Acórdão n.º 3/2011, de 21 de Janeiro de 2011, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1554/2010)

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ACÓRDÃO Nº 3 /11 - 21. JAN. 2011/1ª S/SS

Proc. nº 1554/10

 

Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção:


I - RELATÓRIO A empresa "Estradas de Portugal, SA" (EP, SA) remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada celebrado em 29 de Outubro de 2010, com a empresa "OBRECOL - Obras e Construções, SA", pelo valor de 8.240.147,31 €, acrescido de IVA, tendo por objecto a "EN 103 - Acessos ao Novo Hospital de Braga".  

II - MATÉRIA DE FACTO 
 

Para além do referido acima, relevam para a decisão os seguintes factos, que se dão por assentes:

A) Pelo Despacho conjunto nº 54/2005, de 20 de Dezembro de 2004, dos Ministros das Finanças e da Administração Pública e da Saúde, publicado no Diário da República, II série, de 14 de Janeiro de 2005, foram aprovadas as condições de lançamento de uma parceria público-privada para a construção e gestão do novo Hospital de Braga;
B) O anúncio de abertura do procedimento de concurso público internacional, com vista à construção e gestão do novo Hospital de Braga, foi publicado no Diário da República, III série, de 20 de Janeiro de 2005, no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE), de 13 de Janeiro de 2005, e nos jornais Público, Diário Económico, Jornal de Negócios e Diário de Notícias de 12 de Janeiro do mesmo ano de 2005;
C) Por despacho do Ministro da Saúde de 27 de Abril de 2005, foi fixado que o prazo para a entrega das propostas terminava às 17 horas do dia 2 de Setembro de 2005;
D) Na sequência do concurso público supra referido, veio a ser celebrado, em 9 de Fevereiro de 2009, um contrato de gestão do novo Hospital de Braga, em regime de parceria público-privada, entre o Estado e as sociedades "Escala Braga - Sociedade Gestora do Estabelecimento, SA" e "Escala Braga - Sociedade Gestora do Edifício, SA";
E) O contrato mencionado na alínea anterior foi visado pelo Tribunal de Contas em 15 de Julho de 2009, no âmbito do Processo nº 359/2009;
F) Nos termos da sua Cláusula 6ª, o contrato referido nas alíneas anteriores tem por escopo a concepção, a construção (1), a organização e o funcionamento do Hospital de Braga;
G) Nos termos do nº1, da sua Cláusula 142ª, o contrato supra referido produz efeitos desde a data da sua assinatura;
H) De acordo com o nº1, da Cláusula 85ª, do dito instrumento contratual, o novo Hospital de Braga estava situado no local identificado na planta de localização que constituía o Anexo VI ao Contrato.
I) A data prevista para a abertura do novo Hospital de Braga é a de 31 de Maio de 2011 (2);
J) Por deliberação do Conselho de Administração da "EP, SA" de 18 de Agosto de 2010 (3) foi autorizada a realização de um procedimento por ajuste directo, com convite a uma única empresa, com vista à realização da empreitada da "EN 103 - Acessos ao Novo Hospital de Braga", acima referida, com invocação do disposto no artigo 24º, nº1, al. c) do Código dos Contratos Públicos (CCP);
K) Na deliberação mencionada na alínea anterior, foi decidido, ainda, convidar a empresa "SOMAGUE, Engenharia, SA", empresa esta que integrava o consórcio construtor do Novo Hospital de Braga ("NH BRAGA ACE");
L) A carta convite foi remetida à empresa "SOMAGUE, Engenharia, SA" em 19 de Agosto de 2010, nela se definindo, como data limite para a apresentação de proposta, o dia 1 de Setembro de 2010 (4);
M) Pelo FAX nº 003/JCT/MJL/2010, de 19 de Agosto de 2010, a empresa "SOMAGUE, Engenharia, SA" comunicou à "EP, SA" que o âmbito do "NH BRAGA ACE - Agrupamento Construtor do novo Hospital de Braga" não permitia a execução dos trabalhos abrangidos pela empreitada da "EN 103 - Acessos ao Novo Hospital de Braga" (5);
N) Por deliberação do Conselho de Administração da "EP, SA" de 1 de Setembro de 2010, foi decidido não só não adjudicar os trabalhos da empreitada da "EN 103 - Acessos ao Novo Hospital de Braga", com invocação do artigo 79º, nº1, al. a) do CCP, mas também revogar a decisão de contratar, "em conformidade com o nº1, do artigo 80º, do CCP", e, ainda, comunicar a decisão à empresa convidada (6);
O) Em 15 de Setembro de 2010, foi produzida no Gabinete de Controlo de Contratos (GCC) - Núcleo de Coordenação Norte - da Direcção de Construção e Manutenção, da "EP, SA", a Informação nº 331/2010/GCCT (7), na qual se efectuou uma nova proposta de decisão de contratar, por ajuste directo, com convite a seis empresas, e ao abrigo do artigo 24º, nº1, al. c) do CCP, para a execução da empreitada referida na alínea anterior, "atento a necessidade de garantir os acessos ao novo Hospital de Braga, quando as respectivas obras estiverem concluídas (8)",   indicando-se como prazo de execução da obra de 270 dias e referindo-se que se prevê a consignação da obra em Outubro de 2010 (9);
P) Por deliberação do Conselho de Administração da "EP, SA", de 15 de Setembro de 2010, e com base em Proposta (10) fundamentada na Informação mencionada na alínea antecedente, foi decidido contratar, por ajuste directo, com convite a seis empresas, a empreitada referida na alínea anterior, com invocação do artigo 24º, nº1, al. c) do CCP e mantendo-se o prazo de execução em 270 dias e a previsão de consignação da obra em Outubro de 2010 (11).
Q) Na sequência da deliberação mencionada na alínea antecedente, foram remetidas, em 22 de Setembro de 2010, cartas convite para a apresentação de propostas, as seguintes empresas (12):

