Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 4 de Novembro de 2011 (proc. 741/11)

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Sumário:

I. O contencioso pré-contratual, por razões de certeza e segurança jurídicas está submetido a um processo especial de urgência e de prazo único, independentemente dos vícios e da espécie de invalidade do acto e de quem promove a impugnação;
II. Nos termos do artº 101º do CPTA os processos do contencioso pré-contratual devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto.
III. O prazo de um mês estabelecido no artº 101° é um prazo de caducidade, portanto de natureza substantiva, aplicando-se à sua contagem as regras do artº 279° do Cód. Civil.
IV. O princípio pro actione, contido no artº 7° do CPTA, só opera em caso de dúvida sobre o sentido das normas a interpretar;
V. Este princípio traduz-se num favorecimento do processo, não no favorecimento do pedido; se o pedido do A. é extemporâneo, não há que exigir ao juiz uma defesa dos interesses que o mesmo descurou. *
* Sumário elaborado pelo Relator
 

Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

F..., S.A., FC..., S.A., e E..., S.A., "agrupamento" com sede na Avenida..., Porto, instaurou acção de contencioso pré-contratual contra o MUNICÍPIO DO PORTO, com sede na Praça General Humberto Delgado, 4049-001 Porto, impugnando a deliberação do júri, constante do relatório final de 19 de Novembro de 2010, a qual, mantendo o teor e as conclusões do relatório preliminar, propôs, para efeitos de qualificação de candidatos, a exclusão do agrupamento "F..., S.A., FC..., S.A. e E..., S.A" do concurso em causa, e a consequente aprovação, em 20 de Janeiro de 2011, daquela deliberação pelo órgão competente para a decisão de contratar e que veio confirmar aquela proposta de exclusão e, assim, decidir pela "não adjudicação" (não qualificação), determinando a exclusão definitiva do agrupamento ora autor, assim como a respectiva aprovação do relatório final, em reunião pública de 25 de Janeiro de 2011, formulando os seguintes pedidos:
i) Deve ser declarada nula ou anulada a deliberação do júri constante do relatório preliminar;
ii) Deve ser declarada nula ou anulada a deliberação do júri constante do relatório final;
iii) Deve ser declarada nula ou anulada a decisão do órgão competente para a decisão de contratar de exclusão do agrupamento ora autor;
iv) Deve o réu ser condenado a qualificar o agrupamento ora autor, admitindo-o ao concurso e passando-o à fase de apresentação de propostas;
v)Deve o réu ser condenado a abster-se de avaliar as propostas dos candidatos admitidos até que a proposta do autor seja admitida;
vi) Deve o réu ser condenado a abster-se de qualquer acto administrativo ou operação material de avaliação das propostas apresentadas pelos candidatos admitidos na fase de qualificação e, também, de proceder à adjudicação;
vii) Deve o réu ser condenado a abster-se de executar o acto de adjudicação, nomeadamente a celebração do contrato de concessão;
viii) Se as propostas dos candidatos qualificados já tiverem sido avaliadas, bem como a adjudicação realizada ou o contrato celebrado, devem os mesmos ser declarados nulos ou anulados, por os actos pré-contratuais impugnados estarem inquinados com os vícios alegados;
ix) Deve o réu ser condenado em custas e procuradoria.
Através de despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou-se procedente a excepção de caducidade do direito de acção suscitada pela entidade demandada e pela contra-interessada "SUMA" e absolveu-se da instância os demandados.
Desta decisão vem interposto o presente recurso.
A recorrente, em alegações, concluiu o seguinte:
a) O presente recurso de apelação vem interposto da sentença do Tribunal a quo que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual intentada pelas ora recorrentes, por considerar procedente a excepção de caducidade, não tendo conhecido do objecto do processo;
b) A sentença recorrida faz incorrecta apreciação da matéria de facto, incorrendo, em consequência, em erro na aplicação do direito aos factos;
c) A sentença recorrida deve ser revogada, alterando-se o julgamento relativo à excepção de caducidade feito pelo tribunal a quo, de modo a conhecer do objecto do processo;
d) A sentença recorrida faz uma análise precipitada sobre a referida excepção, assentando o julgamento num conjunto de dogmas a que escapa uma independente consideração dos factos que se preencha com um claro sentido de equidade e Justiça;
e) O tribunal a quo fez uma errónea interpretação e aplicação do artigo 279.º do Código Civil, ao considerar que o prazo para apresentação da acção de contencioso pré-contratual se iniciou no dia 4 de Fevereiro de 2011, quando a colocação da comunicação na plataforma electrónica teve lugar às 22h50m desse mesmo dia;
f) O legislador pretendeu, com o artigo 279.º, n.º1, alínea b) do CC, fixar o termo inicial para a contagem de qualquer prazo, e, com o artigo 279.º, n.º1, alínea c) do CC, fixar o termo final na contagem de prazo em meses;
g) Assim sendo, o prazo para o exercício do direito das ora recorrentes iniciou-se no dia 5 de Fevereiro, terminando no dia 7 de Março (primeiro dia útil após o termo do prazo, 5 de Março);
h) A sentença recorrida, ao julgar procedente a excepção de caducidade, fez uma errónea aplicação do Direito aos factos, incorrendo num erro de interpretação do artigo 279.º do Código Civil;
i) Ainda se dirá que o Exmo. Sr. Juiz a quo confunde os conceitos de elaboração e expedição de uma comunicação, pois resulta dos autos que a data de elaboração da comunicação pela entidade adjudicante foi o dia 4 de Fevereiro, o que não coincide com a data de expedição;
j) A lei civil faz coincidir a data relevante para início da contagem de prazo com a expedição, sendo esta distinta da elaboração da notificação, o que tem todo o sentido, já que não se pode partir do princípio que os notificandos estão com o computador ligado à espera de uma qualquer notificação, como não pode o notificando por via electrónica ver-se coarctado nos seus direitos relativamente aos notificandos por via postal tradicional!
