remoção de desconformidades, sendo assim coincidente a interpretação do C......... com aquela que a Recorrente faz do art. 38°, n.° 3 da Portaria 701-G/2008.

25. Ademais, a deliberação da Recorrida de 03.04.2009 é ilegal por violação de lei, em particular do art. 100° do CPA e do disposto no art. 124° n.° 1 a) do CPA, uma vez que foi tomada com preterição da audiência prévia dos interessados, sem que tenha sido apresentada qualquer tipo de fundamentação.

26. Os motivos que levam a Recorrida a prescindir de tal formalidade legal implicam uma apreciação casuística e discricionária por parte da mesma, e como tal deveriam ter sido devidamente justificados, o que não sucedeu, uma vez que a Recorrida tinha em vista servir os interesses de alguns concorrentes, causando uma evidente violação do princípio da imparcialidade e da igualdade, conduzindo, assim, à caducidade da adjudicação feita à Recorrente.

27. A Recorrida infringiu assim o disposto no art. 5o e 6o do CPA., devendo a Deliberação de 03.04.2009 ser anulada ao abrigo do disposto nos artigos 135° e 136°, n° 2 do CPA e 132°do CPTA..

28. Deste modo, mal andou o Mm.º Juiz a quo ao decidir como na sentença recorrida, que assim é também violadora das aludidas normas.

29. Com efeito, o relatório do auditor de segurança relativo à concorrente V........., que já assinou o acordo-quadro objecto do concurso em causa, atestou a conformidade da sua plataforma electrónica, embora o mesmo também fizesse referência às não conformidades presentes na mesma, conforme se chama a atenção: "Tendo em linha de conta o atrás exposto, o auditor de segurança confirma que a plataforma electrónica encontra-se em conformidade com as normas da portaria 701-G/2008, com as excepções atrás indicadas e justificadas, pelo que recomenda que seja considerada como apta para o exercício da actividade.

30. No entanto, as não conformidades da plataforma electrónica da Recorrente, que apresentam menor gravidade do que as não conformidades detectadas na plataforma electrónica da concorrente V........., tendo até sido consideradas irrelevantes pelo próprio auditor de segurança, foram avaliadas de forma distinta e com base em critérios diferentes conduzindo à caducidade da adjudicação feita à Recorrente.

31. De facto, depois de a Recorrida ter declarado a caducidade da adjudicação à ora Recorrente, a verdade é que não determinou a caducidade da adjudicação da concorrente V........., não obstante o relatório do auditor de segurança evidenciar a existência de não conformidades que recomendava que fossem corrigidas.

Pretende-se, assim, que:

a) Seja anulada a deliberação da Recorrida de 03.04.2009 e a subsequente que a confirmou (decisão de 27.04.2009), sempre na medida em que decidiram ou confirmaram a caducidade da adjudicação feita a favor da Recorrente, no âmbito do Concurso público para selecção de plataformas electrónicas para contratação pública em curso.

b) Seja a Recorrida condenada a substituir a sua deliberação de 03.04.2009 e a que a confirmou, tudo no âmbito do Concurso público para selecção de plataformas electrónicas para contratação pública em curso, por outra que: inclua a Recorrente entre os concorrentes cujas propostas foram adjudicadas, neste caso para o lote 1, por ter cumprido os requisitos identificados no art. 20° do Caderno de Encargos e no Anexo A, considerando-se assim a Recorrente devidamente habilitada;

c) Seja anulado o referido contrato-quadro e os demais actos cuja validade dependa da existência ou validade do(s) acto(s) impugnado(s).

d) Seja a Recorrida condenada no pagamento das custas, procuradoria e mais legal.


Nas suas contra-alegações a recorrida ANCP formulou as seguintes conclusões:

a) Ao contrário do alegado pela Recorrente, o Tribunal a quo apreciou expressa e fundamentadamente todas as questões que lhe cabia apreciar, apreciação essa que resultou da correcta interpretação e aplicação do Direito ao caso vertente, pelo que se afirma, desde já, que a douta sentença sob recurso não merece qualquer censura;

b) Não se pode ter por verificada a asserção da Recorrente de que a douta sentença recorrida desconsiderou, na sua fundamentação de facto, "a afirmação constante do relatório de conformidade em como este atestava a conformidade da plataforma com as normas da referida Portaria, bem como ignorou a frase mais importante do relatório do auditor de segurança, ou seja, a frase relativa ao "Parecer Positivo", que por sinal foi afirmada com bastante clareza";

c) Com efeito, as exigências constantes dos documentos concursais eram bem claras: para serem seleccionadas as propostas tinham de conter um "relatório de conformidade" que atestasse a conformidade da plataforma electrónica propostas com as normas da Portaria, elaborado por um auditor de segurança credenciado pelo Gabinete Nacional de Segurança nos termos dos artigos 3.°, ai. c) e 15.°, ai. b), ambos do programa de concurso e o n.° 2 do artigo 36.° da Portaria;

d) Ora, o relatório de segurança apresentado pela Recorrente é claríssimo nas inconformidades apontadas à plataforma electrónica da Recorrente: "Todavia, a empresa deverá promover a resolução das inconformidades apontadas, designadamente as que respeitam aos requisitos expressos nos arts 29°, 30°, 34.°e35.°", todos da Portaria" (cfr. pág. 10 do Doc. 8, junto com a PI);

e) Por conseguinte, perante um documento apresentado pela Recorrente que, de forma tão evidente, atestava que a plataforma estava desconforme com algumas das normas da Portaria, não podia a ora Recorrida tomar outra decisão que não fosse a de considerar caducada a adjudicação anteriormente efectuada às propostas apresentadas pela Recorrente no Concurso;

