Acórdão n.º 43/2010, de 17 de Dezembro de 2010, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1373/2010)

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ACÓRDÃO Nº 43 /10 - 17.DEZ.2010 - 1ª S/SS

Proc. nº 1373/2010
 

Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção:

I - RELATÓRIO 
 

A Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada, celebrado em 24 de Setembro de 2010, com a empresa "Veiga Lopes, Lda.", pelo valor de 899.491,79 €, acrescido de IVA, tendo por objecto a "Ampliação e Requalificação da Escola EB1/JI de S. Tiago dos Velhos".

II - MATÉRIA DE FACTO 
 

Para além do referido acima, relevam para a decisão os seguintes factos, que se dão por assentes:

A) O contrato foi precedido de concurso público urgente, com invocação do disposto no artigo 52º, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho e dos artigos 155º e seguintes, do Código dos Contratos Públicos (CCP), sendo que o respectivo aviso de abertura foi publicado no Diário da República, 2ª série, de 13 de Agosto de 2010;
B) A escolha do tipo de procedimento pré-contratual, mencionado na alínea anterior, teve por base a Informação Interna nº333/2010, produzida pela Divisão de Obras Municipais, Ambiente e Qualidade de Vida, da Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos, datada de 6 de Agosto de 2010, a qual, quanto a este aspecto, refere que "O Decreto-Lei nº 72-A/2010 de 18 de Junho estabelece as normas de execução do Orçamento do Estado para 2010 e permite, em conformidade com o regime constante do artigo 52º, que, durante este ano de 2010 se possa utilizar o procedimento de concurso público urgente na formação de contratos de empreitadas de obras públicas, cujos projectos sejam co-financiados por fundos comunitários.
Assim, de acordo com o exposto no parágrafo anterior, e conforme indicação superior, solicita-se autorização para aplicação do procedimento de concurso público urgente à empreitada referida em epígrafe. Este procedimento é regido pelo definido nos artigos 155º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP)....".
C) Em 9 de Agosto de 2010, a Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos, em reunião ordinária, deliberou, por unanimidade, aprovar a minuta do anúncio, o programa do procedimento e o caderno de encargos, assim como a abertura do procedimento de concurso público urgente para a execução da empreitada referida em I, de acordo com a Informação Interna nº 333/2010, citada na alínea anterior;
D) Ao concurso apresentaram-se 7 concorrentes, tendo sido excluído um, por não apresentar a nota justificativa do preço proposto;
E) O prazo de execução da obra é de 210 dias;
F) A consignação da obra ainda não ocorreu;
G) O preço base da empreitada foi de 1.001.689,35 €;
H) O critério de adjudicação foi o do preço mais baixo;
I) O ponto 9 do Anúncio de abertura do concurso estabeleceu que as propostas deveriam ser apresentadas até às 23 horas e 59 minutos do sexto dia, a contar da data do envio do anúncio para publicação no Diário da República;
J) O Anúncio de abertura do concurso foi enviado para publicação no Diário da República, no dia 13 de Agosto de 2010, pelas 15 horas, 30 minutos e 04 segundos (1), e dele constam o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos;
K) A presente empreitada dispõe da concessão de um apoio financeiro do "Programa Operacional Regional do Centro", no montante global de 1.099.976,15 €, na sequência de candidatura apoiada pelo FEDER, cujo contrato de financiamento foi celebrado em 22 de Abril de 2010;
L) A cláusula 3ª do contrato de financiamento, referido na alínea anterior, com a epígrafe "Prazo de execução", estabelece que "A data de início da operação é 01/07/2009 e a de fim é 30/06/2011".
M) Questionada a Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos sobre qual a urgência que se verificou para justificar a adopção do procedimento pré-contratual utilizado, tendo em conta a obra que estava em causa e o prazo de execução fixado (2), veio a mesma remeter o ofício nº 70/2010, com a referência DF/APR/20, de 02-12-2010, no qual se diz o seguinte:
"Conforme o disposto no artigo 2º e 4º da Resolução nº 13/2007/MAR.27-1ª S/PL, datada de 27/03/2007, desse Digníssimo Tribunal, e na sequência do vosso ofício com a referência DECOP/UAT I/6723/10, datado de 18 de Outubro (3) de 2010, afim de completar o processo nº 1373/10.
Junto envio a V. Exª para efeitos de obtenção de visto o processo da Empreitada referida em epígrafe, composto pelos seguintes documentos:
1. Cópia autenticada da Informação Interna nº 333/2010 - Divisão de Obras Municipais, Ambiente e Qualidade de Vida, datada de 06 de Agosto, e contrato de financiamento, a qual dá resposta à alínea a) do V/ ofício supra aludido;
2. Cópia autenticada da Informação Interna Nº 518/2010 - DOMAQV datada de 26 de Novembro, onde na alínea b), dá resposta à alínea b) do V/ ofício supra aludido;
3. Informação de cabimento para o Ano de 2010 e de cativação para o Ano de 2011;
4. Original do Contrato de Empreitada acima referida.".
N) O procedimento de formação do presente contrato teve as seguintes fases e datas:

§ Deliberação para a abertura do procedimento - 9 de Agosto de 2010;

§ Envio do anúncio para publicação no Diário da República - 13 de Agosto de 2010;

§ Apresentação das propostas - Até às 23 horas e 59 minutos do sexto dia, a contar da data do envio do anúncio para publicação no Diário da República;

§ Despacho de adjudicação, do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos, de 24 de Agosto de 2010, ratificado por deliberação do executivo municipal, de 6 de Setembro de 2010;

§ Aprovação da minuta do contrato - 20 de Setembro de 2010;

§ Celebração do contrato - 24 de Setembro de 2010;

§ Remessa do contrato para fiscalização prévia do Tribunal de Contas - 8 de Outubro de 2010. 
 

III - O DIREITO 
 

1. Suscita-se, no presente processo, uma questão atinente ao facto de ter sido adoptado um concurso público urgente, nos termos do artigo 52º, nº2, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho e dos artigos 155º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), a anteceder a celebração do contrato, ora submetido a fiscalização prévia deste Tribunal.

Vejamos, então, em que se traduz esta questão:

O artigo 52º, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho (4), sob a epígrafe "Disposições especificas na aquisição de bens e serviços", dispõe o seguinte, no seu nº 2: 

Artigo 52º
Disposições específicas na aquisição de bens e serviços
............................................................................
2 - Pode adoptar-se o procedimento do concurso público urgente, previsto nos artigos 155º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), na celebração de contratos de empreitada, desde que:
a) Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b), do artigo 19º, do CCP; e
c) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.
............................................................................

Por seu lado, o artigo 155º do CCP, integrado na Secção VII (Concurso público urgente), do Capítulo II, do Título III, da Parte II do mesmo Código, sob a epígrafe "Âmbito e pressupostos", estabelece o seguinte:

Artigo 155º
Âmbito e pressupostos
Em caso de urgência na celebração de um contrato de locação, ou de aquisição de bens imóveis ou de aquisição de serviços de uso corrente para a entidade adjudicante, pode adoptar-se o procedimento de concurso público nos termos previstos na presente secção, desde que:
a) O valor do contrato a celebrar seja inferior aos referidos na alínea b) do nº1 e no nº2, do artigo 20º, consoante o caso; e
b) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço

