Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29 de março de 2012 (proc. 8538/12)

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Sumário:

I - A declaração efectuada por um concorrente, no âmbito de m contrato de empreitada de obras públicas, deve ser efectuada segundo as regras de interpretação negocial prevista no artigo 236º do Código Civil.
II - Havendo dúvidas sobre o prazo de execução de trabalhos, o Júri deve solicitar os esclarecimentos necessários, e não excluir desde logo a proposta.
III - Não é exigível ao concorrente identificar logo na proposta as habilitações necessárias ou as entidades que pretende subcontratar para execução de tais obras.
IV - A exclusão de um concorrente com base na não apresentação inicial de tais habilitações ou entidades viola o disposto no artigo 60º nº4 e 81º do Código dos Contratos Públicos.

 

Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção Administrativa do TCA-Sul

1. Relatório

O Município ......................, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Leiria, de 15.12.2011, que julgou procedente a acção de contencioso pré-contratual intentada por N............ e M....., Lda, condenando o R. a admitir a proposta apresentada pela Autora e a ordená-la em primeiro lugar e proceder à respectiva adjudicação.
Indicou como contra-interessada a Sociedade de Construções ..............., SA.
Enunciou, nas suas alegações as conclusões seguintes:
"1º
O tribunal recorrido errou, quando concluiu que os fundamentos que conduziram à exclusão da proposta da Autora não podem subsistir, por se mostrarem adoptados em desconformidade e violação do regime legal aplicável.

Ao contrário do que declarou, não pode haver lugar a uma decisão favorável à pretensão material formulada pela Autora, pois subsistem outras razões que, no âmbito desta causa, não foram tidas em conta - quando o deviam ser -, e que, pela sua dimensão e gravidade, impedem a imposição da prática do ato devido correspondente.

Além do mais, e no que se reporta ao raciocínio seguido, em relação apenas ao que destacou - ignorando tudo aquilo que, agora, se salientou -, o tribunal recorrido menosprezou, em qualquer uma das questões submetidas à sua decisão, o entendimento já perfilhado pela doutrina - à qual, de resto, nem sequer se referiu -, e desvirtuou, por completo, o sentido e ao alcance das normas invocadas.

Dada a forma como, nos termos da lei aplicável, é efectuada a contagem do prazo de execução de uma empreitada, uma proposta não se pode bastar com a sua menção, na medida em que, bem mais importante do que isso, desde logo, pelos efeitos jurídicos que daí se retiram, é a demonstração prática e subsequente que tem de ser feita.

Se a indicação de um prazo, bem menor, que consta do "Plano de Trabalhos - Previsão", é um erro evidente, segundo se concluiu, o tribunal recorrido esquece o que se mostra subjacente - e nunca se bastará com um esclarecimento -, pois é em função dele que podem ser analisados o "Cronograma de Utilização de Equipamento" e o "Cronograma de Carga de Mão-de-Obra" , que fazem parte integrante do mesmo.

Se a declaração/tabela que consta da proposta subscrita pela Autora tem, em título, a identificação do alvará de que a mestra é titular, tal circunstância só pode significar que as autorizações ali enunciadas lhe pertencem.

É inadmissível ignorar o comportamento de quem se arrogou ser possuidor de habilitações que, de facto, não tem - embora o tenha escrito, sem quaisquer reservas -, e não atribuir a essa intenção as consequências jurídicas que se impõem.

O facto de não ter declarado que iria recorrer ao regime de subempreitada, em vista da realização dos trabalhos que, afinal, não, pode executar, só demonstra que a Autora sempre se referiu a si, ainda que não o pudesse fazer.

Em vista da execução dos trabalhos, que façam parte do objecto de um contrato de empreitada, é absurdo - e absolutamente ilegal - dizer que será suficiente estar habilitado, pelo menos, em relação a 25% do preço contratual.
10º
Sem prejuízo do entendimento do Instituto da Construção e de Imobiliário, I.P., cujo crédito emerge das atribuições legais que lhe imputam, e ainda das responsabilidades correspondentes, sempre haverá que considerar, em corolário lógico, o que também se estabelece no artigo 31.° do Decreto-Lei n°12/2004, de 9 de Janeiro, na redacção que está em vigor."

