Acórdão n.º 36/2011, de 17 de Maio de 2011, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 150/2011)

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ACÓRDÃO Nº 36/2011 - 17/05/2011 - 1ª SECÇÃO/SS

PROCESSO Nº 150/2011 - 1ª SECÇÃO

 I - OS FACTOS

1. Os Serviços de Ação Social do Instituto Politécnico de Viseu (doravante também designados por SAS e IPV) remeteram a este Tribunal, para fiscalização prévia, o contrato de "Aquisição de Serviços para o Fornecimento de Refeições Confecionadas e Exploração de Bar e Snack-Bar", celebrado entre aqueles serviços e a empresa ITAU - Instituto Técnico de Alimentação Humana, S.A., em 26 de janeiro de 2011, pelo valor estimado de € 414.307,40, incluídos os correspondentes valores em IVA, às taxas legalmente fixadas (1).

2. Para além do referido no número anterior, são dados como assentes e relevantes para a decisão os seguintes factos:

a) Por despacho do Presidente do Instituto Politécnico de Viseu, de 9.12.2010 (2), foi autorizada a despesa, decidido contratar, aberto procedimento por ajuste direto e aprovadas as peças inerentes do procedimento (ofício convite e caderno de encargos);
b) A escolha do procedimento por ajuste directo teve como fundamento legal a alínea a), do n.º 1, do artigo 27º, do CCP (3), por se tratar de prestação de novos serviços que consistem na repetição de serviços similares, objeto de contrato anteriormente celebrado pela mesma entidade adjudicante (4);
c) O ofício convite foi enviado, em data não determinada nos autos, à empresa ITAU, embora fosse disponibilizado na plataforma electrónica a 11.12.2010;
d) O preço base adoptado no procedimento foi de € 367.189,00 (correspondente ao valor do número de refeições estimadas) e, no mínimo, €6.060,00 (a pagar pela adjudicatária pela exploração de snack-bar e bar), para um total estimado de 172.000 refeições anuais (5);
e) A proposta foi apresentada por esses mesmos valores, aliás, iguais aos do contrato anteriormente celebrado e já referido acima na alínea b);
f) Em 23.12.10, foi tomada a decisão de adjudicação, por despacho do presidente do IPV;
g) Entregues os documentos de habilitação e prestada caução, foi aprovada a minuta de contrato, por despacho de 11.01.11, do presidente do IPV;
h) O contrato, agora em apreciação, foi celebrado para ter vigência durante o ano de 2011;
i) O contrato referido na alínea anterior foi precedido por um outro celebrado em 21 de Dezembro de 2009, entre as mesmas partes, com o mesmo objeto e que teve como período de vigência o ano de 2010;
j) O contrato referido na alínea anterior teve como procedimento de formação um concurso público com publicitação internacional, em cujos documentos se previa a possibilidade de ajuste directo para a formação de novos contratos para a prestação de serviços similares;
k) Dado o objecto do contrato que agora se aprecia em sede fiscalização prévia, questionou-se os SAS sobre se, no seu entender, estes serviços constituem ou não uma entidade vinculada do Sistema Nacional de Compras Públicas (SNCP), nos termos do artigo 3º do Decreto-Lei nº 37/2007, de 19 de fevereiro, e em caso de resposta afirmativa, solicitou-se ainda que fossem explicitadas as razões porque não se recorreu ao acordo quadro, conforme Aviso n.º 16199/2010, de 4.8.10, da Agência Nacional de Compras Públicas (ANCP), publicado no DR, 2ª Série, n.º 157, de 13 de agosto;
l) Às questões referidas na alínea anterior, os SAS responderam em síntese nos seguintes termos (6):

