Acórdão n.º 24/2010, de 14 de Setembro de 2010, do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 2285/2009)

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ACÓRDÃO Nº 24 /2010 - 14 /SET - 1ª SECÇÃO/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 08/2010

(PROCESSO Nº 2285/2009 - 1.ª SECÇÃO)

  

I. RELATÓRIO

1. O Município de Viseu, inconformado com o teor do Acórdão n.º 9/2010, de 09.03, que recusou o Visto ao contrato para aquisição de serviços, relativo à elaboração do projecto para construção do Centro de Artes e Espectáculos de Viseu, celebrado em 10.12. 2009, no valor de € 764 525,21 [s/Iva] e do qual foram outorgantes aquela edilidade e a empresa "Filipe Oliveira Dias, Arquitecto, Lda., veio do mesmo interpor recurso jurisdicional, concluindo como segue:
(...)
1. O douto Acórdão recorrido não interpretou correctamente os factos essenciais, consubstanciadores do contrato objecto de ajuste directo.
2. Na sua fundamentação, o douto Acórdão recorrido equiparou a situação dos presentes autos com a subjacente ao Acórdão nº 20/2007, de 20 de Novembro.
2.1. Esta equiparação de situações foi incorrecta por não corresponder à realidade dos factos em análise.
2.2. Não devendo ter sido feita, para o presente caso não se poderiam ter extraído, directamente, quaisquer conclusões a partir do decidido naquele Acórdão nº 20/2007.
2.3.1. No caso apreciado pelo Acórdão nº 20/2007 estava em causa a aplicação da alínea d) do nº 1, do artigo 86º do DL nº 197/99, de 8 de Junho.
2.3.2. No caso apreciado pelo Acórdão recorrido está em causa a aplicação da alínea e) do nº 1, do artigo 24º do Código dos Contratos Públicos.
2.3.3. A redacção da lei actual (art.º 24º, nº 1, e), CCP) permite uma maior flexibilidade da sua interpretação, entendida como uma maior amplitude do poder discricionário nela contido.
2.4. Existem igualmente diferenças substantivas nas situações de facto subjacentes aos dois Acórdãos (o nº 20/2007 e o ora recorrido).
2.4.1. Na situação subjacente ao Acórdão nº 20/2007, o órgão administrativo em causa tinha invocado, apenas, o currículo do prestador de serviços a quem ajustara a execução do projecto.
2.4.2. Na situação subjacente ao Acórdão ora recorrido não se invocou, como elemento essencial ou preponderante, o currículo do prestador de serviços a quem se ajustou a execução do projecto.
2.4.2.1. Na situação do Acórdão recorrido a Câmara Municipal de Viseu alicerçou o ajuste directo no teor da informação prestada pelo Exmº Director do Departamento de Habitação e Urbanismo.
2.4.2.2. Nesta informação relevam-se os aspectos e características de natureza pluridisciplinar, associada a uma imagem artística/arquitectónica, identificadora de uma obra e de um estilo próprios,
2.4.2.3. Bem como a sua relação com a envolvente urbana e integração de valências,
