Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de março de 2012 (proc. 934/11)

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Sumário:

I - A atendibilidade de documentos insertos num procedimento cautelar apenso não integra qualquer uma das hipóteses que, nos termos do art. 102º, n.º 2, do CPTA, motivam a abertura da fase de alegações escritas.
II - Se uma empresa foi convidada a apresentar proposta num concurso público na qualidade, contratualizada e reconhecida pela Administração, de chefe de um consórcio já qualificado num acordo quadro, é de concluir que tal empresa tinha o poder de representar os outros dois membros do consórcio e que a assinatura electrónica da proposta, provinda de um representante dela, vinculava as três sociedades consorciadas.
III - Ante a cláusula do caderno de encargos onde se dispunha que o fornecimento a contratar se faria em todos os «dias úteis» do ano, podia o júri concretizar esses «dias úteis» para o ano em causa e concluir que eles eram 250.
IV - Se o júri, confrontado com a proposta onde a recorrente contabilizara esses «dias úteis» em 220 e 240 - conforme os estabelecimentos de diverso tipo credores das prestações - admitiu que ela não violara aí o caderno de encargos, impunha-se então, para se garantir a comparabilidade das propostas, que se apurasse o preço diário que a recorrente propunha e, multiplicando-o por 250, se achasse depois o verdadeiro preço anual proposto.
V - Esse método não era criticável pela recorrente se tal crítica tinha como pressuposto necessário que a sua proposta violara o caderno de encargos e devia ter sido excluída.

 

Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:

A........., Ld.ª, interpôs esta revista do acórdão do TCA-Sul, confirmativo da sentença do TAF de Sintra que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual que a recorrente deduzira contra o Instituto da Segurança Social, IP (ISS) e onde figuraram como contra-interessadas as sociedades B........., SA, C........., SA, e D........., Ld.ª, e em que pedira: que se anulasse o despacho - praticado em 4/2/2011, por um vogal do Conselho Directivo do ISS - que, na sequência de concurso, adjudicou ao consórcio formado por aquelas três empresas um serviço de fornecimento de refeições; que se declarasse a nulidade do contrato celebrado em execução daquele acto; e que se condenasse o ISS a emitir um novo acto em que, após excluir a proposta da B......... ou do referido consórcio, refizesse a ponderação das propostas atendíveis.

A recorrente terminou a sua alegação formulando as conclusões seguintes:

A) Nos termos do disposto no art.º 150.°, n.º 1 do CPTA, das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;
B) O que está em causa no presente recurso, é saber:
i. Se a junção aos autos de providência cautelar apensa aos autos de documentos que serviram de prova nos presentes autos impunha a notificação das partes para produção de alegações escritas, ao abrigo do disposto no art.º 102º, n.º 2 do CPTA;
ii. Se a proposta apresentada pelo consórcio externo B.........-C.........-D........., ACE foi assinada e apresentada por quem tivesse poderes para o efeito;
iii. Se o Júri poderia ter alterado as propostas dos concorrentes a pretexto de poder aproveitar o maior número de propostas possível, mediante a multiplicação dos preços unitários das refeições pelo número de refeições diárias e pelo número de dias não fixado a priori nas peças concursais.
C) As questões decidendas têm relevância jurídica e social, na medida em que implicam um esforço interpretativo superior à média e a solução das mesmas ultrapassa significativamente os limites do caso concreto;
D) As questões decidendas foram erradamente decididas pelo TCA Sul, de forma que justifica a intervenção do STA para uma melhor aplicação do direito;
E) Razões porque deve a presente revista ser admitida;
F) O processo padece de uma nulidade processual, na medida em que o TAF de Sintra não notificou as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 91.°, n.°4 e 102.°, n.º 2 do CPTA, para apresentarem alegações, nem convocou nenhuma audiência pública ao abrigo do disposto no art.° 103.° do CPTA, apesar de ter sido requerida a produção de prova testemunhal e produzida prova documental a que a Recorrente não teve acesso antes de instaurada a acção;
G) O Tribunal a quo entendeu, incorrectamente, que o que relevava para aplicação do disposto no art.º 102.° do CPTA era a junção, física, de documentos com a contestação;
H) Sucede que os Contra-Interessados fazem uso de prova documental junta com as Oposições ao processo cautelar apenso aos presentes autos, sendo certo que tais meios de prova são considerados quer pelo TAP de Sintra quer pelo Tribunal a quo para a prolação das respectivas decisões, o que revela constituírem meios probatórios dos presentes autos;
I) Viu assim a Recorrente preterido o seu direito de, nas alegações escritas, invocar novos fundamentos do pedido ou ampliar o pedido da acção, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 91.°, n.ºs 5 e 6 do CPTA;
J) Tal nulidade deveria ter sido declarada, nos termos e para os efeitos do disposto no ali.0 201.° do CPC, aplicável aos autos ex vi do art.º 1.° do CPTA, pelo que deverá sê-lo agora, revogando-se a sentença recorrida e ordenando-se a baixa do processo ao TAF de Sintra, para que retome os respectivos trâmites após o saneamento processual;
K) Quanto à aplicação do Direito aos factos assentes, verifica-se que também nesta matéria o Tribunal a quo, à semelhança do TAF de Sintra, incorreu em erros de julgamento;
L) Com efeito, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, encontra-se assente que foi a B......... - e não os membros do consórcio ou este último - que apresentou a proposta;
M) O que ficou por apurar é se a B......... tinha poderes para o fazer em representação do consórcio de que é membro;
N) Sucede que as funções externas do Chefe de um Consórcio externo não se encontram definidas legalmente e têm de ser conferidas por procuração;
O) No caso, não resulta alegado nem demonstrado que tal procuração existisse, pelo que da mera análise do contrato e consórcio celebrado entre a B........., o C......... e a D......... pode concluir-se que a B......... não tem quaisquer poderes dos consorciados para apresentar propostas (apenas para organizar essa apresentação) nem para celebrar contratos;
P) Ora, uma proposta a um procedimento de formação de contratos é uma declaração negocial unilateral, de aceitação das condições do caderno de encargos e de fixação das condições em que se dispõe a contratar, dai que tenha de ser feita por quem vincule, legalmente, o concorrente;
Q) Sendo o concorrente um consórcio, ou a proposta seria apresentada por todos os consorciados, sendo necessário cumprir as exigências relativas às respectivas formalidades de apresentação em relação a todos - incluindo as decorrentes da respectiva apresentação electrónica -, ou a proposta seria apresentada pelo representante dos consorciados, nomeados mediante procuração especial outorgada para o efeito;
R) Nem unia nem outra aconteceram no caso dos autos, tendo a B......... apresentado a proposta ao procedimento, encontrando-se assinada electronicamente por quem vincula apenas a B.........;
S) Sendo ilegal a sua admissão, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 257.°, 57.°, n.º 5 e 62.° do CCP e do art.º 27.°, n.º 3 da Portaria n.º 701-G/2007, de 29 de Julho;
T) No que respeita à alteração das propostas dos concorrentes, verifica-se que o Júri partiu do falso pressuposto de que o preço unitário apresentado pelos concorrentes não sofreria qualquer alteração pelo facto de se considerar um número de dias diferentes para o fornecimento das refeições;
U) Tal porém, é falso, uma vez que parte dos custos com o fornecimento são fixos, que divididos por um maior número de refeições a servir (decorrente do aumento do número de dias de fornecimento) representa uma diminuição do preço unitário da refeição;
V) Assim, não poderia o Júri, por um lado, fixar o número de dias úteis em sede de relatório final quando não o fixou nas peças do concurso, nem poderia multiplicar o preço unitário apresentado pelos concorrentes pelo número de refeições a mais a servir, uma vez que aquele não seria o preço proposto pelos concorrentes;
W) Tais rectificações constituem violação dos princípios da estabilidade, da concorrência e da igualdade, não sendo assim, admissíveis;
X) Nem se invoque que a rectificação foi feita, precisamente, para "salvar" a proposta da A........., na medida em que a violação de uma condição de execução do contrato definida no Caderno de Encargos não sujeita à concorrência constitui fundamento de exclusão liminar das propostas;
Y) É que nenhum dos concorrentes elaborou a sua proposta tendo em consideração 250 dias úteis, o que por um lado revela que a interpretação do CE não foi pacífica e por outro, que o que sejam dias úteis não se encontra definido no CE, pelo que não pode haver exclusão das propostas com este fundamento;
Z) Ainda que houvesse, deveriam ter sido excluídas as propostas de todos os concorrentes, na medida em que nenhum considerou 250 dias de fornecimento;
AA) Acresce que a interpretação da Recorrente é sustentada pela letra e pela teleologia do disposto no artº 16.°, n.º 1, al. a) do CE, uma vez que os dias úteis dos estabelecimentos naquele artigo previstos são os dias em que os mesmos funcionam e que são menos do que os dias úteis do ano de calendário;
BB) E não releva o conceito de destinatário comum, na medida em que nenhum dos concorrentes o é, tanto assim que nenhum concorrente apresentou proposta para 250 dias de fornecimento;
CC) Em face do exposto, deve ser revogado o Acórdão recorrido e anulado o acto de adjudicação à B........., condenando-se o Recorrido a adjudicar o concurso à A..........