i. Que procederam de acordo com o entendimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), explicitado em parecer, que juntam, da respectiva Secretaria-Geral, que considera as instituições do ensino superior (IES) como entidades voluntárias do SNCP;
ii. Citam e juntam, ainda, o Despacho n.º 9984/2008, de 21 de março de 2008, do MCTES (publicado no DR, 2ª Série, n.º 67, de 4 de abril de 2008) do qual constam as regras referentes ao processo de compras públicas no âmbito da unidade ministerial de compras do MCTES, em articulação com a ANCP e que distingue entidades vinculadas e voluntárias, nos seus nºs 4 e 5, parecendo transparecer que as IES são entidades compradoras voluntárias e não vinculadas, levando a considerar que o Instituto se integrará na Administração Autónoma;
iii. E refere que "tal caracterização da pessoa colectiva pública, Instituto Politécnico de Viseu, para estes efeitos, parece, salvo melhor opinião, emanar da existência de órgãos de governo próprio e da autonomia de gestão previstos no Capítulo IV da Lei n.º 62/2007 de 10 de Setembro que aprovou o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES). De facto estatui o art. 76º da Lei que as instituições de ensino superior públicas dispõem de órgãos de governo próprio nos termos da lei e dos estatutos.
Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República anotada (Volume I, 4ª edição revista, pág. 886) «juntamente com os demais aspectos da autonomia o autogoverno permite conceber as Universidades como uma expressão da administração autónoma e não como administração estadual indirecta». Tal afirmação tem de se entender, actualmente, válida para os Institutos Politécnicos, uma vez que a lei ordinária consagrou, no que ao caso interessa, iguais regimes de autogoverno e autonómicos.
(...) Certo é que o Instituto Politécnico é um instituto público de regime especial ao qual se aplicam as normas a estes referentes, com derrogação do regime comum, na estrita medida necessária à sua especificidade (...).
(...) Ora a especificidade revela-se, de entre outras, na estatuição do n.º 3 do artigo 20º do RJIES que consagra que, no âmbito do sistema de acção social, o Estado concede apoios directos e indirectos geridos de forma flexível e descentralizada, sendo o acesso à alimentação uma das modalidades de apoio social indirecto. Ora a gestão destes apoios de forma descentralizada parece, salvo melhor opinião, legitimar a aquisição fora dos acordos quadros da ANCP, já que esta se traduz numa aquisição centralizada de bens e serviços do Estado.
Sendo que o Decreto-Lei n.º 129/93, de 22 de Abril, que estabelece as políticas de acção social do ensino superior (revogado parcialmente pela Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro), determina no seu artigo 19º condições específicas para o apoio no âmbito da alimentação, permitindo mesmo que as associações de estudantes se possam candidatar ao respectivo concurso, situação dificilmente compatível com o enquadramento legal dos Acordos Quadro.
(...) Mas, para além do que acima ficou dito, e não menos importante, é que a situação em concreto exige a plena utilização da autonomia do Instituto Politécnico - autonomia densificada nos mesmos termos das autonomias constitucionalmente consagrada das universidades (artigo 11º do RJIES) - face á especificidade da situação em apreço e de modo aos recursos financeiros poderem e deverem ser utilizados com eficiência, determinando, em concreto a não aplicação do acordo quadro.(...)";
iv. Refere-se ainda à competência dos Presidentes dos IP para orientar e superintender na gestão administrativa e financeira da instituição assegurando a eficiência no emprego dos seus meios e recursos;
v. Relembram também que o presente contrato foi celebrado ao abrigo do art. 27º, n.º 1, alínea a) do CCP, ao abrigo de um anterior concurso, lançado quando ainda não estava em vigor qualquer acordo quadro celebrado no seio da ANCP;
vi. Chama ainda a atenção para o facto de a parte do preço por refeição que resulta do acordo quadro (€ 2,80) ser bastante superior do que o resultante do presente contrato, provavelmente em mais € 0,35 por refeição (deste contrato resulta esse valor em € 0,45);
vii. Mais refere que o objecto do presente contrato é mais amplo do que o objecto de contrato resultante do acordo quadro, uma vez que este apenas contempla as refeições confeccionadas e o presente inclui a exploração de bar e snack-bar, que não poderá ser entregue a entidades distintas.  

II - FUNDAMENTAÇÃO

3. A questão que se suscita no presente processo é a de saber se o presente contrato poderia ter sido formado por ajuste directo ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 27º do CCP.

4. Segundo este preceito, é possível, às entidades adjudicantes, recorrerem a ajuste directo, para a formação de contratos de prestação se serviços, quando:
"Se trate de novos serviços que consistam na repetição de serviços similares objecto de contrato anteriormente celebrado pela mesma entidade adjudicante, desde que:
i) Esses serviços estejam em conformidade com um projecto base comum;
ii) Aquele contrato tenha sido celebrado, há menos de três anos, na sequência de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação;
iii) O anúncio do concurso tenha sido publicado no Jornal Oficial da União Europeia, no caso do somatório do preço base relativo ao ajuste directo e do preço contratual relativo ao contrato inicial ser igual ou superior ao valor referido na alínea b) do n.º 1do artigo 20º; e
iv) A possibilidade de adopção do ajuste directo tenha sido indicada no anúncio ou no programa do concurso".