k) Deve, assim, aplicar-se analogicamente a lei civil, cuja ratio legis é extensível ao caso dos autos, aplicando ao prazo de defesa das ora requerentes uma dilação de 3 dias, o que o tribunal a quo não fez;
l) Acresce que é aplicável, nomeadamente à matéria de prazos, o princípio "pro actione", que determina que o tribunal deve interpretar as normas processuais de forma a promover o acesso à justiça, assegurando a tutela jurisdicional efectiva através do conhecimento da questão de fundo e o exame do mérito da pretensão das oras recorrentes - o que no caso dos autos, manifestamente, não sucedeu!
m) Por fim, o artigo 469.º do Código dos Contratos Públicos apresenta uma diferenciação entre as pessoas de direito privado e direito público, discriminação essa que é totalmente desprovida de justificação, sendo certo que as entidades públicas e privadas coincidem nos pontos basilares que relevam para a aplicabilidade das regras relativas ao momento em que se deve considerá-las notificadas;
n) O artigo 469.º do CCP, aplicado pelo tribunal a quo, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP.
Nestes termos deverá ser proferido Acórdão considerando a procedência do presente recurso, com as devidas consequências legais, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se improcedente a excepção de caducidade e, assim, determinando o prosseguimento dos autos nos termos legais.
A Contra-Interessada SUMA, SA, apresentou contra-alegações onde concluiu que:
1º Fundamentam as Autoras as suas Alegações em três argumentos-base:
a)- o de que é aplicável aos autos (onde a lei dispõe que o processo de contencioso pré-contratual terá de ser instaurado dentro do prazo de «um mês»: art. 101º do CPTA) o disposto na alínea b) do art. 279º do CC, e por isso o prazo de «um mês» somente poderá começar a contar no dia seguinte ao da notificação ou tomada de conhecimento do acto; devendo resultar isto, esta regra, da aplicação de um princípio "pro actione";
b) - o de que, por analogia com o processo civil (e designadamente com o estabelecido sobre a aplicação informática CITIUS: art. 21º-A-nº 5 da Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro) deverá haver "uma presunção" de que a expedição/comunicação electrónica somente é realizada no 3º dia útil posterior ao da sua elaboração e registo (cfr. 56. e 57. das alegações), devendo, por isso, aplicar-se às notificações referidas no art. 469º do CCP uma "dilação de três dias";
c) - o de que a norma contida na alínea a) do nº 1 do art. 469º do CCP -aplicada neste caso sub judicio-será inconstitucional, na medida em que não concede aos particulares concorrentes ou candidatos em procedimentos adjudicatórios, a mesma possibilidade que pelo nº 2 do mesmo artigo é conferida às entidades adjudicantes.
Nos 3 casos, e salvo o devido respeito, afigura-se não terem, as Autoras-recorrentes, manifestamente, razão.
Vejamos.
A) - (...o prazo de «um mês» para a propositura da acção somente poderá começar a contar no dia seguinte ao da notificação ou tomada de conhecimento do acto... )
3º Tem sido jurisprudência administrativa uniforme e pacífica, ao que se saiba, que o prazo para instauração da acção quando contado em «um mês», ou «meses» (três meses: por exº, art. 58º do CPTA), ou num «ano», se conta não por dias, mas sim pelo mês ou meses, ou pelo ano, terminando justamente às 24 horas do dia que corresponda à data inicial do evento a partir do qual o prazo começa a correr...
4º Constitui isso aforismo e aviso constantemente repetido e de ensino: "o prazo de «um mês» não é igual a prazo de 30 dias" (e na contagem deste desconta-se o "dia" a quo).
Em casos como o dos autos, não há lugar a descontar-se o próprio dia da notificação -como aconteceria se o prazo tivesse sido fixado em número de dias (não contaria para o prazo o próprio dia do evento em que este prazo de "dias" se iniciaria)-, mas sim que o prazo de "um mês" se conta, diferentemente, "de data a data", quer o mês em causa tenha 28 dias quer 30 ou 31 dias, terminando depois no mesmo dia no mês seguinte, correspondente ao dia da própria data em que ocorreu a notificação.