2. Verifica-se, assim, que, durante a vigência do citado DL nº 72-A/2010, o legislador entendeu estender o regime do concurso público urgente, previsto nos artigos 155º e seguintes do CCP, aos contratos de empreitada, desde que ocorressem os pressupostos definidos nas alíneas a) a c) do nº2, do artigo 52º daquele diploma legal.
Analisemos, então, se se verificam os pressupostos exigidos pelo nº2, deste artigo 52º, do DL nº 72-A/2010, tendo em conta a matéria de facto dada por assente no probatório:
- Temos, por um lado, que o presente contrato de empreitada se destina à ampliação e requalificação da Escola EB 1 de S. Tiago dos Velhos, na Autarquia de Arruda dos Vinhos, e que se trata de um projecto co-financiado pelo Programa Operacional Regional do Centro, no âmbito de uma candidatura apoiada pelo FEDER e para o qual existe já um contrato de financiamento celebrado.
- Por outro lado, o valor do contrato é inferior ao valor estabelecido na alínea b), do artigo 19º, do CCP.
- Além disso, o critério de adjudicação é o do mais baixo preço.
Ocorrem, pois, todos os pressupostos que, no âmbito do nº2, do citado artigo 52º, são fixados para que seja possível a adopção do mecanismo excepcional de aplicação do procedimento do concurso público urgente, regulado pelos artigos 155º e seguintes do CCP.
E dizemos mecanismo excepcional de aplicação do procedimento do concurso público urgente, regulado pelos artigos 155º e seguintes do CCP, pelas razões seguintes:
Por um lado, o DL nº 72-A/2010 é um diploma que visa estabelecer disposições relativas à execução do Orçamento do Estado para 2010 e não matérias relativas à contratação pública.
Por outra banda, o artigo 52º, deste diploma legal, tem por epígrafe, como se disse, "Disposições específicas na aquisição de bens e serviços" e, não obstante, regula, num dos seus números, matéria concernente a empreitadas de obras públicas.
Além disso, se é certo que o artigo 155º do CCP define o âmbito e os pressupostos de aplicação do concurso público urgente, logo se vê que esta modalidade de concurso não está vocacionada, nem prevista, para a celebração de contratos de empreitada de obras públicas, o que, aliás, bem se compreende, dado que a apresentação de propostas, para este tipo de obras, se insere num procedimento pré-contratual mais elaborado e demorado, que se não compagina com o procedimento "aligeirado" que se encontra previsto nos artigos 155º e seguintes do CCP.
Por isso, é que, ao prever a adopção do concurso público urgente, este artigo 155º estabelece que tal procedimento é aplicável em caso de urgência, e, por outro lado, na celebração de um contrato de locação, ou de aquisição de bens móveis, ou ainda de aquisição de serviços de uso corrente para a entidade adjudicante.
Aliás, em abono das razões pelas quais se entende que não se coaduna o procedimento de concurso público urgente, com o procedimento tendente à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas, deve ainda dizer-se que o artigo 157, nº2, do CCP, estabelece que o programa de concurso e o caderno de encargos devem constar do anúncio do concurso.
Ora, devendo o caderno de encargos conter peças escritas e desenhadas, mal se compreende que tais peças se possam inserir num anúncio de abertura de um procedimento pré-contratual, a publicar no Diário da República.
Por outro lado, o artigo 158º do CCP estabelece que o prazo mínimo para a apresentação das propostas é de vinte e quatro horas, desde que estas decorram integralmente em dias úteis.
Ora, se repararmos na redacção do artigo 135º, nº1, do mesmo Código, no concerne, especificamente, ao prazo mínimo para a apresentação de propostas, logo verificamos que este estipula que, no caso de se tratar de um procedimento para a formação de um contrato de empreitada de obras públicas, tal prazo mínimo é de 20 dias, a contar do envio do anúncio do concurso para publicação.
Só em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos necessários à realização da obra, é que o CCP, no nº2, do mesmo artigo 135º, estabelece que aquele prazo mínimo, para a apresentação de propostas, pode ser reduzido em 11 dias, ou seja, pode a apresentação de propostas ser efectuada num prazo de apenas 9 dias.

3. De acordo com o estabelecido no artigo 156º, nº1, do CCP, o procedimento de concurso público urgente rege-se, com as necessárias adaptações, pelas disposições que regulam o concurso público, em tudo o que não esteja especialmente previsto nos artigos seguintes, ou que com estes seja incompatível.
Uma das formalidades essenciais a observar, no concurso público urgente, é, como se dispõe no artigo 157º, nº1, do CCP, a publicitação do mesmo no Diário da República, através de anúncio conforme modelo aprovado por portaria dos ministros responsáveis pela edição do Diário da República e pelas áreas das finanças e das obras públicas.
Por outro lado, devem constar do anúncio, o programa do concurso e o caderno de encargos, de harmonia com o definido no nº2, do mesmo artigo 157º, do CCP.
Acontece que a portaria, atrás referida, é a Portaria nº 701-A/2008 de 29 de Julho, a qual, de acordo com o seu artigo 1º, nº1, al. b), contém no seu Anexo II, o modelo de anúncio de concurso público urgente.
Tal modelo especifica que o anúncio deste concurso deve incluir informação, designadamente, sobre o "objecto do contrato" (vide o ponto 2 do modelo), e, dentro deste, a designação do contrato (5), com a descrição sucinta do seu objecto, bem como o tipo de contrato (6) (locação de bens imóveis/aquisição de bens móveis/aquisição de serviços) (7).
No caso em apreço, o anúncio do concurso foi publicado no Diário da República, obedeceu ao modelo previsto na citada Portaria nº 701-A/2008 e dele constam o programa de concurso, bem como o caderno de encargos, tal como impõe o nº 2, do mencionado artigo 157º do CCP.
Deste ponto de vista, não existe, pois, qualquer ilegalidade a apontar.

