Acórdão n.º 53/2011, de 21 de Junho de 2011, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 369/2011)

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ACÓRDÃO Nº 53/2011 - 21/06/2011 - 1ª SECÇÃO/SS

PROCESSO Nº 369/2011 - 1ª SECÇÃO

 

 Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção:

I - RELATÓRIO

A Câmara Municipal de Ourique remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada, celebrado em 28 de Fevereiro de 2011, com a empresa "Construtora Vila Franca, Lda.", pelo valor de 641.500,09 €, acrescido de IVA, tendo por objecto a "Requalificação/Ampliação da Escola EB1 de Ourique".

II - MATÉRIA DE FACTO

Para além do referido acima, relevam para a decisão os seguintes factos, que se dão por assentes:

A) O contrato foi precedido de concurso público urgente, com invocação do disposto no artigo 52º, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho e dos artigos 155º e seguintes, do Código dos Contratos Públicos (CCP), sendo que o respectivo aviso de abertura foi publicado no Diário da República, 2ª série, de 19 de Novembro de 2010;

B) A abertura do procedimento pré-contratual, mencionado na alínea anterior, foi autorizada por despacho do Presidente da Câmara Municipal de Ourique, de 18 de Novembro de 2010, ratificado por deliberação da mesma Câmara Municipal, de 24 de Novembro, do mesmo ano;

C) A deliberação mencionada na alínea anterior refere, expressamente, que a mesma foi aprovada por unanimidade e de acordo com a Proposta nº 57/P/2010, do Presidente da Câmara Municipal de Ourique do seguinte teor: (1)
"No âmbito das medidas excepcionais de contratação pública incidindo sobre eixos prioritários, entre os quais se encontra a "Modernização do Parque Escolar" a Câmara Municipal de Ourique pretende levar a efeito a abertura do procedimento para contratação "Empreitada de Requalificação/Ampliação da EB1 de Ourique", com a qual pretende:
a) Construção/ampliação/requalificação de escolas básicas que integrem, preferencialmente, o 1º Ciclo e a Educação Pré-Escolar, na perspectiva da criação de Centros Escolares;
b) Eliminação de todos os regimes de funcionamento duplos;
c) Progressiva suspensão do funcionamento das Escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico de reduzidas dimensões, designadamente das escolas com menos de 20 alunos; Pela sua localização no centro activo da localidade, na fronteira entre centro histórico e zona consolidada, com ocupação mista habitação, comércio e serviços, este complexo escolar revela-se um equipamento dinamizador e com forte contributo para a manutenção da ocupação destas zonas, factor que interessa manter numa política sustentável e de revitalização dos Centros Históricos.
2. Considerando, ainda, que o Órgão executivo competente para a decisão de contratar poderá agilizar o procedimento de concurso, servindo-se dos nºs 2 e 3 do artigo 52º do Decreto-Lei nº 72-A/2010 de 18 de Junho, para abertura do Concurso Público Urgente, previsto no artigo 155 e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), na celebração de contratos de empreitada, desde que:
Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
a) O valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 19º do CCP;
b) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço;
3. Tendo em conta que, o valor da execução da obra está estimado em 641.896,05 €, a que acrescerá o IVA à taxa legal em vigor, o qual permite o enquadramento do procedimento nas disposições legais em epígrafe,

PROPONHO:

a) Que sejam ratificados pelo Órgão Executivo Municipal, por força do disposto no nº3 do artigo 68º da Lei nº 169/99 de 18/09, com a redacção da Lei 5-A/2002 de 11/01, os despachos do Presidente da Câmara, ambos datados de 18 de Novembro de 2010, através dos quais determinou a abertura do procedimento do Concurso Público Urgente nº1/2010 e aprovou o caderno de encargos bem como o programa do procedimento, os quais se anexam e ficam a fazer parte integrante da presente proposta.
b) Que a presente proposta seja aprovada em minuta...".