Neste sentido cfr. Acs. STA de 01/06/2005-« I -O prazo para a interposição do recurso contencioso fixado em dois meses ocorre às 24 horas do dia a que corresponde dentro dos dois meses seguintes àquela data» II -O prazo curto, como o de duração de horas, previsto na alínea b/ do art. 279º do CCivil, já foi tido em conta pelo legislador no prazo longo contido na alínea c/ do art. 279º do CCivil» proc. 47431--;
Ac de 08/11/2000 «I -Na contagem do prazo do recurso contencioso, não se atende ao disposto na alínea b/ do art 279º do CCivil, mas apenas ao estabelecido na alínea c) desse artigo»- proc. 46.238;--
Cfr também Ac. 11/07/2000 proc. 46010, proc. 47431; etc, etc.
De igual modo, chamam hoje a atenção para a continuação da natureza substantiva do prazo de impugnação e da aplicação da regra de contagem estabelecida no art. 279º nº c) do CC., Vd. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., 2010, pp. 388-89, maxime nota 392: ..«nos casos em que não haja suspensão do prazo, este se conta de data a data, segundo o disposto no artigo 279º alínea c) do Código Civil, terminando no dia que corresponde, dentro de terceiro mês, à data do termo inicial do prazo", e a seguir nas pp. 680-681, a propósito do art. 101º do CPTA: «o prazo conta-se nos termos da alínea c) do art. 279º do CC, de tal forma que, notificado o interessado num certo dia do mês, o prazo termina no correspondente dia do mês seguinte».
4º Não se vê, pois, que tenha, por aqui, julgado mal a sentença.
B) - deverá haver "uma presunção" de que a expedição/comunicação electrónica somente é realizada no 3º dia útil posterior ao da sua elaboração e registo (cfr. 56. e 57. das alegações), devendo, por isso, aplicar-se, por analogia, às notificações referidas no art. 469º do CCP uma "dilação de três dias":
5º O art. 8º do Programa de Concurso (doc. 5 junto com a PI) era bem claro: as candidaturas deveriam ser apresentadas até às 23horas do último dia do prazo. E de igual modo, há várias disposições expressas, no nosso ordenamento, que consideram a relevância jurídica de factos ocorridos ou actos praticados até às 24horas de um dia...
6º Aliás as próprias Autoras assim o admitiram e reconheceram expressamente na sua petição inicial, sem qualquer reserva ou ressalva...
Na verdade, as Autoras afirmaram inequivocamente nos arts. 38º e 39º da sua Petição Inicial que (o seguinte facto, que as atinge e vincula pessoalmente)
38º "No passado dia 4 de Fevereiro de 2011, o agrupamento ora autor foi notificado do conteúdo do «Relatório Final» e da aprovação deste pelo órgão competente para a decisão de contratar"
E,
39º Em consequência, tomou, assim, conhecimento da decisão de «não adjudicação», ou seja, da sua não qualificação..."
7º As Autoras fizeram, assim, esta afirmação sobre a existência e ocorrência do facto da notificação do acto impugnado -e que dele tomaram pleno conhecimento no dia 4 de Fevereiro de 2011- sem terem, quanto a ele, aduzido qualquer reserva, ou recorte relevante, nesse facto!
-- Que foi facto verdadeiro, para elas pessoal, e que elas reconheceram e confessaram !
8º Por sua vez, o Réu, na sua contestação (arts. 14º e 15º), repete tal facto, ou seja, o "conhecimento pelas Autoras da sua não qualificação, no dia 4 de Fevereiro de 2011", e destaca até o seu "reconhecimento de forma expressa e inequívoca" por parte das Autoras - realçando tal "confissão" e aceitando-a expressa e especificadamente para todos os efeitos legais, nos termos do art. 567º, nº 2 do CPC.
9º A irretratabilidade da confissão significa a inadmissibilidade duma nova declaração de ciência sobre o mesmo facto que possa pôr em causa os efeitos legais resultantes ou susceptíveis de resultar da anterior (cfr. neste sentido, LEBRE DE FREITAS, A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, pág. 344).
Posto isto,
10º A questão, agora aludida (e totalmente ao arrepio da sua posição anterior: sobre o facto da data do efectivo conhecimento do acto impugnando), de uma pretensa "dilação de 3 dias" ou da aplicação da presunção de que a notificação se dá apenas no 3º dia útil posterior ao registo ou à expedição da telecópia ou correio electrónico, poderia, em si, em abstracto, ou em tese, ser uma boa solução! Num plano "de jure condendo"...!
Mas, e disto se trata aqui, não é isso minimamente o que resulta nem da lei geral sobre procedimento administrativo: arts. 70º e art. 73º do CPA. Nem o que resulta das regras especiais e muito claras do CCP, de harmonia aliás com os propósitos ou intenções expressas do legislador.
C) - Inconstitucionalidade da norma contida na alínea a) do nº 1 do art. 469º do CCP -aplicada neste caso "sub judicio"-na medida em que não concede aos particulares concorrentes ou candidatos em procedimentos adjudicatórios, a mesma possibilidade que pelo nº 2 do mesmo artigo é conferida às entidades adjudicantes.
11º As situações referidas (e de resto, nem os prazos) não são totalmente idênticas. Também não se vê que haja aqui, por conseguinte, violação da Constituição por parte da sentença e (rectius) por parte do artigo 469º citado do CCP.
TERMOS EM QUE DEVERÁ O PRESENTE RECURSO IMPROCEDER E NÃO TER PROVIMENTO, MANTENDO-SE O DECIDIDO NA SENTENÇA RECORRIDA.
