Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 15 de Julho de 2010 (proc. C-74/09)

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Processo C-74/09

Bâtiments et Ponts Construction SA
e
WISAG Produktionsservice GmbH, anciennement ThyssenKrupp Industriservice GmbH
contra
Berlaymont 2000 SA

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (Bélgica)]

 

«Empreitadas de obras públicas - Directiva 93/37/CEE - Artigo 24.° - Causas de exclusão - Obrigações relativas ao pagamento de contribuições para a segurança social, impostos e taxas - Obrigação de registo dos proponentes, sob pena de exclusão - ‘Comissão de registo' e suas competências - Exame da validade dos certificados emitidos pelas autoridades competentes do Estado‑Membro da sede dos proponentes estrangeiros»

 

Sumário do acórdão:

1. O direito da União deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que impõe ao empreiteiro sedeado noutro Estado‑Membro a obrigação, para efeitos da adjudicação de um contrato público no Estado‑Membro da entidade adjudicante, de estar inscrito, neste último Estado‑Membro, num registo relativo à inexistência das causas de exclusão enumeradas no artigo 24.°, primeiro parágrafo, da Directiva 93/37, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, desde que essa obrigação não entrave nem retarde a participação do empreiteiro no procedimento de adjudicação em causa, nem gere custos administrativos excessivos, e tenha unicamente por objecto a verificação das qualidades profissionais do interessado, na acepção dessa disposição.

Com efeito, a apresentação, por um empreiteiro sedeado noutro Estado‑Membro, de certificados emitidos pelas autoridades competentes desse Estado não basta para comprovar, de forma conclusiva, o cumprimento das suas obrigações na matéria. Por um lado, o artigo 24.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f), da Directiva 93/37 prevê que o empreiteiro deve cumprir as suas obrigações de segurança social e fiscais também no Estado‑Membro da entidade adjudicante. Por outro, o artigo 24.°, segundo parágrafo, segundo travessão, ao referir os certificados emitidos pela autoridade competente do Estado‑Membro em causa, permite uma fiscalização distinta do empreiteiro, no Estado‑Membro em que decorre a adjudicação do contrato em causa.

Assim, uma obrigação de registo não pode ser considerada uma causa de exclusão adicional, além das enumeradas no artigo 24.°, primeiro parágrafo, da Directiva 93/37, se for concebida como uma forma de concretização dessa disposição, destinada unicamente à verificação da prova de que o empreiteiro que pretenda participar num procedimento de adjudicação de contrato público não está abrangido por nenhuma das referidas causas de exclusão, nomeadamente pelas relativas ao pagamento das contribuições para a segurança social, dos impostos e das taxas.

(cf. n.os 40, 44, 53, disp. 1)

2. O direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional por força da qual a verificação dos certificados emitidos a um empreiteiro de outro Estado‑Membro pelas autoridades fiscais e de segurança social deste último Estado‑Membro é confiada a uma instância diferente da entidade adjudicante, quando:

─ essa instância é composta maioritariamente por pessoas nomeadas pelas organizações representativas dos empregadores e dos trabalhadores do sector da construção na província em que decorre a adjudicação do contrato público em causa; e

─ esse poder abrange a fiscalização substantiva da validade dos referidos certificados.

Embora as disposições da Directiva 93/37, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, não se oponham, por princípio, a que o direito nacional confie a verificação da inexistência de causas de exclusão, na acepção do artigo 24.°, primeiro parágrafo, da referida directiva, a uma instância diferente da entidade adjudicante, a composição e competências dessa instância devem, não obstante, ser conciliáveis com o objectivo de garantir a observância do direito da União em matéria de contratos públicos.

(cf. n.os 55, 58, 66, disp. 2)

 

Texto integral:

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

15 de Julho de 2010 (*)

No processo C‑74/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela Cour de cassation (Bélgica), por decisão de 22 de Janeiro de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 18 de Fevereiro de 2009, no processo

Bâtiments et Ponts Construction SA,
WISAG Produktionsservice GmbH, anteriormente ThyssenKrupp Industrieservice GmbH,
contra
Berlaymont 2000 SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, E. Juhász (relator), G. Arestis e J. Malenovský, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: N. Nanchev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 4 de Março de 2010,

vistas as observações apresentadas:
─ em representação da Bâtiments et Ponts Construction SA e da WISAG Produktionsservice GmbH, anteriormente ThyssenKrupp Industrieservice GmbH, por D. Lagasse e E. van Nuffel, avocats,
─ em representação da Berlaymont 2000 SA, por X. Dieux, J.‑P. Gunther, J.‑Q. De Cuyper, C. Breuvart e S. Bartholomeeusen, avocats,
─ em representação do Governo belga, por J.‑C. Halleux e C. Pochet, na qualidade de agentes,
─ em representação do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente,
─ em representação da Comissão Europeia, por M. Konstantinidis e J.‑B. Laignelot, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 15 de Abril de 2010,

profere o presente

Acórdão

1. O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 49.° CE e 50.° CE e das disposições pertinentes - designadamente, o artigo 24.° - da Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54).

2. Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Bâtiments et Ponts Construction SA (a seguir «BPC»), sociedade de direito belga, e a WISAG Produktionsservice GmbH (a seguir «WIG»), anteriormente ThyssenKrupp Industrieservice GmbH, anteriormente WIG Industrieinstandhaltung GmbH, sociedade de direito alemão, à Berlaymont 2000 SA (a seguir «Berlaymont 2000»), sociedade de direito belga, à Berlaymont 2000 SA (a seguir «Berlaymont 2000»), sociedade de direito belga, a propósito da exclusão por esta última, enquanto entidade adjudicante, do consórcio constituído pelas primeiras da participação num procedimento de adjudicação de uma empreitada de obras públicas.