Contra-alegou, igualmente, a contra-interessada Sociedade de Construções .................., SA, concluindo como segue:
"1º Os Concursos Públicos obedecem a critérios de adjudicação, regras de procedimento e participação rigorosos, rigor esse não ostentado na proposta apresentada pela Recorrida, seja por contemplar desconformidades face ao programa de procedimento, seja por vir acompanhado de declarações que não correspondem à realidade.
2º A exclusão da proposta da Recorrida tem como fundamento o facto de se encontrar estabelecido, como parâmetro base, no Caderno de Encargos, um prazo de execução de 730 dias e a Recorrida ter indicado na sua proposta, prazos diferentes.
3º Com efeito, no Plano de Equipamentos e Mão de Obra, apesar de a Recorrida ter feito constar no cabeçalho um prazo de execução de 730 dias, nas colunas onde os trabalhos são discriminados, consta um prazo de execução de 731 dias, e no Plano de Trabalhos apresentado pela Recorrida constam dois prazos, um de 730 dias e outro de 522 dias.
4º Tais referências traduzem apenas, para o Júri do Procedimento e bem assim para todos os outros concorrentes, desconformidades da proposta apresentada face ao parâmetro base fixados pela entidade adjudicante no programa de procedimento.
5º A faculdade atribuída ao Júri do Procedimento nos termos do nº1 do art. 72º do CCP não confere ao mesmo um "poder vinculado", não sendo esse o sentido que decorre da letra da lei nem do seu espírito, constando na mesma a expressão "pode", e não a expressão "deve". Inexistindo nesta medida, qualquer obrigação legal por parte do Júri, de pedir esclarecimentos aos concorrentes, ficando também o entendimento da A. prejudicado pelo disposto no nº2 do artº72º do CCP.
6º É manifesta a impossibilidade legal da Recorrida, no âmbito da fase de esclarecimentos, proceder a alterações à sua proposta, o que consubstanciaria violação dos princípios da estabilidade e imutabilidade das propostas contratuais em sede de pré-adjudicação, e bem assim dos princípios de igualdade e de concorrência em relação a todos os restantes concorrentes.
7º Se cada vez que os concorrentes, num qualquer Concurso, se vissem perante incongruências e contradições, na sua proposta e em momento posterior à sua entrega, pudessem, através da invocação de erros materiais e lapsos de escrita, vir corrigir e alterar a sua proposta, tal levaria a um desvirtuamento do espírito da lei, um prolongamento intolerável do próprio Concurso, a existência de dezenas ou centenas de versões de propostas, e o desvirtuamento das próprias propostas.
8º Igualmente não compete ao Júri do procedimento, no âmbito das suas atribuições legais, relevar eventuais incongruências verificadas nas propostas, tendo em conta que o ónus de demonstração do prazo para execução dos trabalhos cabe ao concorrente.
9º Apesar do prazo de execução da empreitada não se encontrar submetido à concorrência, a violação do mesmo face ao imposto pelo programa de procedimento, é determinante para a exclusão da proposta, nos termos do disposto na alínea b) do n.2 2 do art. 70º, alínea o) do art. 146º e nº2 do art. 148º, todos do CCP.
10º No art. 17º do Anúncio do procedimento, publicado na II Série do D. R nº82 de 28 de Abril é referido que os concorrentes deveriam ser titulares do alvará de construção emitido pelo INCI, correspondente às autorizações ali referidas.
11º A Recorrida não dispõe de habilitações necessárias à execução da empreitada objecto do procedimento.
12º O citado artigo do Anúncio do Procedimento, exige entre outras habilitações que os concorrentes sejam de titulares da 1ª subcategoria da 1ª categoria "estruturas e elementos de betão" a qual tem de ser de classe que cubra o valor global da proposta.
13º Na proposta que a Recorrida apresentou, concretamente no documento a que alude o nº4 do art. 60º do CCP, esta propôs-se executar os trabalhos que respeitam à Classe 2 na 1ª Subcategoria da 4ª Categoria, pelo valor de €209.479,62.
14º Da análise do doc. 13 junto à PI resulta claro que a Recorrida prestou uma declaração falsa, ao instruir a sua proposta com um documento em que refere que é detentora de Classe 2 na 1ª Subcategoria da 4ª Categoria, já que a mesma apenas dispõe de habilitação para executar trabalhos de Classe 1 na 1ª Subcategoria da 4ª Categoria.
15º Importa referir que, de acordo com o nº4 do art. 60º do CCP, o preço parcial dos trabalhos apresentados na proposta do concorrente, tem de ter correspondência a nível de classes, com as habilitações contidas no seu alvará, a não ser assim não faria qualquer sentido o disposto no nº5 do art.60º do CCP.
16º O que não aconteceu no caso da Recorrida já que o seu alvará não apresenta as habilitações necessárias à execução de alguns dos trabalhos da empreitada. Termos em que é irrelevante que houvesse um terceiro detentor de alvará suficiente para a execução dos trabalhos no âmbito da empreitada dos autos.
17º Nos termos do disposto no art. 456º do CCP, constitui contra-ordenação a apresentação de documentos falsos bem como a prestação de falsas declarações no decurso da fase de formação do contrato.
18º A Recorrida A Recorrida prestou falsas declarações ao propor-se realizar trabalhos de Classe 2 na 1ª Subcategoria da 4ª Categoria, indicando o seu alvará e não referindo que os mesmos fiam ser executados por terceiros, devidamente habilitados para o efeito, tendo perfeito conhecimento que as habilitações constantes do mesmo não o permitiriam.
19º Perante a indicação, por parte de um concorrente, de um alvará para execução de trabalhos, para os quais não se encontra habilitado, é legítimo, melhor, constitui dever do Júri, propor a exclusão aquele, com fundamento no disposto na alínea m) e o) do nº2 do art. 146º e nº2 do art. 70º todos do CCP.
20º Para que o nº4 do art. 60º não perca o seu sentido prático terá se de concluir que apenas podem concorrer as empresas devidamente habilitadas para o efeito. O que em virtude de toda a factualidade exposta não é o caso da Recorrida no âmbito do concurso público sub judice.
21º Conclui-se portanto pela licitude da exclusão da Recorrida do procedimento.
22º Termos em que deve a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada."

Contra-alegou a recorrida N.............. & M..............., Lda, pugnando pela manutenção do julgado.

O Ministério Público não emitiu parecer.

