Acórdão n.º 44/2010, de 17 de Dezembro de 2010, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1468/2010)

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ACÓRDÃO Nº 44 /10 - 17.DEZ.2010 - 1ª S/SS

Proc. nº 1468/10


Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção:

I - RELATÓRIO  

A Câmara Municipal de Oeiras remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada, celebrado em 15 de Outubro de 2010, com o consórcio formado pelas empresas "Rui Ribeiro Construções, SA" e "Hidrocontrato, Contratação e Coordenação de Empreendimentos de Engenharia, Lda.", pelo valor de € 1.370.557,51 acrescido de IVA, tendo por objecto a "Construção da Central Elevatória da Fonte dos Passarinhos - 1ª Fase".

II - MATÉRIA DE FACTO 
 

Para além do referido acima, relevam para a decisão os seguintes factos, que se dão por assentes:

A)
O contrato foi precedido de concurso público, cujo aviso de abertura foi publicado no Diário da República, 2ª série, de 13-11-2009 e no Jornal Oficial da União Europeia nº S 221 de 17-11-2009;
B) Ao concurso apresentaram-se 4 concorrentes, não tendo havido exclusões;
C) O prazo de execução da obra é de 210 dias;
D) A consignação da obra ainda não ocorreu;
E) O preço base da empreitada foi de 1.500.000,00 €;
F) De harmonia com o ponto 17 do Programa de Concurso, o critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa e contempla a ponderação dos seguintes factores:

1 - Preço - 40%;

2 - Valia técnica da proposta - 60%;

G) O mapa de quantidades posto a concurso, em vários dos seus items, contém a referência a marcas comerciais, desacompanhadas da expressão "ou equivalente", designadamente as seguintes:

- Autómato programável de marca "B&R";

- Rectibloc da marca "GERIN";

- Placa de marca "Modbus"

H) Os artigos referidos na alínea anterior têm um valor de € 45.602,00 e representam 3,30% do valor do contrato;
I) Questionado o Município de Oeiras sobre a matéria referida na alínea G), face ao disposto no artigo 49º, nºs 12 e 13 do Código dos Contratos Públicos (CCP), veio o mesmo dizer, em síntese, o seguinte (1):   
"(...) Existem algumas referências a marcas sem essa ressalva. Todavia, consta das Condições Técnicas Especiais dos projectos da especialidade que:
"Todas as marcas e modelos referidos no presente projecto, são meramente indicativos, podendo de acordo com a legislação Nacional e Europeia, os concorrentes propor quaisquer outros (...) equivalentes ou superiores aos referidos neste Caderno de Encargos.
Por outro lado, todos os concorrentes do concurso interpretaram a referência feita às marcas como meramente indicativa (...) sendo prova disso (...) terem apresentado marcas diferentes das indicadas conforme consta do mapa que se anexa".
J) O Município de Oeiras foi objecto de recomendações deste Tribunal, relativamente ao cumprimento do dispositivo legal que proíbe a inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais, desacompanhadas da expressão "ou equivalente" (artigo 65º, nºs 5 e 6 do DL nº 59/99 de 2 de Março, então vigente), recomendações essas que foram transmitidas pelos Acórdãos nºs 48/04, de 13-04-1004; 123/05, de 28-01-2005 e pela Decisão, em sessão diária de visto, nº 754/06, de 11-10-2006.
Por outro lado, pelos Acórdãos da 1ª Secção, deste Tribunal, nºs 8/2010, 21/2010 e 28/2010, respectivamente de 02-03-2010, 07-06-2010 e 13-07-2010, foi recusada a concessão de visto a contratos de empreitada de obras públicas em que se verificava, igualmente, a violação da norma legal que proíbe a inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais desacompanhadas da expressão "ou equivalente".
 