       Quadro jurídico

       Regulamentação da União Europeia

3. As disposições da Directiva 93/37, entretanto substituída pela Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114), pertinentes para o processo principal são as do artigo 6.° desta directiva e as constantes do seu título IV, mais especificamente do capítulo 2, sob a epígrafe «Critérios de selecção qualitativa», que compreende os artigos 24.° a 29.°

4. Nos termos do artigo 6.°, n.° 6, da Directiva 93/37:

«As entidades adjudicantes zelarão por que não haja discriminação entre os diferentes empreiteiros.»

5. Nos termos do artigo 24.° da Directiva 93/37:

«Podem ser excluídos da participação num processo de adjudicação os empreiteiros que:

a) Se encontrem em estado de falência, de liquidação, de cessação de actividade, sujeitos a qualquer meio preventivo da liquidação de patrimónios ou em qualquer situação análoga resultante de um processo da mesma natureza nos termos da legislação e regulamentação nacionais;

b) Tenham pendente processo de declaração de falência, de liquidação, de qualquer meio preventivo da liquidação de patrimónios ou qualquer outro processo da mesma natureza nos termos da legislação e regulamentação nacionais;

c) Tenham sido condenados por sentença transitada em julgado por qualquer delito que afecte a sua honorabilidade profissional;

d) Tenham cometido falta grave em matéria profissional, comprovada por qualquer meio que as entidades adjudicantes possam apresentar;

e) Não tenham cumprido as suas obrigações no que respeita ao pagamento de quotização para a segurança social, de acordo com as disposições legais do país onde se encontram estabelecidos ou com as do país da entidade adjudicante;

f) Não tenham cumprido as suas obrigações no que respeita ao pagamento de impostos e taxas, de acordo com as disposições legais do país onde se encontram estabelecidos ou com as do país da entidade adjudicante;

g) Tenham incorrido, com culpa grave, em falsas declarações ao prestar as informações exigíveis nos termos do presente capítulo.

Sempre que a entidade adjudicante solicite ao empreiteiro prova de que nenhum dos casos referidos nas alíneas a), b), c), e) ou f) se lhe aplica, aceitará como prova bastante:

─ nos casos previstos nas alíneas a), b) e c), a apresentação de certificado de registo criminal ou, na sua falta, de documento equivalente emitido por uma autoridade judicial ou administrativa competente do país de origem ou de proveniência e do qual conste que aqueles requisitos se encontram preenchidos,

─ nos casos previstos nas alíneas e) e f), um certificado emitido pela autoridade competente do Estado‑Membro em causa.

Se o país em questão não emitir esse tipo de documentos ou certificados, estes podem ser substituídos por uma declaração sob juramento ou, nos Estados‑Membros onde não exista esse tipo de declaração, por declaração solene do interessado perante uma autoridade judicial ou administrativa, um notário ou um organismo profissional qualificado do país de origem ou de proveniência.

Os Estados‑Membros designarão as autoridades e organismos competentes para a emissão dos documentos acima mencionados e informarão imediatamente desse facto os outros Estados‑Membros e a Comissão.»

6. O artigo 25.°, primeiro e terceiro travessões, dispunha:

«Pode ser solicitada a qualquer empreiteiro que pretenda participar num processo de adjudicação de uma empreitada de obras públicas prova da sua inscrição no registo profissional, nas condições previstas na legislação do Estado‑Membro onde está estabelecido:

─ na Bélgica, o ‘Registre du Commerce' e ‘Handelsregister',

[...]

─ na Alemanha, o ‘Handelsregister' e o ‘Handwerksrolle'».

7. O artigo 26.° da mesma directiva previa:

«1. A prova da capacidade financeira e económica do empreiteiro pode ser feita, regra geral, por um ou vários dos elementos seguintes:

a) Declarações bancárias adequadas;

b) Apresentação dos balanços ou extractos desses balanços sempre que a publicação dos balanços seja exigida pela legislação do país onde o empreiteiro está estabelecido;

c) Declaração sobre o volume de negócios global da empresa e o seu volume de negócios em obras nos três últimos exercícios.

2. As entidades adjudicantes devem especificar no anúncio ou no convite para apresentação de propostas o ou os elementos escolhidos e os elementos de prova que pretendem para além dos referidos no n.° 1.

Se, por qualquer razão justificada, o empreiteiro não puder apresentar as referências pedidas pela entidade adjudicante, pode provar a sua capacidade económica e financeira por qualquer outro documento considerado adequado pela entidade adjudicante.»

8. O artigo 27.° da Directiva 93/37 tinha a seguinte redacção:

«1. A prova da capacidade técnica do empreiteiro pode ser feita:

a) Por certificados de habilitações literárias e profissionais do empreiteiro e/ou dos quadros da empresa e, em especial, do ou dos responsáveis pela orientação das obras;

b) Pela lista das obras executadas nos últimos cinco anos, acompanhada de certificados de boa execução relativos às obras mais importantes. Estes certificados indicarão o montante, a data e o local de execução das obras e referirão se foram efectuadas de acordo com as regras da arte e regularmente concluídas. Se necessário, esses certificados serão enviados directamente à entidade adjudicante pela autoridade competente;

c) Por uma declaração que descreva as ferramentas, o material e o equipamento técnico que o empreiteiro utilizará na execução da obra;

d) Por uma declaração relativa aos efectivos médios anuais da empresa e ao número dos seus quadros nos três últimos anos;

e) Por uma declaração que mencione os técnicos ou os serviços técnicos, quer estejam ou não integrados na empresa, a que o empreiteiro recorrerá para a execução da obra.

2. A entidade adjudicante deve especificar no anúncio ou no convite para apresentação de propostas os elementos de referência que pretende obter.»