É incontestável que os pressupostos fixados nas subalíneas ii) a iv) desta disposição legal, face ao que consta do processo, se encontram verificados. Menos demonstrado está o pressuposto consagrado na subalínea i), embora seja expressamente invocado na proposta em que foi exarado o despacho de abertura do procedimento.
Contudo, porque outras questões se suscitam, não se lhe dá relevância, devendo abordar-se as que se relacionam com o Sistema Nacional de Compras Públicas que, como se verá, são as fundamentais.

II.A - A contratação centralizada, o Sistema Nacional de Compras Públicas, as entidades a este vinculadas e a contratação do fornecimento de refeições

5. O CCP consagra nos títulos V (Acordos Quadro) e VI (Centrais de Compras) da Parte II, dedicada à disciplina de formação de contratos públicos, mecanismos procedimentais e instrumentos contratuais de contratação centralizada, visando a agregação da procura pública e a estandardização das compras públicas, com objectivos de obtenção de economias de escala, de racionalização económica das práticas aquisitivas das Administrações Públicas, de racionalização da despesa e eficácia operacional, mas igualmente de promoção da concorrência.

6. Como que antecipando a entrada em vigor do CCP, mas na sequência de uma tendência que se veio formulando e estabilizando desde a década de 80 do século passado, o Decreto-Lei nº 37/2007, de 19 de fevereiro, no quadro da reforma das estruturas administrativas do Estado que então se desencadeou, criou a Agência Nacional de Compras Públicas (ANCP) e instituiu o Sistema Nacional de Compras Públicas (SNCP).
Nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 1º deste diploma legal, a ANCP tem por objecto "conceber, definir, gerir e avaliar o sistema nacional de compras públicas, com vista à racionalização dos gastos do Estado, à desburocratização dos processos públicos de aprovisionamento, à simplificação e regulação do acesso e utilização de meios tecnológicos de suporte e à protecção do ambiente."
O nº 1 do artigo 3º do mesmo diploma estabelece que "[o] sistema nacional de compras públicas (SNCP), além da ANCP e das unidades ministeriais de compras (UMC), integra entidades compradoras vinculadas e entidades compradoras voluntárias".
E de harmonia com o nº 2, do mesmo artigo 3º, "[i]ntegram o SNCP, na qualidade de entidades compradoras vinculadas, os serviços da administração directa do Estado e os institutos públicos".
De acordo com o nº 3, do mesmo artigo, "[p]odem integrar o SNCP, na qualidade de entidades compradoras voluntárias, entidades da administração autónoma e do sector empresarial público, mediante a celebração de contrato de adesão com a ANCP".

7. Assim, na definição do âmbito subjectivo de aplicação do diploma - e, portanto, na fixação do âmbito do SNCP - o legislador adoptou uma disciplina aparentemente simples: considerou como entidades vinculadas ao SNCP as que se integram na Administração Pública estadual, directa e indirecta. E criou a categoria de entidades voluntárias, na qual faz integrar as entidades da administração autónoma e dos sectores públicos empresariais.
Como se sabe, esta categorização só aparentemente é linear e isenta de dificuldades na sua aplicação.
Efetivamente, se a Administração directa do Estado constitui uma realidade com clara caracterização, de que resulta uma fácil determinação das entidades que a integram - e que integram, portanto, a categoria das entidades vinculadas ao SNCP - já a situação é diferente no que respeita à administração estadual indirecta (os institutos públicos), à administração autónoma e mesmo aos sectores públicos empresariais. E tal situação, resultante de regimes gerais que lhes são aplicáveis, é particularmente complexa, dado o regime de específicas entidades a que a lei atribui características e capacidades que as tornam entidades mistas, com disciplina que, em certos aspectos, as aproximam dos institutos, noutros da administração autónoma e, mesmo noutros, das entidades empresariais.
Como abaixo veremos, é o que se passa, no presente processo, com o IPV.