- "SOMAGUE, Engenharia, SA";

- "EDIFER, Construções, SA";

- "MSF, Engenharia, SA";

- "OBRECOL, Obras e Construção, SA";

- "Empresa de Construção Amândio de Carvalho, SA", e

- "Gabriel A. S. Couto, SA".

R) O prazo de execução da obra é de 270 dias, no qual está incluído o prazo parcelar de 210 dias para a elaboração de todos os trabalhos necessários à execução de:

a) Variante à EN 103 - Secção Corrente 1;
b) Nó do Feira Nova - Ramos B, D e D1 de forma a garantir os movimentos entre a variante à EN 103 e a Circular de Braga (Rotunda do Feira Nova);
c) Nó do Hospital - Rotunda, Ramo 1, Ramo 4 e Ligação 2, de forma a garantir os movimentos entre a variante à EN 103 e o Hospital (13).

S) O critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa e considera a ponderação dos seguintes factores:

- Preço - 80%

- Valia técnica - 15%

- Valia técnica da proposta variante - 5%.

T) O preço base do procedimento é de 11.000.000,00 € (14);
U) São admitidas propostas variantes parciais ao projecto, nos termos definidos no Caderno de Encargos e no ponto 10 da carta convite (15);
V) Apresentaram propostas as quatro empresas seguintes:

- "OBRECOL, Obras e Construções, SA" (proposta base e proposta variante);

- "Gabriel A. S. Couto, SA" (proposta base e proposta variante);

- "Empresa de Construções Amândio de Carvalho, SA" (proposta base e proposta variante);

- "SOMAGUE, Engenharia, SA" (proposta base e proposta variante).

W) Em 6 de Outubro de 2010, foi elaborado, pelo júri do procedimento, um Relatório preliminar de avaliação das propostas, no qual anunciou a intenção de propor a adjudicação da empreitada ao concorrente "OBRECOL, Obras e Construções, SA", pelo preço de 8.240.147,31 €, acrescido de IVA, e com um prazo de execução de 270 dias, a contar da data da consignação (16);
X) Efectuada a audiência prévia dos concorrentes, - a que respondeu apenas o concorrente "Gabriel A. S. Couto, SA" - o júri do procedimento produziu, em 12 de Outubro de 2010, o Relatório final de avaliação das propostas, no qual considerou economicamente mais vantajosa a proposta variante do concorrente referido na alínea anterior, pelo preço de 8.240.147,31 €, acrescido de IVA, e propôs a adjudicação a dita empresa "OBRECOL, Obras e Construções, SA (17)";
Y) Por deliberação do Conselho de Administração da "EP, SA", de 13 de Outubro de 2010, foi adjudicada a empreitada da "EN 103 - Acessos ao Novo Hospital de Braga" à proposta variante mencionada na alínea antecedente, pelo valor aí indicado de 8.240.147,31 € e pelo prazo de 270 dias, a contar da consignação (18);
Z) Por deliberação do Conselho de Administração da "EP, SA" de 20 de Outubro de 2010, foi aprovada a minuta do contrato de empreitada referido na alínea anterior (19);