O MP, notificado nos termos e para os efeitos contidos no nº 1 do artº 146º do CPTA, nada disse.
Dispensados os vistos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS DE FACTO

No despacho recorrido foi dada como provada a seguinte factualidade ("em face dos elementos documentais constantes dos autos"):
i. No âmbito do Procedimento de Concurso Limitado por Prévia Qualificação internacional n° CLQT/1 /10/DMC lançado pelo Município do Porto, denominado "Concessão da recolha de resíduos sólidos urbanos e limpeza pública no Município do Porto", o júri do concurso deliberou, nos termos constantes do relatório final de 19 de Novembro de 2010, documentado sob doc. 9 junto com a pi, a fls. 278 e ss. dos autos, que aqui dou por integralmente reproduzido, manter o teor e as conclusões do relatório preliminar, propondo, para efeitos de qualificação de candidatos, a exclusão do agrupamento "F..., S.A., FC..., S.A. e E..., S.A" do concurso em causa.---
ii. Em reunião pública da Câmara Municipal do Porto de 25 de Janeiro de 2011, foi aprovado o referido relatório final, sendo assim deliberada a exclusão definitiva do agrupamento constituído pelas três empresas ora Autoras, nos termos documentados sob doc. 10 junto com a p.i., a fls. 291 dos autos, que aqui dou por integralmente reproduzido.---
iii. A referida deliberação camarária foi notificada a todos os candidatos, incluindo ao agrupamento constituído pelas três sociedades Autoras, no dia 04.02.2011, pelas 22h50m, por correio electrónico, através do correspondente aviso e comunicação na Plataforma Electrónica (cfr. arts. 38° e 390 do ri, e doc 1 junto com a contestação da contra-interessada a fls. 548 dos autos, não impugnados).-­negrito nosso;
iv. As AA. instauraram a presente acção por meio da p.i. de fls. 3 e ss. dos autos, enviada a este Tribunal via site no dia 7 de Março de 2011, às 19:25:45, a qual foi registada no SITAF nessa data e hora sob o n° 238387, e incorporada em 09.03.2011 (consulta do SITAF).--­­negrito nosso.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

A questão que se coloca é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao apreciar a excepção de caducidade.
Assim, deixa-se aqui transcrito o discurso jurídico fundamentador de tal despacho:
"Os actos impugnados na presente acção foram praticados no âmbito do Procedimento de Concurso limitado por prévia qualificação internacional CLQI/1/10/DMC, denominado "Concessão de recolha de resíduos sólidos urbanos e limpeza pública no Município do Porto", cabendo assim no âmbito da previsão do contencioso pré-contratual regulado nos arts. 100º e ss. do CPTA, já que em causa está a impugnação de actos administrativos relativos à formação de contrato de concessão de serviços públicos.
E é sabido que com o contencioso pré-contratual regulado nos citados arts. 100º e ss., veio dar-se continuidade ao regime especial que vigorava com o DL n.° 134/98, de 15/05, na redacção que lhe foi dada pelo art° 5º da Lei 4-A/2003, de 19.02, incorporando-se no CPTA aquele regime legal e assegurando-se assim a manutenção da adequada transposição pata a ordem jurídica interna das Directivas do Conselho n.° 89/665/CEE, de 21 de Dezembro (chamada "Directiva recursos" - publicada no Jornal Oficial n.° L395 de 30/12/1989) e n.° 92/13/CEE de 25/02.
Dispõe o art. 100° do CPTA, no seu n° 1, que "a impugnação de actos administrativos relativos à formação de contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens rege-se pelo disposto na presente secção e, subsidiariamente, pelo disposto na secção 1 do capítulo II do título III."
Assim, como já se entendia no domínio de vigência do DL n° 134/98, de 15.05, o regime de contencioso pré-contratual, agora regulado nos arts. 100º e ss. do CPTA, é aplicável a todos os actos lesivos praticados em procedimentos administrativos tendentes à formação de contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens, ou seja, aos contratos taxativamente referidos no citado art. 100°, n° 1, excluindo a aplicação do regime comum de impugnação de actos administrativos, de acordo com a regra da especialidade e adequação dos meios adjectivos, não podendo pois os particulares optar entre ele e o regime geral previsto nos arts. 46° e ss. do CPTA (cfr. nº 3 do art. 46° do CPTA).
Trata-se, pois, de um regime imperativo e não de utilização facultativa, dependente do livre alvedrio dos interessados, impondo-se o seu regime a todos os actos que caibam no âmbito de previsão do citado art. 100°, da mesma forma que não é passível de ser alargado na sua aplicação, seja por via analógica, subsidiária ou por interpretação extensiva. Como se escreveu no Ac. do STA de 29.03.2011, Proc. no 01036/10, "o contencioso pré-contratual, por razões de certeza e segurança jurídica está submetido a um processo especial de urgência, de utilização necessária e de prazo único, (Vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Aberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo Nos Tribunais Administrativos", pp. 510/511) independentemente dos vícios e da espécie de invalidade do acto (Acórdão STA - Pleno - de 2007.02.06 - Proc. n° 0471/09) e de quem promove a impugnação (se um particular, se o Ministério Público), que prevalece sobre a norma do art. 58°/4 do CPTA."