f) Não distinguindo, quer as peças concursais, quer o art. 36.° da Portaria entre "inconformidades menores" ou "inconformidades maiores", a verdade é que a verificação de qualquer inconformidade sempre teria como consequência a violação dos arts. 3.°, ai. c), e 15.°, ai. b), ambos do programa de concurso, e do n.° 2 do art. 36.° da Portaria, levando, assim, à decisão de considerar caducada a adjudicação pela não apresentação, em conformidade, de todos os elementos de habilitação exigidos no programa de concurso;

g) Pelo que, bem andou o Mm. Juiz a quo ao dar como provadas a existência de inconformidades na plataforma electrónica apresentada pela Recorrente na sua proposta, não se tendo verificado qualquer violação do artigo 36.° da Portaria, como vem alegado pela ora Recorrente, não merecendo, por isso, qualquer censura o acórdão ora posto em crise;

h) Bem andou também o Mm. Juiz a quo ao não ter ouvido o auditor de segurança nem qualquer das outras testemunhas arroladas pela Recorrente;

i) Aliás, é esse o sentido que se retira do n.° 1 do artigo 90.° do CPTA, aplicável ex vi artigo 102.°, n.° 1 do mesmo diploma, e que a Recorrente parece ignorar, de onde se retira que o Juiz tem apenas que ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, não cabendo ao Recorrente determinar o que é necessário para obter esse desiderato;

j) O Mm. Juiz a quo foi particularmente cuidadoso na obtenção de meios de prova, ao ter oficiado o Centro de Gestão da Rede Informática do Governo, adiante designado por C......., entidade supervisora das plataformas electrónicas, para emitir um parecer técnico que clarificasse se a plataforma electrónica da Recorrente apresentava algumas inconformidades com as normas da Portaria;

k) Parecer esse que veio confirmar a existência das não conformidades indicadas pela ora Recorrida, o que não podia deixar de ser apreciado pelo Mm. Juiz a quo como o fez, uma vez que o C......., como já se referiu, é a entidade supervisora das plataformas electrónicas e, como tal, particularmente habilitada para dirimir qualquer questão na matéria;

I) Não havendo, por conseguinte, mais nada a apurar em face do teor do relatório de segurança que atesta, claramente, a existência de não conformidades, mostrando-se, assim, desnecessário, no contexto da acção, ouvir as testemunhas arroladas pela Recorrente, pelo que não se mostram violados quer o artigo 265.°, n.° 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA, quer o artigo 103.° do CPTA;

m) É falso que o Mm. Juiz a quo tenha feito uma errada interpretação dos artigos 36.° a 38.° da Portaria;

n) O prazo de 30 dias concedido às entidades gestoras das plataformas electrónicas para corrigirem eventuais falhas detectadas pelo auditor de segurança, e que motivem um parecer negativo ou condicionado por parte deste, só é aplicável para efeitos de manutenção na actividade em apreço, aquando da elaboração do relatório anual de segurança;

o) A partir do n.° 2 do artigo 38.° da Portaria todas as referências tem como único destinatário o relatório anual de segurança;

p) Bem andou, por conseguinte, o Mm. Juiz a quo ao interpretar o disposto no n.° 3 do artigo 38.° da Portaria como o fez, inexistindo qualquer erro ou deturpação naquela interpretação como o quer fazer crer a Recorrente;

q) A Recorrente, distorcendo a verdade dos factos, pretende fazer crer que o relatório do auditor de segurança apresentado em sede de concurso público certificava a conformidade da plataforma electrónica da Recorrente com as normas da Portaria, e que isso mesmo foi confirmado pelo parecer do C........ emitido em 09.06.2009;

r) Tal parecer tem por base uma adenda apenas apresentada em 08.06.2009, portanto muito para além dos prazos em vigor no concurso, o que confirma que as desconformidades que impediram que a plataforma proposta cumprisse com todas as exigências da Portaria, e que foram causa da caducidade da adjudicação, apenas foram eliminadas após o termo do prazo relevante no âmbito do concurso;

s) Face ao que antecede, improcede a invocada ilegalidade assacada ao acto suspendendo por errada interpretação dos artigos 36.° a 38.° da Portaria, alegada pela Recorrente nas suas alegações, sendo, por isso, plenamente válida a deliberação da Recorrida de 03.04.2009, pelo que bem andou a douta sentença ao considerar que aquela não violou qualquer disposição da Portaria;

t) Rejeita-se em absoluto, que a actuação da ora Recorrida tenha desrespeitado os princípios da imparcialidade e da igualdade;

u) Não cabia à Recorrida a realização da audiência de interessados posto que na economia da versão originária do CCP, apresentados os documentos nos prazos legalmente fixados, a lei não exigia qualquer actividade instrutória antecedente à tomada de decisões na fase de habilitação;

v) O que a Recorrida fez foi fundamentar, de facto e de direito, a sua deliberação e considerar caducada a adjudicação feita à ora Recorrente, o que não pode confundir-se com um alegado, mas não demonstrado, dever de promover, nesta fase, a audiência dos interessados;

w) Prova cabal do que vem sendo afirmado, é o facto da audiência prévia na fase de habilitação ter apenas sido introduzida no nosso ordenamento jurídico com o Decreto-Lei n.° 278/2009, que alterou o n.° 2 do artigo 86.° do CCP, no sentido de aqui consagrar aquele instituto;

x) Não havia que considerar caducada a adjudicação ao concorrente V......... tendo a Recorrida limitando-se a aplicar às conclusões evidenciadas no relatório de segurança por esta apresentado nos termos do concurso, o estatuído nos regulamentos e na lei (programa do concurso, a Portaria e o CCP);

y) O relatório de segurança apresentado pela V......... atesta a maturidade da plataforma electrónica e o cumprimento das acções anteriormente planeadas entre a V......... e o auditor de segurança;

z) O acórdão recorrido fez uma correcta interpretação e aplicação da lei, até porque ainda que a adjudicação em relação ao concorrente V......... fosse considerada caducada a situação jurídica da Recorrente permaneceria inalterável, isto é, manter-se-ia a caducidade da adjudicação quanto a si;

aa) Em face do exposto, bem andou o Mm. Juiz a quo ao decidir como o fez, tendo o douto acórdão sob recurso feito uma correcta interpretação e aplicação da lei, inexistindo qualquer dos vícios que lhe é assacado, pelo que o mesmo não merece qualquer censura.


