Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de Outubro de 2011 (proc. 799/11)

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Sumário:

I - Nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, "excepcionalmente", recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo "quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental" ou "quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".
II - Não se justifica, à luz da apontada disposição legal, a admissão de revista excepcional quando a controvérsia se cinge à interpretação do regime de classificação de documentos da proposta, constante do art. 66º do CCP, à validade da assinatura electrónica dos documentos mediante certificado digital, e à apresentação ou não de declarações que a factualidade provada deu como apresentadas, questões que foram objecto de decisão unânime em duas instâncias judiciais e cujas pronúncias se mostram alicerçadas e plausíveis em termos de coerência lógica e do discurso fundamentador.

 

Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


( Relatório )
A..., LDA, com os sinais dos autos, interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 150º do CPTA, recurso de revista do acórdão do TCA Sul, de 26.05.2011 (fls. 252 e segs.), pelo qual foi confirmada sentença do TAF de Leiria que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual por si intentada contra o MUNICÍPIO DE CALDAS DA RAINHA, em que pediu a anulação do acto de adjudicação à contra-interessada B..., LDA do serviço "Circuitos Especiais de Transportes Escolares 2010-2011", do concelho de Caldas da Rainha e localidades limítrofes, objecto do procedimento de concurso público nº 2127/2010, bem como a condenação do Réu a escolher da proposta Autora e a celebrar com ela o respectivo contrato.
Alega, em abono da admissibilidade da revista, que está em causa a interpretação de normas do Código dos Contratos Públicos, legislação ainda recente, designadamente a do art. 66º (regime de classificação de documentos da proposta), e a alegada violação do princípio da transparência, bem como os termos da vinculação de uma pessoa colectiva através da assinatura de documentos introduzidos em plataforma electrónica de contratação pública, e ainda os efeitos da não apresentação de declarações exigidas no programa do procedimento, questões que a recorrente entende assumirem importância fundamental pela sua relevância jurídica e merecerem uma melhor aplicação do direito.


( Fundamentação )
O art. 150º n° 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, "excepcionalmente", recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo "quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental" ou "quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".
A jurisprudência do STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n°s 92/VIII e 93/VIII, de uma "válvula de segurança do sistema" que só deve ser accionada naqueles precisos termos.
Deste modo, a intervenção do STA só se justificará em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se generalizar este recurso de revista, o que não deixaria de se mostrar desconforme com os aludidos fins tidos em vista pelo legislador.
Na concretização dos conceitos relativamente indeterminados que a lei estabelece como orientação para a filtragem dos recursos de revista a admitir excepcionalmente, a aludida jurisprudência do STA tem vindo a entender que a relevância jurídica fundamental exigida pelo artigo 150º nº 1 do CPTA se verifica, designadamente, quando a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, bem como nas situações em que esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social ou da controvérsia relativamente a futuros casos do mesmo tipo, mas em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
No caso sub judice, e à luz da orientação jurisprudencial enunciada, entendemos que não se justifica a admissão da revista.
As questões suscitadas pela recorrente para efeito de revista prendem-se, naturalmente, com o contencioso pré-contratual e com a aplicação de normas do CCP. Mas isso não é, só por si, pressuposto necessário da caracterização das questões como de "importância fundamental", para efeitos do art. 150º, nº 1 do CPTA.
As instâncias, como se deixou relatado, decidiram, com total unanimidade, pela improcedência da acção proposta pela ora recorrente, dando às questões por ela colocadas resposta contrária à sua pretensão anulatória, da qual naturalmente discorda.
Decidiram pela inexistência de violação do princípio da transparência, sublinhando que a opção de classificação dos documentos apresentados pela contra-interessada, porque não autorizada nos termos do art. 66º do CCP, tem-se por não escrita, como prevê o citado artigo, mas não é causa de exclusão da proposta.
E decidiram igualmente pela validade da assinatura electrónica dos documentos mediante certificado digital, bem como pela efectiva apresentação pela contra-interessada de todas as declarações exigidas.
A respeito das questões referidas, e com apelo à factualidade provada (que não pode aqui ser discutida), o acórdão recorrido decidiu:
"A apresentação dos documentos como classificados, por lapso do apresentante, não faz com que eles se tornem de imediato classificados, nem os torna secretos para os outros participantes. Exige é que o júri do concurso tome sobre essa qualificação uma decisão, que a aceite ou não. Se não a aceitar (como no caso dos autos) a mesma considera-se não escrita ou não declarada, ficando a partir desse momento disponível para consulta pelos outros candidatos, por força do art. 66º, nº 3 do CCP. Logo, a apresentação de um documento como classificado quando não o devia ser, não tem a virtualidade de excluir a proposta.
(...)
O concorrente classificado em primeiro lugar emitiu uma declaração de aceitação do caderno de encargos, assinada por dois representantes legais, nessa qualidade, com assinaturas digitais. A assinatura electrónica é uma imposição legal, por força do art. 27º da Portaria 701-G/2008. Logo, a proposta está correctamente assinada.
(...)
A invocação da recorrente [de que nos pontos 4/b, 4/c e 4/i do Anexo à Proposta não constam as declarações exigidas] é dificilmente compreensível, pois da leitura da factualidade assente em D) a.4 consta que o contra-interessado emitiu as seguintes declarações...".
São pronúncias que, independentemente do seu acerto jurídico-doutrinal, se mostram alicerçadas e plausíveis em termos de coerência lógica e do discurso fundamentador, e que não podem ser consideradas juridicamente desrazoáveis.
A recorrente insiste perante este Supremo Tribunal na verificação das apontadas invalidades do acto de adjudicação impugnado, mas fá-lo nos precisos moldes em que o fez anteriormente, sem acrescentar qualquer argumento que efectivamente desmonte ou desvalorize as pronúncias emitidas, ou as torne juridicamente infundadas.
E, neste contexto, não se vislumbra que as referidas questões se revistam, pela sua relevância jurídica ou social, daquele grau de complexidade acima do comum que é exigido pelo ar. 150º, nº 1 do CPTA, de modo a justificar a intervenção do STA em sede de revista excepcional.


( Decisão )
Com os fundamentos expostos, por não se verificarem os pressupostos exigidos pelo art. 150º, nº 1 do CPTA, acordam em não admitir a revista.
Custas pelos Recorrentes.
Lisboa, 20 de Outubro 2011. - Luís Pais Borges (relator) - Rosendo Dias José - José Manuel da Silva Santos Botelho.