O ISS contra-alegou, concluindo do modo seguinte:

A. Vem a ora recorrente fundamentar a admissibilidade do presente recurso de revista no facto de, por um lado, terem os tribunais a quo efectuado manifesta errada aplicação do direito no tocante às questões melhor identificadas no recurso sub judice e, por outro, por considerar que estas questões se revestem de relevância jurídica, atenta a sua complexidade, e ainda de relevância social, por extravasarem os presentes autos, afigurando-se, na sua opinião, existir motivo bastante para suscitar a intervenção do douto Tribunal;
B. Considera o ora Recorrido que não assiste razão à Recorrente, quer no tocante à admissibilidade do presente recurso de revista, quer no tocante aos vícios que assaca ao douto Acórdão a quo. De facto,
C. Entende o Recorrido que a Recorrente não logrou demonstrar a maior importância das questões decidendas, no sentido de justificar a intervenção do tribunal superior;
D. Pelo contrário, nos presentes autos estamos manifestamente perante matéria que não assume, à luz da orientação jurisprudencial definida pelo STA, o relevo específico e de excepcional acuidade comunitária exigido pelo artigo 150°, nº 1 do CPTA, para efeito de a considerar como revestida de importância fundamental;
E. É evidente que a resolução das questões decidendas passa, essencialmente, por uma ponderação factual, não envolvendo discussões jurisprudenciais ou doutrinais de relevo;
F. Efectivamente, as questões das especificidades da assinatura e apresentação da proposta do consórcio externo, e da concretização do conceito de dias úteis para efeitos de cálculo do valor das propostas, não correspondem a nenhuma questão geral ou transponível para outro procedimento ou situação, antes se restringindo ao concreto circunstancialismo em que foi estabelecido o programa do concurso em causa, e a interpretação neste estrito contexto das consequências da admissibilidade daquela proposta. Por isso, as questões são, em larga medida, de interpretação não jurídica, apenas no contexto em que se inserem, não se prevendo a expansão da controvérsia para além da relação inter partes;
G. Acresce que, ainda que se viesse a admitir que tal expansão poderia ocorrer, a verdade é que a resolução das questões não se apresentou de particular complexidade, nem se vislumbra aqui necessidade de intervenção do Supremo para orientar a jurisprudência e contribuir decisivamente para uma melhor aplicação do direito, pois sempre haveria que concluir que o Acórdão recorrido não cometeu qualquer erro que, por clamoroso, reclame a intervenção do douto tribunal superior;
H. De facto, não só cabe salientar que o consórcio externo, por ser desprovido de personalidade jurídica, se encontra impedido de requerer e obter uma assinatura digital, bem como de autenticar-se nas plataformas electrónicas, mas também que o acto de adjudicação em questão antecede a celebração do contrato e portanto o chefe do consórcio não carece, para apresentar a proposta, de qualquer procuração especial, dado que esta apenas é exigida para a celebração do contrato de fornecimento, como resulta do disposto no artigo 14.°, nº 2 do Decreto-Lei nº 231/81, de 28 de Julho;
I. Quanto à questão da rectificação das propostas dos concorrentes, novamente as instâncias se limitaram a subsumir a factualidade subjacente ao quadro legal aplicável, ao considerarem, e bem, que o júri se limitou a subsumir os valores unitários apresentados pelos concorrentes na fórmula densificadora do critério de adjudicação, em concordância com a mesma ordem de grandeza fixada para cálculo do preço base, sem o que não seria possível avaliar o mérito de cada proposta, pelo que não terá sido violado qualquer dos princípios invocados pela Recorrente;
J. O mesmo haverá que concluir quanto à questão da preterição de alegações escritas, por se afigurar que a mesma é de solução pacífica na doutrina e jurisprudência. Resulta do disposto nos artigos 91º, nº 4 e 102º, nº 2 do CPTA que as mencionadas alegações só serão produzidas, em sede de contencioso pré-contratual, no caso de ser requerida ou produzida prova com a contestação, o que não sucedeu no caso concreto;
K. Sucedeu sim que, por virtude da apensação aos autos da providência cautelar requerida pela ora Recorrente, o contrato de consórcio em causa, junto pela contra-interessada na sua oposição, serviu de meio probatório também na acção principal, mas esta circunstância não impõe uma solução divergente da adoptada pela instância a quo, porquanto a apensação da providência cautelar à acção principal é um acto tão vinculado quanto o acto de junção do processo administrativo e, à semelhança deste, também não deve ser considerado como produção de prova;
L. Por outro lado, a questão, assim delineada, só assume relevância nos presentes autos, porquanto pressupõe a apreciação factual sobre se a ora Recorrente teve ou não acesso ao contrato de consórcio, apreciação que aliás, e como já se salientou, não se afigura que o tribunal de revista possa efectuar;
M. Em conclusão, haverá que considerar que não se verificam, in casu, os pressupostos de admissão da revista excepcional, previstos no artigo 150.0 do CPTA, considerando que as questões suscitadas não atingem o grau de relevância e excepcionalidade exigido pela citada norma, nem se antevê que seja caso que justifique ou reclame uma melhor aplicação do direito.