AA) O contrato ora remetido para fiscalização prévia foi celebrado em 29 de Outubro de 2010;
BB) A empreitada teve quatro consignações parciais, tendo ocorrido a primeira consignação parcial em 2 de Novembro de 2010, e as restantes três consignações parciais em 7 de Novembro de 2010, em 7 de Dezembro de 2010 e em 15 de Dezembro de 2010 (20);
CC) Tendo em conta que havia sido invocada urgência imperiosa, para fundamentar a escolha do procedimento por ajuste directo, a "EP, SA" foi interpelada, por este Tribunal, sobre como considerava compatível essa urgência, com os seguintes factos (21):

- Desde Agosto de 2010 que se encontram a ser praticados actos conducentes à adjudicação da empreitada;

- O contrato foi celebrado em finais de Outubro de 2010;

- O contrato foi remetido à Direcção-Geral do Tribunal de Contas no dia 10 de Novembro de 2010;

- Atento o prazo de execução da obra, e, partindo do pressuposto de que a consignação ainda não havia ocorrido, a obra não estaria concluída em Maio de 2011(22).

DD) Em resposta à questão referida na alínea anterior, a "EP, SA", para além de aludir, resumidamente, à matéria de facto indicada nas anteriores alíneas I) a Q) e BB), informou o seguinte, em síntese (23):
"... 1) Que o atraso de cerca de um mês verificado no início deste processo (entre a 1º e a 2ª decisão de contratar, ou seja entre 18 de Agosto e 15 de Setembro) se deveu a razões que não são da responsabilidade desta empresa, e que decorreu da opção inicial de convidar o ACE responsável pela construção do novo Hospital de Braga, tendo por base critérios técnicos e financeiros;
2) Que a actuação da EP, nomeadamente a atenção e celeridade com que este procedimento de contratação foi desenvolvido, em cumprimento integral dos procedimentos previstos na legislação em vigor, foi consentânea com a urgência do procedimento de contratação adoptado. Esse facto pode aferir-se pela seguinte cronologia: decisão de contratar em 15 de Setembro de 2010, adjudicação em 13 de Outubro de 2010, celebração do contrato em 29 de Outubro de 2010 e consignação em 02 de Novembro de 2010;
3) Que a actual programação da empreitada pressupõe que a ligação viária ao novo Hospital de Braga seja concluída até ao dia 31 de Maio de 2011....".

III - O DIREITO

1. Como resulta da matéria de facto dada por assente, o presente contrato de empreitada, celebrado entre a "EP, SA" e a empresa "OBRECOL, Obras e Construções, SA", foi precedido de um procedimento por ajuste directo, ao abrigo do artigo 24º, nº1, alínea c), do CCP aprovado pelo DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro.
A primeira questão que se suscita no presente processo é, desde logo, a de saber se, tendo em conta a matéria de facto assente, se encontra justificada a utilização do procedimento por ajuste directo, a preceder a celebração do contrato de empreitada atrás referido.
2. Como já era entendido por vários autores (24) e por este Tribunal, antes do actual Código dos Contratos Públicos (25), o concurso público era o regime regra da escolha do co-contratante particular, na realização de despesas públicas em geral e na contratação de serviços em particular (artigo 183º do Código do Procedimento Administrativo - CPA), por ser a melhor forma de promover a concorrência e de observar os demais princípios que regiam a contratação pública, consagrados nos artigos 7º a 15º do DL nº 197/99 de 8 de Junho, - aplicáveis às empreitadas de obras públicas ex vi do artigo 4º, nº1, al. a) deste diploma legal.
Outra regra básica era a estabelecida no artigo 48º, nºs 1 e 2 do DL nº 59/99 de 2 de Março, onde se definia o procedimento pré-contratual a adoptar, em função do valor estimado do contrato.
O ajuste directo, ao abrigo do disposto no artigo 136º do mesmo diploma legal - fosse qual fosse o valor estimado do contrato - assumia-se, assim, como uma excepção a essas regras.
E, por se tratar de um excepção à regra geral, a lei, quando o admitia, rodeava-o de fortes condicionalismos e submetia-o a apertados requisitos.
Assim é que, de acordo com o disposto no citado artigo 136º, nº1, al. c), do dito DL nº 59/99, o ajuste directo podia ter lugar, independentemente do valor estimado do contrato, na medida do estritamente necessário quando, por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pelo dono da obra, não pudessem ser cumpridos os prazos exigidos pelos concursos público, limitado ou por negociação, desde que as circunstâncias invocadas não fossem, em caso algum, imputáveis ao dono da obra.
Para suportar o ajuste directo, exigia, pois, a citada norma, a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