O EMMP emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso.

Sem vistos vem o processo à conferência.


II - Fundamentação

II.1 - de facto.

A sentença considerou provados os seguintes factos:
a. A Autora é uma sociedade comercial que tem por objecto a prestação de serviços de preparação, instalação e reparação de equipamentos informáticos e outros, a representação, fabrico, importação, exportação e comercialização de produtos e equipamentos electrónicos, designadamente para telecomunicações, programas e sistemas informáticos, a realização de projectos e a prestação de serviços de consultadoria e análise nas áreas de electrónica, informática e de comunicações;
b. A Demandada é uma empresa pública estatal cuja missão é conceber, implementar e gerir o Sistema Nacional de Compras Públicas, bem como, fazer a gestão centralizada do Parque de Veículos do Estado, contribuindo para a eficiência e eficácia da Administração Pública;
c. Em 20 de Novembro de 2008 foi publicado no n° 226 da II Série do Diário da República o anúncio de procedimento n° 525/2008 referente ao Concurso público para selecção de plataformas electrónicas para contratação pública - doc. n° 2 junto com a petição inicial.
d. O referido concurso público, com um prazo de vigência de 2 anos, destina-se à celebração de um acordo - quadro e é promovido pela Agência Nacional de Compras Públicas, E.P.E., entidade pública contratante, ora Demandada;
e. O aludido concurso público tem por objecto a selecção de plataformas electrónicas para contratação em regime de "Application Service Provider" e dos respectivos serviços associados, conforme melhor descrito no respectivo Caderno de Encargos que foi junto como doc. n° 3 com a petição inicial.
f. O critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa, conforme consta do já referido anúncio de procedimento n° 525/2008;
g. O Programa de Concurso encontra-se materializado no doc. n° 4 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
h. Constituído por 4 lotes (Lote 1 - Contratação anual de plataforma base; Lote 2 - Contratação de plataforma base por quantidade de procedimentos; Lote 3 - Contratação anual de plataforma avançada; Lote 4 - Contratação de plataforma avançada por quantidade de procedimentos), a Autora concorreu aos Lotes n° 1 e 3 do mencionado concurso público, lotes esses que se reportam à contratação anual de plataforma base e contratação anual de plataforma avançada;
i. Por fax de 6 de Março de 2009, o Conselho de Administração da Demandada emitiu decisão de adjudicação, entre outras, da proposta da Autora;
j. No mesmo fax de 6 de Março de 2009, a Demandada notificou a Autora da disponibilização do seu Relatório Final de avaliação das propostas;
k. De acordo com o Relatório Final de avaliação das propostas, que contém também a ordenação das propostas, a Autora foi colocada na 2a posição no que respeita ao lote 1;
l. Ainda no mesmo fax de 6 de Março de 2009, a Demandada solicitou à Autora e aos restantes concorrentes adjudicatários a entrega, até 20 de Março de 2009, dos documentos de habilitação;
m. Em 20.3.2009 a Autora mandou um email à Demandada com os documentos de habilitação, entre os quais:
1) Relatório de Conformidade elaborado pelo Auditor de Segurança;
2) Certificado de Credenciação do Auditor de Segurança com o n.° ../2007 - docs. n.º n° 7, 8 e 9 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
n. No relatório de conformidade elaborado pelo auditor de segurança credenciado pela Autoridade Nacional de Segurança lê-se, no ponto 3.1.:

sumário executivo: Em face do trabalho realizado emite-se um Parecer Positivo no que respeita ao grau de conformidade da plataforma face aos requisitos analisados. Todavia, a empresa deverá promover a resolução das inconformidades apontadas, designadamente as que respeitam aos requisitos expressos nos arts 29° 30°, 34° e 35°.

A seguinte tabela resume o estado de conformidade da Plataforma I......... DL - Compras AP face às normas técnicas definidas na Portaria:

(...)

Art 29° - encriptação e desencriptação - NC - embora esteja planeado, ainda não existe um mecanismo de segurança que obrigue à partilha, por mais de um utilizador, do segredo de recuperação da chave de encriptação;

Art 30° - controlo de acessos - NC - a plataforma não é conforme com todas as directrizes de acessibilidade Web Contente Acessibility Guidelines (WCAG);

(...);

Art 34.º mecanismos e meios de segurança - NC - não foi ainda possível observar a existência de um plano de backups implementado;

Art 35° - arquivo e preservação digital - NC - não estão implementados procedimentos que garantam a renovação de assinaturas e selos temporais.