Contra-alegou também a recorrida B........., terminando a sua minuta com as conclusões seguintes:

I. As questões suscitadas pela Recorrente na presente revista não assumem qualquer relevo jurídico fora do comum nem nelas se reflectem interesses sociais de vulto.
II. São questões que não ultrapassam, em complexidade, os parâmetros usuais das controvérsias judiciárias e, no seu âmbito, o puro interesse das partes.
III. Igualmente não se vislumbra necessidade, clara, de melhor aplicação do direito.
IV. A Recorrente repete a argumentação expendida quer em 1.ª quer em 2.ª instância.
V. Como salientado pelo douto Acórdão do STA de 07-07-2010, proferido no processo n.° 0555/10 (www.dgsi.pt), "não é de admitir o recurso de revista excepcional em situação na qual o Recorrente reedita a argumentação já usada na 1.ª e 2.ª instâncias, por elas apreciada com desenvolvimento e sem que se revele a existência de qualquer erro patente".
VI. Termos porque não deverá ser admitido o presente recurso de revista por falta de verificação dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade. Caso assim se não entenda (o que só por cautela de patrocínio se admite),
VII. Da conjugação dos Artº 102°, n.° 3, al. e) do CPTA e 205° n.° 1 do CPC, resulta que as nulidades processuais previstas no Art.° 201º do CPC devem ser arguidas, nos processos de contencioso pré-contratual, no prazo de 5 dias a contar da data em que a parte foi notificada para qualquer termo do processo quando deva presumir-se que então tornou conhecimento das nulidades ou quando delas pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
VIII. A Recorrente foi notificada da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 12 de Maio de 2011 (notificação expedida por correio registado em 9 de Maio de 2011 - cf. Art.° 254° n.° 3 do CPC), pelo que dispunha do prazo de 5 dias para arguir a invocada nulidade processual por falta de notificação das partes para alegações, o que não fez.
IX. Deste modo, a existir a referida nulidade processual - no que não se concede - deverá a mesma considerar-se sanada (cf. Art.° 153° n.° 1, 201° n.° 1 e 205° n.° 1 do CPC e Art.° 102°, n.° 3, al. e) do CPTA. Ainda que assim se não entenda (no que não se concede),
X. Nos termos do disposto no Art.° 201° n°1 do CPC, "... a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa".
XI. Cotejadas as disposições dos Arts.° 91° n.° 4 e 102° n.° 2 do CPTA, das mesmas não deriva o sancionamento com a nulidade em caso de omissão da notificação das partes para apresentarem alegações.
XII. A Recorrente não alegou e muito menos demonstrou que a falta de notificação para alegações fosse susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, conforme imposto pelo Art.° 201° do Código Civil.
XIII. A argumentação que a Recorrente desenvolve nas suas alegações de recurso não inova em termos substanciais em relação ao que era o seu posicionamento expresso na petição inicial.
XIV. Uma anulação da sentença recorrida teria como consequência a prolação de nova sentença com conteúdo decisório idêntico.
XV. Assim, a verificar-se a invocada nulidade processual, sempre se teria de concluir pela sua insusceptibilidade de influir na decisão da causa pelo que nunca poderia produzir efeitos invalidantes.
XVI. A entidade demandada e as contra-interessadas não juntaram documentos com a sua contestação.
XVII. E se as contra-interessadas, na contestação apresentada, fizeram referência ao contrato de consórcio junto aos autos de providência cautelar que se encontram apensos aos presentes, a Recorrente não só teve acesso ao referido documento porque é parte na referida providência cautelar como, notificada da contestação, poderia ter-se pronunciado sobre ele ao abrigo do disposto no Art.° 3° n.° 3 do CPC, o que não fez.
XVIII. Termos porque deverá necessariamente improceder a arguição da nulidade processual feita pela Recorrente.
XIX. No dia 2 de Julho de 2010, as contra-interessadas celebraram por escrito contrato de consórcio, formando entre si um consórcio externo, nele estabelecendo os respectivos termos e condições, nomeadamente, nele designando o chefe do consórcio (a B.........) e atribuindo-lhe poderes gerais de representação do consórcio perante a ANCP, as Entidades Agregadoras, Entidades Adquirentes (entendendo-se como tais as entidades compradoras vinculadas e as entidades compradoras voluntárias que integrem o Sistema Nacional de Compras Públicas) e terceiros e os poderes para organizar a apresentação de propostas para todos os procedimentos de aquisição para que venham a ser convidados no âmbito do acordo quadro (cf. v., vi., vii., viii. e ix. da fundamentação de facto do douto acórdão recorrido).
XX. Assim, porque as consorciadas atribuíram por contrato escrito poderes de representação ao Chefe do Consórcio, essa atribuição é plenamente válida (cf. Art.ºs 3º n.° 1 e 4° n.° 1 do DL 231/81).
XXI. A B........., obviamente na sua qualidade de Chefe do Consórcio, e porque tem poderes de representação do consórcio, através do seu próprio representante, atribuídos pelo contrato de consórcio, tem poderes para a apresentação de propostas em todos os procedimentos de aquisição lançados ao abrigo do acordo quadro, como é o caso do presente procedimento.
XXII. A proposta foi carregada, assinada e submetida na plataforma electrónica por E........., a quem foram conferidos poderes para representar a B..........
XXIII. A proposta foi carregada, assinada e submetida na plataforma electrónica por quem tem poderes para representar o Chefe do Consórcio, o qual, por seu turno, tem poderes para representar o Consórcio.
XXIV. Os documentos que constituem a proposta encontram-se assinados por todas as consorciadas (cf. xviii e xix da fundamentação de facto do douto Acórdão recorrido).
XXV. Concluindo, a proposta foi apresentada pelo Consórcio, constando dos documentos que a constituem a identificação das consorciadas e encontrando-se os mesmos assinados por todas as consorciadas, tendo a proposta sido carregada, submetida e assinada na plataforma electrónica por quem tem poderes para representar a B........., a qual foi designada Chefe do Consórcio e à qual foram atribuídos, através do Contrato de Consórcio, poderes de representação do Consórcio.
XXVI. Apenas e só se os membros do consórcio não atribuírem ao Chefe do Consórcio poderes de representação através do contrato de consórcio é que terão que o fazer posteriormente mediante procuração.
XXVII. Apenas esta interpretação é consentânea com as disposições dos Artigos 12º e 14° do DL 231/81.
XXVIII. Não faz sentido que os poderes de representação estejam atribuídos ao Chefe do Consórcio mediante o próprio contrato de consórcio e que seja exigido um novo acto jurídico (procuração) para atribuir (novamente) tais poderes.
XXIX. Ainda que por absurdo se entendesse que a proposta do Consórcio B.........-C.........-D......... não se mostra assinada por quem o obriga (no que não se concede), tal nunca poderia determinar a sua exclusão automática (cf. Acórdão do TCAS de 29/04/2010, processo n.° 05862/10 e Acórdão do TCAN de 22/10/2010, processo n.° 00323710.OBECBR)
XXX. Ainda que se concluísse que a proposta do Consórcio não foi carregada, submetida e assinada na plataforma electrónica por quem tem poderes para o obrigar, tal não poderia determinar por si só a exclusão da proposta, atentos os princípios da concorrência e da proporcionalidade, mas sim um convite ao aperfeiçoamento da mesma, pois tratar-se-ia (apenas) da correcção de uma irregularidade na submissão da proposta na plataforma electrónica, tanto mais que os documentos que constituem a proposta se encontram assinados por representantes das três consorciadas.
XXXI. O número de dias úteis de cada ano decorre do calendário gregoriano, descontados os sábados, domingos e feriados.
XXXII. O Júri limitou-se a efectuar uma operação aritmética, multiplicando os preços unitários/diários propostos pelos concorrentes pelos 250 dias úteis do ano de 2011 (no caso dos estabelecimentos que apenas funcionam nesses dias).
XXXIII. A proposta da Recorrente só foi considerada a de preço global mais baixo no primeiro relatório preliminar porque considerou um número de refeições inferior.
XXXIV. O Júri limitou-se a, por via puramente lógico-aritmética, chegar ao preço global que a proposta da A......... conteria se nela tivessem sido tomados em consideração os 250 dias úteis de funcionamento.
XXXV. Pelo que não se verifica qualquer violação dos princípios da estabilidade, da concorrência ou da igualdade (cf. Rodrigo Esteves de Oliveira, "Os Princípios Gerais da Contratação Pública", Estudos de Contratação Pública - 1, Coimbra Editora, pág. 81 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12-02-2009, proferido no processo 04057/08).
XXXVI. Termos porque não deverá ser admitido o presente recurso de revista por falta de verificação dos pressupostos da sua admissibilidade previsto no Art.° 150º n.° 1 do CPTA ou, caso assim se não entenda, deverá o mesmo ser julgado improcedente.