a) Ser na medida do estritamente necessário;

b) Urgência imperiosa;

c) Que a urgência imperiosa seja resultante de acontecimentos imprevisíveis pelo dono da obra;

d) Não pudessem ser cumpridos os prazos exigidos para a realização, no caso, do concurso público;

e) Que as circunstâncias invocadas não fossem, em caso algum, imputáveis ao dono da obra.

3. O actual Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro (26), manteve, no essencial, as regras acabadas de enunciar, no que concerne à adopção do concurso público e do procedimento por ajuste directo, tendentes à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas.
Efectivamente, dispõe, por um lado, o artigo 19º do CCP: 

Artigo 19º
Escolha do procedimento de formação de contratos de empreitada de obras públicas
No caso de contratos de empreitada de obras públicas:
a) A escolha do ajuste directo só permite a celebração de contratos de valor inferior a € 150.000 ou, caso a entidade adjudicante seja o Banco de Portugal ou uma das referidas no nº2 do artigo 2º, de valor inferior a € 1.000.000.
b) A escolha do concurso público ou do concurso limitado por prévia qualificação permite a celebração de contratos de qualquer valor, excepto quando os respectivos anúncios não sejam publicados no Jornal Oficial da União Europeia, caso em que só permite a celebração de contratos de valor inferior ao referido na alínea c) do artigo 7º da Directiva nº 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março (27).

Por outro lado, no que concerne à escolha do ajuste directo, para a celebração de quaisquer contratos, importa atentar ainda - no que interessa ao presente caso - no disposto no artigo 24º, nº1, al. c), do CCP:

Artigo 24º
Escolha do ajuste directo para a formação
de quaisquer contratos
1 - Qualquer que seja o objecto do contrato a celebrar, pode adoptar-se o ajuste directo quando:
..................................................................................
c) Na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante;
..................................................................................

3. 1. Ora, enunciada a legislação ora vigente, - e aplicável no caso vertente - há que realçar, por um lado, que, nos casos de empreitadas de obras públicas, a escolha do ajuste directo só permite a celebração de contratos de valor inferior a € 150.000, ou, caso a entidade adjudicante seja o Banco de Portugal ou uma das referidas no nº2, do artigo 2º do CCP, de valor inferior a 1.000.000 €, de harmonia com o artigo 19º, al. a), do mesmo Código.
Por outro lado, sendo o valor do contrato de empreitada superior a 5.150.000 €, o procedimento pré-contratual adequado é a realização de um concurso público ou de um concurso limitado com prévia qualificação, com publicação do respectivo anúncio no JOUE, face ao disposto na al. b), do mesmo artigo 19º, do CCP, bem como no artigo único da Portaria nº 701-C/2008, de 29 de Julho e no artigo 7º, al. c), da Directiva nº 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março.

3. 2. Como resulta da matéria de facto dada por assente, a entidade adjudicante adoptou, no caso em apreço, um procedimento por ajuste directo, com fundamento na al. c), do nº1, do artigo 24º, do CCP.
Efectivamente, o ajuste directo pode ser adoptado, seja qual for o objecto do contrato, nas circunstâncias previstas no artigo 24º do CCP e, particularmente, nas da alínea c), do nº1, do mesmo normativo.
Ora, para que seja possível a adopção do ajuste directo, suportada nesta norma, necessária é a verificação de pressupostos idênticos aos que exigia o artigo 136º, nº1, do DL nº 59/99 de 2 de Março, ou seja:

- ser na medida do estritamente necessário;

- por motivos de urgência imperiosa;

- que a urgência imperiosa seja resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante;

- não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos e, no caso, o concurso público ou o concurso limitado com prévia qualificação;

- que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante.

3. 3. No domínio do recurso ao ajuste directo, importa dizer que, como já era jurisprudência pacífica deste Tribunal (28) no âmbito da legislação anterior ao presente CCP, e uma vez que não se verificou qualquer alteração dos pressupostos com a entrada em vigor do actual CCP, continua a não bastar a ocorrência de uma qualquer urgência para se poder recorrer a tal procedimento pré-contratual, seja no âmbito das empreitadas de obras públicas, seja no âmbito da contratação relativa à locação e aquisição de bens ou serviços.
Na verdade, continua a exigir-se que a urgência seja imperiosa, isto é, uma urgência categórica, imposta por uma situação a que não pode deixar de se acorrer com rapidez.
Trata-se, pois, de uma situação de urgência impreterível, significando-se com isto que a prestação não pode ser "adiada", sob pena de não ser mais possível realizá-la, ou que a sua não realização imediata virá a causar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação.