9. Nos termos do artigo 28.° da referida directiva:

«A entidade adjudicante pode, dentro dos limites dos artigos 24.° a 27.°, convidar o empreiteiro a completar os certificados e documentos apresentados ou a explicitá‑los.»

10. O artigo 29.° da mesma directiva previa:

«1. Os Estados‑Membros que tenham listas oficiais de empreiteiros aprovados devem adaptá‑las ao disposto nas alíneas a) a d) e g) do artigo 24.° e nos artigos 25.°, 26.° e 27.°

2. Os empreiteiros inscritos nessas listas podem, em relação a cada contrato, apresentar à entidade adjudicante um certificado de registo emitido pela autoridade competente. Esse certificado deve indicar os elementos de referência que permitam a sua inscrição na lista e a classificação que lhes é atribuída na lista.

3. A inscrição nessas listas oficiais, certificada pelos organismos competentes, constitui uma presunção de aptidão, para obras correspondentes à classificação do empreiteiro em causa, perante as entidades adjudicantes dos outros Estados‑Membros, apenas na acepção das alíneas a) a d) e g) do artigo 24.°, do artigo 25.°, das alíneas b) e c) do artigo 26.° e das alíneas b) e d) do artigo 27.°

As informações extraídas do registo numa lista oficial não podem ser contestadas. No entanto, no que diz respeito ao pagamento das quotizações para a segurança social, pode ser exigido um certificado suplementar a qualquer empreiteiro inscrito, por ocasião de cada processo de adjudicação.

As entidades adjudicantes de outros Estados‑Membros aplicarão as disposições acima referidas apenas em benefício dos empreiteiros estabelecidos no país que elaborou a lista oficial.

4. Para o registo dos empreiteiros dos outros Estados‑Membros numa lista oficial, não pode ser exigida nenhuma prova ou declaração para além das exigidas aos empreiteiros nacionais e, em caso algum, nenhuma para além das previstas nos artigos 24.° a 27.°

5. Os Estados‑Membros que possuam listas oficiais serão obrigados a comunicar aos outros Estados‑Membros o endereço do organismo para o qual devem ser enviados os pedidos de registo.»

       Legislação nacional

11. O procedimento de adjudicação do contrato público em causa regia‑se pelo Decreto Real de 22 de Abril de 1977, relativo aos contratos de empreitada de obras públicas, contratos públicos de fornecimento e contratos públicos de serviços (Moniteur belge de 26 de Julho de 1977, p. 9539). O artigo 15.° desse decreto real, que integra a secção 2, sob a epígrafe «Elaboração das propostas», dispunha:

«[...]

3. Só se considera regular a proposta apresentada por um proponente belga, que tenha trabalhadores aos quais se aplique a Lei de 27 de Junho de 1969 que revê o Decreto‑Lei de 28 de Dezembro de 1944 relativo à segurança social dos trabalhadores, que seja acompanhada de um certificado emitido pelos serviços da segurança social do seu país, de que o proponente pagou as contribuições para a segurança social e para as garantias de subsistência, ou se o proponente apresentar esse certificado à Administração antes da abertura das propostas [...]

4. Só se considera regular a proposta de um proponente estrangeiro que seja acompanhada dos seguintes documentos, ou se estes forem apresentados à Administração antes da abertura das propostas:

a) Um certificado das autoridades competentes de que este cumpriu as obrigações de pagamento das contribuições para a segurança social conforme a legislação vigente no país da sua sede [...]

[...]

7. Só se considera regular a proposta de um proponente registado como empreiteiro nos termos do artigo 29.° do Código dos Impostos sobre os Rendimentos e do artigo 30.° da Lei de 27 de Junho de 1969 que revê o Decreto‑Lei de 28 de Dezembro de 1944 relativo à segurança social dos trabalhadores.»

12. As regras desta obrigação de registo regem‑se pelo Decreto Real de 5 de Outubro de 1978 (Moniteur belge de 7 de Outubro de 1978, p. 11707, a seguir «Decreto Real de 1978»).

13. O artigo 2.° desse decreto real, que faz parte da secção 1, sob a epígrafe «Condições a cumprir para o registo de empreiteiros», prevê no seu n.° 1:

«O registo como empreiteiro [...] só é permitido a uma empresa que cumpra as seguintes condições:

[...]

2.° Que esteja inscrita, para o exercício de uma actividade na acepção do artigo 1.°, no registo comercial ou profissional, em conformidade com os requisitos da legislação vigente no Estado‑Membro da sua sede;

[...]

7.° Se se tratar de uma sociedade, que não inclua, enquanto administradores, gerentes ou pessoas com poderes para vincular a sociedade, pessoas proibidas de exercer essas funções por força do Decreto Real n.° 22, de 24 de Outubro de 1934, a que se refere o ponto 6;

[...]

10.° Que, nos cinco anos anteriores ao pedido de registo, não tenham cometido infracções graves ou reiteradas no respeitante às obrigações fiscais [...];

11.° Que, à data do pedido do registo, não esteja em mora no pagamento de impostos, de contribuições cobradas pelo serviço nacional da segurança social ou de contribuições cobradas pelo ou por conta do Fonds de sécurité d'existence [Fundo para a garantia de subsistência]; [...];

12.° Que disponha dos meios financeiros, administrativos e técnicos bastantes para assegurar o cumprimento das obrigações fiscais e sociais.»

14. De acordo com o artigo 8.° do Decreto Real de 1978, o pedido de registo como empreiteiro deve ser apresentado ao presidente de uma entidade denominada «comissão de registo» da província da sede do requerente. Para os requerentes que não estejam domiciliados na Bélgica, é competente a comissão da província em que se situa o estaleiro de construção em causa.

15. Nos termos do artigo 10.° do mesmo decreto real:

«1. Sob pena de não admissão, a proposta deve ser acompanhada dos seguintes documentos:

[...]