Ora, estabelece o art. 101º que os processos do contencioso pré-contratual têm carácter urgente e devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto.
O agrupamento constituído pelas empresas AA. foi notificado no dia 04.02.2011, pelas 22h50m, por correio electrónico, através do correspondente aviso e comunicação na Plataforma Electrónica, da deliberação camarária tomada no dia 25 de Janeiro de 2011, que aprovou o relatório final do Júri do concurso de 19.11,2010, em que se propunha, para efeitos de qualificação de candidatos, a exclusão do agrupamento constituído pelas &A., e que assim determinou a exclusão definitiva do agrupamento constituído pelas três empresas ora Autoras do concurso em causa, actos esses que constituem o objecto de impugnação na presente acção.
Ora, nos termos do art. 469° do CCP, sob a epígrafe "Data da notificação e da comunicação", as notificações e as comunicações consideram-se feitas, quando efectuadas através de correio electrónico ou de outro meio de transmissão escrita e electrónica de dados, na data da respectiva expedição (ai. a) do n° 1), ressalvando-se apenas o disposto no n° 2 do citado preceito legal, que são os casos das notificações e das comunicações que têm por destinatário a entidade adjudicante ou o contraente público, quando sejam efectuadas após as 17h00 do local de recepção ou em dia não útil nesse mesmo local, sendo que em tais casos as notificações/comunicações se presumem feitas às 10 horas do dia útil seguinte. Ora, não sendo as AA. nem entidade adjudicante, nem o contraente público, não se lhes aplica a excepção do n° 2, mas a regra geral, digamos assim, do n° 1, al. a), que considera as notificações e as comunicações efectuadas na data da respectiva expedição, quando efectuadas através de correio electrónico ou de outro meio de transmissão escrita e electrónica de dados, como foi o caso.
Assim, tendo a notificação da deliberação camarária impugnada sido efectuada por transmissão electrónica de dados expedida no dia 4.02.2011, pelas 22h50m, é essa a data da notificação da deliberação em causa, o que aliás é reconhecido pelas AA. na sua p.i., como resulta do alegado pelas mesmas nos arts. 38° e 39º do referido articulado, alegação essa aceite, e também afirmada, pelos demandados.
O prazo de um mês estabelecido no art 101° do CPTA para impugnação dos actos em causa é um prazo de caducidade, portanto de natureza substantiva, aplicando-se assim à sua contagem as regras do art. 279° do Cód. Civil, mais especificamente a regra da sua alínea c), que estabelece que "O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existis dia correspondente o prazo finda no último dia desse mês."
Pretendem as AA. que na contagem do referido prazo de um mês se devem conjugar as als. b) e c) do citado art. 279°, pelo que na contagem do prazo para o agrupamento autor reagir contra a sua não qualificação no concurso em apreço não se incluiria o dia 4 de Fevereiro, por força do disposto na al. b) do art. 279°, e que o prazo em causa apenas começava a contar no dia 5 de Fevereiro de 2011, pelo que o seu termo final, de acordo com a regra da al. c) do mesmo artigo, será o dia 5 de Março de 2011, que por ser sábado, se transferia para o 1° dia útil seguinte, 7.012011, data em que foi instaurada a acção.
Só que tal raciocínio não está correcto, já que a regra da al. c) do art. 279° do Cód. Civil não se pode "acumular" com a da alínea b), uma vez que a alínea c) se harmoniza com as regras das alíneas anteriores, como ensinam Antunes Varela e Pires de Lima no Código Civil Anotado, 1 vol, 3ª ed., p. 256, em anotação ao citado preceito legal, o que significa que a regra da al. c) já incorpora as anteriores, o que corresponde aliás a entendimento doutrinal uniforme, ao que se sabe. A jurisprudência é também unânime neste entendimento. A título exemplificativo, veja-se o Acórdão do STA, de 26.08.2009, Proc. n° 0471/09, em que se escreveu o seguinte: "(..) os prazos relativos ao exercício do direito de acção administrativa, sendo de caducidade do exercício de um direito, têm índole substantiva (neste sentido, e v.g., «vide» Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ed. de 2004, pág. 381). Daí que o «dies a quo» do prazo fixado em meses continue a ser a data do evento, nos termos do artº 279°, al. c), do Código Civil - e não o dia seguinte, a que se refere a al. b) do artigo - findando «o prazo de um mês» no dia dele que àquela data corresponda. Aliás, este é um assunto pacífico na jurisprudência."
Assim, tendo o agrupamento constituído pelas AA. sido notificado da deliberação impugnada no dia 04.02.2011, o prazo de um mês para instaurar a presente acção terminava no dia 04.03.2011, que foi dia útil (sexta-feira), pelo que tendo a presente acção sido instaurada no dia 07.03.2011 (cfr. factualidade provada supra no ponto iv. e art. 1500, n° 1 do CPC, aplicável ex vi art. 1° do CPTA), a mesma é extemporânea.