3. 4. Por outro lado, exige-se que tal urgência imperiosa seja resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante.
Por "acontecimentos imprevisíveis", relevantes para efeitos da previsão da al. c) do nº1, do artigo 24º do CCP, - e como também já era jurisprudência pacífica deste Tribunal - devem entender-se as situações que surgem de forma inopinada e que um normal decisor, colocado na posição de um real decisor, não seja capaz de prever e de prevenir.

3. 5. Também se exige que as circunstâncias invocadas, para a adopção do procedimento por ajuste directo, não sejam imputáveis à entidade adjudicante.
Bem se compreende esta exigência:
É que, tratando-se de uma iniciativa da responsabilidade da entidade adjudicante, em que esta teve a possibilidade de a conceber e planear, e em que dispôs dos tempos necessários para a sua concretização e implementação, só circunstâncias que, de todo em todo, escaparam ao seu controlo e que, por isso, não lhe podem ser imputáveis, é que poderiam justificar a adopção do ajuste directo.

3. 6. Exige-se, ainda, que não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, designadamente, no presente caso, o concurso público ou o concurso limitado por prévia qualificação.
Também se compreende bem esta exigência: Só a absoluta impossibilidade de cumprimento dos prazos inerentes à marcha dos demais procedimentos - decorrente da citada urgência - pode justificar a adopção do procedimento por ajuste directo.

4. Como resulta da matéria de facto dada por assente, depois de aprovadas as condições para o lançamento de uma parceria público-privada para a construção do novo Hospital de Braga, o anúncio de abertura do concurso público internacional, tendente à construção do referido Hospital, foi publicado no Diário da República, III série, de 20-01-2005, vindo a ser celebrado o respectivo contrato em 09-02-2009, o qual foi visado por este Tribunal em 15-07-2009 (cfr. a matéria de facto dada por assente nas alíneas B, D e E) do probatório.
Por outro lado, importa salientar que a localização do novo Hospital de Braga era conhecida à data de celebração do dito contrato (9 de Fevereiro de 2009), como consta da cláusula 85ª do mesmo (vide a matéria factual constante da alínea H), do probatório), tal como também era sabido que a abertura do Hospital ocorreria em 31 de Maio de 2011 (vide a matéria de facto da alínea I), do dito probatório).
Houve, assim, tempo suficiente para que se programassem e desenvolvessem os mecanismos necessários à construção do novo Hospital de Braga e à construção atempada dos acessos ao mesmo estabelecimento hospitalar.
Por isso, no caso vertente, não ocorreu nenhuma situação de urgência justificativa do ajuste directo.
Aliás, quando a "EP, SA" foi confrontada com a justificação da existência da urgência que havia sido invocada para a adopção do ajuste directo, - até pelo facto de a obra não poder estar concluída antes da abertura do novo Hospital de Braga - veio a dita empresa apresentar as razões constantes da alínea DD) do probatório.
Ora, não apresentam as explicações prestadas qualquer justificação plausível para que, nas circunstâncias acima referidas, não se tivessem desenvolvido as diligências necessárias para, oportunamente, ser planeada e realizada a empreitada em causa e realizado o procedimento pré-contratual adequado - um concurso público ou um concurso limitado por prévia qualificação.

4.1. Porém, ainda que houvesse urgência na realização dos acessos ao novo Hospital de Braga, tal urgência não era imperiosa, nem resultava de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante.
Na verdade, não foi invocada a ocorrência de qualquer circunstância que tenha surgido inopinadamente e com a qual a entidade adjudicante não pudesse contar.
Bem pelo contrário, tudo decorreu arrastadamente e sem a ocorrência de qualquer imprevisto:
Como se disse, a data de abertura do novo Hospital (31 de Maio de 2011) e a respectiva localização, eram conhecidas, pelo menos, desde 9 de Fevereiro de 2009 (vide a matéria factual dada por assente nas alíneas D) a H) do probatório), pelo que conhecida era, igualmente, a necessidade de acesso ao Hospital...
Por outro lado, o convite para a apresentação de propostas só foi remetido às empresas convidadas em 22-09-2010 e a primeira consignação parcial só ocorreu em 02-11-2010...
Ora, uma vez que os trabalhos de construção dos acessos ao Hospital carecem de um prazo de execução de 270 dias, e que deveriam estar concluídos antes de 31-05-2011 (data da abertura do estabelecimento hospitalar), necessário seria que todo o processo se desenrolasse com mais celeridade, de modo a que a consignação da obra se verificasse até 03-09-2010...