3.° De cada requerente: uma cópia da inscrição no registo profissional de acordo com a legislação vigente no país da sua sede.

[...]

5.° Do requerente [estrangeiro]: certidões emitidas pelas entidades competentes do Estado‑Membro da sua sede, comprovativas de que aquele não se encontra em mora no pagamento de impostos ou contribuições para a segurança social nesse Estado‑Membro.

[...]

2. A comissão de registo, a que se refere a secção 4 seguinte, pode exigir ao requerente que este apresente outros documentos ou informações que aquela considere poderem ser úteis para verificar se são cumpridos os requisitos previstos no artigo 2.°, n.° 1.

[...]»

16. O artigo 16.° do Decreto Real de 1978, que faz parte da secção 4, sob a epígrafe «Comissão de registo», prevê:

«1. Cada comissão de registo é composta por nove membros, nomeados por Nós [o Rei] nos seguintes termos:

1.° Três membros, que são funcionários, são nomeados por proposta:

a) do Ministro para os Assuntos Sociais;

b) do Ministro das Finanças;

c) do Ministro do Trabalho;

2.° Três membros são nomeados por proposta de organizações representativas dos empregadores da construção civil;

3.° Três membros são nomeados por proposta de organizações representativas dos trabalhadores da construção civil; [...]

2. Cada comissão é presidida por um funcionário, na acepção do n.° 1, ponto 1, alíneas a) e b), que Nós [o Rei] nomearemos para o efeito, por proposta dos dois Ministros supra referidos [...]»

       Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17. Em 18 de Setembro de 1990, a Berlaymont 2000 foi constituída pela Régie des Bâtiments, pessoa colectiva de direito público belga, e por três instituições bancárias. A Berlaymont 2000 tinha como objecto social a remodelação do edifício Berlaymont e a definição do caderno de encargos, do programa e do orçamento para essa remodelação. O referido edifício fora construído num terreno adquirido pelo Estado belga em 1960 e ocupado pelos serviços da Comissão até 1991. Uma vez terminadas essas obras de remodelação em 2004, o edifício foi novamente ocupado pelos serviços da Comissão.

18. Em 1994, a Berlaymont 2000 abriu um concurso público para proceder a essas obras de remodelação, cujo montante ascendia a cerca de 1 400 000 000 BEF. Para esse efeito, elaborou um caderno de encargos especial e publicou, em 23 de Dezembro de 2003, um aviso de abertura de concurso, nomeadamente no Jornal Oficial das Comunidades Europeias. No artigo 1. G do caderno de encargos especial, esclarecia‑se igualmente que, «para as obras objecto do presente contrato público, o empreiteiro deve estar registado na Bélgica».

19. Em 16 de Fevereiro de 1995, a Berlaymont 2000 publicou um aviso de rectificação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, pelo qual foram introduzidas informações complementares sobre as condições de registo dos empreiteiros.

20. Este aviso esclarecia que:

«Para as obras objecto do presente contrato público, o empreiteiro deve fornecer comprovativo do cumprimento das suas obrigações em matéria de segurança social, impostos e IVA; esse comprovativo deve ser consubstanciado num registo.

O pedido de registo é efectuado de acordo com o Decreto Real de 3 de Outubro de 1978.

Para que a proposta seja regular (no momento da sua entrega), é suficiente juntar‑lhe uma cópia do pedido de registo. Não será tomada qualquer decisão sobre a adjudicação do contrato antes de as autoridades competentes terem tomado uma decisão sobre o pedido.»

21. Consequentemente, o caderno de encargos também foi alterado e esclarece, assim, que «[o] proponente confirma, na sua proposta, que teve em conta a presente rectificação n.° 1, sob pena de a sua proposta ser considerada nula».

22. Para participarem no concurso, a BPC e a WIG constituíram um consórcio denominado BPC‑WIG (a seguir «BPC‑WIG»). Em 16 de Março de 1995, esse consórcio apresentou uma proposta no concurso em causa. A WIG anexou a essa proposta dois certificados da Administração Fiscal e Social alemã, de 4 de Agosto de 1994 e 3 de Fevereiro de 1995, segundo os quais «a Administração Fiscal não colocava objecções à participação da WIG num procedimento de adjudicação de um contrato público» e «todas as contribuições para a segurança social foram pontualmente pagas pela WIG». Contudo, nem a WIG nem o BPC‑WIG anexaram à sua proposta a prova do respectivo registo, ou do pedido do respectivo registo em consonância com o que, no entanto, era exigido pela legislação belga. Um pedido de registo foi apresentado por essas duas entidades após a data‑limite para a apresentação das propostas, a saber, em 28 de Abril de 1995 pelo BPC‑WIG e em 3 de Maio de 1995 pela WIG, e o registo foi obtido em Julho de 1995, ou seja, após a adjudicação do contrato. A BPC, enquanto sociedade de direito belga, já estava registada na Bélgica.

23. Por decisão de 20 de Junho de 1995, o conselho de administração da Berlaymont 2000 adjudicou o contrato a outro consórcio.

24. A BPC e a WIG interpuseram no Conseil d'État recurso de anulação dessa decisão de adjudicação. Por acórdão de 10 de Março de 1999, a Secção do Conseil d'État a que o processo foi distribuído, depois de observar, designadamente, que a WIG, à data da apresentação da sua proposta, não estava registada como empreiteiro nos termos do artigo 15.°, n.° 7, do Decreto Real de 22 de Abril de 1977, relativo aos contratos de empreitada de obras públicas, contratos públicos de fornecimento e contratos públicos de serviços, decidiu que, à data da decisão de adjudicação do contrato, as demandantes não estavam em condições de serem adjudicatárias do contrato e negou provimento ao recurso.

