Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22 de Setembro de 2011 (proc. 7832/11)

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Sumário:

I - Não obstante o DL nº 233/2005 - que procedeu à transformação em entidades públicas empresariais dos 31 hospitais com a natureza de sociedade anónima abrangidos pelo Decreto-Lei nº 93/2005, entre os quais o IPO Porto - conter inicialmente uma norma - o artigo 13º - a prever que "a aquisição de bens e serviços e a contratação de empreitadas pelos hospitais E.P.E. regem-se pelas normas de direito privado, sem prejuízo da aplicação do regime do direito comunitário relativo à contratação pública", o certo é que a mesma foi expressamente revogada pela alínea o) do artigo 14º do DL nº 18/2008, de 29/1, que aprovou o Código dos Contratos Públicos.
II - De acordo com o disposto no artigo 5º, nº 3, alínea b) do CCP, a parte II do Código [ou seja, aquela referente à contratação pública] não é aplicável à formação dos contratos a celebrar pelos hospitais E.P.E., nomeadamente os de locação ou de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços cujo valor seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 7º da Directiva nº 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, ou seja, actualmente, € 193.000,00.
III - Face ao valor de adjudicação do fornecimento de Exemestano - € 211.470,00, excluindo o IVA - é evidente que o mesmo, ultrapassando largamente o limiar comunitário previsto no artigo 7º da Directiva nº 2004/18/CE, tornava obrigatória a aplicação do CCP - logo das regras sobre contratação pública - ao procedimento em causa.
IV - Por outro lado, o procedimento em causa teve início com o concurso público lançado pela Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. [adiante abreviadamente ACSS], que tem a natureza de central de compras do SNS, nos termos previstos nos artigos 10º do DL nº 200/2008, de 9/10, e 3º, nº 2, alínea n) do DL nº 219/2007, de 29/5, através do qual foram celebrados diversos contratos públicos de aprovisionamento, posteriormente objecto de homologação pela Portaria nº 145/2009, publicada no DR, 2ª série, nº 18, de 27-1-2009.
V - O nº 4 da Portaria em causa determina que "as condições de aprovisionamento constantes dos contratos ora homologados são válidas para todo o território nacional e sendo obrigatória a aquisição ao abrigo dos presentes CPA para as instituições e serviços do Serviço Nacional de Saúde, salvo dispensa mediante despacho do membro do Governo responsável pela área da saúde", o que significa que não tendo havido dispensa mediante despacho do membro do Governo responsável pela saúde, e sendo o IPO Porto um hospital que integra o SNS, o mesmo estava obrigado a adquirir o medicamento Exemestano nos exactos termos constantes do Contrato Público de Aprovisionamento [CPA] anexo à Portaria nº 145/2009, que reconhece como único fornecedor daquele medicamento, com a designação comercial de "Aromasin", a sociedade "Laboratórios Pfizer, Ldª" [cfr. nº 5 da Portaria nº 145/2009].
VI - Enquanto tal CPA vigorasse - de acordo com o nº 10 da Portaria nº 145/2009, os CPA celebrados ao seu abrigo têm a duração de um ano, sendo prorrogados até ao limite máximo de três anos, salvo se, após o 1º ano, for denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de 60 dias, o que ficou indemonstrado - o IPO Porto tinha obrigatoriamente que adquirir o medicamento Exemestano à sociedade "Laboratórios Pfizer, Ldª", nos termos do procedimento previsto no artigo 259º do CCP.
VII - Tendo optado pelo ajuste directo, mostra-se também violado - para além do disposto no artigo 259º do CCP, "ex vi" artigo 5º, nº 3, alínea b) do CCP - o disposto no artigo 20º, nº 1, alínea a) do CCP, posto que a escolha deste procedimento apenas permite a celebração de contratos de valor inferior a € 75.000,00, e, como se viu, o valor da adjudicação do medicamento Exemestano à recorrente foi de € 211.470,00.

 

Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

I. RELATÓRIO
"Laboratórios A..., Ldª", com sede em Porto Salvo, intentou no TAF de Sintra contra o Instituto Português de Oncologia do Porto, EPE, uma Acção de Contencioso Pré-Contratual, na qual pediu a declaração de nulidade ou, subsidiariamente, a anulação da decisão de adjudicação à sociedade "B..., Ldª", que indica como contra-interessada, do fornecimento de medicamentos genéricos de Exemestano ao IPO do Porto para o ano de 2011, bem como aos demais actos consequentes, incluindo os de celebração do contrato e concretização do respectivo fornecimento.