4. Importa, porém, e de seguida, analisar a verificação de outro relevante pressuposto para a adopção, no caso vertente, do concurso público urgente.
Já vimos que se trata, aqui, de um procedimento de formação de um contrato de empreitada de obras públicas, que só pode ser objecto de um concurso público urgente, em face da existência de uma norma (artigo 52º, nº2, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho) que o consente, mas, excepcionalmente, e dentro dos apertados termos a que acima aludimos.
Todavia, a adopção de um procedimento de concurso público urgente, ao abrigo do disposto no artigo 155º e seguintes do CCP, tem, desde logo, um pressuposto prévio, que é determinante da sua admissibilidade, ou não, no caso em apreço: a circunstância de se estar perante um caso de urgência na celebração do contrato a que se destina.
O termo urgente veicula um conceito indeterminado.
Conceitos indeterminados ou conceitos standard, são, como referem J. M. SANTOS BOTELHO, A. PIRES ESTEVES e J. CÂNDIDO DE PINHO (8), aqueles que, por concreta opção do legislador, envolvem uma definição normativa imprecisa a que, na fase de aplicação, se deverá dar uma significação específica, em face de factos concretos, de tal forma que o seu emprego exclui a existência de várias soluções possíveis.
Por isso, constituindo a urgência um conceito com esta natureza, torna-se necessário proceder a operações tendentes à sua concretização específica, o que passa pelo recurso a valores e após ponderação das circunstâncias de cada caso.
A urgência, como fundamento de um desvio à tramitação normal dos procedimentos administrativos constitui, como salienta ANDRADE DA SILVA (9), uma excepção à regra da concorrência nos termos gerais.
Uma vez que a caracterização e o preenchimento do conceito de urgência, carece apreciação casuística, pode afirmar-se que, para que uma situação possa ser considerada de urgência, terá que se estar perante um caso em que a utilização de um procedimento normal resultaria ineficaz ou revelar-se-ia inidóneo para dar, em tempo oportuno, a resposta necessária.
Há que assinalar, aliás, que a urgência se distingue da celeridade, dever que impende sobre a Administração, nos termos do disposto no artigo 57º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Na verdade, a celeridade procura atingir outros valores, designadamente a prontidão e a eficácia da acção administrativa.
Ao invés, uma situação de urgência tem a ver com casos em que a Administração se vê confrontada com uma circunstância de risco ou perigo iminente e actual que ameace seriamente a satisfação de certo interesse público ou a satisfação prioritária de certos interesses públicos (10).
No caso sub judice, porém, não se configura qualquer situação de urgência, com estes contornos, que tenha sido determinante da adopção do modelo de concurso público urgente.
Efectivamente, como resulta da matéria de facto dada por assente na alínea M) do probatório, quando questionada sobre qual a urgência que se verificou para justificar a adopção do procedimento pré-contratual utilizado, a Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos nada veio dizer a tal respeito, remetendo para a Informação Interna nº 333/2010, que esteve na base da Deliberação camarária que aprovou a abertura do concurso público urgente, bem como para a existência de um contrato de financiamento celebrado para corporizar a obtenção do financiamento comunitário, através do Programa Operacional Regional do Centro.
Ora, como já decidiu este Tribunal (11), a invocação da utilização de fundos comunitários, não serve como fundamento justificativo de urgência.
Por isso, não pode tal circunstância constituir fundamento da adopção de um procedimento pré-contratual com a natureza de um concurso público urgente.
Aliás, sintomático de que, por este lado, também não ocorria qualquer situação de urgência, é o facto de a empreitada, aqui em causa, ter um prazo de execução de 210 dias (vide a alínea E) do probatório), e a data do fim da operação de financiamento ser a de 30 de Junho de 2011, como se mostra da cláusula 3ª do contrato de financiamento relativo aos fundos comunitários (vide a alínea L) do probatório).
Além disso, e em abono do que se disse quanto à não verificação de uma situação de urgência, ainda se pode afirmar que, tendo em conta o prazo de execução da empreitada, não era possível concluir a ampliação e a requalificação da Escola EB 1 de S. Tiago dos Velhos antes do início do ano lectivo de 2010-2011, mas apenas a tempo de poder iniciar-se o ano lectivo de 2011-2012, já com as obras efectuadas.
Assim, não se mostrando existir uma situação de urgência na efectivação da obra, a que se refere o presente contrato, motivo não havia para a adopção do concurso público urgente previsto nos artigos 155º e seguintes do CCP, não obstante essa modalidade poder ser utilizada ex vi da verificação dos pressupostos indicados nas alíneas a), b) e c) do nº2, do artigo 52º, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho.