A revista foi admitida pelo acórdão deste STA de fls. 468 e ss., da responsabilidade da formação a que alude o art. 150º, n.º 5, do CPTA.

A matéria de facto pertinente é a dada como provada no acórdão «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida - como se estabelece no art. 713º, n.º 6, do CPC.

Passemos ao direito.

«Ante omnia», há que atentar nos requerimentos de fls. 488 e ss. e 511 e s., em que as recorridas particulares, lobrigando um «erro de escrita» no acórdão «sub specie», pretendem que o STA o rectifique.
O apontado «lapsus calami» (alusão à B......... em vez da A.........) é ostensivo - ao ponto da própria recorrente haver tomado a iniciativa de, na sua argumentação, o corrigir («vide», v.g., a conclusão X) da alegação de recurso).
Ora, ante a evidência do erro (cfr. o art. 249º do Código Civil), este STA pode e deve ler e interpretar o aresto por forma a desconsiderá-lo. O que não pode é rectificar o acórdão, «erga omnes et semper», isto é, corrigir definitivamente um texto alheio, na medida em que a acção de rectificar um erro há-de ser tomada pelo respectivo autor. É o que resulta do art. 667º, n.º 2, do CPC e do ensinamento da doutrina (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, ed. 1952, págs. 134 e ss.).
Portanto, a pretendida rectificação formal não é aqui possível; não obstante, o acórdão «sub judicio» não deixará, por isso, de ser analisado com o sentido que deveras possui.
E, ultrapassado o anterior ponto, há que atentar no «thema decidendum».
Inconformada com os juízos de improcedência, proferidos nas instâncias, da acção que interpusera e que primacialmente tendia à anulação do acto culminante de um procedimento de ajuste directo para aquisição de serviços, a autora e aqui recorrente deduziu a presente revista, em que suscita as três «quaestiones juris» referidas na conclusão B) da sua minuta de recurso.
O primeiro desses assuntos encontra-se tratado nas conclusões F) a J) da alegação da recorrente e respeita à nulidade processual em que a 1.ª instância teria incorrido ao sentenciar a causa sem previamente abrir uma fase para alegações escritas. O TCA entendeu que não se verificara tal nulidade. Mas a recorrente insiste na sua existência, basicamente defendendo que a utilização, pela sentença, de documentos insertos no processo cautelar apenso aos presentes autos tornava obrigatório o convite às partes para produzirem alegações, «ex vi» do art. 102º, n.º 2, do CPTA.
Todos os recorridos que contra-alegaram defendem que tal nulidade não existe. Mas a B......... vai mais longe e afirma que ela devia ter sido arguida autonomamente e, porque o não foi, já se mostra sanada. Ora, é por este problema que importa começar.
É certo que a nulidade invocada na apelação não se localiza na sentença aí em crise - pelo que, ante os princípios gerais, pareceria ser objecto de reclamação, e não de recurso. Não é, contudo, assim, como foi explicado no seguinte trecho do acórdão do Pleno deste STA, de 15/9/2011 (rec. n.º 505/10-20), cujas considerações são transponíveis para o presente caso:

«A primeira questão colocada pelo recorrente respeita à «nulidade processual» em que, na sua óptica, a Subsecção incorreu ao prolatar o acórdão «sub censura». Não se trata de uma nulidade «in interiore», como as previstas no art. 668º do CPC; mas antes de uma nulidade extrínseca ao aresto, embora a ele propagável, por consistir na omissão de uma formalidade legal que lhe seria prévia - a audição das partes, nos termos e para os efeitos do art. 95º, n.º 2, do CPTA, relativamente ao vício advindo da «deficiência de instrução».
Antes de entrarmos no efectivo conhecimento da nulidade há que ver se ele é possível. E este assunto - que, aliás, o recorrido não coloca e que merece, por isso, um tratamento breve - consiste em saber se o presente recurso é o meio idóneo para arguir a nulidade.
Permanece válida no nosso direito adjectivo a ideia matriz segundo a qual das decisões recorre-se e das nulidades reclama-se; donde pareceria não ser este recurso o meio próprio para censurar a dita imperfeição. Contudo, é geralmente aceite que a reacção contra nulidades «cobertas» ou assumidas por decisões judiciais consiste no recurso que destas se interponha, sendo ele possível; pois, se em vez disso se reclamasse da nulidade, agir-se-ia em vão devido à regra que impede o juiz de repensar e alterar o que decidiu (arts. 666ºe 668º do CPC). Sendo assim, e atendendo ao modo como a arguida nulidade terá surgido, «uno actu» com a prolação do aresto, não sofre dúvidas que a sua denúncia foi exercitada através do meio processual adequado (cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 2.º, págs. 507 e ss. e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 182); pelo que nada obsta ao conhecimento da nulidade.»

Reiteramos aqui essa jurisprudência, pelo que, tal e qual fez o TCA, concluímos pela cognoscibilidade da arguição. Mas veremos de imediato que ela improcede com clareza.
Na verdade, o art. 102º, n.º 2, do CPTA - indiscutivelmente aplicável à acção dos autos - estabelece que «só são admissíveis alegações nos casos de ser requerida ou produzida prova com a contestação». A índole exclusiva desta proposição jurídica, explicada pela celeridade inerente aos processos do género, não consente a abertura de uma fase de alegações fora da hipótese ínsita na norma. E o certo é que, compulsando o processo, se vê que os contestantes, apesar de oferecerem prova testemunhal, nenhuns documentos juntaram a essas suas peças. Ora, a circunstância do TAF ter pesquisado factos no processo cautelar apenso (art. 113º, n.º 2, do CPTA) não integra manifestamente aquela hipótese. E a única reacção, aliás não exercida, contra essa conduta do TAF consistiria na denúncia de que, por um motivo qualquer, a matéria em causa não deveria ter-se por provada - o que redundaria em a sentença padecer de um erro no seu julgamento de facto, e não numa nulidade processual.
Embora a arguição da recorrente sugira cingir-se àquela consideração dos documentos oferecidos no meio cautelar, não deixaremos de referir que a nulidade também não existe se porventura a encaramos pelo prisma dos requerimentos de produção de prova testemunhal ou da junção aos autos do processo instrutor. Com efeito, o mero oferecimento de um rol de testemunhas, considerado inútil pelo tribunal, é inoperante para os fins previstos no art. 102º, n.º 2, do CPTA; pois esta norma, embora fale em prova «requerida», quer obviamente aludir àquela que, sendo requerida frutiferamente, será mesmo produzida - e não à que o não seja por desnecessidade. Por outro lado, e como o TCA bem explicou, o art. 102º, n.º 2, não se refere à junção do instrutor, pois a obrigatoriedade disso (art. 84º do CPTA) tornaria constante a fase de alegações, transformando a regra da norma em excepção e esvaziando-a, assim, de sentido.
Pelo exposto, conclui-se que inexiste a nulidade arguida, revelando-se improcedentes as conclusões F) a J) da alegação de recurso.