Por sentença datada de 11-4-2011, o TAF de Sintra julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, anulou o acto de adjudicação, datado de 3-12-2010, relativo ao fornecimento de Exemestano ao IPO Porto pela contra-interessada, para o ano de 2011, "com fundamento em vício de violação de lei, por violação das regras de contratação pública, estatuídas, designadamente, no Código dos Contratos Públicos" [cfr. fls. 764/787 dos autos].
Inconformada, a contra-interessada "B..., Ldª" interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
"1. Face aos princípios que devem nortear as empresas públicas e, em particular os que orientam a gestão dos Hospitais E.P.E., como também que a adjudicação em causa nos presentes autos significa uma considerável poupança para o réu, que adjudicou à contra-interessada - que também consta do catálogo de aprovisionamento público de saúde como fornecedora de medicamentos - o fornecimento do medicamento em causa pelo preço unitário de 1,590 €, quando a autora apresentou uma proposta de 3,282 €, ou seja, mais de 100% superior; o réu estava obrigado a não adjudicar o fornecimento à autora, face ao disposto no nº 2 do artigo 256º do Código dos Contratos Públicos [CCP].
2. Mas, além disso, a aquisição em causa nos presentes autos não está sujeita às regras do direito público porque o réu foi transformado em entidade pública empresarial pelo DL nº 93/2005, de 7 de Junho, tendo o DL nº 233/2005, de 29 de Dezembro, aprovado os respectivos estatutos e fixado a sua designação como "Hospital E.P.E.".
3. De harmonia com o artigo 5º do citado DL nº 233/2005, "2 - "Os hospitais E.P.E. regem-se pelo regime jurídico aplicável às entidades públicas empresariais, com as especificidades previstas no presente decreto-lei e nos seus Estatutos constantes dos anexos l e II, bem como nos respectivos regulamentos internos e nas normas em vigor para o Serviço Nacional de Saúde que não contrariem as normas aqui previstas".
4. Por sua vez, dispõe o artigo 7º do DL nº 558/99 de 17 de Dezembro: "1 - Sem prejuízo do disposto na legislação aplicável às empresas públicas regionais, intermunicipais e municipais, as empresas públicas regem-se pelo direito privado, salvo no que estiver disposto no presente diploma e nos diplomas que tenham aprovado os respectivos estatutos."
5. Face ao disposto no nº 3 do artigo 5º do Código dos Contratos Públicos, "A parte II do presente Código [Contratação Pública] não é igualmente aplicável à formação dos contratos, a celebrar pelos hospitais E.P.E.: de locação ou de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços cujo valor seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 7º da Directiva nº 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março", que foi actualizado para 193.000,00 € pelo Regulamento (CE) nº 1177/2009 da Comissão, de 30 de Novembro de 2009.
6. O valor cumulado dos vários lotes a fornecer pela adjudicatária durante o ano de 2011, que é de 211.470,00 €, não excede o valor do limiar comunitário em vigor acrescido de 20% [231.600,00 €], pelo que o valor estimado do contrato a celebrar pelo réu em causa nos presentes autos está dentro do valor fixado de acordo com as regras constantes do artigo 9º da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de Março de 2004, designadamente na alínea b) do seu nº 5.
7. O réu, ao abrigo das transcritas disposições legais e do respectivo Regulamento, deliberou que a aquisição fosse feita mediante "consultas ao mercado definidas em função dos montantes previstos, valor estimado no termos da citada Directiva 2004/18/CE", pois o réu não podia saber antecipadamente com precisão se o valor total dos vários lotes a fornecer pelo adjudicatário durante o ano de 2011 estaria rigorosamente abaixo do valor do limiar comunitário em vigor.
8. Assim, a aquisição pelo réu, enquanto Hospital E.P.E., dos medicamentos em causa nos presentes autos devia reger-se pelas normas do direito privado e não pelas da contratação pública como foi entendido na douta sentença recorrida.