2. Fundamentação
2.1. De facto

A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto, com relevo para a decisão:
"A) No Diário da República n°82, II Série, de 28 de Abril de 2011, foi publicado pelo Município de ................ o Anúncio de procedimento n°1979/2011 relativo a concurso destinado à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas designado Centro Escolar de ......................., tendo como critério de adjudicação o "Mais baixo preço";
B) Com data de 09-06-2011, o Júri do Concurso elaborou o relatório preliminar - Doc. 2 anexo à petição inicial (p.i.), cujo teor se dá por reproduzido - que regista as propostas dos concorrentes ali identificados, apresentadas pela ordem de entrada na plataforma da contratação pública, entre os quais a proposta n°18 da concorrente ora Autora;
C) Desse relatório preliminar consta ainda que, por unanimidade, o Júri do Concurso deliberou:
a. admitir as propostas ali identificadas nessa situação, entre as quais a proposta n°18 apresentada pela ora Autora;
b. ordenar essas propostas, tendo sido graduado em primeiro lugar N..........& M........., Lda, com proposta de valor de 2.029.806,68€;
D) Em sede de audiência de interessados, a concorrente Sociedade .............., SA, pronunciou-se no procedimento nos termos vertidos no Doc. 3 anexo à p.i., requerendo a reapreciação do processo de avaliação das propostas, face a ilegalidades que invocou, com exclusão da proposta apresentada pelo concorrente n°18 N............ & M.........., Ldª, e proposta de adjudicação à reclamante;
E) Com data de 01-07-2011, o Júri do Concurso elaborou o Relatório Final - doc. 4 em anexo à p.i. - e deliberou o seguinte, designadamente:
"(...)
O Júri analisou a reclamação do concorrente, e passou à análise da proposta do concorrente N.......... & M............., Lda, tendo constatado o seguinte:
1 - Prazo de execução da obra
"No que diz respeito ao prazo de execução da obra de 730 dias, o mesmo esta definido no Caderno de Encargos.
O concorrente N.........& M.........., Lda. no documento «Atributos da Proposta» constante na sua proposta, declara que vai executar a obra no prazo estipulado pelo Caderno de Encargos. A incongruência verifica-se nos Planos de Equipamentos e de Mão de Obra, cujo cabeçalho dos mapas tem a indicação de 730 dias como prazo de execução, mas nas colunas onde os trabalhos são descriminados tem como prazo 731 dias, e em relação ao Plano de Trabalhos, também são indicados dois prazos para a execução da obra, nomeadamente de 730 dias e 522 dias, logo, violando um parâmetro base fixado no Caderno de Encargos, que não está submetido à concorrência.
2 - Habilitações - Alvará de construção
O anúncio publicado no Diário da República, n°82, de 28 de Abril de 2011 respeitante a este procedimento, estabelece que os concorrentes deverão ser titulares do alvará de construção emitido pelo INCI, correspondente à seguinte autorização: (...).
O concorrente N......... & M.........., Lda, na sua proposta declara para cumprimento do estipulado no n°4 do art°60° do Código dos Contratos Públicos que as classes correspondentes aos valores da proposta e dos trabalhos especializados para a empreitada são os que apresenta descritos num quadro anexo à proposta.
No que diz respeito à 1a subcategoria da 4a categoria, o concorrente indica que é titular de alvará de classe dois (trezentos e trinta e dois mil euros), dando como valor para estes trabalhos 209.479,62 (duzentos e nove mil quatrocentos setenta e nove euros e se isenta e dois cêntimos), contudo, analisando o respectivo alvará pode verificar-se que esta indicação não está correcta, apenas dispõe de classe 1 (cento e sessenta e seis mil), não possuindo portanto, a habilitação necessária para executar estes trabalhos.
Face ao exposto, e de acordo com o estipulado nas alíneas m) e o) do n°2 do artº146°, conjugado com a alínea b) do n°2 do artº70° ambos do Código dos Contratos Públicos, o júri propõe a exclusão da proposta nº18 do concorrente N.......... & M............., Lda.
Tendo em conta a exclusão da proposta anteriormente indicada, o júri delibera alterar a ordenação das propostas constante do relatório preliminar, para efeitos de adjudicação:
(...) 1°Soc. Construções, ............., S.A. (...)
"Dado que houve alteração da ordenação das propostas constantes do Relatório Preliminar, o júri vai proceder a uma nova audiência prévia (...)
Cabe à Câmara Municipal decidir nomeadamente sobre a exclusão, admissão e ordenação de todas as propostas contidas no Relatório Final, nomeadamente para efeitos de adjudicação, de acordo com o n°4 do artigo 148° do CCP. (...)";
F) A ora Autora efectuou no procedimento concursal a exposição e requerimento exarados no doc. 5 em anexo à p.i., cujo teor se dá por reproduzido;
G) Na reunião do órgão executivo do Município de ......................., do dia 22 de Julho de 2011, foi "presente o segundo relatório final de apreciação das propostas elaborado pelo Júri do concurso público, cujo teor se transcreve (...)" e ainda deliberado, por unanimidade dos presentes, "ratificar a deliberação do júri relativamente à aceitação/rejeição de erros e omissões do procedimento ora em análise. Mais deliberou, por unanimidade dos presentes, dar preferência à proposta da firma «Soc. Construções ..............., S.A.». A respectiva adjudicação considera-se definitivamente feita, se nada for dito em relação à minuta do contrato a celebrar, que foi aprovada (...)" - certidão que consubstancia doc. 6 em anexo à p.i., cujo teor se dá por reproduzido;
H) No cronograma de utilização de equipamento - doc. 8 anexo à p.i. e doc. 1 junto com a contestação do Réu e cujos teores se dão por reproduzidos - a concorrente ora Autora indicou:
a. No cabeçalho do mapa: "Prazo de execução:730 dias incluindo abados, domingos e feriados (...)";
b. Na coluna de discriminação dos trabalhos relativa ao mês 24, Julho de 2013, semana
101 a 104: "731" dias;
l) No cronograma de carga de mão de obra - doc. 9 anexo à p. i. e doc. 2 junto com a contestação do Réu e cujos teores se dão por reproduzidos - , a concorrente ora Autora indicou:
a. No cabeçalho do mapa: "Prazo de execução: 730 dias incluindo sábados, domingos e feriados (...)";
b. Na coluna de discriminação dos trabalhos relativa ao mês 24 Julho de 2013, semana 101 a 104: "731" dias;
J) No plano de trabalhos - doc. 10 anexo à p. i. e doc. 3 junto com a contestação do Réu e cujos teores se dão por reproduzidos -, a concorrente era Autora Indicou:
a. Na coluna designada «task name» e linha «ID 1»: "Execução da empreitada (730) dias";
b. Na coluna designada «duration» e linha «ID1»: "522 days";
c. Nas colunas designadas «start» e «finish» e linha «ID1», respectivamente: "Mon 01-08
11" e "Tue 30-07-13";
d. Na linha final do documento: "Prazo de execução de 730 dias";
K) A declaração de atributos da proposta apresentada pela ora Autora - doc. 11 anexo à p. i., cujo teor se dá por reproduzido - contém a seguinte declaração, designadamente: "(...) Declara concluir a referida empreitada no prazo global de 730 (setecentos e trinta) dias (...)";
L) A concorrente ora Autora apresentou no concurso a declaração e quadros a ela anexos que consubstanciam doc. 12 anexo à p. i., cujos teores (declaração e quadros anexos) se dão por integralmente reproduzidos, pela qual "declara para cumprimento do estipulado no n°4 do artigo 60° do Código dos Contratos Públicos que as classes correspondentes aos valores da proposta e dos trabalhos especializados para a empreitada supra mencionada são os que se apresentam no quadro em anexo";
M) A concorrente ora Autora juntou à sua proposta o Alvará de Construção nº............. em "impressão via www.inci.pt em 28/02/2011 às 12:56" - em anexo à p.i. como doc. 13, cujo teor se dá por reproduzido - do qual consta designadamente:

CLASSE VALORES DA OBRA
1 ....................Até 166.000€
2 ...................Até 322.000€
3 ...................Até 664.000€
4 ................Até 1.328.000€
5 ................Até 2.656.000€
6 ................Até 5.312.000€
7 .............Até 10.624.000€
8 .............Até 16.600.000€
9 .............Até 16.600.000€

N) Em 27 de Outubro de 2010, a entidade demandada submeteu a execução do projecto do "Centro Escolar de ......................." a financiamento comunitário, no âmbito do MAIS CENTRO - Programa Operacional Regional do Centro, na sequência de uma candidatura - ao abrigo do Regulamento Específico de Qualificação da Rede Escolar de 1. o Ciclo do Ensino Básico e da Educação Pré-Escolar -, prevendo um investimento total de € 2.360.001,77 - doe. 7 anexo à contestação do Réu, cujo teor se dá por reproduzido;
O) No âmbito da instrução da referida candidatura - doc. 8- anexo à contestação do Réu, cujo teor se dá por reproduzido -, o Presidente da Câmara Municipal de ....................... foi informado, em 26 de Agosto de 2011, de que aquela reúne condições para obter parecer favorável da Comissão Directiva do Mais Centro - Programa Operacional Regional do Centro, estando previsto que a citada aprovação ocorresse na primeira semana de Setembro de 2011 - doc. 9 anexo à contestação do Réu, cujo teor se dá por reproduzido.