D) Ao concurso apresentaram-se cinco concorrentes, tendo sido excluídos quatro;

E) O prazo de execução da obra é de 240 dias;

F) A consignação da obra ainda não ocorreu;

G) O preço base da empreitada foi de 641.896,05 € acrescido de IVA;

H) O critério de adjudicação foi o do preço mais baixo;

I) O ponto 9 do Anúncio de abertura do concurso estabeleceu que as propostas deveriam ser apresentadas até às 23:30 horas do 10º dia a contar da data do envio do anúncio para publicação no Diário da República;

J) O Anúncio de abertura do concurso foi enviado para publicação no Diário da República, no dia 19 de Novembro 2010;

K) Do anúncio de abertura do concurso constam a informação do serviço da Autarquia onde se encontravam disponíveis as peças do concurso, para consulta dos interessados (Serviços de contratação de bens, serviços e obras públicas), e a de que o meio electrónico de apresentação das propostas era a plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante (www.compraspublicas.com), sendo que, no que concerne à informação relativa ao Programa de Concurso e ao Caderno de Encargos, o anúncio apenas contém a indicação de que estavam disponíveis na plataforma electrónica utilizada pela Câmara Municipal de Ourique (www.compraspublicas.com);

L) Questionada sobre o fundamento da urgência que justificou a adopção do concurso público urgente, veio a Câmara Municipal de Ourique, invocar o seguinte:
"... A adopção da modalidade de concurso publico urgente dimanou da premência de iniciar a execução da obra, por forma a dar resposta às seguintes necessidades:
Em primeira instancia criar condições de conforto e segurança à comunidade escolar, a qual actualmente usufrui de uma escola degradada (1959) que não permite o desenvolvimento das práticas educativas exigidas pelas normas comunitárias e nacionais.
No âmbito do quadro de implementação do Programa Nacional de Requalificação da Rede Escolar do 1.° Ciclo do Ensino Básico e da Educação Pré-Escolar, que define o encerramento de todas as Escolas que não reúnam um numero superior a 20 alunos, o Município de Ourique foi notificado pela Direcção Regional de Educação do Alentejo sobre o encerramento no ano lectivo de 2010/2011, das escolas de Aldeia de Palheiros e Santa Luzia, a que se seguirão todas as outras que, venham a não reunir as condicionantes definidas. Perante esta evidência, este município considerou a empreitada de "Requalificação/Ampliação da EB1 de Ourique, como urgente e prioritária. Por outro lado, sabendo-se que o QREN, através do Programa Operacional Regional INALENTEJO, EIXO 3, poderá co-financiar a requalificação da Rede Escolar do 1.° Ciclo do Ensino Básico e da Educação Pré-Escolar, o Município de Ourique encarou esta possibilidade como uma oportunidade de executar mais rapidamente a obra em apreço, tendo submetido para o efeito, a respectiva candidatura, a qual mereceu aprovação da Autoridade de Gestão do INAlentejo, em 30 de Dezembro de 2010.
Face ao exposto, o Município de Ourique calendarizou a execução da obra (240 dias), com início para Março, e conclusão logo após a abertura do ano lectivo 2011/2012, recorrendo para o efeito à faculdade concedida pelo artigo 52.° do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho ...".

M) Para a celebração do presente contrato, a Câmara Municipal de Ourique apresentou uma candidatura a financiamento comunitário, através do Programa Operacional Regional INALENTEJO, Eixo 3, tendo sido celebrado o respectivo contrato de financiamento com a Autoridade de Gestão do dito Programa, em 16 de Maio de 2011;

N) Entre as propostas excluídas do concurso referido na alínea A), conta-se a do concorrente "CONSDEP - Engenharia e Construção, SA", a qual apresentou um valor de 628.314,02 €;

O) A proposta do concorrente referido na alínea anterior apresenta, no Capítulo 20.3/3.5 a), da lista de preços unitários, o seguinte equipamento, quantidades, preços unitários e valor total: 

N.o DESIGNAÇÃO DOS TRABALHOS

UNI

QUANT.