Nas conclusões L) a S), a recorrente defende que o consórcio vencedor (formado pelas recorridas particulares B........., C......... e D.........) devia ter sido excluído do concurso por duas básicas razões, que podemos articular numa ordem subsidiária: «primo», porque a proposta só é verdadeiramente atribuível à B......... - e não também aos outros dois membros do consórcio - em virtude dela não estar munida de procurações das outras, sendo ainda certo que a B......... nem sequer podia concorrer sozinha por a tanto obstar o art. 257º, n.º 1, do CCP; «secundo, porque, a admitir-se que se pretendera que a proposta emanasse do consórcio, sempre teria de se negar essa autoria tendo em conta que a respectiva assinatura electrónica provém de uma pessoa que apenas representava e vinculava a B..........
Deste modo, a recorrente clama que a presença, no procedimento de ajuste directo, do consórcio vencedor é fictícia, por um de dois motivos: seja porque, em bom rigor, só a B......... concorreu - o que, aliás, não podia fazer, pois o concurso seguiu-se a um acordo quadro onde fora qualificada, não a B........., mas o consórcio que ela integrava e que foi aí a adjudicatária, relativamente a eventuais e futuras prestações de serviços (cfr. o art. 257º, n.º 1, do CCP); seja porque a proposta vencedora, se porventura atribuível, «primo conspectu», ao consórcio, fora assinada electronicamente só por um representante da B........., não podendo vincular os demais membros.
Mas tais posições da recorrente pecam, «ab origine», por menosprezarem o relevo do acordo quadro que precedeu o procedimento de ajuste directo dos autos. Com efeito, a matéria de facto diz-nos que, na sequência doutro concurso, foi celebrado um «acordo quadro para o fornecimento de refeições confeccionadas», no âmbito do qual figuraram como adjudicatárias, decerto entre outras, a recorrente e o consórcio formado pela B........., pelo C......... e pela D.......... Aliás, as regras desse anterior concurso obrigavam as empresas que concorressem agrupadas a associar-se em consórcio externo antes da celebração do acordo quadro, devendo o respectivo contrato designar um dos membros como chefe do consórcio. E foi isso que aquelas três empresas fizeram, subscrevendo um contrato de consórcio escrito em que indicaram a B......... como chefe do consórcio e lhe atribuíram poderes para «receber os convites formulados pelas entidades adquirentes» e proceder à «apresentação de propostas para todos os procedimentos de aquisição para que» viessem «a ser convidadas no âmbito do acordo quadro».
Partindo desse acordo quadro, o ISS, ora recorrido, dirigiu convites a várias empresas, incluindo a recorrente e a B........., a fim de apresentarem propostas sobre o ajuste directo em causa nos autos - o qual se inclinava à aquisição de refeições confeccionadas, a fornecer aos utentes de certos estabelecimentos. Na medida em que «só podem celebrar contratos ao abrigo de um acordo quadro as partes nesse acordo quadro» (art. 257º, n.º 1, do CCP), é evidente que a B......... fora convidada, para apresentar uma proposta, enquanto chefe do consórcio «supra» mencionado. Afinal, esse consórcio fora constituído nos termos do DL n.º 231/81, de 28/7, e a sua emergência fora seguramente comunicada à Administração - pois tudo isso era exigido no concurso tendente à celebração do acordo quadro e assumia-se até como uma «condicio sine qua non» da inclusão do consórcio no referido acordo.
Portanto, e no que toca ao ajuste directo dos autos, a B......... foi convidada a concorrer, não em nome próprio, mas enquanto chefe do consórcio qualificado no acordo quadro. Donde se segue que a apresentação de uma proposta pela B........., em anuência àquele convite, haveria normalmente de traduzir e revelar a manutenção e o prolongamento da qualidade - de chefe do consórcio - por que tinha sido convidada; e tudo converge para que só assim não fosse se os termos da proposta emanada da B.........denotassem que ela viera ao concurso repudiando a qualidade de chefe do consórcio e agindo «a se».
Nem faria sentido que nos aproximássemos da solução por uma via diferente. É que os acordos quadro não podem ser cindidos dos procedimentos ulteriores que preparam e cuja simplificação visam. Desses acordos decorre que os contratos somente se celebrarão com as respectivas partes, conforme já vimos; as quais, aliás, se obrigam a celebrar os contratos (cfr. o art. 255º, n.º 1, do CCP), de modo que os acordos quadro se perfilam, para os adjudicatários, como equivalentes a promessas de contratação futura dentro das condições previstas. E, assim sendo, impossível se torna enfrentar os problemas ligados ao oferecimento de propostas sem os referir ao anterior acordo quadro.
É certo que a recorrente objecta com o teor do art. 57º, n.º 5, do CCP, que tem a redacção seguinte: «quando a proposta seja apresentada por um agrupamento concorrente, a declaração referida na alínea a) do n.º 1» - que respeita à aceitação do conteúdo do caderno de encargos - «deve ser assinada pelo representante comum dos membros que o integram, caso em que devem ser juntos à declaração os instrumentos de mandato emitidos por cada um dos seus membros ou, não existindo representante comum, deve ser assinada por todos os seus membros ou respectivos representantes». E, como a B......... concorreu sem exibir os aludidos «instrumentos de mandato», a recorrente sustenta que a proposta não emanou do consórcio.