2.2. De Direito

Em sede de fundamentação jurídica, a sentença recorrida expendeu o seguinte:
"(...) Pede a Autora, designadamente e a título principal:
Devem a adjudicação e o contrato, caso já tenha sido celebrado ou vir a sê-lo, serem anulados e deve o Réu ser condenado a admitir a proposta da Autora, nos termos dos antigos 60°, 4º e 81°, ambos do CCP.
Dois pedidos aqui se contêm, em cumulação:
• O pedido de anulação do acto de adjudicação: Devem a adjudicação e o contrato, caso já tenha sido celebrado ou vir a sê-lo, serem anulados;
• E o pedido de condenação à prática de acto que a Autora entende devido: e deve o Réu ser condenado a admitir a proposta da Autora, nos termos dos antigos 60°, 4º e 81°, ambos do CCP.
E Devem considerar-se sanadas as contradições imputadas à proposta da Autora, quanto ao prazo de execução da obra e, consequentemente, deve o Réu ser condenado a adjudicar à proposta da Autora, por ser a de mais baixo preço;
E pede ainda a Autora:
• Ou, subsidiariamente ao pedido B), mas cumulativamente com o pedido A),
• C) Deve o Réu ser condenado a retomar o concurso com vista a solicitar à Autora esclarecimentos quanto ao prazo de execução da obra, nos termos do artigo n°1, do CCP;"
Aliás, de forma peremptória e inequívoca, a Autora identificou o alvo da sua impugnação nos artigos 11° e 12° da petição inicial:
• "De modo que o acto administrativo impugnado é, precisamente, o acto de adjudicação.";
• "Impugnação essa que se estende ao próprio contrato, caso já tenha sido celebrado ou venha a sê-lo.".
A proposta com atribuído n°18, apresentada pela Autora, todavia, foi excluída do concurso - veja-se, a propósito da exclusão das propostas, o disposto nos art°s ; 146° e 148° do CCP.
Na verdade, sem prejuízo de certos efeitos procedimentais, o órgão adjudicante decide da exclusão de candidatos ou de propostas e decide também da adjudicação, tudo sob proposta do competente órgão concursal, como ocorreu no caso em presença.
Constituem decisões diferenciadas em substância e sequenciais lógica e temporalmente.
De notar, como explicita Vieira de Almeida & Associados(Código dos Contratos Públicos e Legislação Complementar Guias de Leitura e Aplicação, Almedina, 2008, pág. 821.), que no tocante aos efeitos procedimentais "o concorrente cuja proposta tenha sido excluída deixa de participar nas formalidades subsequentes do procedimento, ainda que impugne administrativa a decisão excludente (272°), salvo se sobrevier alguma providência cautelar de que resulte o contrário".
No caso presente, a providência cautelar em apenso, n°975/11.4BELRA, alcançou decisão final de indeferimento, em 14-10-2011, a qual transitou já em julgado.
Aqui chegados, verifica-se que, embora identificado e apontado como o acto impugnado, nenhum vício vem assacado ao acto de adjudicação enquanto tal.
Na verdade, e tal como verte a Autora - de forma paradoxal, acrescente-se com o devido respeito -,"As razões da discordância da Autora relativamente ao acto de adjudicação reportam-se aos dois fundamentos invocados pelo Júri para excluir a sua proposta, tais sejam o «Prazo de Execução da Obra» e o «Alvará»".
O que a Autora faz é assacar vícios à decisão da exclusão da sua proposta, mas nenhum pedido de anulação ou declaração de nulidade de tal acto de exclusão vem formulado.
Assim, deixado incólume pela causa de pedir e sem possibilidade de projecção de efeitos decorrentes de anulação ou nulidade do acto de exclusão (porque anulação, declaração de nulidade ou de inexistência jurídica não vem peticionado relativamente ao acto de exclusão), improcede o respectivo pedido atinente ao acto de adjudicação, sem prejuízo do efeito eventualmente alcançável por via do que resultar da apreciação dos restantes pedidos, se a tanto se guindar o conhecimento da causa, face ao disposto no n°2 do art°66° do CPTA.
Por outro lado e, agora sim, assestado ao acto de exclusão da proposta da Autora vêm formulados pedidos de condenação do Réu à prática de acto ou actos devidos, quais sejam, o de o Réu ser condenado a admitir a proposta da Autora, «os termos dos artigos 60°, 4º e 81°, ambos do CCP, o de considerar-se sanadas as contradições imputadas, à proposta da Autora, quanto ao prazo de execução da obra e, consequentemente, deve o Réu ser condenado a adjudicar à proposta da Autora, por ser a de mais baixo preço e o pedido de retomar o concurso com vista a solicitar à Autora esclarecimentos quanto ao prazo de execução da obra, nos termos do artigo n°, n°1, do CCP.
Pese embora o facto de o processo especial de contencioso pré-contratual ter por objecto, segundo a letra da lei, a impugnação de actos administrativos praticados no âmbito dos procedimentos relativos à formação de contratos cujos tipos o n°1 do art°100° do CPTA elenca, tem sido admitido pela doutrina e pela jurisprudência a formulação de pedidos de condenação à prática de actos devidos (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 3a edição, 2010, páginas 667 e 668 e notas de rodapé n°705: "No sentido de que o contencioso pré-contratual deve acolher as pretensões dirigidas à condenação à prática de acto devido, pese embora o silêncio do texto legal quanto a esse ponto, cfr. VIEIRA DE ANDRADE, A justiça administrativa (lições), págs. 266-267; PEDRO GONÇALVES, Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual, in CJA n° 62, pág. 7; e, por último, ANA CELESTE CARVALHO, A acção de contencoso pré-contratual- perspectivas de reforma, in CJA n.°76, págs. 53-54. Também parece aceitar esse entendimento o acórdão do TCA Sul de 13 de Janeiro de 2005, Processo n.°394/2004"; e n° 706:
"Cfr. SÉRVULO CORREIA, op. últ. cit., pág. 23. Admitindo, implicitamente, esta dupla função do contencioso pré-contratual, cfr. também o acórdão do STA de 24 de Novembro de 2004 (CJA n.°53, pág. 3).".).
Assim sendo, resta então apreciar esses pedidos.
E, note-se, nestes casos, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória - cfr. n°2 do do art°66° do CPTA.
Não há, assim, lugar a um juízo de ponderação dos vícios com intuito anulatório, de declaração de nulidade ou inexistência jurídica de que o acto possa eventualmente padecer, pois o processo dirige-se, não à anulação contenciosa desse acto, mas à condenação da Administração na prática de um acto que, em substituição daquele, se pronuncie sobre o caso concreto (Cfr., neste sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, op. cit., pág. 433.).
Vamos, pois, apreciar os pedidos de condenação à prática de acto devido, com os poderes de pronúncia vertidos no art°71° do CPTA, à luz das razões que a causa de pedir carreia, designadamente e em síntese, as atinentes ao acto de exclusão da proposta da Autora, que no seu entender viola o disposto nos art°s 60°, n°4r 72°, n°1, e 81°, todos do CCP, 249° do CCivil e 56° do CPA, porque, no que toca ao fundamento da expulsão atinente ao prazo de execução da obra, a apontada discrepância na referência ao prazo, constituindo mero erro material ou lapso de escrita, daria antes lugar a pedido de esclarecimento, permitindo a correcção do erro à concorrente e relativamente a outro dos fundamentos que ditou a dita exclusão, por a Autora não ser titular do "alvará de construção emitido pelo INCI, correspondente à seguinte autorização: 1a subcategoria da 1a categoria, a qual tem de ser de classe que cubra o valor global da proposta; e as 4a, 5a, 6a e 7a subcategorias da 1a categoria; 8a e 9a subcategorias da 2a categoria; 1a 8a e 10a subcategorias da 4a categoria, as quais tem de ser de classe correspondente à parte dos trabalhos a que respeitem", entendendo a Autora que "em momento algum, declarou a Requerente ser ela própria titular das habilitações constantes dessa tabela. Até porque, nesta fase do procedimento, nada na lei obriga à identificação dos concretos alvarás ou da exacta identificação dos seus titulares", acrescentando, ainda em síntese dos seus argumentos, que "não têm os concorrentes que fazer prova, na fase de propostas, da titularidade das habilitações necessárias à execução dos trabalhos, a qual só tem de ser feita após a adjudicação", pois "mais importante do que o momento da demonstração da titularidade das habilitações, é a circunstância de à luz do artigo 81°, n°2 e 3, do CCP, essa habilitações puderem ser demonstradas com recurso a terceiros subcontratados".
Vejamos então, à luz dos pedidos de condenação à prática dos actos que a Autora entende devidos.