V.UNITÁRIO

VALOR TOTAL

a) Execução de ensaios de pressão, na rede de abastecimento de água, e verificação do

funcionamento de todos os órgãos de manobra

3.4 RAMAL DE LIGAÇÃO Á REDE PÚBLICA

3.5 EQUIPAMENTO

a) Fornecimento e assentamento de aparelhos, tipo "ZENITE", incluindo todos os trabalhos e

acessórios necessários:

un

1,00

100,00

100,00€

 

Torneira de coluna c/ cartucho temporizado, cromado, mod: HOSPITALAR, ref: SM100

 

un

1,00

45,00€

45,00€

 

Torneira de coluna c/emulsor de 1/2" cromada, c/ cartucho temporizado, mod: STOPMATIC, ref:SM011

 

un

7,00

35,00€

245,00€

 

Válvula de descarga para lavatório "Clik-Clak e entrada de água lateral com ajuste cilindrico", cromado, ref:707.99.981

 

un

7,00

20,00€

245,00€

 

Sifão c/ Florão e tubo 1" 1/4 para lavatório, cromado, (ref:607.99.702)

 

un

7,00

15,00€

140,00€

 

Fluxómetro para urinol, 1/2", mod: STOPMATIC, cromado, ref:SMO25 + tubo de descarga ref:SM250 + campânula, ref: SM200

 

un

3,00

40,00€

120,00€

 

Torneira de serviço de parede c/ bica móvel, mod: TRIUNFO, cromado, ref 4151-01 (aplicar em

 

 

 

 

 

Arrecadação e Arrumos Mat. Limpeza)

un

2,00

15 00 €

30,00€

 

Torneira de serviço de 1/4 de volta, incluindo ligações roscadas á tubagem e todos os acessórios necessários demontagem e de ligação ao equipamento.

 

un

13,00

25,00€

325,00€

 

P) A proposta do concorrente "CONSDEP - Engenharia e Construção, SA" foi excluída "nos termos e com fundamento no artigo 70º, nº2, alínea b) do Código dos Contratos Públicos", porque a mesma "apresenta erros de multiplicação de preços unitários pelas quantidades (EDIFÍCIO B, CAPÍTULO 20.3/3.5A) e consequentemente o valor da proposta passaria a ter o valor global de 628.174,02 € (seiscentos vinte e oito mil, cento setenta quatro euros e dois cêntimos) e não o valor apresentado de 628.314,02 € (seiscentos vinte oito mil, trezentos catorze euros e dois cêntimos), verificando-se uma diferença de 140 €".

Q) Os erros indicados na alínea anterior, constam do quadro transcrito na alínea O), nos seguintes itens:
a) "Válvula de descarga para lavatório 'clik-clak e entrada de água lateral com ajuste cilíndrico' cromado, ref. 707.99.981", - onde são indicadas 7 unidades, o preço unitário de 20,00 € e o valor total de 245,00 € - sendo que o valor total deveria ser de 140,00 €;
b) "Sifão c/Florão e tubo 1" ¼ para lavatório", cromado, (ref.607.99.702) - onde são indicadas 7 unidades, o preço unitário de 15,00 € e o valor total de 140,00 € - sendo que o valor total deveria ser de 105,00 €.

