Acórdão n.º 27/2010, de 13 de Julho de 2010, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 521/2010)

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ACÓRDÃO Nº 27/10 - 13.JUL.2010 - 1ª S/SS

Proc. nº 521/10

Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção:

I - RELATÓRIO

1. A  Direcção de Navios da Marinha  do Ministério da Defesa Nacional (MDN) remeteu, para efeitos de fiscalização prévia,  o contrato relativo à "Aquisição de Sistemas de Comunicações por Satélite Militar SHF", celebrado, em 31 de Março de 2010, com a Empresa Pinto Basto Electrotecnia e Máquinas, Lda", no valor de € 1.345.000,00, ao qual acresce o correspondente valor em IVA, à taxa legal aplicável.

2. Para além dos factos referidos no número anterior, são dados ainda como assentes e relevantes para a decisão os seguintes:
a) O contrato  foi precedido de um procedimento de ajuste directo, autorizado, em 06/03/2009, por despacho do  então  Ministro da Defesa Nacional (1);
b) Tal despacho foi proferido atentas as razões expressas em informação da Direcção de Navios da Marinha e em pareceres da Secretaria-Geral do MDN e da DGAED (2), que de seguida se abordarão;
c) Na informação da  Direcção de Navios da Marinha (3) refere-se, nomeadamente, o seguinte:

i. "A Marinha dispõe de dois Sistemas de satélite SHF da Marca EADS-Astrium que equipam duas das Fragatas (FFGH'S) da Classe "Vasco da Gama".
ii. A existência de apenas dois sistemas de comunicações por satélite na banda SHF, embora rotável pelas três FFGH's classe "Vasco da Gama", traduz-se, em termos práticos, numa limitação grave que, em determinadas circunstâncias,  poderá comprometer o cumprimento da Missão.
iii. Por outro lado, além do custo associado á transferência do sistema de navio para navio ser elevado, está prática traduz-se num desgaste do equipamento, factor que poderá contribuir para uma redução significativa do tempo de vida dos respectivos sistemas, implicando ainda a mobilização de duas FFGH's para a transferência do Sistema, bem como a existência de meios de apoio específicos para a desmontagem/montagem de determinados componentes críticos, como é o caso das respectivas antenas.
iv. A aquisição de um terceiro sistema de comunicações por satélite, igual ao actualmente instalado nas FFGH's Classe "Vasco da Gama", garantirá a edificação desta capacidade nas três FFGH's e permitirá ultrapassar os problemas identificados anteriormente.
v. Será assegurada, por esta via, a redundância dos equipamentos, bem como uma maior taxa de disponibilidade do sistema, tendo em conta que no futuro, com a integração das fragatas da Classe "Bartolomeu Dias" no dispositivo de forças nacional, se poderá prolongar os períodos operacionais das três FFGH's da classe "Vasco da Gama" importando assim, neste cenário, garantir uma configuração de base idêntica em todos os navios da Classe.
vi. O sistema em apreço é fabricado pela empresa EADS Astrium Ltd. representada em Portugal em regime de exclusividade pela à sociedade comercial Pinto Basto Electrotecnia e Máquinas, Lda.
vii. Para satisfação dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português, designadamente no âmbito NATO "SNMGF' e UE  (EUROMARFOR) é indispensável a Marinha ter três navios prontos e equipados com comunicações satélite militares deste tipo e natureza.
viii. Para além das vantagens já identificadas, importa também realçar as seguintes associadas à aquisição de um sistema do mesmo fabricante:

a) lnteroperabilidade com as Marinhas NATO, dado que estes equipamentos foram desenvolvidos em conformidade com as normas NATO em vigor;
b) Solução mais adequada em termos de apoio logístico, face aos sobressalentes  já existentes e potencialmente mais económica devido à normalização dos sistemas de comunicações satélite militar instalados nas Unidades Navais;
c) Face aos conhecimentos técnicos e de operação já adquiridos com os primeiros sistemas resulta também a dispensa de formação de operadores  e de técnicos de manutenção e consequentemente os custos nas respectivas acções de formação";
d) A informação referida na alínea anterior termina solicitando a autorização do Ministro da Defesa Nacional para a "realização de um ajuste directo à  sociedade comercial Pinto Basto Electrotecnia e Máquinas Lda., (na qualidade de representante da empresa EADS Astrium Ltd. em Portugal) (...) por se julgar que a factualidade enunciada antes se inscreve nas previsões das alíneas e) do nº 1 do artº 24º e alínea a) do nº1 do artª 26º" do CCP;
e) Na informação da Secretaria-Geral (4) do MDN refere-se o seguinte:

i."Conforme resulta do processo, a aquisição em apreço somente poderá ser efectuada à sociedade comercial Pinto Basto Electrotecnia e Máquinas Lda. (...).
ii. Desta forma, face ao supra-exposto, considera-se ser possível o recurso ao ajuste directo (...) com fundamento estipulado na alínea e) do nº 1 do artigo 24º do CCP.
iii. À priori não se vislumbra como poderia, a aquisição em apreço, ser efectuada com fundamento na alínea a) do nº 1 do artigo 26º do CCP (...).
iv. Parece-nos, desde logo muito duvidoso que um sistema de comunicações por satélite (...) se enquadre no âmbito de equipamentos de uso corrente (...).
v. Por outro lado, a Marinha, no processo remetido para este Ministério, não faz qualquer alusão a possíveis incompatibilidades ou dificuldades técnicas advindas da utilização de equipamentos com diferentes características técnicas, caso se viesse a adquirir um outro sistema de comunicações por satélite (...).
vi. Ora, entende-se que o conceito de "bens de específico uso corrente" remete, por um lado, para o núcleo das compras frequentes da entidade adjudicante e, por outro, para um grau de estandardização desses bens, na perspectiva da satisfação das necessidades da entidade adjudicante.
vii. Assim e atento o acima exposto, na situação em apreço, considera-se possível o recurso ao ajuste directo com fundamento no disposto na alínea e) do nº. 1 do artigo 24º do CCP."

f) Em ofício da DGAED (5) diz-se:
"O sistema de comunicações por satélite pretendido pela Marinha, é igual ao actualmente instalado nas FFGH'S Classe Vasco da gama, é fabricado, tal como os anteriores, pela empresa EADS Astrium Ltd, representado em Portugal em regime de exclusividade pela sociedade comercial Pinto Basto Electrotecnia e Máquinas Lda., facto que leva a Marinha a solicitar o Ajuste Directo em apreço, também ao abrigo da alínea e) do nº 1 do artigo 24º do CCP.
No entanto, em boa verdade o que consubstancia a proposta da Marinha para a escolha do procedimento por Ajuste Directo (...) é o facto do sistema em causa se contextualizar numa ampliação dos bens ou equipamentos de específico uso corrente da entidade adjudicante, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 26º daquele CCP".
E o ofício termina referindo que se "considera que estão reunidas as condições para que Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional (...) [d]ecida contratar o fornecimento (...) por ajuste directo, nos termos  e contexto da alínea a) do nº 1 do artigo 26º" do CCP (6);