Quanto ao alegado relativamente à questão do prazo, face à matéria carreada a juízo, verifica-se que face à inequivocidade dos restantes elementos (veja-se o probatório) que identificam o prazo de execução, de 730 dias, prazo este ali exarado e reafirmado e resultante ainda do ali consignado período de "Mon 01-08-11" a" Tue 30-07-12", a singela referência a 731 dias ou a 522 dias (irrelevante, já que as propostas são apresentadas em língua portuguesa) evidenciam, instalando-se alguma dúvida, indicação em erro manifesto (ainda que oriundo de um programa informático, mas produzido e operado por seres humanos (Na verdade, o ser humano pode utilizar directamente a sua voz para se manifestar e efectuar declarações, ou pode escrever na areia com o seu dedo, ou utilizar uma caneta e um pedaço de papel ou talvez uma máquina mecânica de escrever ou quiçá uma máquina computacional por si concebida e operada, substituindo a voz, o dedo, a caneta e papel por um teclado, ainda e sempre como forma de produzir uma declaração que pode ocorrer em erro ou conter erros.) e apreensível pela mera leitura de tais documentos, susceptível de esclarecimento -veja-se o disposto v.g. no artº72° do CCP.
Na verdade, não pode ignorar-se que a proposta é uma declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo.
Encerra, pois, uma declaração negocial do concorrente privado em relação à Administração Pública.
Como verdadeira declaração de vontade negociai que é, também se lhe deve aplicar as regras da interpretação da declaração negocial constantes dos artigos 236° e seguintes do Código Civil, assim como a teoria dos vícios da vontade.
Como refere Paulo Otero, «recai sobre a Administração a obrigação de atender aos eventuais vícios da vontade de que possa enfermar a declaração negocial do recorrente, nomeadamente os erros materiais ostensivos apreensíveis da mera leitura da proposta apresentada, ou seja, os erros que incidem sobre os elementos não variáveis que os concorrentes tiverem que tomar em consideração na elaboração das respectivas propostas. Sendo certo que só através de pedidos de esclarecimentos aos concorrentes é que a Administração pode concluir pela existência ou não cê qualquer erro e bem assim da sua dimensão» (cfr. Revista "O Direito", Ano 131, 1990, pág. 92 e 93).
Continuando, subsiste ainda na fundamentação do acto atinente à exclusão da proposta da Autora outra causa que importa apreciar, qual seja, a problemática atinente às habilitações contidas nos alvarás e declarações emitidas pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P.
Vejamos.
O Anúncio do Concurso informava: "Os concorrentes deverão ser titulares do alvará de construção emitido pelo INCI, correspondente à seguinte autorização: 1a subcategoria da 1a categoria, a qual tem de ser de classe que cubra o valor global da proposta; e às 4a, 5a, 6a e T subcategorias da 1a categoria; 8a e 9a subcategorias da 2a categoria; 1a, 8a e 10a subcategorias da 4ª categoria, as quais tem de ser de classe correspondente à parte dos trabalhos a que respeitem.".
Será descabida a exigência, designadamente em face do disposto nos art°s 77°, n°2, alínea a), e 81°, n°s 2 e 3, do CCP?
Tendo em conta a unidade do sistema jurídico e na economia das normas que no Código dos Contratos Públicos regem esta matéria, vejamos o disposto no n°2 do art°383° do CCP:
Sem prejuízo do disposto no número anterior, não pode o empreiteiro subcontratar prestações objecto do contrato de valor total superior a 75% do preço contratual, acrescido ou deduzido dos preços correspondentes aos trabalhos a mais ou a menos, aos trabalhos de suprimento de erros e omissões e à reposição do equilíbrio financeiro a que haja lugar no âmbito do contrato em causa.
Significa isto que o adjudicatário deve estar necessariamente habilitado, em qualquer caso, para a execução de prestações objecto do contrato de valor total de, no mínimo, 25% do preço contratual.
A questão já não é transferível para verificação no momento da habilitação do adjudicatário, aí sim, justificável a solução normativa, quanto aos referidos 75%, pela utilização dos mecanismos de subcontratação a que aludem os art°s 77°, nº2, alínea a), e 81°, n°s2 e 3, do CCP.
Na verdade, no caso de subcontratação é o próprio concorrente e futuro adjudicatário que deve estar habilitado relativamente àquele mínimo de 25%, pelo que, a nosso ver (Não se desconhece o sumariado no acórdão do STA, de 04-11-2010, processo n°0795/10:
«A não apresentação de um alvará exigido no programa de concurso como necessário à execução da obra não pode, por si só, determinar a exclusão preliminar de um concorrente sem análise da respectiva proposta, pois que só em sede de habilitação de adjudicatário está prevista a obrigatoriedade dessa apresentação e eventual substituição por declaração do ICI, IP (art. 81°, n°s 2, 3 e 5)».
Todavia, afigura-se certo que ali não se ponderou a questão na perspectiva que a presente acção coloca, sendo, outrossim, a matéria de facto substancialmente diversa daquela.), seria completamente contrário e violador de princípios da contratação pública - designadamente os princípios da celeridade, da eficiência, da estabilidade do procedimento e da segurança jurídica - não proceder à verificação das condições mínimas de habilitação do concorrente na altura relevante ao seu afastamento atempado de molde a permitir desde logo a eventual avaliação de outras propostas concorrentes, em tempo útil, quando se verifique que não cumpre os mínimos que sempre lhe será exigido que deva garantir (25%).
Pelo que o disposto designadamente na alínea a) do n°2 do art°77° do CCP deve ser interpretado cum grano salis, devendo o órgão competente para a decisão de contratar notificar o adjudicatário para apresentar os documentos de habitação, exigidos nos termos do disposto no artigo 81°, que naquela fase devam ser apresentados.
Com relevância nessa vertente, entre outras relevâncias, e para além do disposto nos art°s 57°, 77°, n°2, alínea a), e 81°, n°s 2 e 3, todos do CCP, reza assim o n°4 do art°60° do CCP:
"No caso de se tratar de procedimento de formação de contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas, o concorrente deve indicar na proposta os preços parciais dos trabalhos que se propõe executar correspondentes às habilitações contidas nos alvarás ou nos títulos de registo ou nas declarações emitidas pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P., nos termos do disposto na alínea a) do n°5 do artigo 81°, para efeitos da verificação da conformidade desses preços com a classe daquelas habilitações".
Ora, pelo confronto entre a declaração que a Autora apresentou - doc. 12 anexo à p.i. e doc. 4 anexo à contestação do Réu - e o teor resultante da pesquisa do alvará de que é titular - doc. 13 anexo à p.i e doc. 5 anexo à contestação do Réu - verifica-se o seguinte, relativamente aos obstáculos que ditaram a exclusão da sua proposta:
A Autora apresentou proposta no valor de 209.479,62 para a 1a subcategoria da 4a categoria, tendo indicado a classe 2, tanto para a subcategoria como para a proposta.
Todavia, demonstrou no procedimento e também aqui nos autos (cfr. Referidos documentos) ser titular apenas da classe 1 para esta categoria e subcategoria, cujo valor é de apenas 166.000,00€.
Ora, 209.479,626, no seio do valor global da proposta, de 2.029.806,68€, corresponde a cerca de 10,32%, muito aquém do limite de 75% a que se refere o disposto no n°2 do art°383° do CCP.
O que significa que as restantes prestações sobre as quais indicou os preços parciais dos trabalhos que se propõe executar e para as quais revelou estar habilitado representam cerca de 89,68% do valor total, ou seja, valor muito superior ao referido mínimo exigido de 25%.
Em conclusão, os fundamentos que conduziram à exclusão da sua proposta não podem subsistir por se mostrarem adoptados em desconformidade e violação do regime legal aplicável, como supra identificado e exposto.
Há pois lugar a decisão favorável sobre a pretensão material formulada da Autora.
Resta saberem que medida (art°71° do CPTA).
No relatório preliminar (datado de 09-06-2011) o Júri do Concurso deliberou por unanimidade ordenar as propostas para efeito de adjudicação, tendo em conta o critério do "preço mais baixo", figurando em primeiro lugar dessa ordenação o concorrente N.......... & M............, Lda, com proposta no valor de 2.029.806,68€
Após a audiência dos interessados, foram acolhidas as razões apontadas pelo concorrente graduado em segundo lugar e o Júri do Concurso propôs a exclusão da concorrente então graduada em primeiro lugar e aqui Autora.
Os fundamentos dessa exclusão foram alvo de apreciação nesta decisão judicial, com o resultado supra exposto.
Não se vislumbrando subsistirem outras razões que no âmbito desta causa devam ser tidas em conta, afigura-se nada impedir a imposição da prática do acto devido correspondente à pretensão da Autora, na medida adiante definida, mormente porque, nesse cenário, também não se vislumbra que a sua emissão envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa para além daquelas que pacificamente já ocorreram pela mão dos competentes órgãos da entidade administrativa Ré.(...)".