8. Atente-se ainda que, nos termos do nº 1 do artigo 5º do diploma legal que estamos a analisar, "[a] contratação de bens e serviços pelas entidades compradoras é efectuada preferencialmente de forma centralizada pela ANCP ou pelas UMC". E no nº 3, estipula-se ainda que "[a] intervenção da ANCP e das UMC é repartida segundo categorias de obras, bens e serviços, a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças e por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do sector, respectivamente".
A portaria a que alude este nº 3 - e que releva para o presente caso - é a Portaria nº 420/2009 de 20 de abril, a qual veio rever e substituir a Portaria nº 772/2008 de 6 de agosto. (7)
Ora, de acordo com o nº 1 do seu artigo 1º, a Portaria nº 420/2009, de 20 de abril, procede à definição das categorias de bens e serviços cujos acordos quadro e procedimentos de aquisição são celebrados e conduzidos pela ANCP, sendo que as categorias destes bens e serviços são os que constam da lista anexa à mesma portaria.
Assim, e para o que interessa ao caso sub judicio, deve dizer-se que a lista anexa à portaria contém a indicação - como categoria de bens e serviços cujos acordos quadro e procedimentos aquisitivos são celebrados pela ANCP - das "Refeições confeccionadas", as quais, no que concerne aos códigos do Vocabulário Comum para os Contratos Públicos (CPV), pertencem ao Grupo 55500000-5: Serviços de cantinas e de fornecimento de refeições (catering) e à Classe 55520000-1: Serviços de fornecimento de refeições (catering).

9. Tendo-se visto que a prestação de serviços relativa a refeições confecionadas se integra no domínio da contratação centralizada pela ANCP, voltemos ainda ao Decreto-Lei nº 37/2007, de 19 de fevereiro, para explicitar o regime que dele resulta para a contratação das entidades vinculadas ao SNCP.
No nº 4, do seu artigo 5º, este diploma legal estipula que "[a] contratação centralizada de bens e serviços (...) é obrigatória para as entidades compradoras vinculadas, sendo-lhes proibida a adopção de procedimentos tendentes à contratação directa de bens móveis e de serviços" mencionados na portaria atrás indicada, "salvo autorização prévia expressa do membro do Governo responsável pela área das finanças". Diga-se desde já, que no presente caso, tal autorização não foi solicitada.
A consequência legal decorrente da contratação efectuada em violação do disposto no nº 4, do artigo 5º, do citado Decreto-Lei nº 37/2007 é, de acordo com o nº 6 do mesmo artigo, a nulidade dos contratos, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar, civil e financeira que ao caso couber, nos termos gerais de direito.

10. Na sequência do que vem de dizer-se, relativamente à disciplina do Decreto-Lei nº 37/2007 de 19 de Fevereiro, importa aludir ao facto de, no Diário da República, 2ª série, de 13 de agosto de 2010, ter sido publicado o Aviso nº 16199/2010, de 4 de agosto de 2010, da ANCP.
Com este Aviso, deu a ANCP conta, publicamente, de que celebrou, em 28 de julho de 2010, o acordo quadro relativo ao fornecimento de refeições confecionadas na sequência da realização do "Concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para o fornecimento de refeições confeccionadas", cujo anúncio de adjudicação foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE) nº 2010/S 148-228136, de 3 de agosto de 2010.
Mais deu conta, no citado Aviso, de que, "com a entrada em vigor, no dia 28 de Julho de 2010, do acordo quadro mencionado, passou a ser vedado a todos os serviços da administração directa do Estado e a todos os institutos públicos - que constituem entidades compradoras vinculadas enquadradas no nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 37/2007 - a adopção de procedimentos tendentes à contratação, fora do âmbito do mesmo, de bens e serviços abrangidos pelo acordo quadro, ressalvando-se, apenas, os casos de autorização expressa do membro do Governo responsável pela área das finanças".

11. Face ao exposto, deve pois enfrentar-se a questão de saber se face ao objeto do contrato em apreciação e à natureza do IPV e seus SAS aquele poderia ter sido formado por ajuste direto, com o fundamento legal invocado.  

II.B - A natureza jurídica do IPV e o regime jurídico a que se subordina

12. O IPV é um instituto politécnico criado pelo Decreto-Lei nº 513-T/79, de 23 de dezembro e, como tal, como se verá, uma instituição de ensino superior.
A Lei nº 62/2007, de 10 de setembro, "estabelece o regime jurídico das instituições de ensino superior, regulando designadamente a sua constituição, atribuições e organização, o funcionamento e competência dos seus órgãos e, ainda, a tutela e fiscalização pública do Estado sobre as mesmas, no quadro da sua autonomia" (vide o nº 1 do seu artigo 1º).
E a alínea a) do nº 1 do artigo 4º estabelece que, compreendendo o sistema do ensino superior, o ensino superior público e o ensino superior privado, aquele é "composto pelas instituições pertencentes ao Estado e pelas fundações por ele instituídas" nos termos daquela lei.
Ora, o IPV não sendo uma fundação instituída pelo Estado, é pois uma instituição pertencente ao Estado.