R) Questionada a Câmara Municipal de Ourique para que esclarecesse a exclusão da proposta do concorrente "CONSDEP - Engenharia e Construção, SA", atento o disposto no nº3, do artigo 60º, do Código dos Contratos Públicos, veio a mesma entidade responder o seguinte, em síntese:
"... O artigo 60° n° 3 do Código dos Contratos Publico dispõe que ... Ou seja, a regra da prevalência dos preços parciais só se aplica se forem efectivamente apresentados vários preços divergentes (como diz a Lei: "Sempre que na proposta sejam indicados vários preços..." . A norma inserida no n°3 do artigo 60.° do Código dos Contratos Públicos não permite que a regra da prevalência se aplique a divergências dentro do mesmo preço. A proposta apresentada pela Concorrente CONSDEP - Engenharia e Construção, S.A. apresenta por sua vez, um erro que afecta directa e negativamente o valor da sua proposta, embora por outro motivo (erro de multiplicação de preços unitários por quantidades). Ainda que se pudesse considerar ou classificar um tal erro como de relevância e impacte ínfimo, reduzido ou até mesmo irrelevante, a verdade é que não é permitido ao Júri fechar os olhos a ele e ignorar a sua existência. Não deixa de ser um erro, sobretudo quando confrontado com a ausência de qualquer erro na proposta apresentada pela concorrente CVF - Construtora de Vila Franca, Lda.. Aceitar simplesmente um tal erro, significaria aceitar a violação, de entre outros, dos princípios da igualdade e da justiça. Confrontados com essa circunstância, o Júri e a entidade adjudicante decidiram, em consciência, e bem, a nosso ver, no sentido do respeito pelos princípios máximos regentes do procedimento concorrencial. Tal erro, ademais, seria insusceptível de ser corrigido pelo concorrente no âmbito do presente procedimento, porque importaria uma alteração de um atributo da sua proposta (preço), o que é manifestamente vedado pelo n° 2 do artigo 72.° do Código dos Contratos Públicos. Mas ainda que, de alguma forma, que não se vislumbra, fosse susceptível de correcção, a verdade é que o referido procedimento, por ser de carácter urgente, possui uma tramitação especial, que não comporta fases destinadas a esse fim (artigo 156°, n° 2 do Código dos Contratos Públicos)...".

S) Tendo o concorrente "CONSDEP - Engenharia e Construção, SA" reclamado contra a deliberação que decidiu a sua exclusão, - e simultaneamente adjudicou a obra - veio esta reclamação a ser indeferida com base nos seguintes fundamentos:
"O Concorrente Consdep - Engª. e Construção, S.A, por sua vez, na lista de preços unitários apresenta erros de multiplicação de preços unitários pelas quantidades (EDIFICIO B,CAPITULO 20.3/3,5A), e consequentemente o valor da sua proposta passaria a ter o valor global de 628.174,02€ (seiscentos e vinte e oito mil cento e setenta e quatro euros e dois cêntimos) e não o valor apresentado de 628.314,02€ (seiscentos e vinte oito mil trezentos e catorze euros e dois cêntimos), verificando-se uma diferença de 140€.(...)
A proposta apresentada pela Concorrente Consdep - Enga. e Construção, S.A, apresenta, por sua vez, um erro que também afecta directa e negativamente o valor da sua proposta, embora por outro motivo (erro de multiplicação de preços unitários por quantidades). Ainda que se considere que um tal erro seja de relevância e impacte ínfimo ou reduzido, a verdade é que não deixa de ser um erro e um erro à luz das demais propostas, sobretudo à da proposta apresentada pela Concorrente CVF - Construtora de Vila Franca, Lda., que não apresente erros. Aceitar, simplesmente, um tal erro significaria aceitar a violação, de entre outros, dos princípios da igualdade e da justiça. Tal erro, ademais, é insusceptível de ser corrigido pelo Concorrente no âmbito do presente procedimento, porque importaria uma alteração de um atributo da sua proposta (preço), o que é vedado pelo n.o 2 do artigo 720 do Código dos Contratos Públicos.
Mas ainda que, de alguma forma, fosse susceptível de correcção, a verdade é que o presente procedimento, por ser de carácter urgente, possui uma tramitação especial, que não comporta fases destinadas a esse fim (artigo 156º, nº 2 do Código dos Contratos Públicos).
Nesses termos, entende-se que são de excluir as propostas apresentadas pelos Concorrentes ... Consdep - Engenharia e Construção, S.A. ... nos termos e com fundamento no artigo 70º, nº2, alínea b) do Código dos Contratos Públicos, entendendo-se, outrossim, que a decisão de adjudicação deva recair sobre a proposta apresentada pelo Concorrente CVF - Construtora de Vila Franca, Lda.( ...).".