Discordante, o Município de ....................... veio alegar no essencial o seguinte:
- Dada a forma como, nos termos da lei aplicável, é efectuada a contagem do prazo de execução de uma empreitada; uma proposta não se pode bastar com a sua menção, na medida em que, bem mais importante do que isso, desde logo, pelos efeitos jurídicos que daí se retiram, é a demonstração prática e subsequente que tem de ser feita (conc. 1ª a 4ª).
- Se a indicação de um prazo, bem menor, que consta do Plano de Trabalhos, é um erro evidente, segundo se concluiu, o tribunal recorrido esquece o que se mostra subjacente e nunca se bastará com um esclarecimento pois é em função dele que podem ser analisados o "Cronograma de Utilização" e o "Cronograma de Carga de mão de obra", que fazem parte integrante do mesmo.
- Resulta demonstrado que a A. não detém a habilitação profissional que se arroga - 1ª subcategoria da 4ª categoria da classe 2 - quando a mesma se mostra necessária para executar os trabalhos em causa.
- E também a A. não declarou - como seria curial - que os mesmos seriam realizados por um subempreiteiro (cfr. o corpo das alegações e das conclusões 6ª a 8ª ).
- Em vista da execução dos trabalhos que façam parte do objecto de um contrato de empreitada, é absurdo e ilegal dizer que será suficiente estar habilitado, pelo menos em relação a 25% do preço contratual (conc. 9ª).
- Segundo o entendimento manifestado pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P.. de 19.03.2010, divulgado por todos os municípios (...) só podem ser concorrentes empresas devidamente habilitadas, o que, a não verificar-se, esvaziaria de conteúdo o disposto no nº4 do artigo 60º do Código dos Contratos Públicos (corpo das alegações e conclusões).
- Em decorrência do exposto o júri não violou o disposto no nº4 do artigo 60º e no nº1 do artigo 72º do CCP, nem o artigo 349º do Código Civil e o artigo 56º do CPA.
- Conclui o recorrente que o acto de adjudicação não é manifestamente ilegal.

A Sociedade de Construções ....................., S.A., sensivelmente com a mesma argumentação, considerando que a recorrida não dispõe de habilitações necessárias à execução do procedimento e concluindo que constitui dever do júri propor a exclusão de um concorrente nessas condições (artº 146º nº2 e artigo 70º nº2 do CCP), pediu a revogação da sentença recorrida.