Sucede, porém, que esse art. 57º, n.º 5, não tem aplicação «in casu». O «agrupamento concorrente» a que a norma se refere é o previsto no art. 54º, n.º 1, do CCP, que se reporta às «pessoas singulares ou colectivas» que se agrupam «sem que entre as mesmas exista qualquer modalidade jurídica de associação» (neste sentido, cfr. Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, ed. 2011, pág. 556). Mas não era essa a realidade do consórcio vencedor, que já sabemos ter sido constituído à luz do regime do DL n.º 231/81, de 28/7.
O que, na mesma linha de raciocínio, se poderia inquirir era se a B......... necessitava de procuração dos outros dois membros do consórcio, dado que o art. 14º, n.º 1, al. a), do DL n.º 231/81 estatui que «os membros do consórcio poderão conferir ao respectivo chefe, mediante procuração», o «poder para negociar quaisquer contratos a celebrar com terceiros no âmbito do contrato de consórcio» - e a apresentação de uma proposta contratual insere-se, «certe», na actividade de «negociar». Ora, encaradas as coisas nesta perspectiva, o facto da proposta da B......... estar desacompanhada das procurações dos outros membros do consórcio voltaria a cobrar relevo - por se recair a impossibilidade de reportar a proposta apresentada ao consórcio vencedor.
Mas esta construção carece da devida solidez. Nos termos do art. 12º do DL n.º 231/81, de 28/7, o chefe do consórcio tem competência para «exercer as funções internas e externas que contratualmente lhe forem atribuídas». Donde se segue que a procuração «para negociar» só é necessária se o contrato de consórcio não tiver atribuído já esse poder ao respectivo chefe. Aliás, seria absurdo que a lei exigisse a outorga, por procuração, de poderes representativos a quem já os detinha por força da «lex contractus», e é por isso que o diploma, no citado art. 14º, n.º 1, al. a), não encara uma tal procuração como absolutamente necessária, mas apenas como possível. Ora, no caso em apreço, os poderes representativos da B......... - designadamente para «a apresentação de propostas» - já constavam do texto do contrato de consórcio (cláusula 8.ª, n.º 1, al. f); e esses poderes eram do conhecimento da Administração - o que explica que esta não tivesse exigido à B......... que fizesse prova deles (cfr. o art. 260º do Código Civil). Vê-se, assim, que nenhum fundamento tem a ideia da recorrente de que a proposta provinda da B.........l devia ser acompanhada de procurações dos demais membros do consórcio. E, «a fortiori», não tinha a proposta da iniciativa da B......... de ser instruída com a «procuração especial» a que alude o art. 14º, n.º 2, do DL n.º 231/81, pois isso só era exigível para uma realidade diversa da apresentação de propostas - para conferir «poderes para celebração, modificação ou resolução de contratos com terceiros no âmbito do contrato de consórcio», bem como poderes ligados a intervenções «em juízo».
Por outro lado, nenhumas dúvidas havia que a B........., ao concorrer, actuara enquanto chefe do consórcio e representante dos seus outros membros. Isso já resultava, primeiro, do anterior acordo quadro e, depois, da qualidade em que a B......... fora convidada a formular uma proposta; e obtém plena confirmação de um pormenor, enunciado no acórdão recorrido: o de que a proposta da B......... se mostrava acompanhada de várias declarações «assinadas pelos representantes legais de todos os membros do consórcio».
Ora, este é um ponto de facto não questionado e, portanto, adquirido; e cuja censura, se acaso existisse, até seria insindicável, ao menos em princípio, nesta revista (cfr. os arts. 150º, n.º 2, do CPTA e 722º do CPC).
Podemos, em suma, assentar no seguinte: na sequência do acordo quadro pretérito, o consórcio que veio a sair vencedor estava qualificado para o concurso; a Administração sabia que a B......... chefiava esse consórcio, juridicamente constituído, e foi nessa qualidade que a convidou a apresentar uma proposta; e a proposta efectivamente oferecida pela B......... radicou, sem dúvida, nessa qualidade, de modo que a proposta era atribuível ao consórcio que acabou por ganhar o concurso.
Mas se a B........., ao subscrever sozinha a proposta, vinculava todos os membros do consórcio, esfuma-se de imediato a objecção que a recorrente coloca a propósito da assinatura electrónica. Com efeito, está adquirido nos autos que «a proposta foi carregada, submetida e assinada» por alguém que tinha «poderes para representar a B........., nos termos do certificado da respectiva assinatura aposta». Sendo assim, esse subscritor representava a B......... em todo o âmbito da actuação que a esta fosse possível - o que mostra que ele a representava «recte» e, ainda, em relação aos membros do consórcio já representados pela B.......... Deste modo se vê que a recorrente nenhuma razão tem ao dizer que o acto violou os arts. 62º do CCP (que alude à apresentação das propostas «em plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante») e 27º, n.º 3, da Portaria n.º 701-G/2008, de 29/7 (que trata dos «casos em que o certificado digital não possa relacionar directamente o assinante com a sua função e poder de assinatura»).
Acrescente-se ainda que também não colhe a tese, aflorada pela recorrente, de que o consórcio vencedor, por possuir um nome designativo, só poderia apresentar-se validamente ao concurso indicando-o e atribuindo-lhe, assim, a qualidade de verdeiro proponente. É que, não tendo os consórcios personalidade jurídica - como flui do DL n.º 231/81 - o nome ou a designação que adoptem serve funções meramente utilitárias; de modo que a vontade dos membros do consórcio manifesta-se pela intervenção deles, por si ou representados pelo chefe designado.
Do exposto, conclui-se pela improcedência ou irrelevância das conclusões L) a S), que estiveram sob análise.