T) A minuta do presente contrato foi aprovada pelo órgão competente para a decisão de contratar em 12 de Janeiro de 2011, e a caução foi prestada pela empresa adjudicatária em 18 de Janeiro de 2011;

U) O clausulado do contrato não contém qualquer menção relativa à aprovação da respectiva minuta. 

III - O DIREITO

1. Suscitam-se, no presente processo, as seguintes questões:

a) A questão de, no âmbito de um procedimento de concurso público urgente, nos termos do artigo 52º, nº2, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho e dos artigos 155º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), ter sido excluída uma proposta por, na lista de preços unitários, apresentar erros na multiplicação dos preços unitários pelas respectivas quantidades;
b) A questão de ter sido aprovada a minuta do contrato em data anterior à da prestação de caução pela empresa adjudicatária;
c) A questão de o clausulado do contrato não conter qualquer menção relativa à aprovação da minuta.

Vejamos, então, em que se traduz a primeira das questões atrás elencadas:

2. Como resulta da matéria de facto dada por assente na alínea A) do probatório, o presente contrato foi precedido de um procedimento de concurso público urgente, nos termos do artigo 52º, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho,[2] e dos artigos 155º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP).
No prazo estabelecido para a apresentação de propostas, foram apresentadas cinco propostas, por outros tantos concorrentes.
Um dos concorrentes - a empresa "CONSDEP - Engenharia e Construção, SA" - viu a sua proposta excluída pelos motivos indicados na alínea P) do probatório.
Isto é, a proposta desta empresa foi excluída porque, no Capítulo 20.3/3.5A da lista de preços unitários, apresentava erros na multiplicação dos preços unitários, pelas respectivas quantidades, o que ocorreu nos items indicados na alínea Q) do probatório.
Efectivamente, e como facilmente se pode constatar, ao indicar um valor total de 245,00 € ( e não um valor de 140,00 €) para sete "válvulas de descarga para lavatório", quando cada uma das unidades tinha um preço de 20,00 €, incorreu a empresa "CONSDEP, SA" em manifesto erro de cálculo.
O mesmo sucedeu, quando a mesma empresa indicou o valor total de 140,00 €, (e não um valor de 105,00 €) para sete sifões com florão e tubo para lavatório, quando cada uma dessas unidades tinha um preço de 15,00 €.
Apesar de ter considerado que os erros supra referidos eram de "relevância diminuta" e de "impacte mínimo ou reduzido", o certo é que o júri do procedimento propôs a exclusão da proposta da empresa "CONSDEP, SA", - exclusão que veio a ocorrer - com o fundamento de que tais erros eram insusceptíveis de correcção porque isso importaria uma alteração de um atributo da proposta, o que seria vedado pelo nº2, do artigo 72º, do CCP.
Ora, não assiste qualquer razão à entidade adjudicante, no que concerne à exclusão da proposta da empresa atrás indicada.

2. 1. Efectivamente, importa atentar, a este propósito, no que dispõe o artigo 60º do CCP, no seu nº3.
É a seguinte a redacção deste normativo:

Artigo 60º
Indicação do preço
...........................................................................
3 - Sempre que na proposta sejam indicados vários preços, em caso de qualquer divergência entre eles, prevalecem sempre, para todos os efeitos, os preços parciais, unitários ou não, mais decompostos.
............................................................................

Ora, como é evidente, uma vez que no caso presente havia divergência entre os preços unitários indicados e aqueles que resultavam da sua multiplicação pelo número de unidades, deveria a entidade adjudicante ter feito uso do estabelecido no nº3, deste normativo, considerar o valor dos preços unitários parciais apresentados e, com uma simples operação aritmética, encontrar o valor correcto para as unidades indicadas.
E tal actuação impunha-se mais, quanto é certo que a proposta da empresa "CONSDEP, SA" apresentava um preço mais baixo do que a da empresa adjudicatária, sendo que o critério de adjudicação era o do preço mais baixo.
Deve referir-se, a este propósito, que já o artigo 76º, nº2, do DL nº 59/99 de 2 de Março - diploma que antecedeu o actual CCP nesta matéria - estabelecia que "na proposta, atendendo à lista de preços unitários, o preço total será o que resultar do somatório dos produtos dos preços unitários pelas respectivas quantidades de trabalho constantes dos mapas resumo e, nesse sentido, se considerará corrigido o preço total apresentado pelo empreiteiro, quando diverso do que os referidos cálculos produzam".