É esta a questão a apreciar.
Resulta do probatório que foi publicado no Diário da República nº82, II Série, de 28.04.2011, pelo Município de ......................., o Anúncio de procedimento nº1979/2011, relativo a concurso destinado à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas designado "Centro Escolar de ......................." tendo como critério de Adjudicação o mais baixo preço (alínea A)).
O Júri admitiu as propostas apresentadas e gradou em 1º lugar a Autora, N......... & M.........., Lda, com proposta de valor de 2.029.806,68 Euros (alíneas B) e C)).
Todavia, a Sociedade ................, S.A. requereu a reapreciação do processo de avaliação das propostas e, na sequência, de tal reapreciação, em 01.07.2011, o Júri do Concurso elaborou o Relatório Final e veio a deliberar a exclusão da proposta do concorrente N.................& M.........., Lda, dando preferência, em primeiro lugar à proposta da firma Soc. Construções ................., S.A. (cfrs. alíneas D) e G) do probatório).
Na presente acção a A. veio pedir a anulação da adjudicação e eventual contrato celebrado e a condenação do R. a admitir a sua proposta, sendo as razões de discordância os dois fundamentos indicados pelo Júri, i) Prazo de execução da obra, e ii) "Alvará".
Quanto ao prazo de execução da obra o Tribunal " a quo" entendeu que a Autora, na sua proposta, se comprometera a respeitar o prazo de 730 dias, e não outro, estando, assim, conforme com o Caderno de Encargos e Programa do Concurso, não obstante o lapso decorrente da indicação de 522 dias no Plano de Trabalho, que deve ser considerado o mero lapso cuja relevância se não vislumbra para efeitos de exclusão da Autora.
Atenta a globalidade da proposta, a interpretação da declaração emitida pela Autora deve ser efectuada segundo as regras de interpretação negocial previstas no artigo 236º do Código Civil, de acordo com as quais a declaração vale com o sentido que um declaratório normal, colocado na posição do real declaratório, possa deduzir do comportamento de um declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
A isto acresce que a proposta apresentada pela A., ora recorrida, é um documento único, que deve ser interpretado globalmente, de molde a ter em conta a referência ao prazo de 730 dias por várias vezes mencionado ao longo dos vários documentos da proposta, resultando inequívoco que o prazo de execução a que a recorrente se obrigou era de 730 dias, como bem o entreviu a sentença recorrida.
É, pois, evidente, que o Júri, ao não solicitar esclarecimentos acerca deste ponto, nem proceder a correcções oficiosas, violou o disposto nos artigos 72º nº1 do CCP, 56º do CPA e 249º do Código Civil.
Vejamos agora o que sucede quanto ao Alvará.
Os recorrentes alegam que a ora recorrida não dispõe de habilitações necessárias à execução da empreitada objecto do procedimento, sendo certo que o Anuncio do Procedimento exige, entre outras habilitações, que os concorrentes sejam titulares da 1ª subcategoria da 1ª categoria, "estruturas e elementos de betão", a qual tem de ser da classe que cobra o valor global da proposta.
Segundo os recorrentes, na proposta que a recorrida apresentou, concretamente no documento a que alude o nº4 do artigo 60º do CCP, esta propõe-se executar os trabalhos que respeitam à classe 2 na 1ª subcategoria da 4ª categoria, pelo valor de € 209.479,62.
Ora, de acordo com o doc. 13 junto à p.i. resulta claro que a recorrida prestou uma declaração falsa, ao instruir a sua proposta com um documento em que refere que é detentora da classe 2 na 1ª subcategoria da 4ª categoria, já que a mesma apenas dispõe de habilitações para executar trabalhos de classe 1 na primeira subcategoria da 4ª categoria.
Mas esta argumentação não procede, porquanto, como observou a sentença recorrida, a requerente em momento algum declarou ser ela própria titular das habilitações constantes dessa proposta, até porque, nessa fase do procedimento, nada na lei obriga à identificação dos concretos alvarás ou da exacta identificação dos seus titulares. Ou seja, não têm os concorrentes que fazer prova, na fase de propostas, da titularidade das habilitações necessárias à execução dos trabalhos. Essa prova só tem de ser feita após a adjudicação.
A isto acresce que, mais importante do que o momento das habilitações, é a circunstância de, à luz do artigo 81º nºs 2 e 3 do CCP, essas habilitações puderem ser demonstradas com o recurso a terceiros ou subcontratos.
Na verdade, o artigo 383º nº2 do CCP apenas estipula que o empreiteiro não pode subcontratar prestações objecto do contrato de valor total superior a 75% do preço contratual.
No caso de subcontratação, o concorrente e futuro adjudicatário deve estar habilitado com o mínimo de 25% para a execução das prestações objecto do projecto, sendo certo, como notou a sentença recorrida, que a recorrida se encontrava habilitada para apresentar trabalhos na percentagem de 89,68% do valor total, portanto de valor muito superior ao mínimo exigido de 25% (cfr. fls.16 e 17 da sentença e alínea M) do probatório).
Em suma, e sendo certo que não é exigível ao concorrente identificar logo na proposta, as suas habilitações ou as entidades que pretende subcontratar, é notório que a exclusão da recorrida N............. & M............., Lda, violou o disposto nos artigos 60º nº4 e 81º,ambos do Código de Contratos Públicos.
Acresce que, como se escreveu no Ac. STA de 04.11.2010, " A não apresentação de um alvará exigido no programa do concurso como necessário à execução da obra não pode, por si só, determinar a exclusão preliminar de um concorrente sem análise da respectiva proposta, pois que só em sede de habilitação de adjudicatório está prevista a obrigatoriedade dessa apresentação e eventual substituição por declaração do ICI, IP"(sublinhado nosso).


3. Decisão

Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo R. e contra-interessada em ambas as instâncias.

Valor: 30.000,00€

Lisboa, 29.03.012

António A. Coelho da Cunha