13. Nos termos do artigo 5º, nº 1, alínea b), deste diploma legal, as instituições do ensino superior integram as instituições de ensino politécnico, as quais compreendem os institutos politécnicos e outras instituições de ensino politécnico.
Como se já disse, e o nome também o diz, o IPV é um instituto politécnico.
De acordo com o disposto no artigo 9º, nº 1, da mesma lei, "[a]s instituições de ensino superior públicas são pessoas colectivas de direito público, podendo, porém, revestir também a forma de fundações públicas com regime de direito privado".
O IPV é pois uma pessoa coletiva de direito público, pertencente ao Estado.

14. Em conformidade com o nº 2, deste artigo 9º, as instituições de ensino superior públicas estão sujeitas, em tudo o que não contrariar esta Lei nº 62/2007 e demais leis especiais, ao regime aplicável às pessoas coletivas de direito público de natureza administrativa, designadamente à lei quadro dos institutos públicos, que vale como direito subsidiário naquilo que não for incompatível com as disposições da dita Lei nº 62/2007.
E, nos termos do nº 6 da mesma disposição legal, previne-se o intérprete de que, como legislação especial, aquela lei não é afetada por leis de caráter geral, salvo disposição expressa em contrário.
É patente que o pensamento legislativo, claramente expresso na letra da lei, vai no sentido de subordinar as instituições de ensino superior, onde se inclui o IPV, ao disposto nas suas leis especiais - em particular, e no que agora interessa, a Lei nº 62/2007 - prevendo a aplicação de regimes gerais, designadamente a lei quadro dos institutos públicos, somente de forma subsidiária e sempre que, de tal aplicação, não resulte afetação das soluções consagradas naquelas leis especiais, salvo se estas o permitirem.

15. Aqui chegados, sabemos que o IPV é uma pessoa coletiva de direito público, pertencente ao Estado, sujeito ao disposto na sua lei especial e ao regime aplicável às pessoas coletivas de direito público de natureza administrativa, designadamente à lei quadro dos institutos públicos, que vale como direito subsidiário, nos termos que referimos.

Sendo uma pessoa coletiva de direito público, face á extrema variedade que esta espécie pode assumir, não pode o intérprete deixar de perguntar: que tipo de pessoa coletiva de direito público?

A esta pergunta, a lei especial não responde, pelo que temos de apelar ao direito subsidiário.

Ora, a lei quadro dos institutos públicos (Lei nº 3/2004, de 15 de janeiro (8)), estabelece no seu artigo 48º uma categoria de institutos públicos que "[g]ozam de regime especial, com derrogação do regime comum na estrita medida necessária à sua especificidade (...)" e, naquela categoria, integra "[a]s (...) escolas de ensino superior politécnico".
Verifica-se, pois, que o IPV é um instituto público de regime especial. E resulta desta disposição uma norma com igual orientação, embora complementar, das anteriormente visitadas no regime das instituições do ensino superior: o regime especial destes institutos derroga o regime comum dos institutos públicos, na estrita medida necessária à sua especificidade. 

II.B - O IPV e a contratação centralizada

16. Face ao regime da contratação pública centralizada e do SNCP, recorde-se que, sendo um instituto público, o IPV deveria ser considerado uma entidade vinculada. Mas será que a especialidade do seu regime, que resulta da lei quadro dos institutos públicos e da sua legislação especial, confirma essa orientação ou, antes, afasta-a, aproximando o IPV da administração autónoma e, portanto, do universo das entidades voluntárias do SNCP? Importa indagar.
Vejamos pois que soluções resultam da legislação especial aplicável ao IPV e seus SAS que possam ter impacto em matéria de contratação pública, muito especialmente em matéria de contratação pública centralizada.