2. 2. Diz a Câmara Municipal de Ourique, por um lado, que, tratando-se de um concurso público urgente, este procedimento possuía uma tramitação especial e não comportava a existência de fases como aquela a que se reporta o artigo 60º, nº3, do CCP.
Por outro lado, diz também a entidade adjudicante que, aceitar o erro, significaria aceitar a violação dos princípios da igualdade e da justiça e ainda que a sua correcção importaria uma alteração de um atributo da proposta (preço) o que era vedado pelo artigo 72, nº2, do CCP.

Ora, nada de mais errado!

Efectivamente, de harmonia com o disposto no artigo 156º, nº1, do CCP, ao procedimento de concurso público são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os normativos que regulam o concurso público, em tudo o que não esteja especialmente previsto nos artigos seguintes ou que com eles seja incompatível.
Assim, não sendo a disciplina do artigo 60º, nº3, do CCP incompatível com o regime do concurso público urgente, nem arredada pelo nº2, do citado artigo 156º, do mesmo Código, manifesto é que deveria a entidade adjudicante proceder de acordo com o mencionado artigo 60º, nº3, até porque, como se acentuou, a proposta da empresa "CONSDEP, SA" era a que apresentava o valor mais baixo.
Por outra banda não é minimamente concebível que a Câmara Municipal de Ourique possa vislumbrar, na correcção de um lapso manifesto e ostensivo, uma violação dos princípios da justiça e da igualdade...
Só o desconhecimento do conteúdo destes princípios pode justificar uma tal asserção.
Aliás, tratando-se de um erro de cálculo, revelado no próprio contexto da lista de preços unitários da proposta, o mesmo deveria conduzir à sua rectificação, e não à exclusão da proposta.
É isso, efectivamente, o que resulta da aplicação do disposto no artigo 249º do Código Civil, quando, na subsecção V (Falta e vícios da vontade), da Secção I (Declaração negocial) do Capítulo I (Negócio jurídico), trata da relevância do erro de cálculo ou de escrita.
Ora, é meridianamente evidente que se trata exactamente do inverso do invocado pela Câmara Municipal de Ourique: Injusto e ilegal foi não terem sido tomados em conta os preços parciais, de harmonia com o estatuído no artigo 60º., nº3 do CCP e, desse modo, não ter sido acolhida a proposta de valor mais baixo apresentada pela empresa "CONSDEP, SA", como deveria ter feito um atento e preocupado gestor da coisa pública.
Alem disso, deve ainda dizer-se que a prevalência estabelecida no nº 3, do dito artigo 60º do CCP não envolve qualquer alteração dos atributos da proposta, nem tipifica qualquer dos fundamentos de exclusão das propostas indicados no artigo 70º, nº2, do mesmo CCP.
É que a proposta do concorrente "CONSDEP, SA" não omite qualquer elemento submetido à concorrência, que seja essencial e que não permita aferir os termos da proposta.
A actuação da Câmara Municipal de Ourique, ao excluir a proposta da empresa "CONSDEP, SA", pelos fundamentos invocados, é, pois, violadora do disposto nos artigos 60º, nº3, e 70º nº2, do CCP o que configura a prática de uma ilegalidade da qual resultou uma alteração do resultado financeiro do contrato, e constitui fundamento da recusa do visto, nos termos do artigo 44º, nº3, al. c), da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