9. Pois, quando iniciou o processo de formação do contrato de aquisição dos medicamentos, o réu não sabia com rigor, nem podia saber, se o valor dos bens a adquirir iria ultrapassar o valor do limiar comunitário em vigor, e o valor da adjudicação veio efectivamente a ultrapassar o valor do limiar comunitário, mas apenas em 9,5%, o que não pode pôr em causa a opção do réu e o procedimento pelo mesmo adoptado, aliás com uma vantagem económica particularmente significativa.
10. Mesmo quando, por mera hipótese, se entenda que o réu, ao ser confrontado com o facto de a proposta vencedora ser de valor superior ao do limiar comunitário, deveria reconhecer a impossibilidade legal de proceder à adjudicação segundo as regras do direito privado, o que se impunha era proceder à reforma da adjudicação, mediante a redução da mesma a valor igual ao do limiar comunitário em vigor, desta forma conservando a parte da mesma não afectada pela alegada ilegalidade.
11. Tendo decidido como decidiu, a Mª Juiz "a quo" violou a lei substantiva, designadamente, fazendo - salvo melhor opinião e com o devido respeito - errada interpretação das disposições dos artigos 5º, 20º, nº 1, alínea a) e 259º do Código dos Contratos Públicos, e artigo 7º do DL nº 558/99, de 17 de Dezembro, as quais deveriam ter sido interpretadas no sentido de o procedimento levado a cabo pelo réu não carecer de seguir as regras da contratação pública, não ocorrendo, portanto, o apontado vício de violação da lei." [cfr. fls. 793/804 dos autos].
A autora contra-alegou, tendo concluído da seguinte forma:
"1ª - A douta sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo manifesta a ilegalidade do acto suspendendo.
2ª - Apesar de a recorrente insistir no contrário, a verdade é que a adjudicação posta em crise nos presentes autos estava, e está, efectivamente, sujeita à disciplina jurídica da contratação pública, pelo que outra não poderia ter sido a decisão do Tribunal "a quo" relativamente à manifesta ilegalidade do acto suspendendo.
3ª - Na verdade, ficou provado nos autos que a adjudicação do fornecimento de Exemestano, para o ano de 2011, à recorrente foi efectuada pelo valor de € 211.470,00, pelo que, face à norma do artigo 5º, nº 3 do CCP, o procedimento estava sujeito às regras da contratação pública.
4ª - Para além da norma do artigo 5º, nº 3 do CCP, a realidade é que, à luz do regime jurídico do aprovisionamento público, o IPO Porto estava, e está, obrigado a adquirir o medicamento Exemestano exclusivamente à ora recorrida através do CPA relevante, pelo que é improcedente o argumento centrado na natureza empresarial do réu, ora recorrido.
5ª - A alegação da recorrente de que, face à norma do artigo 256º, nº 2 do CCP, o IPO Porto estava obrigado a não adjudicar à autora, ora recorrida, é totalmente improcedente, porquanto é a própria norma citada que prevê a hipótese de as regras do concurso público preverem a possibilidade de as entidades adjudicantes se vincularem à obrigação de aquisição ao abrigo do CPA, pelo que é evidente que a Portaria nº 145/2009 nada "derrogou", como é manifesta a vinculação do IPO Porto à aquisição ao abrigo do CPA.
6ª - Acresce que, como é igualmente evidente, a alegada "poupança" e as invocadas "razões económicas" não poderão servir para fundamentar o desrespeito das regras de aprovisionamento público a que o IPO Porto estava obrigado.
7ª - Conforme demonstrado supra, o argumento utilizado pela recorrente quanto ao facto de o valor do limiar comunitário de € 193.000,00 não considerar o IVA é enganador, sendo evidente que não se pode comparar realidades que não são comparáveis: limiar com IVA e valor contratual sem IVA.
8ª - No caso "sub iudice" o valor da despesa correspondente ao fornecimento dos autos foi apresentado sem a contabilização do IVA, o que significa que, fazendo acrescer-lhe o IVA devido, o valor dispara para números que ultrapassam em muito o limiar dos € 193.000,00 [ou dos € 193.000,00 + 20%].
9ª - Se a recorrente pretende estabelecer como referencial o valor do limiar acrescido de IVA, então não pode deixar de considerar o valor do contrato também ele acrescido de IVA.