III - O DIREITO

1. Suscita-se, no presente processo, a questão da inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais, desacompanhadas da menção "ou equivalente".
Vejamos, então, em que se traduz esta questão:
O artigo 49º do CCP, sob a epígrafe "Especificações técnicas", dispõe o seguinte, nos seus nºs 12 e 13:

Artigo 49º
Especificações técnicas
............................................................................
12 - É proibida a fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante ou uma proveniência determinados, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção, que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens.
13 - É permitida, a título excepcional, na fixação de especificações técnicas por referência, acompanhada da menção"ou equivalente", aos elementos referidos no número anterior quando haja impossibilidade de descrever, de forma suficientemente precisa e inteligível, nos termos do disposto nos nºs 2 a 4, as prestações objecto do contrato a celebrar.
............................................................................

Tem este normativo por escopo - à semelhança do que sucedia com o seu antecessor artigo 65º, nºs 5 e 6 do DL nº 59/99, de 2 de Março - proibir que, ainda que por via indirecta, se dificulte ou afaste a candidatura de empresas que não preencham determinados requisitos.
Podendo, embora, resultar, prima facie, do texto do artigo 49º do CCP, que tal proibição diga respeito ao caderno de encargos, o certo é que a lei quis proibir, com a utilização abusiva de especificações técnicas, que se viole a concorrência, ou, dito de outro modo, - e como se estipula no nº1 deste artigo 49º - quis permitir a participação dos concorrentes em condições de igualdade e a promoção da concorrência.
Tal desiderato, porém, só se consegue atingir se, como pensamos, tal proibição se estender a qualquer peça processual.
Não houve, neste âmbito, qualquer alteração da disciplina jurídica que resultava do artigo 65º, nºs 5 e 6, do DL nº 59/99 de 2 de Março, e sobre a qual se firmara jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal (2).
No caso vertente, e como emerge da matéria de facto dada por assente na alínea G) do probatório, o mapa de quantidades posto a concurso contém, em diversos itens, a referência a várias marcas comerciais, sem que as mesmas estejam acompanhadas da expressão "ou equivalente".
A inclusão de artigos de determinada marca comercial é uma circunstância que pode afectar, de modo negativo, a concorrência, por ser susceptível de beneficiar ou prejudicar uns concorrentes, relativamente a outros, o que pode projectar-se no resultado financeiro do contrato, alterando este.
Verifica-se, assim, a violação dos nºs 12 e 13, do mencionado artigo 49º, do CCP.

2. Vejamos, de seguida, as consequências decorrentes da violação do disposto nos normativos atrás mencionados.

2. 1. A ilegalidade cometida poderá ser geradora de nulidade ou de mera anulabilidade, sendo que o visto apenas poderá ser recusado, no caso em apreço, com fundamento em nulidade, atento o disposto no artigo 44º, nº3, al. a) da Lei nº98/97 de 26 de Agosto.
Ora, não estamos, seguramente, perante um caso de nulidade:
Efectivamente, o vício atrás mencionado não se encontra previsto no artigo 133º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), dispositivo este que se refere aos actos administrativos feridos de nulidade.
Efectivamente, nem se encontra incluído no elenco dos actos indicados no nº2 daquele normativo, nem, por outro lado, existe qualquer norma que, para tal vício, comine expressamente tal forma de invalidade dos actos administrativos (vide o nº1, do mesmo artigo 133º do CPA).
Por outro lado, o acto de adjudicação da empreitada contém todos os seus elementos essenciais, considerando-se como "elementos essenciais" os elementos cuja falta se consubstancie num vício do acto que, por ser de tal modo grave, torna inaceitável a produção dos respectivos efeitos jurídicos, aferindo-se essa gravidade em função da ratio que preside àquele acto de adjudicação (vide o nº1, 1ª parte, do citado artigo 133º do CPA) (3).
Não sendo a ilegalidade verificada, geradora de nulidade, só pode a mesma conformar mera anulabilidade, o que afasta o fundamento de recusa de visto enunciado na alínea a), do nº3, do artigo 44º da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

2. 2. Por outro lado, como, no caso sub judice, não estão em causa encargos sem cabimento em verba orçamental própria, nem violação directa de norma financeira, afastado está, também, o fundamento de recusa de visto mencionado na alínea b) do citado normativo, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