3. Vejamos seguidamente, a questão relativa ao facto de a minuta do contrato ter sido aprovada em data anterior à da prestação da caução.
Tratando-se de um contrato que carece de celebração por escrito - vide o artigo 94º, nº1 do CCP - a respectiva minuta é aprovada pelo órgão competente para a decisão de contratar, depois de comprovada a prestação da caução pelo adjudicatário, conforme estipula o artigo o artigo 98º, nº1, do mesmo compêndio normativo.
É que enquanto a caução não for prestada, a adjudicação tem um carácter provisório, provisoriedade essa que se mantém mesmo após aquela prestação, pois que a sua manutenção depende da aceitação da minuta pelo adjudicatário e da sua comparência no dia, hora e local estabelecidos para a celebração do contrato.
Verifica-se, pois, a violação do citado artigo 98º, nº1, do CCP, o que implica a susceptibilidade de produção de uma alteração do resultado financeiro do contrato, o que, nos termos do artigo 44º, nº3, al. c) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto constitui fundamento de recusa do visto.

4. Analisar-se-á, agora, a questão concernente à inexistência, no clausulado do contrato, de qualquer menção relativa ao acto de aprovação da minuta deste.
Na verdade, dispõe o artigo 96º, do CCP, no seu nº1, al. b):

Artigo 96º
Conteúdo do contrato
1 - Faz parte integrante do contrato, quando este for reduzido a escrito, um clausulado que deve conter, sob pena de nulidade daquele, os seguintes elementos:
a) .......................................................................
b) A indicação do acto de adjudicação e do acto de aprovação da minuta do contrato;
............................................................................

A aprovação da minuta do contrato, pelo órgão competente para a decisão de contratar, visa a verificação da conformidade do conteúdo deste, com aquela decisão e demais documentação que, nos termos do nº2, deste artigo 96º, integram o contrato.
Assim, inexistindo em qualquer das cláusulas do presente instrumento contratual, a indicação do acto de aprovação da minuta do mesmo, efectuada pelo órgão competente para a decisão de contratar, estamos perante uma ilegalidade que acarreta a nulidade do contrato.
Ora, tal ilegalidade constitui fundamento de recusa do visto, nos termos da alínea a), do nº3, do supra referido artigo 44º, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto (LOPTC).

5. Enquanto a violação do artigo 96º, nº1, al. b), do CCP, acarreta a nulidade do contrato e, por isso, constitui o fundamento de recusa do visto mencionado na al. a) do nº3, do artigo 44º, da LOPTC, as restantes ilegalidades atrás indicadas, são susceptíveis de alterar o resultado financeiro do dito contrato.
Aliás, no caso presente, a violação do disposto nos artigos 60º, nº3 e 70º, nº2, do CCP corporiza uma efectiva alteração do resultado financeiro do contrato, com agravamento do respectivo custo para a entidade adjudicante.
Assim, enquadram-se tais ilegalidades no disposto no artigo 44º, nº3, als. a) e c) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, quando, com repercussão no contrato, aí se prevê a existência de uma nulidade ou de uma "ilegalidade que altere ou possa alterar o respectivo resultado financeiro".
Ora, quando a lei - referindo-se a um acto, ou contrato ou outro instrumento gerador de despesa ou representativo de responsabilidades - alude a uma "ilegalidade que altere ou possa alterar o respectivo resultado financeiro", pretende significar, como é jurisprudência pacífica e reiterada deste Tribunal, que basta o simples perigo ou risco de que, da ilegalidade cometida, possa resultar a alteração do correspondente resultado financeiro. 

IV - DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em subsecção, em recusar o visto ao presente contrato.
São devidos emolumentos (artigo 5º, nº3 do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas anexo ao DL nº 66/96 de 31 de Maio).
Lisboa, 21 de Junho de 2011. 

Os Juízes Conselheiros
(António M. Santos Soares, relator)
(João Figueiredo)
(Alberto Fernandes Brás)

Fui presente
O Procurador-Geral Adjunto
(Jorge Leal) 


(1) Vide fols. 14 dos autos. 
(2) Diploma que estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2010 e que, entretanto, foi objecto das alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 50/2010 de 7 de Dezembro.