10ª - Finalmente, quanto à proposta peregrina da recorrente de "reforma da adjudicação", mediante a redução da mesma a valor igual ao do limiar comunitário em vigor, conclui-se que a mesma é legalmente impossível, traduzindo, se concretizada, uma violação dos princípios da imutabilidade das propostas, da igualdade de tratamento, da concorrência e da estabilidade que presidem aos procedimentos de contratação regulados por normas de direito público aqui aplicáveis.
11ª - Efectivamente, após o conhecimento por parte do júri do teor das propostas, este não pode, de forma alguma, introduzir ou autorizar a introdução de qualquer alteração aos elementos constantes das mesmas, maxime o preço, sob pena de violação do princípio da imutabilidade das propostas ou da estabilidade, à luz do qual as propostas devem manter-se inalteradas uma vez entregue a sua versão final.
12ª - Admitir o contrário seria permitir a introdução de uma instabilidade grave no procedimento de adjudicação contratual, colocando os concorrentes numa situação de desigualdade de tratamento.
13ª - Face ao exposto, nem o júri nem a entidade adjudicante poderiam, legalmente, "reformar" a adjudicação, nem, por maioria de razão, poderá o Tribunal ordenar essa "reforma"." [cfr. fls. 849/867 dos autos].
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, não tendo o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul emitido parecer.
Sem vistos, vem o processo à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
i. A autora é uma sociedade comercial portuguesa por quotas cujo objecto consiste no comércio e indústria de produtos químicos e farmacêuticos - cfr. doc. nº 1 junto com a petição inicial.
ii. A autora é titular de uma AIM do medicamento Aromasin, que é fabricado com base na substância activa Exemestano - cfr. doc. nº 2 junto com a petição inicial.
iii. A patente referente a essa substância activa - patente de invenção nacional nº 82.944, válida até 8-7-2006, e o certificado complementar de protecção nº 66, válido até 9-7-2011, pertencem à sociedade "A... Itália, SRL" - cfr. docs. nºs 3 e 4 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
iv. A autora está autorizada, por contrato de sublicenciamento, a explorar os direitos emergentes da Patente da A... Itália em Portugal, referente à substância activa Exemestano - cfr. doc. nº 4 junto com a petição inicial.
v. Nos termos desse contrato a autora está expressamente autorizada a explorar comercialmente em Portugal, incluindo os direitos de importar, utilizar e vender, produtos farmacêuticos que contenham a substância activa Exemestano e sejam fabricados de acordo com os processos descritos e reivindicados na referida patente - cfr. doc. nº 4 junto com o requerimento inicial.
vi. O resumo das características do medicamento Aromasin e o respectivo folheto informativo actualizados foram aprovados por deliberação de 26-11-2009 do Conselho de Administração do Infarmed - cfr. docs. nºs 5 e 6 juntos com a petição inicial.
vii. A substância activa Exemestano diz respeito ao medicamento de referência Aromasin, o qual está indicado para o tratamento do carcinoma da mama avançado em mulheres na pós-menopausa natural ou induzida, cuja doença tenha evoluído após terapêutica com antiestrógeneos - cfr. doc. nº 5 junto com a petição inicial.
viii. O IPO Porto é uma entidade pública prestadora de cuidados de saúde e, por isso, integra o Serviço Nacional de Saúde - cfr. artigo 7º do DL nº 212/2006, de 27/10.
ix. A Administração Central do Sistema de Saúde, IP, é a central de compras do SNS - cfr. artigo 10º do DL nº 200/2008, de 9/10, e DL nº 219/2007, de 29/5.
x. A Administração Central do Sistema de Saúde levou a efeito o Concurso Público nº 2008/6, para contratos públicos de aprovisionamento, com vista ao fornecimento de medicamentos do foro oncológico, tal como resulta do respectivo anúncio publicado no Diário da República, 2ª série, de 24-7-2008 - cfr. doc. nº 10 junto com a petição inicial.
xi. A Administração Central do Sistema de Saúde esclareceu, através de aviso datado de 5-9-2008, as condições de fornecimento do Concurso Público nº 2008/6 são vinculativas para todas as instituições e serviços do SNS, incluindo hospitais EPE, à excepção das entidades dispensadas por despacho de sua Exª a Ministra da Saúde - cfr. pág. 3 do doc. nº 11 junto com a petição inicial.