4. 2. Para a adopção do procedimento por ajuste directo era igualmente necessário, como se disse, que as circunstâncias invocadas não fossem imputáveis à entidade adjudicante.
Ora, no caso em apreço, e como se referiu no ponto anterior, tudo decorreu vagarosamente, tendo existido tempo suficiente para que, de modo eficaz, tudo pudesse ter sido planeado e executado de forma a ser realizado o procedimento pré-contratual adequado e realizada a empreitada em condições de estar concluída a obra na data da abertura do novo Hospital de Braga.
Tal só não se verificou, pois, devido ao modo como foram desenvolvidas as diligências no âmbito desse processo e, quiçá, por não ter sido colocado um empenho correspondente à celeridade que afinal vieram a invocar para justificar o ajuste directo.
Aliás, para demonstrar o que acaba de se dizer, basta atentar na circunstância de que, como o presente contrato de empreitada tem um prazo de execução de 270 dias, a contar da data da consignação da obra (vide a matéria factual da alínea R) do probatório), - que se verificou em 2 de Novembro de 2010 - só em 30 de Julho de 2011, é que é possível estar concluída a empreitada de construção dos acessos ao novo Hospital de Braga...
Assim, e uma vez que, mesmo com o procedimento pré-contratual adoptado, só é possível estarem concluídos os acessos ao novo Hospital, dois meses após a data de abertura do estabelecimento hospitalar, isso significa que a obra não foi planeada e executada tempestivamente, circunstâncias estas imputáveis à entidade adjudicante.

5. Nesta conformidade, porque se não verificam os pressupostos indicados no artigo 24º, nº1, al. c) do CCP, e porque o valor do contrato é de 8. 240.754,57 €, não era possível o recurso ao procedimento por ajuste directo, no caso vertente, atento o disposto no artigo 19º, al. a), do mesmo Código.
Era necessária, ao invés, a realização de um concurso público ou de um concurso limitado por prévia qualificação.

5. 1. Mas não bastava a realização, pura e simples, de um concurso público ou de um concurso limitado por prévia qualificação:
Uma vez que o preço base do procedimento era de 11.000.000 €, e o contrato celebrado tem um valor de 8.240.754,57 €, impunha-se não só a realização de um destes concursos, como, ainda, que o respectivo concurso fosse publicitado no Jornal Oficial da União Europeia, nos termos da alínea b), do citado artigo 19º, do CCP.

5. 2. Um dos valores fundamentais, característicos dos procedimentos pré-contratuais, é o da observância do princípio da concorrência.
E isto porque, só com um procedimento que assegure a concorrência, é possível obter a satisfação do interesse público.
Como refere LUÍS S. CABRAL DE MONCADA (29) o objectivo das leis de defesa da concorrência é o de assegurar uma estrutura e comportamento concorrenciais dos vários mercados, no pressuposto de que é o mercado livre que, seleccionando os mais capazes, logra orientar a produção para os sectores susceptíveis de garantir uma melhor satisfação das necessidades dos consumidores, e, ao mesmo tempo, a mais eficiente afectação dos recursos económicos disponíveis, que é como quem diz, os mais baixos custos e preços.
A concorrência é, assim, e segundo este Autor, encarada como o melhor processo de fazer circular e orientar livremente a mais completa informação económica, quer ao nível do consumidor, quer ao nível dos produtores, assim esclarecendo as respectivas preferências. É por isso que a sua defesa é um objectivo de política económica.