Passemos às conclusões T) a BB) da minuta de recurso, nas quais a recorrente assaca ao júri a violação dos princípios da estabilidade das propostas, da concorrência e da igualdade, daí advindo, na sua óptica, a anulação do acto impugnado.
Neste particular, o caderno de encargos dispunha que as refeições a fornecer sê-lo-iam, em estabelecimentos determinados, «apenas nos dias úteis» e, nos demais, «todos os dias do ano». Na sua proposta, a recorrente alcançou o seu preço global a partir dos seguintes dias de fornecimento, por ano: 220 dias para os centros infantis, 240 dias para três individualizados estabelecimentos e 365 dias para os restantes. Por sua vez, o consórcio vencedor formulou a sua proposta com base na ideia de que os estabelecimentos que funcionavam em «dias úteis» receberiam as refeições durante 247 dias por ano e, os outros, durante 365 dias.
Em face destes dados, era óbvio que os preços globais propostos pela recorrente e pelo referido consórcio - e, ao que se diz nos autos, também os propostos pelos outros concorrentes - não eram comparáveis. E foi para obter comparabilidade entre as várias propostas que o júri, ponderando que o ano de 2011, descontados os sábados, domingos e feriados nacionais, tinha 250 dias úteis, deliberou dividir o preço proposto por cada concorrente pelo número de dias úteis indicado na respectiva proposta e, achado assim o preço diário, multiplicá-lo por 250 - daí concluindo que «o mais baixo preço», que era o critério da adjudicação, correspondia à proposta do consórcio vencedor.
A 1.ª instância considerou correcta essa actuação do júri, porque mera decorrência de «uma operação matemática»; e o aresto recorrido manteve tal solução, já que o júri só teria assim procedido para aproveitar e salvar a proposta da aqui recorrente - que merecia exclusão por desrespeito do que dispunha o caderno de encargos quanto ao número anual de refeições a fornecer nos estabelecimentos que só funcionariam nos dias úteis e, até, quanto à identidade desses estabelecimentos.
Mas a recorrente não se conforma com tal decisão; e, contra ela, afirma sucessivamente três coisas: que essa conduta do júri consubstancia a introdução de uma nova regra - sobre a fixação dos dias úteis num ano - que não constava dos instrumentos ordenadores do concurso; que o critério matemático usado pelo júri é inadmissível porque olvida que os preços diários propostos para um certo número de dias diferem se esse número for superior - por ter então de se partir de uma diferente orçamentação de custos; e que o argumento de que o júri agiu para salvar a sua proposta não serve, já que nenhuma outra computara os dias úteis de um ano em 250.
Desde logo, é manifesto que o júri, ao pressupor que os «dias úteis» no ano de 2011 somavam 250 - o que era exacto, se não se contassem os feriados municipais - não aduziu nada de novo, limitando-se a explicitar quantitativamente o número de dias em que, segundo o caderno de encargos e naquele ano, deveriam ser fornecidas refeições em estabelecimentos pré-determinados.
Questão mais séria é a que respeita à operação aritmética fundada nesse pressuposto.
Com efeito, e tal como a recorrente assinala, não se mostra, «prima facie», absolutamente garantido que os preços diários, calculados com base em fornecimentos por 220 e 240 dias, se mantivessem iguais caso fossem orçamentados para fornecimentos perduráveis por 250 dias. E isto sugere que o júri foi, neste ponto, além do que lhe era permitido.
Importa, todavia, atentar em algo que, aliás, não escapou à atenção das instâncias e, sobretudo, do TCA: não fora essa iniciativa do júri, a proposta da ora recorrente, porque muito arredia - não só quanto ao número de «dias úteis» atendíveis, mas também quanto à destrinça entre os estabelecimentos que funcionariam nesses dias e os demais - do que se dispusera no caderno de encargos, teria de ser excluída. Portanto, depara-se-nos aqui a curiosa situação da recorrente reclamar de uma metodologia que, em boa verdade, salvou a sua proposta - a qual, a crer no que ela própria diz, se apresentava como inadmissível.
Vejamos com maior detalhe este crucial ponto. Os concorrentes estavam obrigados a calcular preços, correspectivos do fornecimento de refeições em certos estabelecimentos, para todos os «dias úteis» do ano. Se o não fizessem, desrespeitariam o caderno de encargos, ao que se seguiria a exclusão do concurso. Se o fizessem, e mesmo que na justificação parcelar da sua proposta marginalmente se enganassem quanto ao exacto número daqueles «dias úteis», teriam cumprido o que o caderno de encargos estipulava.
Confrontado com a discrepância entre o número de «dias úteis» indicado nas propostas e o real, àquele superior, o júri tinha logo de ajuizar se isso acarretava a inadmissibilidade delas. Mas, sobretudo perante desvios mínimos - como, aliás, sucedia com a proposta que veio a ser a vencedora - era sensato desvalorizá-los. E uma tal desvalorização partiria fatalmente do pressuposto de que os concorrentes, apesar de incorrerem em lapso sobre o número dos «dias úteis», quiseram e lograram respeitar o caderno de encargos.
Ora, esse respeito só podia significar que os preços indicados para um certo número de «dias úteis» eram extensíveis aos 250 dias desse género existentes num mesmo ano (no caso, o de 2011). E, assim, o critério matemático usado pelo júri, traduzido numa operação intelectual subsequente ao primeiro juízo, a que atrás se aludiu, já se tornava irrepreensível - além de ser necessário para garantir a comparabilidade das propostas.
Objecta a recorrente que, se tivesse calculado preços para 250 dias - em vez de 220 e 240 - teria indicado valores mais baixos por dia útil, assim vencendo, porventura, o concurso. Mas, se o não fez, «sibi imputet». O que a recorrente não pode é, alicerçada na confissão implícita de que violou o caderno de encargos, questionar o único mecanismo de cálculo de que o júri podia lançar mão após benevolamente pressupor que a proposta dela se mantivera fiel àquele instrumento regulador do concurso. E são duas, aliás entrelaçadas, as razões por que se deve negar à recorrente a dita faculdade: em primeiro lugar, porque não faz sentido que ela, após aceitar o juízo que tomara a sua proposta como boa, queira desfechar sobre a conduta seguinte do júri uma crítica só concebível a partir do repúdio desse juízo. Em segundo lugar, porque não parece curial admitir a recorrente a discutir um método do júri, fazendo-o ela com a antecipada certeza de que a sua proposta deveria ter sido excluída; pois, se a proposta fosse excluída, a recorrente poderia discutir a exclusão, mas nunca a legalidade daquele método - que não lhe teria sido aplicado.
O que vimos dizendo aproxima o vício arguido pela recorrente da improcedência. Mas ela também encara o problema por um outro ângulo. Com efeito, a recorrente não se limita a admitir, de maneira implícita, que desrespeitou o caderno de encargos; pois imputa, e aqui explicitamente, um igual desrespeito aos outros concorrentes, pugnando pela exclusão de todas as propostas. Ora, uma tal solução - que já incidiria sobre o primeiro juízo do júri, e não sobre o cálculo aritmético posterior - apresenta inquestionável interesse para ela, por possibilitar o lançamento de um novo concurso monde a recorrente voltasse a brigar pelo fornecimento.
Note-se que a matéria de facto nada de preciso nos diz sobre as propostas dos demais concorrentes, que não as da recorrente e do consórcio vencedor. Porém, o que dessas propostas constava é agora menos relevante; pois, e até à luz do terceiro pedido que a recorrente deduziu na sua petição (que se excluísse a proposta da B......... ou do consórcio que ela integra), somente importa apurar se o acto impugnado é ilegal porque se impunha excluir do concurso a proposta que o ganhou.
Regressamos, assim, ao problema de saber se o facto do consórcio chefiado pela B......... ter calculado o seu preço - quanto aos estabelecimentos que só funcionariam nos «dias úteis» - a partir de 247 dias por ano, e não de 250 (que poderiam ser apenas 249, caso se atendesse aos feriados municipais), constituiu uma violação do caderno de encargos, nos termos e para os efeitos do art. 70º, n.º 2, al. b), do CCP.
Ora, não cremos que esse desvio se enquadre nos «atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos» - como dispõe a norma ultimamente citada. Desde logo, porque aquele instrumento do concurso não falava em 250 dias, mas em «dias úteis»; daí que a referência a 247 dias não contrariasse algo estabelecido, e apenas constituísse um imperfeito preenchimento ou desenvolvimento do que o caderno de encargos dispusera. Depois, porque a consideração dos 247 dias envolvia uma discrepância mínima, compreensivelmente tida pelo júri e pela entidade adjudicante como indiferente à justa fixação do preço diário.
No fundo, tanto o júri como o autor do acto impugnado andaram bem ao entenderem que o consórcio vencedor se dispusera a fornecer as refeições em todos os «dias úteis» - fossem eles 247, 249 ou 250 - o que se harmonizava com as regras do concurso; e, ainda, ao considerarem que o consórcio indicara os dados susceptíveis de, aritmeticamente, se apurar o preço global em cada ano. E isso bastava para que nenhumas dúvidas tal proposta suscitasse quanto à vontade do consórcio de contratar nos termos que as regras do concurso previam.
É agora perfeitamente claro que a sobredita actuação do júri não feriu os princípios que a recorrente diz ofendidos. Assim, não foi violado o princípio da concorrência, pois todos os proponentes concorreram entre si conforme entenderam e as suas propostas foram encaradas e avaliadas pelo mesmo prisma, sendo submetidas à mesma metodologia de análise. Isto prova, «mutatis mutandis», que o júri não ofendeu o princípio da igualdade. E também não se mostra violado o princípio da estabilidade ou constância das propostas, posto que estas permaneceram indemnes e somente se deduziu delas, através das indicadas operações matemáticas, aquilo que as propostas já virtualmente continham.
Soçobram, portanto, as conclusões que estiveram ultimamente em apreço. Igual destino merecem as conclusões K) e CC), onde a recorrente antecipa e deduz os «errores juris» que imputa ao tribunal «a quo». E são irrelevantes para o desfecho deste recurso as conclusões A) a E), porque dirigidas à formação que o recebeu.

Nestes termos, acordam em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 28 de Março de 2012. - Jorge Artur Madeira dos Santos (relator) - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - José Manuel da Silva Santos Botelho.