g) Para além dos documentos referidos nas anteriores alíneas c) e seguintes, que são citados no despacho autorizador de realização da despesa e do procedimento por ajuste directo, consta ainda do processo ofício (7) do gabinete do Chefe do Estado-Maior da Armada em que se refere:
"Não se conhece, no mercado nacional, outro fornecedor autorizado a comercializar terminais ou sistemas de comunicação por satélite SHF da marca EADS-Astrium, além da sociedade comercial Pinto Basto Electrotecnia e Máquinas Lda. No mercado internacional existem outros fornecedores autorizados, não só deste equipamento específico, como de sistemas similares que poderão satisfazer os fins que o sistema de comunicação por satélite SHF cumpre.
No entanto, verifica-se que, se se viesse a adquirir um sistema de comunicação por satélite SHF de outra marca a outro fornecedor (...) o cumprimento da missão da Marinha pelo NRP "Vasco da Gama" ficaria comprometido, porquanto o procedimento tendente à aquisição e adaptação de um novo sistema ao navio em causa demoraria previsivelmente mais de 6 meses, colocaria em risco o cumprimento da missão e da capacidade do navio a que se destina, tendo presente que não seria possível ter o mesmo pronto para a missão em Setembro, como está previsto e é necessário que se cumpra dado considerarem que não seria possível ter o mesmo pronto para a missão em Setembro, como estaria previsto, a qual resulta de compromissos internacionais que envolvem a utilização deste meio naval.
Deve ser assinalado ainda, que uma mudança do sistema de comunicação por satélite SHF nas unidades navais a que se destinaria (todos os navios da classe "Vasco da Gama") requereria a modificação de toda a infra-estrutura instalada e já existente para suporte da sua operação, com um custo financeiro e de imobilização dos meios navais prejudicial à economia, eficiência e eficácia, quer da logística, quer do uso operacional dos mesmos".

h) Admitindo-se a existência de fornecedores autorizados no mercado internacional para o equipamento em causa ou similar,  e tendo se optado pelo ajuste directo em detrimento de abertura de um concurso público com dimensão internacional, a entidade adjudicante foi instada a pronunciar-se sobre essa matéria, pelo que veio repetir (8), nos seus aspectos essenciais, os argumentos constantes dos documentos referidos acima nas alínea  c) e g) e referindo novamente que "no mercado internacional existem outros fornecedores autorizados, não só deste equipamento específico, como de sistemas similares que poderão satisfazer os fins que o sistema de comunicação por satélite SHF cumpre". E são acrescentados novos argumentos, em termos de economia, eficiência e eficácia e em matéria de custos, directos e indirectos, relativos à instalação de sistemas "mesmo que satisfazendo os mesmos requisitos técnicos".

II - FUNDAMENTAÇÃO

3. No presente processo suscita-se exclusivamente uma questão: a de saber se é legalmente admissível a celebração do  presente  contrato por ajuste directo.

4. Diga-se desde logo que não é fácil descortinar qual a base legal que efectivamente sustenta a decisão de proceder à realização do procedimento do ajuste directo. De facto, como se viu no nº 2, o despacho autorizador do então Ministro da Defesa Nacional, sustenta-se em vários documentos, para eles remetendo: da Marinha, da SecretariaGeral e da DGAED.
Ora, enquanto o documento da Marinha se apoia "nas previsões das alíneas e) do nº 1 do artº 24º e alínea a) do nº1 do artª 26º" do CCP", o documento da Secretaria-Geral fundamenta a aquisição por ajuste directo no "estipulado na alínea e) do nº 1 do artigo 24º do CCP"e refere que "não se vislumbra como poderia, a aquisição em apreço, ser efectuada com fundamento na alínea a) do nº 1 do artigo 26º do CCP", e no documento da DGAED, tomando-se posição contrária,  diz-se, que se deve proceder à formação do contrato por ajuste directo "nos termos e contexto da alínea a) do nº 1 do artigo 26º" do CCP.

5. Contudo, para a tomada da presente decisão não é necessário esclarecer qual o verdadeiro fundamento legal em que se sustentou a decisão de escolha do procedimento: se a alínea e) do nº 1 do artigo 24º, se a alínea a) do nº 1 do artigo 26º, ou se ambas as disposições do CCP.
A matéria de facto acima elencada no nº 2 fala por si.
Quer se tenha considerado que o ajuste directo se justifica porque  "por motivos técnicos (9) (...) a prestação objecto do contrato só possa ser confiada a uma entidade determinada", quer se tenha considerado que se trata de "bens destinados à (...) ampliação de bens ou equipamentos de específico uso corrente da entidade adjudicante" (10), o que releva para a decisão é afirmação feita e repetida de que "[n]o mercado internacional existem outros fornecedores autorizados, não só deste equipamento específico, como de sistemas similares que poderão satisfazer os fins que o sistema de comunicação por satélite SHF cumpre".