5. 3. Um dos instrumentos necessários para assegurar o princípio da concorrência é, por outro lado, a observância de um outro princípio fundamental neste âmbito: o princípio da publicidade.
Para que se obtenha a participação do maior número possível de concorrentes aos procedimentos pré-contratuais, necessário é que o mercado da contratação pública seja o mais aberto possível, o que pressupõe que as entidades adjudicantes publicitem, pelo modo mais adequado, a sua vontade de contratar.
Poderá, assim, dizer-se que sem publicidade não haverá uma verdadeira concorrência.
É essa, pois, a ratio legis que preside às normas legais que impõem a publicitação dos procedimentos concursais no Diário da República e no Jornal Oficial da União Europeia: Só com tal publicidade é possível dar conhecimento às empresas nacionais e comunitárias da intenção de contratar, o que, por outro lado, possibilita potenciar a igualdade de oportunidades entre todos os operadores económicos do espaço comunitário (30).
Ora, ao omitir-se a publicidade no JOUE, prejudicou-se a realização da mais ampla concorrência possível e da igualdade de oportunidades entre os agentes económicos do espaço comunitário.
Como se disse no Acórdão nº 119/2007, de 30 de Agosto de 2007, da 1ª Secção, deste Tribunal, a exigência de publicidade no JOUE, responde não só a um imperativo de direito interno, mas também de direito comunitário, sendo que, inexistindo nas directivas aplicáveis, qualquer norma a autorizar a derrogação dessa publicidade, a sua violação é susceptível de fazer incorrer Portugal, enquanto pais membro da União Europeia numa acção de incumprimento, nos termos previstos nos artigos 226º a 229º do Tratado CEE, e consequente prolação de acórdão condenatório por parte do Tribunal de Justiça Europeu (31).
Acentua, ainda, este Aresto que as situações de incumprimento de directivas comunitárias na área da contratação pública, desencadeadas pela Comissão contra Estados Membros, e decididas pelo Tribunal de Justiça Europeu, têm sido frequentes.
E a jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu, quer em sede de acções de incumprimento, quer em sede de questões prévias e prejudiciais suscitadas pelos juízes nacionais, enquanto primeiros aplicadores e garantes da aplicação do Direito Comunitário tem sido invariável no sentido de que, relativamente aos contratos abrangidos pelas directivas comunitárias, bem como relativamente às entidades sujeitas ao seu âmbito de aplicação, não há fundamento - a não ser que expressamente previsto nas directivas - para que, situando-se os contratos em causa acima dos limiares comunitários, não se proceda à realização de concurso publico internacional e à sua publicitação no JOUE, ou através de qualquer outro meio idóneo ao nível da União Europeia, por forma a assegurar a concorrência comunitária e a concretização do mercado interno(32).

6. Vejamos, de seguida, as consequências jurídicas das ilegalidades atrás enunciadas.
Como resulta do que acima se disse, não se verificam, no caso presente, os pressupostos da adopção do procedimento por ajuste directo.
Ao invés, impunha-se a realização de um concurso público, ou de um concurso limitado por prévia qualificação, com publicitação no Jornal Oficial da União Europeia.
Como é jurisprudência deste Tribunal, diversas vezes afirmada, a falta de concurso público, ou de concurso limitado por prévia qualificação, quando legalmente exigíveis, torna nulo todo o procedimento, - nulidade que se transmite ao subsequente contrato - por preterição de um elemento essencial (artigos 133º, nº1 e 284º, nº2, do CCP).
Tal nulidade é, nos termos do artigo 44º, nº3, al. a), da Lei nº 987 de 26 de Agosto, fundamento de recusa de visto.

IV - DECISÃO 
 

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em subsecção, em recusar o visto ao contrato ora em apreço.
São devidos emolumentos (artigo 5º, nº 3, do Regime jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo ao DL nº 66/96 de 31 de Maio).
Lisboa, 21 de Janeiro de 2011. 

Os Juízes Conselheiros - (António M. Santos Soares, relator) - (João Figueiredo) - (Alberto Fernandes Brás)

Fui presente

O Procurador-Geral Adjunto - (Jorge Leal)