xii. Bem como que nos termos do artigo 25º do Programa de Concurso, a aquisição dos bens abrangidos pelo presente concurso são de carácter obrigatório para as instituições e serviços do Serviço Nacional de Saúde, excepto se dispensadas por despacho do Ministro da Saúde. Os hospitais EPE são instituições do SNS e, portanto, obrigadas a adquirir pelos Contratos Públicos de Aprovisionamento - cfr. pág. 5 do doc. nº 11 junto com a petição inicial.
xiii. A 21-11-2008 foi celebrado o Contrato Público de Aprovisionamento nº 2008006/96/0118, entre a ACSS e a ora autora, através do qual "o 1º outorgante reconhece ao 2º outorgante a qualidade de fornecer Aromasin, que corresponde ao código E200 do CP nº 2008/06, às instituições e serviços do SNS, bem como a todas as instituições de saúde que a ele pretendam aderir" - cfr. doc. nº 20 junto com a petição inicial, cujo ter aqui se dá por integralmente reproduzido.
xiv. Em 20-1-2009, o Secretário de Estado Adjunto e da Saúde procedeu à homologação dos contratos públicos de aprovisionamento a celebrar no âmbito do Concurso Público nº 2008/6, tal como consta da Portaria nº 145/2009, de 27/1, que inclui em anexo a lista dos produtos, dos fornecedores e dos respectivos números de Contrato Público de Aprovisionamento - cfr. Portaria nº 145/2009, de 27/1.
xv. Nos termos do artigo 5º da referida Portaria a celebração de contratos de fornecimento pelos serviços e estabelecimentos do SNS e pelas Centrais de Compras da Saúde em representação daquelas entidades ao abrigo dos Contratos Públicos de Aprovisionamento deve ser feita de acordo com o disposto no artigo 259º do Código dos Contratos Públicos - cfr. Portaria nº 145/2009, de 27/1.
xvi. No que se refere ao produto Exemestano, a ora autora é o único fornecedor que consta da lista publicada em anexo à Portaria nº 145/2009, de 27/1, através do seu medicamento Aromasin - cfr. Portaria nº 145/2009, de 27/1.
xvii. A autora e a contra-interessada constam do Catálogo de Aprovisionamento Público da Saúde como fornecedores de medicamentos - cfr. doc. nº 1 junto com a contestação da contra-interessada e http://www.catalogo.min-saude.pt/caps/publico/documentacao.asp.
xviii. Não existiu qualquer dispensa, por parte do Governo, relativamente às condições de fornecimento do produto Exemestano ao abrigo do Contrato Público de Aprovisionamento - por acordo.
xix. Em 20-10-2010 o Director do Serviço de Aquisições e Logística do IPO Porto dirigiu cartas a convidar a autora e as sociedades: "HIKMA Farmacêutica [Portugal], SA", "B..., Ldª" e "WYNN Industrial Pharma, SA", a apresentarem uma proposta de fornecimento, durante o ano de 2011, de diversos medicamentos, de entre os quais Exemestano [25 mg], com indicação de que a proposta deve conter as seguintes informações:
"1. preços unitários por posição;
2. indicação da data de disponibilidade do produto caso não esteja disponível logo em Janeiro de 2011;
3. quando aplicável deve indicar se o medicamento é fornecido em solução pronta ou liofilizada" - cfr. doc. nº 13 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e processo administrativo.
xx. As empresas apresentaram as suas propostas de fornecimento, nomeadamente, de 203.000 unidades de Exemestano 25 mg, sob a forma de comprimidos - cfr. docs. nºs 14 a 17 juntos com a petição inicial e processo administrativo apenso.
xxi. A 11-11-2010 realizou-se uma sessão de negociação de preços de medicamentos - cfr. processo administrativo.
xxii. A autora, após negociação de preços, apresentou o preço unitário/comprimido de € 3,28 com um desconto de 50% sobre o preço do artigo, que será emitido sob a forma de nota de crédito, num valor de € 1,805242 [um euro e oitenta e um cêntimos] por comprimido e o preço total de € 333.157,00 sem IVA - cfr. processo administrativo e doc. nº 18 da petição inicial.
xxiii. A contra-interessada, após negociação de preços, apresentou o preço unitário/comprimido de € 1,59, com disponibilidade do produto imediata, e o preço total de € 322.770,00 sem IVA.