Verifica-se, pois, a caducidade da presente acção, não relevando aqui o invocado princípio pro actione, pois que, como se refere no já citado Acórdão do STA de 26.08.2009, "o chamado princípio «pro actione», vertido no art. 7° do CPTA, só opera em caso de dúvida sobre o sentido das normas a interpretar", sendo que aqui não existe qualquer dúvida sobre o sentido das normas a interpretar, até pela forma uniforme como as mesmas sempre têm sido aplicadas pela jurisprudência, pelo que o julgador se deve cingir à aplicação da lei. E ainda, como bem defendem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, no CPTA anotado, pág. 147, este princípio traduz-se num favorecimento do processo, não no favorecimento do pedido, valendo objectivamente, para o processo, não subjectivamente, para o Autor. Se o pedido do A. é extemporâneo, não há que exigir ao juiz, sob pena de parcialidade e injustiça, urna defesa dos interesses que o mesmo descurou. E diga-se ainda que as normas legais de contagem do prazo de impugnação dos actos em causa em nada coarctam as garantias de defesa das AA., pois que o acesso à justiça e à tutela jurisdicional não garantem aos particulares a possibilidade de, a qualquer momento e por qualquer forma, requererem aos tribunais a tutela que pretendem, mas apenas a possibilidade de requerer tal tutela com respeito pelas formas e prazos estabelecidos na lei processual, pelo que se os interessados não fazem valer os seus direitos no prazo legalmente estabelecido, apenas a si o devem, não servindo o princípio da tutela jurisdicional efectiva ou o princípio pro actione para suprir ou colmatar a inércia dos interessados.
Verificando-se a caducidade do direito de acção, tal obsta ao conhecimento do objecto do processo, impondo-se a absolvição da instância dos demandados (cfr. arts 87º, n° 1, al. a) e 89°, n° 1, al. h), aplicáveis ex vi n° 1 do art. 102°, todos do CPTA)".

Já se viu que o Tribunal a quo considerou procedente a excepção de caducidade arguida pelos demandados e fê-lo com os fundamentos que se podem resumir nos seguintes pontos:
-nos termos do art.469º do CCP as notificações e as comunicações consideram-se feitas, quando efectuadas através de correios electrónico ou de outro meio de transmissão escrita e electrónica de dados, na data da respectiva expedição (al. a) do nº1), ressalvando-se apenas o disposto no n.º 2 do citado preceito legal, que são os casos das notificações e das comunicações que têm por destinatários a entidade adjudicante ou o contraente; -tendo a notificação da deliberação camarária impugnada sido efectuada por transmissão electrónica de dados expedida no dia 4.02.2011, pelas 22h50m, é essa a data da notificação da deliberação em causa; O dia 4 de Fevereiro foi uma sexta-feira; -O prazo de um mês estabelecido no art.101º do CPTA para impugnação dos actos em causa é um prazo de caducidade, portanto de natureza substantiva, aplicando-se assim à sua contagem as regras do art. 279º do Cód. Civil, mais especificamente, a regra da sua alínea c); - a regra da al.c) do art. 279º do Cód. Civil não se pode "acumular" com a da alínea b); -o prazo de um mês para instaurar a presente acção terminava no dia 04.03.2011, que foi dia útil (sexta-feira), pelo que tendo a presente acção sido instaurada no dia 07.03.2011, a mesma é extemporânea" (O dia 7 de Março foi uma segunda-feira); -o chamado princípio «"pro actione"» vertido no art. 7º do CPTA, só opera em caso de dúvida sobre o sentido das normas a interpretar, sendo que aqui não existe qualquer dúvida sobre essa matéria.
Diga-se, desde já, que não assiste razão às recorrentes nas críticas que tecem à decisão objecto de recurso. Como é sabido, a jurisprudência administrativa, de forma uniforme e reiterada, tem entendido que o prazo para instauração da acção quando contado em «um mês», ou «meses» (três meses: por ex., art. 58º do CPTA), ou num «ano», se conta não por dias, mas sim pelo mês ou meses, ou pelo ano, terminando justamente às 24 horas do dia que corresponda à data inicial do evento a partir do qual o prazo começa a correr. A decisão recorrida bem observou que "o prazo de «um mês» não é igual a prazo de 30 dias" (e na contagem deste desconta-se o "dia" a quo"). Em casos como o dos autos, não há lugar a descontar-se o próprio dia da notificação - como aconteceria se o prazo tivesse sido fixado em número de dias (não contaria para o prazo o próprio dia do evento em que este prazo de "dias" se iniciaria) -, mas sim que o prazo de "um mês" se conta, diferentemente, "de data a data", quer o mês em causa tenha 28 dias quer 30 ou 31 dias, terminando depois no mesmo dia no mês seguinte, correspondente ao dia da própria data em que ocorreu a notificação. Neste sentido cfr. acs. do STA de 01/06/2005-« I -O prazo para a interposição do recurso contencioso fixado em dois meses ocorre às 24 horas do dia a que corresponde dentro dos dois meses seguintes àquela data» II -O prazo curto, como o de duração de horas, previsto na alínea b/ do art. 279º do CCivil, já foi tido em conta pelo legislador no prazo longo contido na alínea c/ do art. 279º do CCivil» ac. STA no proc. 47431, de 26-08-2009; ac. de 08/11/2000 «I -Na contagem do prazo do recurso contencioso, não se atende ao disposto na alínea b/ do artº 279º do CCivil, mas apenas ao estabelecido na alínea c) desse artigo»- proc. 46.238; Cfr. também ac. de 11/07/2000, no proc. 46.010 e proc. 47.431. De igual modo, se assinala na doutrina a natureza substantiva do prazo de impugnação e da aplicação da regra de contagem estabelecida no artº 279º nº c) do CC.-cfr. Mário Aroso e Carlos Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., 2010, pp. 388-89, maxime nota 392, «nos casos em que não haja suspensão do prazo, este se conta de data a data, segundo o disposto no artigo 279º alínea c) do Código Civil, terminando no dia que corresponde, dentro de terceiro mês, à data do termo inicial do prazo", e a seguir nas págs. 680-681, a propósito do art. 101º do CPTA: «o prazo conta-se nos termos da alínea c) do art. 279º do CC, de tal forma que, notificado o interessado num certo dia do mês, o prazo termina no correspondente dia do mês seguinte»
Artº 279° do Código Civil
(Cômputo do termo)
À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:
a) Se o termo se referir ao princípio, meio ou fim do mês, entende-se como tal, respectivamente, o primeiro dia, o dia 15 e o último dia do mês; se for fixado no princípio, meio ou fim do ano, entende-se, respectivamente, o primeiro dia do ano, o dia 30 de Junho e o dia 31 de Dezembro;
b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês;
d) É havido, respectivamente, como prazo de uma ou duas semanas o designado por oito ou quinze dias, sendo havido como prazo de um ou dois dias o designado por 24 ou 48 horas;
e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.