Na tabela ... foi aplicado o seguinte critério:

C - conforme, caso os requisitos expressos em todos os números do artigo sejam satisfeitos;

NC - não conforme aplica-se aos artigos em que existe pelo menos um número classificado como «Não conforme».
o. Por fax de 7 de Abril de 2009, o Conselho de Administração da Demandada comunicou à Autora o conteúdo da sua deliberação, datada de 3 de Abril de 2009, nos termos da qual considerou caducada a adjudicação feita à Autora (lote 1), ao abrigo do art.º 86°, n° 1, al. a) do Código dos Contratos Públicos, porque «os concorrentes referidos -Concorrentes n° 3, I............. (Lote 1), n° 5, P... P..... T..... -........, SA (Lotes 1, 2, 3 e 4) e n° 8, F....... B..., C...... - E -............., SA (Lotes 1, 2, 3 e 4) - entregaram os relatórios elaborados pelo auditor de segurança, contudo, os mesmos não atestam a conformidade das suas plataformas electrónicas com as normas previstas na Portaria n. ° 701 -G /2008 de 29 de Julho, não cumprindo assim o requisito previsto na alínea b) do artigo 15° do Programa de Concurso - doc. n.º 10 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
p. Na Deliberação de 03.04.2009 pode ainda ler-se que foi considerada válida a habilitação, por terem entregue os documentos de habilitação exigidos pelo art.º 15° do Programa de Concurso e no art.º 81° do CCP, dos seguintes concorrentes: Concorrente n° 1, C............., S.A. (lotes 1, 2, 3 e 4); Concorrente n.° 2, A.... Sistemas ................, Lda. (Lotes 1, 2, 3 e 4); Concorrente n.° 4, V......... Comércio ..................., SA (Lotes 1, 2, 3 e 4); Concorrente n° 6, S..............Level - Trusted Services, SA (Lotes 1, 2, 3 e 4) - doc. n° 10 junta com a petição inicial.
q. Na Deliberação da Demandada de 03.04.2009 pode também ler-se que ficou deliberado adjudicar, para os lotes 1 e 3, as propostas dos concorrentes que cumpriram os requisitos identificados no art.º 20° do Caderno de Encargos e no Anexo A e que se encontram devidamente habilitados (...) e que a assinatura do contrato teria lugar a 24 de Abril de 2009.
r. Em 8.4.2009 a Autora apresentou, por fax, uma reclamação junto da Demandada quanto à decisão de caducidade da adjudicação feita à Autora, por não poder conformar-se com a Deliberação da Demandada de 03.04.2009 e por a considerar ilegal na parte em que declarou a caducidade da adjudicação feita à Autora - doc.º n° 11 junto com a petição iniciai cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
s. Junto com a referida reclamação, a Autora apresentou também os seguintes anexos:
1) Relatório Final de Resolução de Não Conformidades;
2) Uma carta do auditor de segurança de 8 de Abril de 2009 - docs. n° 11 e n° 12 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
t. A Contra-Interessada P.....P.........T........., cuja decisão de adjudicação foi igualmente considerada como caducada nos termos da Deliberação da Demandada de 03.04.2009, apresentou também uma reclamação e uma carta do auditor de segurança;
u. Mais tarde, a Contra-Interessada F.....B...., cuja decisão de adjudicação foi igualmente considerada como caducada nos termos da Deliberação da Requerida de 03.04.2009, apresentou também uma reclamação;
v. Neste contexto, a Demandada, por fax de 9 de Abril de 2009, notificou os concorrentes para, querendo, se pronunciarem até ao dia 17 de Abril de 2009 sobre as impugnações deduzidas pela Autora e pela Contra Interessada P.....P......... T.......... ;
w. Bem como, a Demandada, por fax de 15 de Abril de 2009, notificou os concorrentes para, querendo, se pronunciarem até ao dia 22 de Abril de 2009 sobre a impugnação deduzida pela Contra Interessada F.........B.......;
x. Por fax de 1 de Abril de 2009 a Demandada notificou a Autora quanto ao adiamento do prazo de assinatura do acordo quadro;
y. Contudo, às 20:05m do dia 28 de Abril de 2009 a Autora foi notificada, por fax, da decisão da Demandada, de 27.4.2009, que manteve a deliberação de adjudicação e ordenação final de 3 de Abril de 2009 - doc. n° 19 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
z. No aludido fax, a Demandada determinou que a outorga do contrato quadro terá lugar no dia 8 de Maio de 2009 pelas 11 horas, nas instalações da Requerida;
aa. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do doc. n° 25 junto com a petição inicial (relatório de conformidade da Contra-interessada V.........), dele se transcrevendo que tendo em linha de conta o atrás exposto, o auditor de segurança confirma que a plataforma electrónica encontra-se em conformidade com as normas da Portaria n° 701-G/2008, com as excepções atrás indicadas e justificadas, pelo que recomenda que seja considerada como apta para o exercício da actividade.
bb. A pedido do Tribunal, o Centro de Gestão da Rede Informática do Governo emitiu parecer técnico em 27.7.2009, junto aos autos em 30.7.2009, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, de que se transcreve o seguinte:

«É entendimento técnico da ESPE que:
a) o não cumprimento do art.º 29° da Portaria pela não existência de «um mecanismo de segurança que obrigue à partilha, por mais de um utilizador, do segredo de recuperação da chave de encriptação» é uma não conformidade, pois dessa forma a plataforma não dispõe de nenhum mecanismo que permita a recuperação da chave privada de encriptação com recurso a mecanismos de segurança que obriguem à partilha por mais que um utilizador do segredo dessa chave;
b) o não cumprimento do art.º 30° da Portaria pela não conformidade «com todas as directrizes de acessibilidade Web Content Acessibility Guidelines (WCAG)» é uma não conformidade porque é exigido às plataformas electrónicas a conformidade de todas as directrizes de acessibilidade WCAG do W3C no nível AAA, considerando-se, tecnicamente, não conforme o não cumprimento deste requisito;
c) o não cumprimento do art.º 34° da Portaria pela não existência de «um plano de backups instalado» é uma não conformidade porque as plataformas devem utilizar mecanismos de cópia e salvaguarda da informação associada aos procedimentos;
d) o não cumprimento do art.º 35° da Portaria pela não implementação de «procedimentos que garantam a renovação de assinaturas e selos temporais» é uma não conformidade porque tecnicamente é exigido às plataformas mecanismos de preservação ao longo do tempo das assinaturas digitais e de selos temporais.
cc. Ainda, podemos ler, no parecer técnico do C........., uma breve súmula da evolução da análise das plataformas electrónicas para efeitos de acesso à actividade da Autora e da Contra-interessada V........., onde se diz:

«Período anterior à emissão do Parecer pela ESPE (anterior a 9.6);

Foram submetidos pelos respectivos auditores de segurança das plataformas à ESPE, os documentos de conformidade das seguintes empresas:

. Infosistema Dl - Compras AP, no dia 27 de Março de 2009;

. V.........Gov, no dia 26 J 2.2008;

Numa primeira fase, a ESPE procedeu à análise documental da informação dos documentos de conformidade das empresas acima mencionadas e submetidos com o respectivo parecer do Auditor de Segurança devidamente certificado pelo Gabinete Nacional de Segurança.

Foi efectuado pela ESPE à data de 9.4, um ponto de situação provisório e não constituindo parecer, resultante estritamente dos pareceres dos auditores de segurança externos (e que consta do anexo I).

Pode ser referido que ambos os auditores de segurança dão parecer positivo às respectivas plataformas, no que respeita ao grau de conformidade das plataformas face aos requisitos analisados, mas indicando a existência de pontos de não conformidade.

Tendo efectuado essa análise dos documentos de conformidade iniciou-se o seguinte processo de actividades que habilitariam a ESPE à emissão de um parecer:

a) Análise técnica de segurança;

b) auditoria física às plataformas electrónicas.

Depois de elaboradas as auditorias físicas às plataformas das empresas em causa elaborou-se um relatório de Auditoria e a ESPE ficou habilitada a emitir um parecer sobre a aceitação da plataforma electrónica para início da sua actividade, nos termos do art.º 36° da Portaria n° 701-G/2008, de 29.7.

Na fase anterior à emissão dos pareceres, e para constituir Anexo dos mesmos, foi solicitado no dia 5.6.2009 pela ESPE uma versão actualizada dos documentos de conformidade inicialmente submetidos pelos auditores externos de segurança.

Os documentos foram enviados pelas empresas em causa nas seguintes datas:

. 8.6.2009 - Infosistema Dl- Compras AP VI,

. 9.6.2009- V.........Gov.

2. Período posterior à emissão do parecer pela ESPE (a 9 de Junho):

A ESPE emitiu Pareceres fundamentados a 9.6.2009 e comunicados a 12.6.2009, a ambas as plataformas, tendo em conta os seguintes elementos:

1) Do exposto pelos auditores de segurança externos à ESPE nos documentos de conformidade submetidos à entidade supervisora;

2) Da informação resultante da análise efectuada pelos serviços técnicos do C......... dos pareceres dos auditores de segurança das plataformas electrónicas e a sua conformidade com todos os requisitos da portaria n° 701-G/2008, de 29.7.

3) Da análise técnica dos resultados da auditoria física realizada às plataformas electrónicas pelos serviços técnicos do CEGER, em 24.5.2009 (Compras AP da Infosistema) e 14.5.2009 (V.........Gov da V.........).

4) Da informação final resultante de eventuais correcções ou adendas ao documento de conformidade submetido e devidamente assinado pelo auditor de segurança externo à entidade supervisora, com vista à obtenção de uma versão devidamente actualizada.

Contudo, a manutenção do parecer favorável emitido a 9.6.2009 pela entidade supervisora ficou condicionado a, num prazo máximo de 30 dias, procederem ambas as plataformas à correcção das não conformidades indicadas no respectivo parecer (anexos He III).

Como resposta ao solicitado no parecer da ESPE comunicado a 12.6.2009 foram submetidas as adendas pelos respectivos auditores externos de segurança com a confirmação das correcções das não conformidades nas seguintes datas:

. 1.7.2009 - Infosistema Dl- Compras AP V2

. 7.7.2009 - V.........Gov

Contudo, importa referir que, não foi avaliado para efeitos de certificação o requisito ao art.º 30°, n° 4 pelos auditores do C....... por impossibilidade técnica, pelo menos à presente data. Foi assim considerado como requisito não inibidor da actividade das plataformas electrónicas no âmbito dos Contratos Públicos.

À presente data, 27.7.2009, ambas as plataformas electrónicas (Compras AP da empresa Infosistema e V.........Gov da empresa V.........) estão devidamente certificadas pela entidade supervisora das plataformas electrónicas para o exercício da actividade de plataforma electrónica no âmbito dos Contratos Públicos - ver parecer técnico junto em 30.7.2009.
dd. No dia 1.6.2009 foi assinado o acordo quadro com os concorrentes seleccionados.


II.2 - O Direito

A recorrente, argumentando que a Mm.ª Juiz a quo decidiu não ouvir "o auditor de segurança e as demais testemunhas arroladas pela Recorrente", entende que foi postergada "uma prova fundamental para a descoberta da verdade material" e para "uma decisão justa, imparcial e esclarecida".

Entende, por isso, que foi violado o princípio do inquisitório previsto no art. 265°, n.° 3 do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA, e "por consequência, uma violação do disposto no artigo 103°do CPA".

Sobre os requerimentos para produção de prova testemunhal foi exarado o seguinte despacho:

"A Autora e a Contra-interessada Central E Informação/ Fórum B... arrolaram testemunhas para prova dos factos articulados.

Porém, a factualidade alegada e relevante para a decisão da causa é susceptível de ser provada com os documentos juntos ao processo.

Pelo exposto, a produção de prova testemunhal afigura-se-me claramente desnecessária.