3. Importa, então, cuidar de saber se a ilegalidade atrás referida preenche o fundamento de recusa de visto indicado na alínea c) do nº3, do citado artigo 44º da Lei nº 98/97.
A resposta a esta questão só pode ser positiva:
De acordo com o artigo 44º, nº3, al. c) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, constitui fundamento de recusa de visto, a ocorrência de uma ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado financeiro do contrato submetido a fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
Muito embora não resulte do processo que, da violação do disposto no normativo indicado no ponto 1, supra mencionado, tenha decorrido a alteração do resultado financeiro do contrato, não há dúvida de que o vício verificado é susceptível de alterar tal resultado financeiro.
É que, como se referiu acima, a inclusão de marcas comerciais, desacompanhadas da menção "ou equivalente", é uma circunstância que pode afectar, negativamente, a concorrência, dado poder beneficiar alguns concorrentes, em detrimento de outros, com o consequente risco de alteração do resultado financeiro do contrato.
Deve acrescentar-se, aliás, que o Código dos Contratos Públicos aprovado pelo DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro continua a proibir uma prática que já era interdita pelo artigo 65º, nºs 5 e 6 do DL nº 59/99 de 2 de Março.

4. No caso em apreço, não está adquirida a efectiva ocorrência de uma alteração do resultado financeiro do contrato.
Resulta, todavia, dos autos (vide a matéria de facto dada por assente na alínea J) do probatório), ter o Município de Oeiras sido já objecto de várias recomendações deste Tribunal, relativamente ao cumprimento do normativo que proíbe a inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais desacompanhadas da expressão "ou equivalente" (o citado artigo 65º, nºs 5 e 6 do DL nº 59/99 de 2 de Março, então vigente) normativo este cuja disciplina se encontra, actualmente, plasmada no artigo 49º, nºs 12 e 13 do CCP, para além de já ter sido recusado o visto a vários contratos, em virtude de ter sido cometida a mesma ilegalidade, não obstante as recomendações efectuadas.
Ora, tendo em conta o reiterado não acatamento das várias recomendações efectuadas por este Tribunal, relativamente à matéria atrás referida, não se mostra útil, nem aceitável, voltar a efectuar outra recomendação à citada Autarquia.
É que o comportamento da Autarquia de Oeiras, consubstanciado no persistente não acatamento das recomendações efectuadas, e no repetido atropelo da lei, não permite que se forme a convicção de que nova recomendação seria suficiente para que, definitivamente, fosse cumprida a disciplina legal, aqui violada, como já determinado por este Tribunal.
Assim, entende-se não estar reunido o condicionalismo que permite o uso da faculdade prevista no nº4, do dito artigo 44º da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.
 

IV - DECISÃO


Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em subsecção, em recusar o visto ao presente contrato.
São devidos emolumentos (artigo 5º, nº3 do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas anexo ao DL nº 66/96 de 31 de Maio). 

Lisboa, 17 de Dezembro de 2010.

Os Juízes Conselheiros - (António M. Santos Soares, relator) - (Helena Abreu Lopes) - (Alberto Fernandes Brás)

Fui presente - O Procurador-Geral Adjunto - (Jorge Leal)


(1) Vide fols. 72 e 77 dos autos.
(2) Vide, a título de exemplo, os Acórdãos da 1 Secção, do Tribunal de Contas, em Plenário, de 21 de Dezembro de 2006, in Rec. Ord. nº 36/06 e de 12 de Junho de 2007, in Rec. Ord. nº 9/07 e, ainda, os Acórdãos, em Subsecção, nºs 49/08, de 1 de Abril de 2008; 68/08, de 20 de Maio de 2008; 19/09, de 4 de Fevereiro de 2009 e 38/09, de 18 de Fevereiro de 2009.
(3) Neste sentido, v. g., os Acórdãos nºs 30/05, de 15-11-2005, 27/07, de 13-2-2007 e 108/07, de 24-7-2007, da 1ª Secção, em subsecção, deste Tribunal.