17. Segundo o disposto no artigo 11º, nº 1, da Lei nº 62/2007, de 10 de setembro, "as instituições de ensino superior públicas gozam de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar face ao Estado, com a diferenciação adequada à sua natureza".
Assim, resulta desta norma, para o que agora importa, que o IPV goza de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
Ora, a generalidade dos institutos públicos goza desse tipo de autonomias face ao Estado e, mesmo assim, foi intenção do legislador integrá-los no universo das entidades vinculadas do SNCP.
É verdade que a autonomia administrativa, financeira e patrimonial destas instituições tem um recorte específico consagrado nesta lei especial, no seu capítulo V. Mas nesta nada se diz em matéria de contratação centralizada, vinculada ou voluntária. Não parece pois que a consagração daquelas autonomias, feita na lei especial, constitua uma especificidade que derrogue as normas de regimes gerais, relativas à vinculação dos institutos públicos ao SNCP. Ou dito de outro modo: o regime aplicável à generalidade dos institutos públicos, em matéria de contratação centralizada, naquilo que se viu até agora, não parece pôr em causa a aplicação da lei especial por que se rege o IPV.
Pergunte-se ainda: será que o entendimento, que agora se deu às autonomias administrativa, financeira e patrimonial, põe em causa a "autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural" que a lei especial também expressamente consagra para as instituições de ensino superior? O legislador nada diz expressamente nesse sentido: defender tal posição (a de que as autonomias estatutária, pedagógica, científica e cultural conduzem a um entendimento específico das autonomias administrativa, financeira e patrimonial que as afastaria, no domínio da contratação centralizada, dos demais institutos públicos) não tem base legal evidente.

18. De harmonia com o artigo 76º, da Lei nº 62/2007, de 10 de setembro, as instituições de ensino superior dispõem de órgãos de governo próprio.
Ora, a existência de órgãos de governo próprio é uma característica específica destas instituições que, consagrando um regime de autogoverno, as aproxima do universo das administrações autónomas.
Mas também aqui se pergunta: a consagração de um modelo de autogoverno, por si só, arrasta a não aplicação das normas de regimes gerais em matéria de contratação centralizada? Para defender tal posição teria de se demonstrar que aquela aplicação põe em causa a aplicação da lei especial. Ora, tal demonstração não foi feita.
E o que foi invocado pelos SAS e acima reproduzido no nº 2, e que parcialmente se acolhe (9), não afasta o que agora foi considerado como conclusão.

19. No que toca à competência do presidente do instituto politécnico, importa salientar que, nos termos do artigo 92º, nº1, alínea e) da referida lei, compete-lhe dirigir e representar o instituto, incumbindo-lhe, designadamente, orientar e superintender na gestão administrativa e financeira da instituição, assegurando a eficiência no emprego dos seus meios e recursos.
Ora, por si esta disposição em nada se afasta do que genericamente é consagrado para os institutos públicos (e, aliás, para qualquer responsável máximo de serviço público).
Assim, ao contrário do que foi defendido pelos SAS e acima se viu na alínea l) do nº 2, desta disposição legal nada parece resultar de que, na ausência de normas especiais em matéria de contratação centralizada, a aplicação de regimes gerais ponha em causa a prevalência do regime especial.

20. Alegaram ainda os SAS que uma especificidade dos regimes especiais acarretaria o afastamento dos regimes gerais no que respeita à contratação centralizada. Disseram: a "(...) estatuição do n.º 3 do artigo 20º do RJIES (...) consagra que, no âmbito do sistema de acção social, o Estado concede apoios directos e indirectos geridos de forma flexível e descentralizada, sendo o acesso à alimentação uma das modalidades de apoio social indirecto. Ora, a gestão destes apoios de forma descentralizada parece, salvo melhor opinião, legitimar a aquisição fora dos acordos quadros da ANCP".

Com o devido respeito, não se concorda.

Resulta do regime especial das instituições de ensino superior que existe um sistema de ação social escolar. E este sistema tem como finalidades, entre outras, favorecer o acesso ao ensino superior e a frequência bem-sucedida do ensino, aspetos muito relacionados com a autonomia estatutária, pedagógica, científica e cultural do ensino superior.
Do regime resulta igualmente quais as modalidades de apoio que aquele sistema assegura e, de entre elas, o acesso à alimentação.
As opções sobre como essas modalidades são desenvolvidas - mais ou menos apoios... na área da saúde ou das atividades culturais e desportivas... ou noutras áreas - serão provavelmente matéria que, prendendo-se com a especificidade derradeira do ensino superior, se relacionam com as referidas autonomias.
Mas feitas essas opções, como pode ser prejudicada a forma concreta como se desenvolvem, por força da aplicação de regimes gerais subsidiários, nos casos em que a lei especial nada diz?
Vejamos o caso das refeições: a opção do fornecimento de refeições prende-se com a aplicação da lei. Poderá igualmente depender de opções feitas pelos órgãos de governo próprio. Mas feitas essas opções, como é que o regime especial aplicável às instituições de ensino superior pode ser, em alguma medida, posto em causa pelo recurso a acordos quadro para fornecimento de refeições?