Assim, de acordo com o disposto no art.º 102°, n° 1 e no art.º 90°, n° 2 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, indefiro os requerimentos para produção de prova testemunhal apresentados nos autos pelas partes"

O decidido não merece censura.

Na verdade compete ao juiz, ao fixar a base instrutória, seleccionar a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida (art.º 511.º do CPC).

A necessidade ou não de produção probatória deve ser avaliada pelo juiz de harmonia com o critério acima referido, na medida em que na sentença tem de existir um silogismo entre os factos considerados provados e a decisão final, que comprove o acerto na interpretação e aplicação das normas jurídicas a que tais factos foram subsumidos - cfr. art.º 659.º, n.º 2, do CPC.

Nesta ordem de ideias pode rejeitar a produção probatória de índole testemunhal se considerar que os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, são suficientes para, em função das soluções jurídicas potencialmente aplicáveis, alicerçar a decisão final.

Por conseguinte, o art.º 87.º, n.º 1, al. c), do CPTA, deve ser interpretado no sentido do juiz determinar a abertura de um período de produção de prova quando tenha sido alegada matéria de facto ainda controvertida e com relevância para a decisão e o processo haja de prosseguir.

Aliás, só assim se compreende que o legislador tenha previsto a possibilidade do processo não comportar uma fase de produção de prova, ainda que não tenha dispensado a fase de alegações escritas se as partes delas não prescindiram - art.º 94.º, n.º 1, do CPC - e que aliás não são admissíveis em acções de contencioso contratual se não tiver sido requerida ou produzida prova com a contestação - art.º 102.º, n.º 2, a contrario, do CPTA.

É o que sucede no caso sub judice, visto que dos documentos apud acta é possível retirar os factos suficientes e necessários para a correcta decisão do litígio, pelo que não havia necessidade, pois, de inquirir as testemunhas arroladas

São essencialmente duas as questões que aqui se colocam:
- A primeira consiste em saber se, no âmbito de um concurso público, é possível ou não conceder a um adjudicatário prazo suplementar para apresentar esclarecimentos e suprir lacunas ou irregularidades de documento de habilitação.
- A segunda se há violação do princípio da igualdade em situações de rejeição e admissão de documentos de habilitação de conteúdo substancialmente idêntico.

O art.º 86.º do CCP tem a seguinte redacção:

1 - A adjudicação caduca se, por facto que lhe seja imputável, o adjudicatário não apresentar os documentos de habilitação:

a) No prazo fixado no programa do procedimento;

b) No prazo fixado pelo órgão competente para a decisão de contratar, no caso previsto no n.º 8 do artigo 81.º;

c) Redigidos em língua portuguesa ou, no caso previsto no n.º 2 artigo 82.º, acompanhados de tradução devidamente legalizada, excepto nos casos previstos no n.º 4 do artigo 58.º (redacção do Decreto-Lei n.º 278/2009, de 2 de Outubro)

2 - Sempre que se verifique um facto que determine a caducidade da adjudicação nos termos do n.º 1, o órgão competente para a decisão de contratar deve notificar o adjudicatário relativamente ao qual o facto ocorreu, fixando-lhe um prazo, não superior a 5 dias, para que se pronuncie, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia (redacção do Decreto-Lei n.º 278/2009, de 2 de Outubro)

3 - Quando as situações previstas no n.º 1 se verifiquem por facto que não seja imputável ao adjudicatário, o órgão competente para a decisão de contratar deve conceder-lhe, em função das razões invocadas, um prazo adicional para a apresentação dos documentos em falta, sob pena de caducidade da adjudicação (redacção do Decreto-Lei n.º 278/2009, de 2 de Outubro)

4 - ...

5 - ...

Assim, a letra deste art.º 86.º, n.º 1, não prevê a possibilidade da adjudicação caducar por irregularidade nos documentos de habilitação. Tal possibilidade resulta, porém, no âmbito do concurso público, da conjugação desta norma com o disposto no art.º 132.º, n.º 1, al. g), do CCP (também na redacção do Decreto-Lei n.º 278/2009, de 2 de Outubro)

O programa do concurso público deve indicar:

...

O prazo para a apresentação dos documentos de habilitação pelo adjudicatário, bem como o prazo a conceder pela entidade adjudicante para a supressão de irregularidades detectadas nos documentos apresentados que possam levar à caducidade da adjudicação nos termos do disposto no artigo 86.º;

Mas mesmo antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 278/2009, estava compreendida na ratio do art.º 86.º, n.º 1, a possibilidade do adjudicatário ser excluído por irregularidades nos documentos de habilitação. Com efeito, não faria sentido que a entidade adjudicante ficasse atada de pés e mãos v. g. perante um documento de habilitação falso ou irregular mas apresentado em tempo.

Mas subsiste esta questão: essa consequência (a caducidade) era inexorável, isto é, a lei vedava a hipótese de ser concedido prazo ao adjudicatário para suprir as irregularidades quando tal se justificasse, estando a entidade adjudicante vinculada a decretar a caducidade?

Um argumento a favor desta tese poderia ser o da alteração posterior da lei, que veio prevenir a hipótese contrária. Mas também se pode defender que a alteração da lei visou tornar mais clara uma solução que já resultava dos princípios gerais.

É a conclusão que a nosso ver se justifica.

Não só porque o princípio da audiência prévia (art.º 100.º e ss. do CPA) é um princípio transversal à Administração consensual, mas também porque o art.º 1.º, n.º 4, do CCP estabelece que "à contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência", significando a utilização do vocábulo especialmente uma aplicação reforçada desses princípios.

Ora, o princípio da concorrência constitui a trave mestra do direito comunitário, como um objecto norteador na construção do espaço económico europeu. É, por isso, um bem público essencial que não se compadece com práticas que lesem o consumidor ou o Estado, ou com formalismos exagerados que conduzam a um deficiente funcionamento do mercado, entorpecendo a concorrência entre os agentes económicos.