Na verdade, a par da providência cautelar específica relativa a "procedimentos de formação do contrato" prevista no artº 132º do CPTA, a lei consagrou uma forma especial relativa "à impugnação de actos relativos à formação dos contratos"-cfr. o Título IV - Capítulo I - processos ou "impugnações urgentes" (artºs 97 e segs. do CPTA).
Como salienta Mário Aroso, em "O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos", pág. 259, trata-se de "processos de impugnação dos actos administrativos praticados no âmbito do procedimento de formação desses tipos específicos de contratos e apenas desses, que são subtraídos ao modelo normal de tramitação dos processos impugnatórios, para serem submetidos a um modelo de tramitação especial, que se pretende mais célere, e à aplicação do regime dos processos urgentes. A razão para isso reside na circunstância de os contratos do tipo referido se encontrarem abrangidos pelo âmbito da aplicação de duas directivas comunitárias, as Directivas do Conselho nº 89/665/CEE, de 21 de Dezembro e nº 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro que, entre outras coisas, exigem que os Estados membros da União Europeia criem condições para a rápida resolução dos litígios que possam surgir a propósito de formação daqueles contratos..."
Por isso o processo dirigido à impugnação dos actos administrativos relativos à formação dos contratos tem um formalismo especial e urgente, subordinado a prazos relativamente curtos, tendo em vista uma solução rápida do litígio, em detrimento da forma processual relativa às impugnações em geral dos restantes actos administrativos (cfr. nomeadamente artº 78º e segs. do CPTA).
O n.º 2 do artigo 2.° do Código de Processo Civil, ao estabelecer que "a todo o direito... corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo" indicia que o interessado se não pode socorrer de qualquer meio processual, mas apenas do meio processual de tutela estabelecido pela lei como sendo o adequado à resolução do litígio, ou seja o meio processual especialmente previsto tendo em consideração a urgência na resolução dos recursos contenciosos dos actos administrativos relativos à formação dos contratos de empreitadas e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens, aos quais é aplicável imperativamente o regime previsto nos artºs 100º a 103º do CPTA, designadamente no que ao prazo para interposição desses recursos diz respeito.
Em conformidade, o processo dos autos tinha forçosamente de ser intentado no prazo de um mês, a contar da notificação do acto (artº 101º do CPTA), sendo certo que, como as recorrentes foram notificadas da deliberação camarária impugnada por correio electrónico no dia 4.02.2011 o prazo de um mês para instaurar a acção terminava no dia 04.03.2011, que foi dia útil (sexta-feira), pelo que tendo a mesma sido instaurada no dia 07.03.2011, ela é intempestiva, como bem se entendeu na decisão sub judice (cf. artº 279/c) do CC). E, sendo assim, tem de se concluir que a pretensão a formular no processo principal não poderá ser apreciada dada a existência de circunstância que obsta ao prosseguimento do processo e que por isso impede que se conheça de mérito - a caducidade do direito de acção. Em suma, a tese das recorrentes não pode ser acolhida.