25. Entretanto, em 18 de Junho de 1996, a BPC e a WIG propuseram no tribunal de première instance de Bruxelles uma acção de indemnização do prejuízo sofrido pela respectiva exclusão do concurso. Por sentença de 5 de Novembro de 2002, esse órgão jurisdicional julgou a acção inadmissível. As demandantes recorreram dessa sentença por requerimento de 15 de Abril de 2003. Por acórdão de 14 de Março de 2007, a cour d'appel de Bruxelles [Tribunal de Segunda Instância de Bruxelas] confirmou a sentença do tribunal de primeira instância.

26. O órgão jurisdicional de reenvio explicou, na sua decisão, o raciocínio seguido, nesse sentido, pela cour d'appel de Bruxelles. Indica que este último tribunal verificou que as demandantes não tinham anexado à sua proposta os pedidos de registo que, contudo, eram necessários para a WIG e para o BPC‑WIG. Os certificados de segurança social e fiscais emitidos pelas autoridades alemãs competentes, anexos às propostas da WIG e do BPC‑WIG, não tinham valor de registo e cumpriam uma obrigação de apresentação de documentos distinta, muito embora fossem necessários para obter o registo. Assim, as demandantes não cumpriram uma formalidade essencial exigida pela legislação belga e, por isso, a sua proposta estava viciada de nulidade, o que as afastava automática e imediatamente do concurso.

27. Quanto à obrigação adicional de registo, a cour d'appel de Bruxelles reconhece que o artigo 24.°, primeiro parágrafo, da Directiva 93/37 não integra a falta de registo nas causas de exclusão da participação no procedimento de adjudicação do contrato que enuncia. Reconhece também que, em consonância com o artigo 24.°, segundo parágrafo, da mesma directiva, sempre que a entidade adjudicante solicite ao empreiteiro prova de que nenhum dos casos referidos nas alíneas e) e f) do primeiro parágrafo se lhe aplica, aceitará como prova bastante um certificado emitido pela autoridade competente do Estado‑Membro em causa. Porém, esse órgão jurisdicional considera que outras disposições da Directiva 93/37 permitem concluir que a obrigação de registo, sob pena de exclusão do procedimento de adjudicação do contrato, não é proibida.

28. O mesmo órgão jurisdicional observa, a este respeito, que a razão de ser do procedimento de registo era permitir à Administração belga assegurar‑se de que o empreiteiro dispunha dos meios financeiros, administrativos e técnicos suficientes para garantir a observância das suas obrigações fiscais e de segurança social. Consequentemente, os certificados emitidos pelas autoridades alemãs não bastavam para proporcionar essa garantia. Nesse sentido, a cour d'appel de Bruxelles alude aos artigos 26.°, 27.° e 29.°, n.° 4, da Directiva 93/37, que, segundo afirma, dão à entidade adjudicante a possibilidade de exigir aos empreiteiros provas e declarações adicionais. Consequentemente, esse órgão jurisdicional entendeu que era irrelevante um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

29. Vendo as suas pretensões negadas em sede de recurso em segunda instância, a BPC e a WIG interpuseram, em 28 de Setembro de 2007, recurso de cassação na Cour de cassation.

30. Por ter dúvidas quanto à conformidade da legislação em causa no processo principal com o disposto do Tratado CE em matéria de livre circulação dos serviços e com o disposto no artigo 24.° da Directiva 93/37, a Cour de cassation decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) A obrigação de estar registado como empreiteiro para poder ser adjudicatário de um contrato público na Bélgica, como a que é imposta pelo artigo [1. G.] do caderno de encargos especial aplicável ao caso vertente, é contrária ao princípio da livre circulação na União Europeia e ao artigo 24.°, segundo parágrafo, da Directiva 93/37[...] se for interpretada no sentido de que permite à entidade adjudicante excluir do concurso o [proponente] empreiteiro estrangeiro que não esteja registado, mas tenha apresentado os certificados equivalentes das suas [A]dministrações nacionais?

2) Viola o princípio da livre circulação na União Europeia e o artigo 24.°, segundo parágrafo, da Directiva 93/37[...] o [reconhecimento] a uma entidade adjudicante belga [do] poder de obrigar os [proponentes] estrangeiros a submeter a uma autoridade belga - a comissão de registo dos empreiteiros - a apreciação da validade dos certificados emitidos pelas autoridades fiscal e de segurança social do seu Estado que comprovam que têm a sua situação regularizada relativamente às obrigações fiscais e de segurança social?»

       Quanto às questões prejudiciais

       Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

31. A Comissão manifesta reticências quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio se limitou, na sua decisão, a reproduzir o raciocínio seguido no acórdão da cour d'appel de Bruxelles, não define suficientemente o quadro legislativo e factual do litígio no processo principal e não dá explicações suficientes sobre os motivos da escolha das disposições do direito da União cuja interpretação solicita.

32. Estas reticências são improcedentes.

33. Com efeito, em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio não pode ser censurado por ter reproduzido, na sua decisão, o acórdão da cour d'appel de Bruxelles objecto do recurso de cassação pendente naquele órgão jurisdicional. Dessa forma, o órgão jurisdicional de reenvio exprime, por sua vez, as suas dúvidas sobre a conformidade das conclusões a que o referido acórdão chega com as disposições pertinentes do direito da União, a saber, as disposições do Tratado em matéria de livre circulação dos serviços e as do artigo 24.° da Directiva 93/37.

34. Em seguida, há que notar que, como a advogada‑geral observa no n.° 33 das conclusões, o referido acórdão permite compreender suficientemente o objecto do processo principal e o contexto legislativo e factual em que as questões prejudiciais se enquadram, elementos que, de resto, permitiram às partes interessadas, na acepção do artigo 23.°, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, apresentar utilmente as respectivas observações.