5. No caso em apreço, e com a utilização do concurso público urgente, foi estabelecido, no respectivo anúncio de abertura, que a apresentação de propostas deveria ser efectuada até às 23 horas e 59 minutos do sexto dia a contar da data do envio, para publicação, do dito anúncio.
Embora o artigo 158º do CCP estabeleça que o prazo mínimo, para a apresentação de propostas, num concurso público urgente, é de vinte e quatro horas, cabe aqui indagar da admissibilidade e da conformidade legal de tal prazo, no caso vertente.
Na verdade, como vimos atrás, por ausência de verificação de uma situação de urgência, não era possível, para a celebração de um contrato de empreitada de obras públicas, recorrer-se a um procedimento de concurso público nos termos previstos na Secção VII, do Capítulo II, dom Título III, da Parte II, do CCP.
Assim, cabe perguntar se, para a apresentação de propostas para um concurso de empreitada de obras públicas, é suficiente o prazo de seis dias, tal como foi estabelecido no caso em apreço.
É que será questionável se o referido prazo de seis dias permite a elaboração completa, fundamentada e consistente de propostas para a realização da obra posta a concurso.
Além disso, também se pode questionar se aquele prazo de seis dias permite o acesso, ao concurso, do mais vasto leque possível de concorrentes e, com isso, a observância dos princípios da igualdade e da concorrência estabelecidos no artigo 1º, nº4, do CCP.

Para estas questões, a resposta não pode deixar de ser negativa.

Efectivamente, importa recordar que, como se assinalou atrás, o artigo 135º, nº1, do CCP estabelece que o prazo mínimo para a apresentação de propostas, no caso de se tratar de um procedimento tendente à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas, é de 20 dias, a contar do envio, para publicação, do respectivo anúncio de abertura.
Só em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos é que a lei consente que tal prazo mínimo pode ser diminuído, e, ainda assim, não pode ser inferior a 9 dias.
Deste modo, tratando-se, no caso em apreço, de uma obra de ampliação e requalificação de um estabelecimento de ensino, e tendo presente o valor do contrato em causa, não poderá dizer-se que se está perante trabalhos com manifesta simplicidade.
Mas, ainda que assim fosse, o certo é que o prazo para a apresentação das propostas, que foi fixado, é inferior ao prazo mínimo de 9 dias, definido legalmente para a apresentação de propostas relativas a uma obra que tenha essa natureza!
A celeridade é um elemento essencial de um Estado de Direito.
Porém, como resulta da lição de MARTIN BULLINGER (12), a necessidade de celeridade, pode, também, ser olhada como um perigo para este mesmo Estado de Direito, já que pode conduzir a uma consideração da factualidade e da situação jurídica, sem a profundidade exigida para uma correcta aplicação da lei, e, dizemos nós, ao atropelo de princípios fundamentais que a lei entendeu salvaguardar sem tibiezas.