2.4.2.4. Que se reflectem em diversas obras, cujos projectos foram elaborados pelo Sr. Arq. Filipe Oliveira Dias e nomeadamente a obra respeitante ao Teatro Municipal de Vila Real.
2.4.2.5. Neste sentido, foi a identidade, o estilo, a concepção artística/arquitectónica, em sentido amplo e indissociável, subjacente ao Teatro de Vila Real, que contribuiu decisivamente para informar e formar a decisão da Câmara Municipal de Viseu em proceder ao ajuste directo àquele Sr. Arquitecto.
2.4.2.6. Dito por outras palavras, a Câmara Municipal de Viseu tomou como modelo para o seu Centro de Artes e Espectáculos, a identidade e o estilo de obra, inerentes ao Teatro de Vila Real; o conhecimento deste projecto, em concreto, determinou a opção adoptada.
2.4.2.7. A única hipótese/forma de realizar este desejo era a de contratar directamente a elaboração do seu projecto com o Sr. Arq. Filipe Oliveira Dias.
2.4.2.8. A intenção da Câmara Municipal de Viseu era, não que fosse elaborado um "qualquer" projecto (com valências porventura iguais - número de lugares, número de palcos, de edifícios, as funções...), mas sim que fosse elaborado um projecto com características idênticas e semelhantes ao implementado no Teatro Municipal de Vila Real, sob pena de incorrer em plágio de obra.
3. No caso destes autos não é aplicável o disposto nos artigos 27º, nº 1, g) e 219º, ambos do Código dos Contratos Públicos.
3.1. E não é aplicável, pois não se verifica um pressuposto essencial para que o pudesse ser, o de não ser susceptível de aplicação, ao caso destes autos, o disposto na alínea e), do nº 1 do artigo 24º do Código dos Contratos Públicos.
3.2 A possibilidade de aplicação desta alínea e) ao caso dos autos é expressamente prevista na parte inicial do nº 1 daquele artigo 27º do mesmo CCP, sendo que
3.3. O Código dos Contratos Públicos não proíbe o ajuste directo através da adopção de critérios materiais.
4. Na medida em que cumpriu estrita e escrupulosamente a lei (alínea e), do nº 1 do artigo 24º do CCP), a decisão tomada pela Câmara Municipal de Viseu, do ajuste directo da elaboração do projecto do centro de Artes e Espectáculos de Viseu, não violou qualquer dos princípios contratuais na formação de contratos públicos.
4.1. Ao escolher um determinado e concreto conceito artístico e urbanístico nos termos explicitados, a Câmara Municipal de Viseu tomou uma decisão política, provida de legitimidade democrática, entendida no âmbito dos poderes discricionários que a lei lhe confere e por isso nesta medida, não sindicável.
5. Ao contrário, o douto Acórdão recorrido, sempre com o maior respeito opor opinião em contrário, ao não entender da forma mais correcta os verdadeiros factos pelos quais se procedeu ao referido ajuste directo, recusando o visto prévio deste Tribunal, violou esta mesma disposição legal.
Termina, peticionando a procedência do recurso interposto, com as inerentes consequências legais.