35. Por último, o nexo entre o contexto, assim descrito, do litígio no processo principal e as disposições do direito da União cuja interpretação é pedida ressalta manifestamente dos autos e não carece de explicações especiais.

36. Por conseguinte, as indicações assim fornecidas são suficientes para cumprir as exigências estabelecidas na jurisprudência assente do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdão de 8 de Setembro de 2009, Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, C‑42/07, Colect., p. I‑7633, n.° 40 e jurisprudência referida) e permitir a este dar respostas úteis ao órgão jurisdicional de reenvio. Consequentemente, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

       Quanto à primeira questão

37. Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os princípios gerais do direito da União em matéria de contratos públicos e o artigo 24.°, segundo parágrafo, da Directiva 93/37 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que impõe a um empreiteiro sedeado noutro Estado‑Membro a obrigação de estar inscrito, no Estado‑Membro da entidade adjudicante, num registo para efeitos da adjudicação de um contrato neste último Estado‑Membro, apesar de esse empreiteiro ter apresentado certificados emitidos pelas autoridades do Estado‑Membro da sua sede comprovativos, nomeadamente, de que cumpriu as suas obrigações relativas ao pagamento das contribuições para a segurança social e dos impostos e taxas.

38. A título preliminar, há que precisar que o registo em causa no processo principal não está abrangido pelo disposto no artigo 25.° nem pelo disposto no artigo 29.° da Directiva 93/37.

39. Com efeito, resulta dos autos submetidos ao Tribunal que o objectivo dessa obrigação de registo é verificar as qualidades profissionais dos empreiteiros na acepção do artigo 24.°, primeiro parágrafo, da Directiva 93/37, mais especificamente no que toca à respectiva situação em matéria de pagamento das contribuições para a segurança social, dos impostos e das taxas.

40. Em primeiro lugar, há que observar que a apresentação, por um empreiteiro sedeado noutro Estado‑Membro, de certificados emitidos pelas autoridades competentes desse Estado não basta para comprovar, de forma conclusiva, o cumprimento das suas obrigações na matéria. Com efeito, por um lado, o artigo 24.°, primeiro parágrafo, alíneas e) e f), da Directiva 93/37 prevê que o empreiteiro deve cumprir as suas obrigações de segurança social e fiscais também no Estado‑Membro da entidade adjudicante. Por outro, o artigo 24.°, segundo parágrafo, segundo travessão, ao referir os certificados emitidos pela autoridade competente do Estado‑Membro em causa, permite uma fiscalização distinta do empreiteiro, no Estado‑Membro em que decorre a adjudicação do contrato em causa.

41. Com efeito, é concebível que o empreiteiro em questão possa ter tido, no Estado‑Membro da entidade adjudicante, uma actividade económica susceptível de gerar dívidas tributárias e de segurança social nesse Estado‑Membro. Essas dívidas podem resultar não só de actividades económicas exercidas durante a execução de contratos públicos mas também de actividades exercidas fora desse âmbito. Ademais, mesmo que não tenha sido exercida nenhuma actividade económica por esse empreiteiro no Estado‑Membro da entidade adjudicante, é legítimo que as autoridades desse Estado‑Membro queiram estar em condições de se assegurar disso.

42. Consequentemente, não se pode considerar que uma legislação nacional seja contrária às regras da União apenas porque prevê a obrigação de registo para efeitos dessa fiscalização também para os empreiteiros sedeados noutro Estado‑Membro diferente daquele em que decorre a adjudicação do contrato em causa.

43. Em segundo lugar, importa sublinhar que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 24.°, primeiro parágrafo, da Directiva 93/37 enumera de forma taxativa as causas susceptíveis de justificar a exclusão de um empreiteiro da participação num procedimento de adjudicação de um contrato público, causas essas que são atinentes unicamente às qualidades profissionais daquele. Por outro lado, o Tribunal acrescentou que os Estados‑Membros têm a faculdade de prever, além das causas de exclusão expressamente referidas na disposição supramencionada, causas de exclusão destinadas a garantir o respeito dos princípios da igualdade de tratamento e da transparência (v., neste sentido, acórdãos de 16 de Dezembro de 2008, Michaniki, C‑213/07, Colect., p. I‑9999, n.ºs 43, 44 e 47, e de 19 de Maio de 2009, Assitur, C‑538/07, Colect., p. I‑4219, n.ºs 20 e 21).

44. Uma obrigação de registo como a que está em causa no processo principal não pode ser considerada uma causa de exclusão adicional, além das taxativamente enumeradas no artigo 24.°, primeiro parágrafo, da Directiva 93/37, se for concebida como uma forma de concretização dessa disposição, destinada unicamente à verificação da prova de que o empreiteiro que pretenda participar num procedimento de adjudicação de contrato público não está abrangido por nenhuma das referidas causas de exclusão, nomeadamente pelas relativas ao pagamento das contribuições para a segurança social, dos impostos e das taxas.

45. No caso vertente, para efeitos do registo em causa, comummente denominado «registo fiscal» nos documentos dos autos, o empreiteiro interessado tem de apresentar à instância competente para o efeito um pedido acompanhado dos certificados previstos no artigo 24.°, segundo parágrafo, da Directiva 93/37 e exigidos pela legislação nacional aplicável que prevê as causas de exclusão correspondentes.

46. Assim, o empreiteiro sedeado noutro Estado‑Membro tem de apresentar à referida instância os certificados emitidos pelas autoridades do Estado‑Membro da sua sede que normalmente tem de apresentar, nos termos da supramencionada disposição da Directiva 93/37, à entidade adjudicante em causa. Além disso, esse empreiteiro, se já tiver exercido uma actividade económica no Estado‑Membro da entidade adjudicante, deve poder apresentar os certificados emitidos pelas autoridades competentes desse Estado ou, se não existir essa actividade, estar em condições de o comprovar. A instância em questão deve, por seu turno, certificar a inexistência de causas de exclusão mediante a emissão de uma certidão de registo, que deve em seguida ser apresentada à entidade adjudicante para efeitos da participação no procedimento de adjudicação do contrato público em causa.