Isto é: no mercado internacional, não só há fornecedores alternativos de equipamentos similares, como há igualmente (e naturalmente, acrescentese)outros  fornecedores deste equipamento específico. Portanto, toda a argumentação relativa aos custos relativos à instalação de outros sistemas "mesmo que satisfazendo os mesmos requisitos técnicos", não colhe.
A convicção que se forma a partir do processado é a de que o recurso ao ajuste directo era necessário por uma questão de cumprimento de prazos e de compromissos assumidos pela Marinha em matéria de execução de missões.
Ora tal fundamento, conforme se retira do processo, não tem cobertura legal.

6. Em conclusão: no presente caso, não poderia ter sido feita a adjudicação por ajuste directo. E tendo em conta o valor do contrato, deveria ter sido seguido o procedimento de concurso  público ou de concurso limitado com prévia qualificação. E, face ao valor do contrato, o respectivo anúncio deveria ser publicado no Jornal Oficial da União Europeia, nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 20º do CCP.
A falta de concurso público ou de concurso limitado com prévia qualificação, sendo legalmente exigíveis, torna nulos a adjudicação e ocontrato a que deu origem por preterição de uma formalidade essencial, nos termos do artigo 133º, nº1 do Código do Procedimento Administrativo e do nº 2 do artigo 284º do CCP.
A nulidade, constitui fundamento de recusa de visto, nos termos do artigo 44º, nº3, al. a) da LOPTC (11).

III - DECISÃO

7. Pelos fundamentos indicados, por força do disposto na alínea a) do nº 3 do artigo 44.º da LOPTC, acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção, em recusar o visto ao contrato acima identificado.
8. São devidos emolumentos nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Regime Jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio, e respectivas alterações.
Lisboa, 13 de Julho de 2010

Os Juízes Conselheiros,
(João Figueiredo - Relator)
(Helena Abreu Lopes)
(Alberto Fernandes Brás) 

Fui presente
(Procurador Geral Adjunto)
(Daciano Pinto)


(1) Vide fl. 34 do processo.
(2) Direcção-Geral de Armamento e Equipamento de Defesa do MDN
(3) Informação nº 112/DAF de 9/10/08, a fls. 10 e ss. do processo..
(4) Documento nº 032376 de 19/01/2009, a fls. 24 e ss. do processo. Dado ter sido este o documento enviado para instrução do processo de fiscalização prévia, deduz-se que é a esta informação que se refere o despacho do Ministro da Defesa Nacional quando cita um parecer da Secretaria-Geral.
(5) Ofício nº 4372/DGAED de 14 de Novembro de 2008, dirigido ao Chefe de Gabinete do Ministro da Defesa Nacional, a fls. 16 e ss do processo. Dado ter sido este o documento enviado para instrução do processo de fiscalização prévia, deduz-se que é a este ofício que se refere o despacho do Ministro da Defesa Nacional quando cita um parecer da DGAED.
(6) Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 18-A/2008, de 28 de Março e alterado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, pelos Decretos-Lei nºs 223/2008, de 11 de Setembro, 278/2009, de 2 de Outubro, e pela Lei nº 3/2010, de 27 de Abril.
(7) Ofício nº 223 de 22 de Janeiro de 2009, a fl. 31 do processo, dirigido à Directora de Serviços de Contencioso e Auditoria do MDN
(8) Ofício nº 1485/DAF de 1 JUL 2010.
(9) Vide a redacção da referida alínea e) do nº 1 do artigo 24º, devendo no entanto dizer-se que tais motivos técnicos não foram demonstrados no processo.
(10) Vide a redacção da referida  alínea  a) do nº 1 do artigo 26º. Deve igualmente dizer-se que os demais pressupostos fixados nesta disposição legal não foram igualmente demonstrados no processo.
(11) Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas: Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto, 35/2007, de 13 de Agosto, e 3-B/2010, de 28 de Abril.