Este princípio torna-se ainda mais premente no sector das compras públicas, que para além da sua própria especificidade, visa objectivos de interesse geral que não meramente economicistas ou financeiros.

Daí que a actuação das entidades adjudicantes deve procurar assegurar, sempre, a prevalência do princípio da concorrência e pautar-se pela proporcionalidade, o que implica que antes de ser decretada a caducidade por irregularidade nos documentos de habilitação se imponha dar ao respectivo concorrente oportunidade para ser ouvido e, se for caso disso, para suprir aquelas em prazo razoável, quando se trata de irregularidades veniais ou pouco graves e ou susceptíveis de resolução nesse prazo.

E isto mesmo antes da entrada em vigor do Dec.-Lei n.º 278/2009, que - entre outros - deu nova redacção ao art.º 86.º do CCP.

Só assim se pode dar guarida a dois dos grandes objectivos do CCP: a promoção da transparência dos procedimentos e o reforço da imparcialidade e da transparência das decisões de adjudicação.

Aliás, um dos objectivos apontados no Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de Fevereiro, que criou a recorrida ANCP, é o de uma Administração que facilite "a vida aos cidadãos e às empresas".

O art.º 4.º do referido diploma estabelece princípios orientadores do Serviço Nacional de Compras Públicas (SNCP), entre os quais avultam:
- Igualdade de acesso dos interessados aos procedimentos de formação de acordos quadro ou outros contratos públicos [al. c)];
- Promoção da concorrência e da diversidade de fornecedores [al. g)].

Por outro lado, tendo sido atestado pelo auditor de segurança externo a conformidade da plataforma, mandaria a prudência que assim se fizesse, ao menos para esclarecer a divergência entre a conformidade global e as não conformidades de alguns parâmetros.

É que não nos parece que se inclua nas competências da ANCP avaliar a conformidade das plataformas - o que efectivamente acabou por suceder - porque doutro modo não se perceberia a opção legislativa por um auditor de segurança externo e credenciado (art.º 36.º, n.º 1, da Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de Julho)

Concluindo, portanto, que mesmo face ao regime anterior a ANCP deveria ter dado oportunidade para a recorrente se pronunciar e conceder-lhe prazo para suprir as irregularidades, que o auditor de segurança não considerou impeditivas da atribuição de um juízo de conformidade da plataforma com a Portaria n.° 701-G/2008, importa agora saber que prazo razoável seria esse.

A recorrente argumenta que esse prazo é o fixado no art.º 38.º, n.º 3, da referida Portaria, o que a recorrida contesta sustentando que tal prazo visa a manutenção da actividade e não o acesso a esta, entendimento que a sentença sufragou.

Resulta com indubitável clareza do preâmbulo da citada Portaria que o objectivo da sua promulgação é disciplinar o papel das plataformas electrónicas na formação dos contratos regidos pelo CCP e na aposta deste na desmaterialização dos procedimentos de contratação pública.

Dispõe o art.º 3.º da Portaria em causa que "as plataformas utilizadas pelas entidades adjudicantes nos procedimentos de formação de contratos públicos devem satisfazer os requisitos definidos na presente portaria".

Por sua vez o art.º 4.º estabelece:

1 - A aquisição de serviços de uma plataforma electrónica deve ser feita de acordo com os procedimentos estabelecidos no CCP, com pleno respeito pelas regras da concorrência estabelecidas na legislação nacional e comunitárias, bem como pelo disposto na presente portaria.

2 - A selecção da plataforma electrónica a utilizar, de entre as disponíveis no mercado, ou a decisão de proceder ao desenvolvimento de uma plataforma própria para as entidades vinculadas do Sistema Nacional de Compras Públicas é, também, realizada no respeito pelas normas aplicáveis do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de Fevereiro.

3 - O programa do procedimento de aquisição dos serviços referidos nos números anteriores deve exigir que o adjudicatário apresente, como documento de habilitação, um relatório de segurança, nos termos do artigo 36.º ou do artigo 37.º, consoante o caso, válido e actualizado, que ateste a conformidade da plataforma electrónica com as normas previstas na presente portaria.

O art.º 38.º, n.º 1, refere-se aos "relatórios de segurança referidos nos artigos anteriores (...)"; pressupondo que o legislador "consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" (art.º 9.º, n.º 3, do CC), a referência aos relatórios anteriores só pode significar os referidos nos artigos 36.º (Certificação de entidades para efeitos de acesso à actividade) e no art.º 37.º (Relatório anual de segurança).

Na verdade, a certificação não deixa de constituir um relatório emitido pelo auditor de segurança que à semelhança do relatório de segurança propriamente dito se destina a atestar a conformidade da plataforma aos parâmetros estabelecidos na Portaria.

Mas o n.º 2 do art.º 38.º determina que "o relatório anual de segurança deve conter os elementos referidos nas alíneas anteriores, reportando-se a uma análise de procedimentos de formação dos contratos já concluídos e em curso, através de uma amostragem aleatória de procedimentos considerada suficiente pelo auditor para a elaboração de um relatório rigoroso e com margens de erro mínimas".

Por isso o n.º 3 [que dispõe: caso o auditor externo emita parecer negativo ou condicionado, deve a entidade gestora das plataformas electrónicas, no prazo de 30 dias, corrigir as situações detectadas] visa o relatório anual de segurança, o que se confirma pelos números seguintes do mesmo artigo (negritos nossos).

O que não significa que esse prazo não devesse ser aplicado analogicamente, na medida em que não faz sentido que se conceda tal prazo para a supressão de não conformidades na fase de exploração da plataforma (quando os inconvenientes são evidentes), e negá-lo na fase em que a plataforma ainda não está em funcionamento.