47. Nos termos do artigo 24.°, segundo parágrafo, da Directiva 93/37, sempre que a entidade adjudicante solicite ao empreiteiro prova de que nenhum dos casos referidos nas alíneas e) e f) dessa disposição se lhe aplica, aceitará como prova bastante um certificado emitido pela autoridade competente do Estado‑Membro em causa.

48. Esta disposição não exclui que se proceda, antes da abertura das propostas, à verificação dos certificados apresentados pelo empreiteiro ou de que, em geral, não se lhe aplica nenhuma causa de exclusão.

49. No entanto, esta verificação deve limitar‑se às qualidades profissionais dos empreiteiros, na acepção do artigo 24.°, primeiro parágrafo, da Directiva 93/37, nomeadamente no tocante ao cumprimento das suas obrigações em matéria de segurança social, de impostos e de taxas. Além disso, como refere a advogada‑geral no n.° 52 das suas conclusões, essa verificação não pode entravar nem retardar a participação do empreiteiro em causa no procedimento de adjudicação, nem tão‑pouco gerar custos administrativos excessivos.

50. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se a obrigação de registo em causa no processo principal cumpre esses critérios.

51. O órgão jurisdicional de reenvio deve, em especial, averiguar se as exigências previstas no artigo 2.°, n.° 1, ponto 7, do Decreto Real de 1978, segundo o qual é excluída da participação no procedimento de adjudicação do contrato público a sociedade que inclua, enquanto administradores, gerentes ou pessoas com poderes para vincular a sociedade, pessoas proibidas de exercer essas funções por força da legislação nacional, e no artigo 2.°, n.° 1, ponto 12, do Decreto Real de 1978, segundo o qual a participação de um empreiteiro num procedimento de adjudicação de um contrato público é excluída se aquele não dispuser dos «meios financeiros, administrativos e técnicos bastantes para assegurar o cumprimento das obrigações fiscais e sociais», sobre as quais os autos não fornecem elementos suficientes para a respectiva apreciação, podem ser permitidas pelo artigo 24.°, primeiro parágrafo, da Directiva 93/37.

52. Todavia, resulta dos autos que a simples apresentação à entidade adjudicante do pedido de registo, acompanhado da apresentação da proposta, constituía uma formalidade suficiente, no processo principal, para admitir a participação dos empreiteiros em causa no procedimento de adjudicação do contrato controvertido, não podendo a decisão de adjudicação ser tomada antes da conclusão do procedimento de registo.

53. Pelo exposto, há que responder à primeira questão que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que impõe ao empreiteiro sedeado noutro Estado‑Membro a obrigação, para efeitos da adjudicação de um contrato público no Estado‑Membro da entidade adjudicante, de estar inscrito, neste último Estado‑Membro, num registo relativo à inexistência das causas de exclusão enumeradas no artigo 24.°, primeiro parágrafo, da Directiva 93/37, desde que essa obrigação não entrave nem retarde a participação do empreiteiro no procedimento de adjudicação em causa, nem gere custos administrativos excessivos, e tenha unicamente por objecto a verificação das qualidades profissionais do interessado, na acepção dessa disposição.

       Quanto à segunda questão

54. Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os princípios gerais do direito da União em matéria de contratos públicos e o artigo 24.°, segundo parágrafo, da Directiva 93/37 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que prevê a verificação, por uma instância como a que está em causa no processo principal, dos certificados emitidos pelas autoridades fiscais e de segurança social de outros Estados‑Membros, comprovativos de que os empreiteiros sedeados nesses Estados‑Membros cumprem as suas obrigações nos domínios considerados.

55. A este respeito, sublinhe‑se que as disposições da Directiva 93/37 não se opõem, por princípio, a que o direito nacional confie a verificação da inexistência de causas de exclusão, na acepção do artigo 24.°, primeiro parágrafo, da referida directiva, a uma instância diferente da entidade adjudicante.

56. Como salienta a advogada‑geral no n.° 69 das suas conclusões, essa verificação, prévia à abertura das propostas, pode revelar‑se oportuna para a correcta tramitação do procedimento de adjudicação de um contrato público. Com efeito, em face dos conhecimentos técnicos eventualmente insuficientes e das capacidades de organização limitadas de determinadas entidades adjudicantes, como, nomeadamente, um município de modesta dimensão ou um organismo com efectivos reduzidos, pode revelar‑se útil confiar a uma instância especializada, competente a nível nacional ou local, o tratamento administrativo e a verificação centralizadas das provas atinentes às qualificações profissionais dos candidatos aos vários procedimentos de adjudicação de contratos públicos.

57. Acresce que o Tribunal de Justiça, no acórdão Michaniki, já referido, aceitou já, em condições bem determinadas, a possibilidade uma instância diferente da entidade adjudicante adoptar uma decisão que leve à exclusão de um empreiteiro de um procedimento de adjudicação de um contrato de empreitada de obras públicas. Neste sentido, é irrelevante que o processo que esteve na origem desse acórdão não tenha por objecto uma causa de exclusão prevista pela Directiva 93/37, mas uma causa de exclusão estabelecida para além das determinadas por essa directiva e destinada a garantir a observância dos princípios da igualdade de tratamento e da transparência.

58. Importa ainda averiguar se a composição e competências da instância à qual, por força da legislação nacional em causa no processo principal, é confiada essa verificação são conciliáveis com o objectivo de garantir a observância do direito da União em matéria de contratos públicos.