6. Nesta conformidade, resulta de todo o exposto que, no caso em apreço, foi utilizado um procedimento que não garante o respeito pelos princípios da legalidade, da concorrência e da igualdade previstos no artigo 1º, nº4, do Código dos Contratos Públicos.
Efectivamente, tendo em conta o valor do contrato, necessária seria a realização de um concurso público, ou de um concurso limitado por prévia qualificação, levado a cabo com a observância de todas as formalidades previstas no CCP e, designadamente, com a observância do prazo para a apresentação de propostas definido no artigo 135º, nº1, do mesmo compêndio normativo, o que não sucedeu.
É que só a estipulação de tal prazo permitiria garantir um verdadeiro processo concorrencial e uma igualdade de oportunidades, efectiva, entre os diversos agentes económicos interessados em apresentar-se ao concurso.
A violação de lei verificada, sendo susceptível de restringir o universo de potenciais concorrentes, é do mesmo modo susceptível de alterar o resultado financeiro do contrato.
Assim, tal ilegalidade enquadra-se no disposto no artigo 44º, nº3, al. c) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, quando este prevê a existência de uma "ilegalidade que ... possa alterar o respectivo resultado financeiro".
Ora, quando a lei - referindo-se a um acto, ou contrato ou outro instrumento gerador de despesa ou representativo de responsabilidades - alude a uma "ilegalidade que possa alterar o respectivo resultado financeiro", pretende significar, como é jurisprudência pacífica e reiterada deste Tribunal, que basta o simples perigo ou risco de que, da ilegalidade cometida, possa resultar a alteração do correspondente resultado financeiro.
Por isso é que tal ilegalidade é fundamento de recusa de visto, como estabelece a alínea c), do nº 3, do artigo 44º, da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.
 

IV - DECISÃO 
 

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em subsecção, em recusar o visto ao presente contrato.
São devidos emolumentos (artigo 5º, nº3 do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas anexo ao DL nº 66/96 de 31 de Maio). 

Lisboa, 17 de Dezembro de 2010.

Os Juízes Conselheiros -  (António M. Santos Soares, relator) - (Helena Abreu Lopes) - (Alberto Fernandes Brás)

Fui presente - O Procurador-Geral Adjunto - (Jorge Leal)


(1) Vide o ponto 11 do Anúncio.
(2) O que foi efectuado pelo ofício deste Tribunal, com a referência DECOP/UAT I/6723/10, de 17 de Novembro de 2010.
(3) Sic.
(4) Diploma que estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2010 e que, entretanto, foi objecto das alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 50/2010 de 7 de Dezembro.
(5) De preenchimento obrigatório.
(6) Também de preenchimento obrigatório.
(7) Obviamente que no tipo de contrato não se inclui o de empreitada de obras públicas pelas razões supra referidas: não se previa a adopção de um concurso público urgente para a formação de um contrato de empreitada e porque o artigo 155º do CCP apenas o previa para a celebração de um contrato de locação, ou de aquisição de bens móveis, ou de aquisição de serviços.
(8) Vide o "Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado", 3ª edição, Almedina, 1996, pág. 639, em anotação ao artigo 135º.
(9) Vide o "Código dos Contratos Públicos, Anotado e Comentado", 2008, ed. Almedina, pág.484.
(10) Veja-se, neste sentido, FREITAS DO AMARAL e MARIA DA GLÓRIA GARCIA, in "O Estado de Necessidade e a Urgência em Direito Administrativo", ROA, 59º, II, pág.515.
(11) Vide, designadamente, os Acórdãos da 1ª Secção, em subsecção, nºs 155/2001, de 2 de Outubro de 2001, proferido no Proc. nº 2158/2001 (e publicado na Revista do Tribunal de Contas, nº 36, pág. 327 e segs.) e 104/99, de 7 de Dezembro de 2009, no Proc. nº 13.744/99, bem como o Acórdão de 25 de Maio de 1999, proferido em Plenário, no Recurso Ordinário nº14/99.
(12) In "Procedimiento Administrativo al ritmo de la economia y la sociedad", R.E.D.A., nº 69, 1991, pág. 8, citado no "Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado" de J. M. SANTOS BOTELHO, A. PIRES ESTEVES e J. CÂNDIDO DE PINHO, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 1996, pág. 245.