À proposta anexou o resumo das características do medicamento e o certificado de autorização de introdução no mercado. Neste lê-se que o fabricante da substância activa Exemestano é a "Scinopharm Taiwan Limited" - cfr. processo administrativo e doc. nº 18 da petição inicial.
xxiv. A HIKMA Farmacêutica apresentou o preço unitário/comprimido de € 2,0500, acrescido da taxa de IVA, e o preço total de € 416.150,00 sem IVA - cfr. processo administrativo e doc. nº 18 da petição inicial.
xxv. A WYNN Industrial Pharma, SA apresentou o preço unitário/comprimido base de entre € 3,00 e preço unitário final de € 1,50, mas, com fornecimento a partir de 9-7-2011, e o preço total de € 304.500,00 sem IVA - cfr. processo administrativo e doc. nº 18 da petição inicial.
xxvi. Acto impugnado: Em 3-12-2010 o Conselho de Administração do IPO Porto deliberou a adjudicação do fornecimento de Exemestano, para 2011, à sociedade B..., aqui contra-interessada, pelo valor de € 211.470,00, constando anexo à deliberação um mapa comparativo das condições propostas pelas mencionadas empresas e um mapa de adjudicações e poupanças - cfr. doc. nº 18 junto com a petição inicial e processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
xxvii. No mapa de adjudicações e poupanças pode ler-se, que o fornecimento do medicamento Exemestano 25 mg comprimidos, no ano de 2010 custou € 436,550,00 e para o ano de 2011 foi feita a adjudicação pelo valor de € 211.470,00, estimando a entidade requerida uma poupança em 2011 de € 225.080,00, 51,6% - cfr. processo administrativo.
xxviii. A 7-12-2010 o IPO Porto informou a autora da adjudicação - cfr. doc. nº 19 junto com a petição inicial.
xxix. O genérico Exemestano da contra-interessada é preparado segundo processo patenteado pela Scinopharma e conforme o reivindicado no pedido de patente internacional WO 2008/137048 - cfr. docs. nºs 2, 3, 5 juntos com a contestação da contra-interessada, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
xxx. Consta do certificado de AIM concedido à contra-interessada que o fabricante da substância activa Exemestano do medicamento é a Scinopharma - cfr. doc. nº 4 junto com a contestação da contra-interessada, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
xxxi. As AIM's concedidas ao medicamento genérico Exemestano B..., em 28-5-2010 e em 8-6-2010, encontram-se impugnadas na providência cautelar de suspensão de eficácia nº 964/10.6BESNT e na acção administrativa especial nº 1370/10.8BESNT - por consulta dos processos no SITAF.
xxxii. A 14-1-2011 foi proferida sentença no processo cautelar nº 964/10 que julgou improcedente o pedido da requerente e recusou a suspensão de eficácia. Da decisão foi interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, o qual corre termos - cfr. doc. junto aos autos e por consulta no SITAF.
xxxiii. A presente instância foi instaurada em 10-1-2011 - cfr. requerimento inicial.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
De acordo com as conclusões da alegação da recorrente - que fixam o objecto e os poderes de cognição deste TCA Sul - são as seguintes as questões que aquela pretende ver reapreciadas por este tribunal de recurso:
- Para a recorrente, a aquisição em causa não está sujeita às regras do direito público não só porque o IPO Porto foi transformado em entidade pública empresarial pelo DL nº 93/2005, de 7/6, tendo o DL nº 233/2005, de 29/12, aprovado os respectivos estatutos e fixado a sua designação como "Hospital E.P.E.", cujo artigo 5º, nº 2 dispõe que "os hospitais E.P.E. regem-se pelo regime jurídico aplicável às entidades públicas empresariais, com as especificidades previstas no presente decreto-lei e nos seus Estatutos constantes dos anexos l e II, bem como nos respectivos regulamentos internos e nas normas em vigor para o Serviço Nacional de Saúde que não contrariem as normas aqui previstas", como também porque o artigo 7º do DL nº 558/99, de 17/12, determina que "sem prejuízo do disposto na legislação aplicável às empresas públicas regionais, intermunicipais e municipais, as empresas públicas regem-se pelo direito privado, salvo no que estiver disposto no presente diploma e nos diplomas que tenham aprovado os respectivos estatutos" [conclusões 2. a 4.];