Não se vê, na lei, nada que conduza a uma conclusão afirmativa a essa pergunta.

Em conclusão: no âmbito do sistema de ação social escolar, o recurso a acordos quadro, por força de regimes gerais subsidiários, não põe em causa a aplicação do regime especial das instituições do ensino superior. 

II.C - Conclusões quanto regime aplicável ao IPV em matéria de contratação centralizada

21. Do que foi dito, importa tirar conclusões sobre se o IPV deve ser integrado no universo das entidades vinculadas do SNCP, ou se deve ser qualificado como entidade voluntária em matéria de contratação centralizada.
Ora, do exposto resulta que há domínios do regime especial dos institutos politécnicos que os remetem para o universo dos institutos públicos e, outros, para o das administrações autónomas.
O IPV é verdadeiramente uma instituição com um regime misto.
A questão tem de ser, como se viu, esclarecida em concreto.
Assim: estamos no domínio da contratação pública centralizada e particularmente da contratação do fornecimento de refeições.
Não resulta da lei especial por que o IPV se rege, qualquer orientação normativa expressa sobre a matéria.
Temos pois de nos socorrer da lei geral, como regime subsidiário.
Da lei geral resulta que o IPV deve ser considerado como instituto público de regime especial.
Os aspetos que foram invocados para afirmar a especificidade do regime do IPV, aceitando que se trata de um instituto público, embora de regime especial, mas defendendo que se trata de uma verdadeira administração autónoma, como se viu, ou não são fundamento para se tirar tal conclusão, neste processo (caso da autonomia administrativa, financeira e patrimonial, dos poderes do presidente, e das finalidades da gestão) ou só longinquamente se prendem com a contratação centralizada (caso do autogoverno e da ação social escolar).
Em conclusão: tratando-se de matéria que diz respeito à gestão administrativa, financeira e patrimonial, o IPV deve ser considerado como instituto público, e nada do seu regime especial justifica a derrogação do regime aplicável, nesta matéria, aos institutos públicos em geral (seguindo os critérios da lei quadro dos institutos públicos, no seu nº 1 do artigo 48º).
A aplicação do regime geral dos institutos públicos nesta matéria da contratação centralizada, em nada afeta as soluções consagradas na legislação especial das instituições do ensino superior (seguindo os critérios da Lei nº 62/2007, de 10 de setembro, nos nºs 2 e 6 do seu artigo 9º).
Assim, o IPV deve ser pois considerado instituto público e, como tal, entidade vinculada do SNCP.

22. Para fundamentar o não recurso ao acordo quadro, foi ainda alegado pelos SAS que o preço por eles obtido é mais favorável que o que resulta daquele.
Tal argumento não colhe: o que importa é saber se o IPV é ou não entidade vinculada. Sendo entidade vinculada, como se demonstrou, deve socorrer-se dele. E, como se sabe, a negociação em concreto das soluções contratuais não estão fechadas com a celebração do acordo quadro.
Por outro lado, o facto de, no âmbito do mesmo procedimento, se ter incluído a prestação de serviços diferentes (fornecimento de refeições e exploração de espaços comerciais), pode introduzir elementos de distorção da concorrência em cada um desses domínios (10).

23. Foi igualmente alegado que o concreto contrato não poderia ser formado no âmbito do acordo quadro porque este só tem como objeto o fornecimento de refeições, enquanto aquele envolve também a exploração de snack-bar e de bar.
Tal argumento não colhe igualmente. E repete-se: o que importa é saber se o IPV é ou não entidade vinculada. Sendo entidade vinculada, como se demonstrou, deve socorrer-se dele.
E, se o acordo quadro não responde às necessidades do IPV, deverá este com tais fundamentos, ativar os mecanismos previstos na lei e que acima se referiram no nº 9: no caso das entidades vinculadas o recurso à contratação centralizada é obrigatória, salvo autorização prévia expressa do membro do Governo responsável pela área das finanças. Deveria pois solicitar-se esta autorização, sem prejuízo do recurso a outras alternativas, como a de um procedimento específico para a exploração dos referidos bar e snack-bar.  