2. Aberta Vista ao Ministério Público, o ilustre Procurador-Geral Adjunto, em douto parecer, pronunciou-se pela improcedência do recurso.

3. Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Ao longo do acórdão recorrido considerou-se estabelecida, com relevância para a análise em curso, a factualidade inserta no intróito deste aresto e ainda a seguinte:

1. O contrato acima referido tem por objecto [vd. cláusula primeira] a prestação de serviços, traduzidos na elaboração do projecto para construção do Centro de Artes e Espectáculos de Viseu;
2. Em documento de 20 de Janeiro de 2009, assinado pelo vice-presidente da Câmara Municipal de Viseu e responsável pelos pelouros do ambiente, segurança, educação e cultura, refere-se que a (...) "construção de um Centro de Artes e Espectáculos de Viseu é imperativa" (...), devendo dele fazer parte para além de "um Grande Auditório com lotação variável" (...), "uma Sala de Exposições, um Café Concerto, uma Oficina de Artes, uma Galeria-Bar, Restaurantes, bares e parques de estacionamento" (...) e que é "desejo da Câmara solicitar a concepção do novo centro de Artes e Espectáculos de Viseu ao arquitecto portuense Filipe Oliveira Dias";
3. Em informação de 13 de Fevereiro de 2009 do Departamento de Habitação e Urbanismo "que serviu de caderno de encargos", refere-se que (...) "[e]mbora em abstracto, o procedimento previsto na alínea g) do artigo 27º e do artigo 219º do CCP pudesse ser igualmente aplicado, e sem pôr em causa uma certa latitude interpretativa dos limites decorrentes dos motivos técnicos e artísticos, consagrados na alínea e) do artigo 24º do referido CCP, parece-nos porém estarem preenchidos os requisitos que sustentam a proposta decorrente desta informação" e que face à "identidade da obra em que a par da satisfação de um programa funcional e dos atributos técnicos inerentes ao mesmo, se procura uma identificação com um estilo conhecido/pressupostos de desenvolvimento do projecto na sua relação com a envolvente urbana/integração de valências, que se justifica, face ao currículo e obras do Sr. Arq. Filipe Oliveira Dias na área em causa, como seja a título de exemplo o Teatro Helena Sá da Costa, no Porto, Teatro Municipal de Bragança, o Teatro Municipal de Vila Real, o Centro de Artes da Covilhã e Casa das Artes de Espectáculo e da Criatividade, em são João da Madeira, a adopção do ajuste directo ao abrigo da alínea e) do artigo 24º do CCP";
4. Em parecer do Gabinete Jurídico da Câmara Municipal de Viseu de 18 de Fevereiro, refere-se que perante a factualidade atinente, "parece-nos consubstanciar um desses casos" (...), "em que a lei permite a adopção de determinados procedimentos pré-contratuais sem adstrição aos limites de valor de contrato a celebrar - artigo 23ª do CCP" (...), "subsumindo-se às previsões legais contidas nos artigos 23º e 24º, nº 1, alínea e) do CCP, permitindo o convite directo ao Arquitecto Filipe Oliveira Dias";
5. Em reunião de 5 de Março de 2009, a Câmara Municipal de Viseu (...) "dá por verificados os requisitos previstos nos art. 23º e 24º nº 1, alínea e) do CCP" e deliberou-se por maioria de votos "possibilitar o desenvolvimento procedimental nos termos propostos". Votando vencidos contra a adjudicação por ajuste directo, outros vereadores declararam "que não estão cumpridos os requisitos formais previstos no Decreto-Lei nº 18/2008 de 29 de Junho, concretamente com o argumento invocado na alínea e) do art. 24º daquele diploma", (...) "uma vez que existem diversas entidades no mercado capazes de responder ao mesmo";
6. Após deliberação tomada pela CMV em 2 de Abril de 2009, e ao abrigo da alínea e) do nº 1 do artigo 24º do CCP, foi dirigido convite para apresentação de proposta para ajuste directo ao arquitecto Filipe Oliveira Dias;
7. O contrato foi celebrado na sequência de decisão de adjudicação, por ajuste directo, tomada pela CMV em deliberação tomada em 9 de Julho de 2009;
8. A prestação de serviços apresenta um prazo de execução de 120 dias;
9. Tendo-se solicitado à autarquia que esclarecesse como considera legalmente possível enquadrar o presente contrato no disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 24.º do CCP, veio aquela, no essencial, alegar o seguinte:
"Dispõe o artigo 24º, nº 1, alínea e) do Código dos Contratos Públicos (CCP) (...) que qualquer que seja o objecto do contrato a celebrar, pode adoptar-se o ajuste directo quando, por motivos técnicos, artísticos ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos, a prestação objecto do contrato só possa ser confiada a uma entidade determinada.
A Câmara Municipal de Viseu indica expressamente o citado preceito legal nas suas deliberações (...) na convicção de (...) ter por demonstrado que o contraente privado reunia e cumpria os requisitos técnicos e artísticos legitimadores da sua escolha (...)";
"...o previsto no artigo 27º, nº 4 do CCP não proíbe, absolutamente, o recurso ao ajuste directo para a adjudicação de fornecimentos de projectos, mas tão só, que o seja "ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1" não excluindo, por isso, a utilização desse tipo de procedimento com fundamento noutras normas, como seja o artigo 24º.
Na verdade, resulta do artigo 27º, nº 1, que este artigo é aplicado "sem prejuízo do disposto no artigo 24ª", afigurando-se que este raciocínio não é prejudicado pelo artigo 219º do citado Código..."
Com efeito, o "serviço" a prestar, dada a sua especificidade, complexidade e definição de uma imagem artística /arquitectónica" conduziu ao entendimento de "que por tais razões, o referido serviço, apenas, poderia ser "confiado" ao prestador em causa.
Lembramos que o clausulado do contrato (...) não admite a cessão da posição contratual, em observância do que é determinado pelo artigo 317º, nº 1, alínea a) do CCP (...)".  