(1) Itálico nosso.
(2) Vide ofício da "EP, SA" com nº de saída 100734, de 27 de Dezembro de 2010, a fols. 100 e segs. dos autos.
(3) Tomada sobre a Informação nº 304/2010/GCCT, de 17 de Agosto de 2010 (vide fols. 8 dos autos).
(4) Vide fols. 6 dos autos.
(5) Vide fols. 6 dos autos.
(6) Vide fols. 6 dos autos.
(7) Vide fols. 21 dos autos.
(8) Itálico nosso.
(9) Itálico nosso.
(10) Com o nº 570/2010/DCM, de 15 de Setembro de 2010.
(11) Itálico nosso. Vide fols. 21 e 29 dos autos.
(12) Vide fols. 29 e 101 dos autos.
(13) Vide fols. 29 dos autos.
(14) Vide fols.29 dos autos.
(15) Vide fols. 29 dos autos.
(16) Vide fols. 30 a 52 dos autos.
(17) Vide fols. 55 a 83 dos autos.
(18) Vide fols. 85 dos autos.
(19) Vide fols. 88 dos autos.
(20) Vide fols. 101 dos autos.
(21) Interpelação feita através do ofício com a referência DECOP/UAT I/6765/10 de 22-11-2010 (vide fols. 97 dos autos).
(22) Data prevista para a abertura do Hospital de Braga.
(23) Através do ofício com o nº de saída 100734, de 27-12-2010 (vide fols. 100 e segs. dos autos).
(24) Vide v. g. MARGARIDA OLAZABAL CABRAL, in "O Concurso Público nos Contratos Administrativos", ed. Almedina, 1997, pág. 110 e segs. e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, in "Concursos e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa", ed. Almedina, 1998, págs. 177 e segs..
(25) Vide v. g. os Acórdãos da 1ª Secção, em subsecção, nºs 64/08, de 13-05-2008, in Proc. nº 308/2008 e 71/08, de 27-05-2008, in Proc. nº 271/2008 e os Acórdãos da mesma Secção em Plenário, nº 4/08, de 12-02-2008, in Rec. Ordº nº 29/07, nº 6/08, de 10-03-2008, in Rec. Ordº nº 27/07, nº 9/08, de 15-07-2008, in Rec. Ordº. nº 9/08 e nº 6710, de 09-03-2010, in Rec. Ordº nº 21/09.
(26) Que entrou em vigor em 29 de Julho de 2008, de acordo com o disposto no artigo 18º, do referido DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro.
(27) Este valor corresponde a € 5.150.000 como decorre do artigo único da Portaria nº 701-C/2008 de 29 de Julho.
(28) Vejam-se, a título de exemplo, o Acórdão nº 4/2005, de 22-2-2005, proferido, em Plenário da 1ª Secção, no Recurso Ordinário nº 20/04; o Acórdão nº 7/07, de 7-5-2007, proferido em Plenário da 1ª Secção, no Recurso Ordinário nº 6/07; o Acórdão nº 4/08, de 12-2-2008, proferido em Plenário da 1ª Secção, no Recurso Ordinário nº 29/07; o Acórdão nº 6/08, de 10-3-2008, proferido em Plenário da 1ª Secção, no Recurso Ordinário nº 27/08 e o Acórdão nº 120/07 de 18-9-2007, proferido em Subsecção da 1ª Secção, no Processo nº 831/07.
(29) In "Direito Económico", 5ª edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, pág. 486 e seg.
(30) O Acórdão Telaustria, de 7 de Dezembro de 2000, do Tribunal de Justiça (Proc. N.º C-324/98, Colect.2000, p. I-10745), a propósito da aplicação das regras fundamentais do Tratado e do princípio da não discriminação em particular declarou que, independentemente das directivas, este princípio implica, nomeadamente, uma obrigação de transparência, consistindo essa obrigação "em garantir, a favor de todos os potenciais concorrentes, um grau de publicidade adequada para garantir a abertura da concorrência dos contratos de serviços, bem como o controle da imparcialidade dos processos de adjudicação". Neste Acórdão conclui-se que as obrigações de transparência e publicidade decorrem do princípio da igualdade e ainda que a sua aplicação em concreto não está dependente da existência de regulação específica; sendo certo que a lei portuguesa regula especificamente esta situação, como decorre do supra referido.
(31) Sobre a Acção de incumprimento e as consequências jurídicas dos Acórdãos do Tribunal de Justiça Europeu, veja-se FAUSTO QUADROS e ANA M. GUERRA MARTINS, in "Contencioso Comunitário", ed. Almedina, Coimbra, 2002, pág. 186.
(32) Conf., neste sentido, designadamente, ANN LAWRENCE DURVIAUX, in "Logique de marche et marché publique en droit communautaire : Analyse critique du système », Bruxelles, 2006, Larcier, pág. 407 a 427 ; PHILIPE FLAMME, MAURICE-ANDRÉ FLAMME, CLAUDE DARDENNE, in « Les Marchés Publiques Européens et Belges, L´Irrésistible Européanisation du Droit de la Commande Publique », 2005, Bruxelles, Larcier, pág. 89 a 110 e MARIA JOÃO ESTORNINHO, in « Direito Europeu dos Contratos Públicos, um Olhar Português», ed. Almedina, Coimbra, 2006, pág. 61 a 105.