Por último importa abordar a questão da violação do princípio da igualdade. Refere a este propósito a sentença:

A Autora alega, para este efeito, que o auditor de segurança da Contra-interessada V......... confirmou que a respectiva plataforma electrónica se encontra em conformidade com as normas da Portaria n° 701-G/2008, de 29.7, com as excepções indicadas e justificadas no parecer. No entanto, à Contra-interessada foram efectuadas recomendações de melhoria, com desconformidades que a Autora interpreta de graves, e a adjudicação foi confirmada a esta Contra-interessada, enquanto a da Autora foi considerada caduca.

Contrapõe a Demandada que a sua actuação respeitou o princípio da igualdade. A Demandada limitou-se, apenas, a aplicar as conclusões evidenciadas nos relatórios de segurança o estatuído na lei (programa do procedimento, a Portaria e o CCP). E, constituindo a obrigação de considerar a adjudicação caducada o exercício de um poder vinculado (cf. art.º 86°, n° 1, al. a), do CCP), nunca assumiriam relevância anulatória do acto a violação dos princípios da transparência, concorrência e da igualdade, uma vez que, tratando-se de princípios gerais reguladores da actividade administrativa, tal violação só ocorre quando a Administração actua no exercício dos seus poderes discricionários. Ao exercer poderes vinculados esses princípios consomem-se no princípio da legalidade.

Lembrando o estatuído nos preceitos legais do art.º 3.º, al. c) e art.º 15°, al. b) do Programa de Concurso, a matéria de facto apurada e o por nós decidido quanto ao vício de violação de lei por violação das normas do Programa de Concurso, os fundamentos da decisão de caducidade da adjudicação à Autora, como afirma a Demandada, são de aplicação vinculada e estão conformes com a lei.

Os documentos respeitantes à habilitação dos concorrentes, destinados a comprovar a capacidade jurídica destes revelada mediante a titulação de habilitações específicas exigidas no concreto procedimento, nomeadamente, o relatório que ateste a conformidade da plataforma electrónica com as normas previstas no n° 2 do art.º 36° da Portaria n° 701 -G/2008, de 29.7, vêm exigidos no Programa de Concurso de forma precisa.

O que significa que constituem matéria de observância vinculada nos seus precisos termos, portanto, não submetida à concorrência.

Assim sendo, a alegada violação do princípio da igualdade reconduz-se a uma eventual violação do princípio da legalidade.

Sucede que a Autora formula nos autos pedido de anulação, na medida em que foi decidido a caducidade da adjudicação feita a favor da Autora, no âmbito do Concurso Público para selecção de plataformas electrónicas para contratação pública em curso. Mais pediu, em decorrência, a condenação da Demandada na prática do acto devido.

Deste modo, tal como vem configurada a lide, não tem utilidade apreciar e decidir da eventual legalidade da confirmação da adjudicação da Contra-interessada V........., por ter entregue os documentos de habilitação exigidos no art.º 15° do Programa de Concurso".

Salvo o devido respeito, esta argumentação não merece a nossa concordância.

É ponto assente que ambas as plataformas (a da recorrente e a da V.........) padeciam de inconformidades, como claramente resulta do parecer da C....... a fls. 754 dos autos, que no entanto se mostram agora ultrapassadas.

Ora, sendo assim e independentemente de se saber se estamos ou não perante uma actuação vinculada da recorrida, é manifesto que houve violação do princípio da igualdade. Se a vinculação impunha a caducidade da adjudicação da recorrente, então a mesma solução deveria ter sido aplicada à V..........

Se, ao invés, as não conformidades eram passíveis de supressão (como o foram), e como tal não se justificava a caducidade, então ambas as concorrentes deveriam ter tido tratamento igualitário. Não tendo existido, houve clara violação do princípio da igualdade (art.º 13.º da CRP), que, recorda-se, postula o tratamento igual de situações semelhantes e desigual no caso contrário.

É que a aplicação daquela "regra" de que não há igualdade na ilegalidade não pode servir para dar cobertura a condutas concomitantemente legais e ilegais, como sucederia no caso presente, caso se considerasse que a caducidade da adjudicação da recorrente era legal, implicando necessariamente que a decisão relativa à V......... fosse ilegal.

Aliás, nem se percebe como se solucionaria a controvérsia que resultaria de se admitir um acto que, abrangendo (pelo menos) dois destinatários e baseado em idênticos pressupostos de facto e de direito, fosse ao mesmo tempo legal e ilegal.

Em face do exposto e sendo patente a ilegalidade do acto impugnado, torna-se imperioso conceder provimento ao recurso revogando a sentença recorrida que decidiu em sentido contrário. E, consequentemente, nos termos do art.º 149.º, n.º 4, do CPTA, anular a deliberação impugnada de 03.04.2009 e a subsequente que a confirmou (decisão de 27.04.2009), e demais actos cuja validade delas dependa, e condenar a recorrida a praticar novo acto que inclua a Recorrente entre os concorrentes cujas propostas foram adjudicadas para o lote n.º 1 e habilitada a celebrar o contrato-quadro.

III - Dispositivo

Nos termos expostos acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida. E em consequência:
- Anula-se a deliberação impugnada de 03.04.2009 e a subsequente que a confirmou (decisão de 27.04.2009), e demais actos cuja validade delas dependa;
- Condena-se a recorrida a praticar novo acto que inclua a Recorrente entre os concorrentes cujas propostas foram adjudicadas para o lote n.º 1 e habilitada a celebrar o respectivo contrato-quadro.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 04-02-2010
Benjamim Barbosa (Relator)
Carlos Araújo
Teresa de Sousa