Os processos do contencioso pré-contratual têm carácter urgente e devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto. E, dado que o prazo previsto no art. 101° se aplica à hipótese dos autos, fica automaticamente excluído que, sobre o assunto, paire um estado de dúvida que justifique o uso sucedâneo do mecanismo do art. 7º do CPTA. Tal equivale a dizer que não há que recorrer ao princípio pro actione, também invocado nas alegações de recurso. O apelo à presunção de que a expedição/comunicação electrónica somente é realizada no 3º dia útil posterior ao da sua elaboração e registo (cfr. 56. e 57. das alegações) e de que, por isso, devia aplicar-se às notificações referidas no art. 469º do CCP uma "dilação de três dias", também não tem cobertura, na medida em que as próprias recorrentes não questionam que a deliberação camarária impugnada foi efectuada por transmissão electrónica de dados expedida no dia 4.02.2011, pelas 22h50m. Além disso, essa dilação não resulta nem da lei geral sobre procedimento administrativo-arts. 70º e art. 73º do CPA-, nem das regras especiais do CCP, o que só pode interpretar-se no sentido de que foi essa a vontade do legislador. Na verdade, segundo o artº 9º nº 2 do C. Civil Artigo 9.º - (Interpretação da lei)
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
, relativo à interpretação da lei, "Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso."; assim, mesmo quando o intérprete "...se socorre de elementos externos, o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar"- cfr. o Prof. J. Baptista Machado, em "Introdução ao Direito Legitimador", 1983-189-. E refere José Lebre de Freitas, BMJ 333º-18 "A mens legislatoris só deverá ser tida em conta como elemento determinante da interpretação da lei quando tenha o mínimo de correspondência no seu texto e no seu espírito". No caso posto, a questão aludida (e totalmente ao arrepio da sua posição anterior: sobre o facto da data do efectivo conhecimento do acto impugnando), de uma pretensa "dilação de 3 dias" ou da aplicação da presunção de que a notificação se dá apenas no 3º dia útil posterior ao registo ou à expedição da telecópia ou correio electrónico, não resulta da letra da lei, que, sendo clara desaconselha o recurso ao seu espírito ou à reconstituição do pensamento legislativo. Assim sendo, e, salvo melhor opinião, parece-nos que não se pode deixar de presumir "...que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados"-nº 3 do citado artº 9º .
E o que dizer da inconstitucionalidade da norma contida na alínea a) do nº 1 do art. 469º do CCP, na medida em que não concede aos particulares concorrentes ou candidatos em procedimentos adjudicatórios, a mesma possibilidade que pelo nº 2 do mesmo artigo é conferida às entidades adjudicantes? A este propósito as recorrentes argumentam o seguinte: -a decisão de que se recorre assenta, entre outros argumentos, na aplicação do artigo 469.º do CCP que, sob a epígrafe "Data da notificação e da comunicação", estipula que as notificações se consideram efectuadas na data da expedição; -porém, o mesmo artigo, no seu n.º2, estabelece que, na eventualidade dos destinatários da notificação ou comunicação, feita após as 17h, serem "(...) a entidade adjudicante ou o contraente público (...)", aquela se presume feita "(...) às 10 horas do dia útil seguinte"; -não existe qualquer justificação para a diferenciação feita entre as pessoais de direito privado, como as ora recorrentes, e as pessoas de direito público; -no caso em concreto, a diferença de tratamento jurídico, isto é, a verdadeira discriminação à pessoa de direito privado, é totalmente desprovida de justificação. -as ora recorrentes viram-se coarctadas no seu direito, o que foi motivado pelo simples facto de serem pessoas de direito privado - pois, caso lhes fosse aplicado o disposto no n.º 2 do artigo 469.º do CCP, o prazo para reagirem seria mais longo e a questão da excepção de caducidade nunca se teria posto; -a aplicação de um prazo igual ao fornecido às entidades públicas seria fundamental para que, gozando de prazo mais longo, fosse possível preparar uma defesa mais eficaz e cabal e, assim, estar em igualdade perante qualquer outra pessoa. -estamos, assim, perante uma situação de violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Vejamos.
O artigo 13.º da CRP estabelece que "Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei".
Este princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e do sistema constitucional global, que vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional.
Como o Tribunal constitucional tem uniformemente entendido, a obrigação da igualdade de tratamento (apenas!!!) exige que "aquilo que é igual seja tratado igualmente", de acordo com o critério da sua igualdade, e "aquilo que é desigual seja tratado desigualmente, segundo o critério da sua desigualdade".
Tal princípio -da igualdade-, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções, antes lhe proíbe a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Em suma, traduz-se na ideia geral da proibição do arbítrio - ACTC00003222 Acordão :92-157-1 Processo: 90-0288
ACTC00002927 Acordão: 91-331-1 Processo: 90-0033
ACTC8167 Acordão: 98-185-2 Processo: 95-0598

Só que, não sendo as situações referidas totalmente idênticas, elas não podem ser tratadas de forma totalmente igual, pelo que, salvo melhor entendimento, não se vê que haja aqui violação da Constituição quer por parte da decisão quer por parte do artigo 469º do CCP.
Contrariamente ao aventado, não se nos afigura que a desigualdade de tratamento contemplada na norma em apreço seja arbitrária ou irrazoável, assente numa qualquer ordem corporativista ou política de privilégio do funcionalismo público, parecendo-nos antes que encontra fundamento material bastante na defesa do interesse público, nos vários casos a reclamar solução por parte dos entes públicos e nos horários de expediente dos mesmos serviços públicos.
Improcedem, pois, as conclusões das alegações das recorrentes, embora, como a recorrida não deixa de salientar, em abstracto, em tese, ou num plano de jure condendo, as mesmas não sejam de desprezar.

DECISÃO

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso.
Custas pelas recorrentes.
Notifique e DN.
Porto, 04/11/2011
Ass. Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Ass. João Beato Oliveira Sousa
Ass. Antero Pires Salvador