Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de Julho de 2010 (proc. 579/10)

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Sumário:

Não é de admitir a revista numa situação em que não se vislumbra a existência de questões de relevância jurídica ou social de importância fundamental, ao que acresce a inexistência de erro manifesto ou grosseiro no Acórdão recorrido.

 

Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:

 
I - RELATÓRIO
1.1. A..., S.A, vem interpor recurso de revista, ao abrigo do n.º 1, do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do TCA Sul, de 06-05-2010, que, negando provimento ao recurso jurisdicional por si interposto, confirmou a decisão do TAF de Almada, de 14-12-09, que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual e absolveu os ora Recorridos Hospital B..., E.P.E e o Hospital C... dos pedidos.
No tocante à admissão da revista, a Recorrente refere, nas suas alegações, nomeadamente, o seguinte:
" (...)
No caso sub judice, a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(...)
A questão que se coloca é a de saber se, determinando os preços unitários a formação do preço global e exigindo os documentos concursais a apresentação da decomposição dos preços unitários em vários factores pré-definidos, deve ou não entender-se que estes factores concorrem para a determinação do preço global devendo, consequentemente, considerar-se que constituem atributos da proposta. Constitui entendimento jurisprudencial pacífico o de que o preço proposto tem que ser suficiente para suportar os custos inerentes à prestação dos serviços objecto do concurso (cfr. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 02-06-2005, processo 00748/05 e do Tribunal Central Administrativo Norte de 19-07-2007, processo 03162/06.0BEPRT, in www.dgsi.pt).
(...)
Em suma, nos presentes autos visa-se aferir se, sendo exigido aos concorrentes a apresentação dos encargos que compõem os preços unitários e, determinando estes encargos a formação dos preços unitários e, consequentemente, do preço global, devem estes factores ser ou não considerados como atributos da proposta, nos termos do artigo 56º n.º2 do CCP?
E, consequentemente, se as falhas detectadas na apresentação destes factores podem ou não fundamentar a exclusão das propostas, nos termos estabelecidos no artigo 70º n.º 2 a), b) e c) do CCP?
(...)
Atentos os casos que começam a surgir nos nossos tribunais sobre a questão em discussão nos presentes autos, justifica-se, por razões de uniformização na aplicação do Direito, que o Supremo Tribunal Administrativo se pronuncie sobre esta.
(...)" - Cfr. fls. 509/510 e 513
1.2. Os ora Recorridos não contra-alegaram.
1.3. Cumpre decidir.


2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. O recurso de revista a que alude o n.º 1, do artigo 150.º do CPTA, que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, ainda que apenas em casos excepcionais, tem por objectivo facilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social e quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, se atendermos à forma como o Legislador delineou o recurso de revista, em especial, se olharmos aos pressupostos que condicionam a sua admissibilidade, temos de concluir que o mesmo é de natureza excepcional, não correspondendo à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, na medida em que das decisões proferidas pelos TCA's em sede de recurso não cabe, em regra, recurso de revista para o STA.
Temos assim, que de acordo com o já exposto, a intervenção do STA só se justificará em matérias de maior importância sob pena de se generalizar este recurso de revista o que, se acontecesse, não deixaria de se mostrar desconforme com os fins obtidos em vista pelo Legislador (cfr., a "Exposição de Motivos", do CPTA).
Vejamos, então.
2.2. Como resulta dos autos, o Acórdão recorrido veio sufragar a decisão do TAF de Almada, de 14-12-2009, que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual e absolveu os ora Recorridos dos pedidos.
Para assim decidir o TCA Sul considerou, no essencial, que "(...) tal como é afirmado na sentença a quo a alegada irregularidade manifestamente não influiu no valor global da proposta", sendo que, "aliás, o valor que o júri atendeu para o referido item - o indicado no Anexo 1 - era superior ao que constava no Anexo 2 da proposta do mesmo concorrente (€0,40 e € 0,30)."
Acrescentou, também, que " não correspondendo os valores indicados no Anexo 2 a verdadeiros atributos da proposta, visto não condicionarem o seu valor global, inexiste a alegada violação do artigo 70º nº 1 al. c) do CCP." (cfr. fls. 466)
Da alegação da Recorrente decorre que a questão a dirimir passa fundamentalmente por saber se "(...)sendo exigido aos concorrentes a apresentação dos encargos que compõem os preços unitários e, determinando estes encargos a formação dos preços unitários e, consequentemente, do preço global, devem estes factores ser ou não considerados como atributos da proposta, nos termos do artigo 56º n.º2 do CCP? E, consequentemente, se as falhas detectadas na apresentação destes factores podem ou não fundamentar a exclusão das propostas, nos termos estabelecidos no artigo 70º n.º 2 a), b)?" -cfr. fls. 510-.
Sucede que, contra o que sustenta a Recorrente, a posição assumida pelo TCA Sul se enquadra no espectro das soluções jurídicas plausíveis para as questões sobre que se debruçou não se evidenciando que a pronúncia emitida no Acórdão recorrido esteja inquinada de erro grosseiro, com o que afastada fica a hipótese de fazer ancorar a admissão da revista, numa hipotética necessidade de melhor aplicação do direito.
Acresce que também não se vislumbra uma particular relevância social na questão suscitada pela Recorrente em sede de revista, não se surpreendendo, no caso dos autos, um interesse comunitário que, pela sua peculiar importância, pudesse levar, por si só, à admissão de revista, já que os interesses em jogo não ultrapassam significativamente os limites do caso concreto.
Finalmente, a resolução das questões ora levantadas não requer um esforço interpretativo particularmente acentuado, antes apresentando um grau de dificuldade que não ultrapassa o que é normal nas controvérsias judiciárias.
É, assim, de concluir que, no caso dos autos, não se verificam os pressupostos de admissão da revista.


3 - DECISÃO
Nestes termos, acordam em não admitir o recurso de revista do Ac. do TCA Sul, de 06-05-2010.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 14 de Julho de 2010. - José Manuel da Silva Santos Botelho (relator) - Rosendo Dias José - Maria Angelina Domingues.