II.D - Conclusões em matéria de fiscalização prévia

24. Face ao exposto, temos ainda de concluir que, sendo a contratação centralizada de serviços de fornecimento de refeições confecionadas, através da ANCP, obrigatória para as entidades compradoras vinculadas, por força do disposto no artigo 5º, nºs 1, 3 e 4 do citado Decreto-Lei nº 37/2007, não deveria o IPV ter celebrado o contrato que ora submeteu a fiscalização prévia deste Tribunal. Ao invés, deveria o mesmo Instituto ter efetuado a contratação do serviço de fornecimento de refeições confecionadas, nos termos do acordo quadro celebrado pela ANCP e publicitado pelo Aviso acima referido.
Como o contrato, remetido para fiscalização prévia, foi celebrado em violação do disposto no nº 4, do artigo 5º, do Decreto-Lei nº 37/2007, é o mesmo nulo, de harmonia com o estabelecido no nº 6, do mesmo artigo.

25. Enquadra-se, pois, tal violação no disposto na alínea a) do nº 3 do artigo 44º da LOPTC (11). 

III - DECISÃO

26. Pelos fundamentos indicados, e nos termos do disposto na alínea a) do nº 3 do artigo 44.º da LOPTC, acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção, em recusar o visto ao contrato acima identificado.
27. São devidos emolumentos nos termos do artigo 5º, n.º 3, do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas (12). 

Lisboa, 17 de maio de 2011

Os Juízes Conselheiros,
(João Figueiredo - Relator)
(Alberto Fernandes Brás)
(Helena Abreu Lopes)

Fui presente

(Procurador Geral Adjunto)
(Jorge Leal)


(1) A este valor, a pagar pelo adjudicante, será deduzido o montante de € 7.453,80, correspondente à contrapartida financeira anual a pagar pelo adjudicatário pela exploração do snack-bar e bar .
(2) No exercício de competências delegadas, ao abrigo do Despacho n.º 26445/09, de 26.11.09, do MCTES, publicado no DR, 2ª Série, n.º 235, de 4.12.09. 
(3) Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de janeiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 18-A/2008, de 28 de março e alterado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, pelos Decretos-Lei nºs 223/2008, de 11 de setembro, 278/2009, de 2 de outubro, pela Lei nº 3/2010, de 27 de abril, e pelo Decreto-Lei nº 131/2010, de 14 de dezembro. 
(4) Esse contrato anterior foi visado por este Tribunal, em sessão diária de visto, de 04.02.10 (Processo n.º 2310/09). 
(5) Vide Cláusula 13ª do CE. Valores que, naturalmente, não incluíam o correspondente IVA. 
(6) Vide ofício nº 203 de 6.05.2011, a fls 143 e ss. do processo. 
(7) Actualmente vigora a Portaria nº 103/2011 de 14 de março, a qual substitui a lista anexa às Portarias nºs 772/2008, de 6 de agosto e 420/2009, de 20 de abril. 
(8) A Lei nº 3/2004 de 15 de Janeiro foi objecto das alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 51/2005, de 30 de agosto, pelos DL nºs 200/2006, de 25 de outubro e 105/2001, de 3 de abril (que a republicou) e pela Lei nº64-A/2008, de 31 de dezembro. 
(9) Acolhe-se a afirmação de que "juntamente com os demais aspectos da autonomia o autogoverno permite conceber as Universidades como uma expressão da administração autónoma e não como administração estadual indirecta». Tal afirmação tem de se entender, actualmente, válida para os Institutos Politécnicos, uma vez que a lei ordinária consagrou, no que ao caso interessa, iguais regimes de autogoverno e autonómicos". Contudo, de tal afirmação não pode retirar-se a conclusão de que aos institutos politécnicos não pode aplicar-se o regime geral dos institutos públicos em matéria de contratação centralizada: o autogoverno destas instituições em nada é beliscado pelo recurso aos instrumentos de contratação centralizada. 
(10) Relembrem-se os valores do contrato acima referidos no nº 1 e na nota nº 1: o contrato tem um valor estimado de € 414.307,40. Contudo à componente relativa à exploração do snack-bar e bar foi atribuído um valor de apenas € 7.453,80. 
(11) Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas: Lei nº 98/97, de 26 de agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de dezembro, 1/2001, de 4 de janeiro, 55-B/2004, de 30 de dezembro, 48/2006, de 29 de agosto, 35/2007, de 13 de agosto, e 3-B/2010, de 28 de abril. 
(12) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei nº 139/99, de 28 de agosto, e pela Lei nº 3-B/2000, de 4 de abril.