59. Quanto a este aspecto, resulta, por um lado, dos autos que, de acordo com essa legislação, as instâncias competentes em matéria de registo, denominadas «comissões de registo», são constituídas ao nível das províncias e têm uma composição tripartida. Nos termos do artigo 16.° do Decreto Real de 1978, são compostas por três funcionários nomeados pelas autoridades públicas, um dos quais assume a presidência, e por seis pessoas nomeadas paritariamente sob proposta das organizações representativas dos empregadores e dos trabalhadores do sector da construção na província em questão.

60. Verifica‑se que esta instância é composta maioritariamente por pessoas que representam interesses privados e que nenhum elemento dos autos indica que a participação dessas pessoas na referida instância tenha carácter puramente consultivo.

61. Em face da sua composição, não se pode considerar que esta instância seja imparcial e neutra. Com efeito, esta participação maioritária de representantes de interesses privados pode ser susceptível de levar os referidos representantes a impedir o acesso de outros operadores ao mercado em causa e, em todo o caso, uma vez que esses operadores são obrigados a sujeitar‑se à apreciação, por potenciais concorrentes, das suas qualificações pessoais e profissionais, essa instância implica uma situação de desigualdade de condições de concorrência e de inexistência de objectividade e de imparcialidade contrária a um sistema de concorrência não falseado como o previsto pelo direito da União (v., por analogia, acórdãos de 1 de Julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, Colect., p. I‑4863, n.ºs 51, 52 e jurisprudência referida, e de 10 de Março de 2009, Hartlauer, C‑169/07, Colect., p. I‑1721, n.° 51 e jurisprudência referida).

62. Assinale‑se, por outro lado, que, como parece resultar da questão do órgão jurisdicional de reenvio, a legislação em causa no processo principal concede à comissão de registo o poder de examinar a validade dos certificados emitidos pela autoridade competente do Estado‑Membro em causa quanto ao cumprimento das obrigações dos empreiteiros em matéria social e fiscal.

63. Saliente‑se que o Decreto Real de 1978 não contém nenhuma disposição que confira expressamente semelhante poder à comissão de registo e que o alcance desse poder tão‑pouco é explicado no pedido de decisão prejudicial. Se esse poder implicar o exercício de uma fiscalização substantiva das condições subjacentes à emissão de certificados pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa, isso é manifestamente incompatível com o artigo 24.°, primeiro parágrafo, da Directiva 93/37, que não prevê semelhante causa de exclusão, e com o segundo parágrafo, segundo travessão, desse artigo, que impõe inequivocamente a aceitação desses certificados como prova bastante do cumprimento das obrigações dos empreiteiros em matéria social e fiscal. Por outro lado, uma causa de exclusão assente na análise substantiva dos referidos certificados não é justificada com base na solução desenvolvida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Michaniki, já referido.

64. Por conseguinte, como sublinha a advogada‑geral nos n.os 82 a 84 das suas conclusões, a instância encarregada do exame dos certificados não tem nenhuma margem de apreciação própria do ponto de vista substantivo e deve limitar‑se a uma verificação sumária de elementos formais. Assim, unicamente pode verificar a autenticidade dos certificados, se estes foram emitidos numa data suficientemente recente e se a autoridade que os emitiu não era manifestamente incompetente.

65. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a situação das recorrentes no processo principal à luz dos elementos de interpretação acima expostos. Todavia, não se afigura que a composição da comissão de registo e o alcance da fiscalização efectuada pela mesma possam ter influenciado essa situação, na medida em que, como resulta dos autos, essas recorrentes obtiveram o respectivo registo sem dificuldade. A não admissão da sua participação no procedimento de adjudicação do contrato público em causa no processo principal deve‑se ao facto de os respectivos pedidos de registo terem sido apresentados tardiamente, a saber, após o termo do prazo para a apresentação de propostas, em circunstâncias em que a exigência de estar inscrito num registo não é considerada, per se, desconforme com o direito da União.

66. Em face do exposto, há que responder à segunda questão que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional por força da qual a verificação dos certificados emitidos a um empreiteiro de outro Estado‑Membro pelas autoridades fiscais e de segurança social deste último Estado‑Membro é confiada a uma instância diferente da entidade adjudicante, quando:

─ essa instância é composta maioritariamente por pessoas nomeadas pelas organizações representativas dos empregadores e dos trabalhadores do sector da construção na província em que decorre a adjudicação do contrato público em causa; e

─ esse poder abrange a fiscalização substantiva da validade dos referidos certificados.

       Quanto às despesas

67. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

       Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

       1) O direito da União deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que impõe ao empreiteiro sedeado noutro Estado‑Membro a obrigação, para efeitos da adjudicação de um contrato público no Estado‑Membro da entidade adjudicante, de estar inscrito, neste último Estado‑Membro, num registo relativo à inexistência das causas de exclusão enumeradas no artigo 24.°, primeiro parágrafo, da Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, desde que essa obrigação não entrave nem retarde a participação do empreiteiro no procedimento de adjudicação em causa, nem gere custos administrativos excessivos, e tenha unicamente por objecto a verificação das qualidades profissionais do interessado, na acepção dessa disposição.

       2) O direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional por força da qual a verificação dos certificados emitidos a um empreiteiro de outro Estado‑Membro pelas autoridades fiscais e de segurança social deste último Estado‑Membro é confiada a uma instância diferente da entidade adjudicante, quando:

       ─ essa instância é composta maioritariamente por pessoas nomeadas pelas organizações representativas dos empregadores e dos trabalhadores do sector da construção na província em que decorre a adjudicação do contrato público em causa; e

       ─ esse poder abrange a fiscalização substantiva da validade dos referidos certificados.

 

Assinaturas

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(*) Língua do processo: francês.