- Além do mais, face ao disposto no nº 3 do artigo 5º do Código dos Contratos Públicos, "A parte II do presente Código [Contratação Pública] não é igualmente aplicável à formação dos contratos, a celebrar pelos hospitais E.P.E.: de locação ou de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços cujo valor seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 7º da Directiva nº 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março", que foi actualizado para € 193.000,00 pelo Regulamento (CE) nº 1177/2009 da Comissão, de 30 de Novembro de 2009, sendo que o valor cumulado dos vários lotes a fornecer pela adjudicatária durante o ano de 2011, que é de € 211.470,00, não excede o valor do limiar comunitário em vigor acrescido de 20% [€ 231.600,00], pelo que o valor estimado do contrato a celebrar pelo réu em causa nos presentes autos está dentro do valor fixado de acordo com as regras constantes do artigo 9º da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de Março de 2004, designadamente na alínea b) do seu nº 5 [conclusões 5. a 7.];
- A aquisição pelo réu, enquanto Hospital E.P.E., dos medicamentos em causa nos presentes autos devia reger-se pelas normas do direito privado e não pelas da contratação pública, como foi entendido na douta sentença recorrida [conclusões 8. e 9.];
- Mesmo quando, por mera hipótese, se entenda que o réu, ao ser confrontado com o facto de a proposta vencedora ser de valor superior ao do limiar comunitário, deveria reconhecer a impossibilidade legal de proceder à adjudicação segundo as regras do direito privado, o que se impunha era proceder à reforma da adjudicação, mediante a redução da mesma a valor igual ao do limiar comunitário em vigor, desta forma conservando a parte da mesma não afectada pela alegada ilegalidade [conclusões 10. e 11.].
Vejamos, pois.
No tocante à primeira questão - a aquisição em causa não estar sujeita às regras do direito público -, não se discute o facto do IPO Porto ter sido transformado em entidade pública empresarial pelo DL nº 93/2005, de 7/6, nem se nega o regime jurídico constante do DL nº 233/2005, de 29/12.
Porém, é preciso não esquecer, como referiu a decisão recorrida, que não obstante o DL nº 233/2005 - que procedeu à transformação em entidades públicas empresariais dos 31 hospitais com a natureza de sociedade anónima abrangidos pelo Decreto-Lei nº 93/2005, entre os quais o IPO Porto - conter inicialmente uma norma - o artigo 13º - a prever que "a aquisição de bens e serviços e a contratação de empreitadas pelos hospitais E.P.E. regem-se pelas normas de direito privado, sem prejuízo da aplicação do regime do direito comunitário relativo à contratação pública", o certo é que a mesma foi expressamente revogada pela alínea o) do artigo 14º do DL nº 18/2008, de 29/1, que aprovou o Código dos Contratos Públicos [adiante abreviadamente designado por CCP].
Daí que, de acordo com o disposto no artigo 5º, nº 3, alínea b) do CCP, a parte II do Código [ou seja, aquela referente à contratação pública] não ser aplicável à formação dos contratos, a celebrar pelos hospitais E.P.E., nomeadamente os de locação ou de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços cujo valor seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 7º da Directiva nº 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, ou seja, actualmente, € 193.000,00.
Face ao valor de adjudicação do fornecimento de Exemestano - € 211.470,00, excluindo o IVA - é evidente que o mesmo, ultrapassando largamente o limiar comunitário previsto no artigo 7º da Directiva nº 2004/18/CE, tornava obrigatória a aplicação do CCP - logo das regras sobre contratação pública - ao procedimento em causa, não se compreendendo o raciocínio seguido pela recorrente ao pretender remeter para a excepção contida no 3º § da alínea b) do nº 5 do artigo 9º da Directiva nº 2004/18/CE, uma vez que a derrogação da aplicação para lotes cujo valor estimado, sem IVA, seja inferior a € 80.000,00, desde que o valor cumulado desses lotes não exceda 20% do valor cumulado da totalidade dos lotes, nada tem a ver com a situação descrita nos autos.
Por outro lado, é preciso não esquecer que o procedimento em causa teve início com o concurso público lançado pela Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. [adiante abreviadamente ACSS], que tem a natureza de central de compras do SNS, nos termos previstos nos artigos 10º do DL nº 200/2008, de 9/10, e 3º, nº 2, alínea n) do DL nº 219/2007, de 29/5, através do qual foram celebrados diversos contratos públicos de aprovisionamento [no caso do Exemestano, o contrato em causa tinha o nº 2008006/96/0118], posteriormente objecto de homologação pela Portaria nº 145/2009, publicada no DR, 2ª série, nº 18, de 27-1-2009.
Ora, o nº 4 da Portaria em causa determina que "as condições de aprovisionamento constantes dos contratos ora homologados são válidas para todo o território nacional e sendo obrigatória a aquisição ao abrigo dos presentes CPA para as instituições e serviços do Serviço Nacional de Saúde, salvo dispensa mediante despacho do membro do Governo responsável pela área da saúde", o que significa que não tendo havido dispensa mediante despacho do membro do Governo responsável pela saúde, e sendo o IPO Porto um hospital que integra o SNS, o mesmo estava obrigado a adquirir o medicamento Exemestano nos exactos termos constantes do Contrato Público de Aprovisionamento [CPA] anexo à Portaria nº 145/2009, que reconhece como único fornecedor daquele medicamento, com a designação comercial de "Aromasin", a sociedade "Laboratórios A..., Ldª" [cfr. nº 5 da Portaria nº 145/2009]. Daí que, obviamente, enquanto tal CPA vigorasse - de acordo com o nº 10 da Portaria nº 145/2009, os CPA celebrados ao seu abrigo têm a duração de um ano, sendo prorrogados até ao limite máximo de três anos, salvo se, após o 1º ano, for denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de 60 dias, o que ficou indemonstrado - o IPO Porto tivesse obrigatoriamente que adquirir o medicamento Exemestano à sociedade "Laboratórios A..., Ldª", nos termos do procedimento previsto no artigo 259º do CCP.
Tendo optado pelo ajuste directo, mostra-se também violado - para além do disposto no artigo 259º do CCP, "ex vi" artigo 5º, nº 3, alínea b) do CCP - o disposto no artigo 20º, nº 1, alínea a) do CCP, como acertadamente concluiu a sentença recorrida, posto que a escolha deste procedimento apenas permite a celebração de contratos de valor inferior a € 75.000,00, e, como se viu supra, o valor da adjudicação do medicamento Exemestano à ora recorrente foi de € 211.470,00.
Improcedem, deste modo, as conclusões 2. a 9. da alegação da recorrente. * * * * * *Resta, por fim, rebater o argumento invocado pela recorrente nas conclusões 10. e 11. da sua alegação, no sentido de ser permitido à entidade adjudicante, após ser confrontada com o facto de a proposta vencedora ser de valor superior ao do limiar comunitário, reconhecer a impossibilidade legal de proceder à adjudicação segundo as regras do direito privado e proceder à reforma da adjudicação, mediante a redução da mesma a valor igual ao do limiar comunitário em vigor, desta forma conservando a parte da mesma não afectada pela alegada ilegalidade.
Afigura-se que a redução de qualquer proposta não é legalmente possível, já que a mesma se traduziria, se concretizada, na violação dos princípios da imutabilidade das propostas, da igualdade de tratamento, da concorrência e da estabilidade que presidem aos procedimentos de contratação regulados por normas de direito público aqui aplicáveis. Com efeito, tal como sustenta a recorrida "Laboratórios A..., Ldª" nas sua contra-alegação, após o conhecimento por parte do júri do teor das propostas, este não pode, de forma alguma, introduzir ou autorizar a introdução de qualquer alteração aos elementos constantes das mesmas, maxime o preço, sob pena de violação do princípio da imutabilidade das propostas ou da estabilidade, à luz do qual as propostas devem manter-se inalteradas uma vez entregue a sua versão final, pelo que admitir o contrário seria permitir a introdução de uma instabilidade grave no procedimento de adjudicação contratual, colocando os concorrentes numa situação de desigualdade de tratamento.
Tanto basta para concluir pela improcedência das conclusões 10. e 11. da alegação da recorrente e, consequentemente, pela improcedência do recurso.


IV. DECISÃO
Nestes termos e pelo exposto, acordam em conferência no TCA Sul em negar provimento ao recurso interposto e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente [artigo 446º, nºs 1 e 2 do CPCivil].
Lisboa, 22 de Setembro de 2011


[Rui Belfo Pereira - Relator]
[António Coelho da Cunha]
[Fonseca da Paz]