III. DIREITO

Ao longo das conclusões extraídas em sede de alegações do recurso interposto pelo Município de Viseu e delimitadoras do objecto deste, equacionam-se questões que importa conhecer e que sumariamos desta forma:

§ Oportunidade e legitimação do apelo ao ajuste directo enquanto modo procedimental de aquisição de serviços, materializados na elaboração de um projecto de arquitectura;

§ Escolha de um conceito artístico e urbanístico, e susceptibilidade daquela enformar uma de decisão política e susceptibilidade de integração no âmbito dos poderes discricionários titulados pela Câmara Municipal de Viseu e exercitáveis no domínio da actividade administrativa.

Cumpre conhecer.

1. Formação do contrato Do Procedimento.
a. Questão prévia

a.1.
Conforme resulta do contrato em apreço, este tem por objecto a aquisição de serviços, traduzidos na elaboração de um projecto de arquitectura com vista à edificação do Centro de Artes e Espectáculos de Viseu. Ou seja, e socorrendo-nos da Portaria n.º 701-H/2008, de 29.07 [aprova, ao abrigo do art.º 43.º, n.º 7, do C.C.P., o conteúdo obrigatório do programa e do projecto de execução e bem assim os procedimentos e normas a adoptar na elaboração e faseamento de projectos de obras públicas], a entidade adjudicante, prescindindo das demais fases gerais do projecto - programa base, estudo prévio e ante-projecto-, decidiu, tão-só, a aquisição de serviços, traduzidos no projecto de arquitectura/execução. Opção sem mácula de ilegalidade, atenta a permissão facultada pelo art.º 3.º, n.º 1, da citada Portaria n.º 701-H/2008.
Assim, e distanciando-nos de algum equívoco, importa sublinhar que à entidade adjudicante assiste o direito e também a legitimidade de, no âmbito do projecto, dispensar a aquisição de serviços relacionados com as demais fases que o integram [ex: o estudo prévio], decidindo, desde logo, a aquisição do projecto de execução/arquitectura e assistência técnica. O que, em nome, de uma gestão responsável e de excelência, pressupõe, necessariamente, adequado conhecimento e melhor definição das características da obra que se pretende edificar.
Assim, e centrando-nos no caso em apreço, sobre a entidade adjudicante não recaía, em tese, a obrigação de adquirir serviços relacionados com a concepção [conceito que abrange o estudo prévio ou similar - vd. art.º 219.º, do C.C.P.], sendo-lhe permitida a aquisição, de modo directo, do projecto de execução/arquitectura e assistência técnica.

a.2.
Como é sabido, no domínio de obras com especial complexidade e exigência [vd., designadamente, obras inseríveis nos domínios artístico, do planeamento urbanístico, arquitectura e no âmbito do ordenamento do território], a Administração decide a aquisição de serviços relacionados com a concepção quando visa a recolha de elementos e ideias que lhe permitam a idealização e configuração de um projecto. Concepção essa, onde também se abriga o estudo prévio.
Ciente da especificidade do serviço em causa [concepção], o legislador, incluindo o comunitário, sempre cuidou de implementar e prever procedimentos que, muito especialmente, repercutissem a complexidade, originalidade singularidade e caracterização particular do bem ou serviço em causa.
Daí, e naturalmente, que a aquisição de bens e serviços com tal natureza [concepção] obriguem à realização prévia de concurso público e, eventualmente, de concurso limitado por prévia qualificação, imperativo que, como é sabido, resulta das normas contidas nos art.os 219.º e 220.º, do C.C.P., que, a propósito, dispõem:

"Art.º 219.º (Âmbito)
1 - O concurso de concepção permite a selecção de um ou mais trabalhos de concepção, ao nível do estudo prévio ou similar, designadamente nos domínios artístico, do ordenamento do território, do planeamento urbanístico, da arquitectura, da engenharia ou do processamento de dados.
2 - Quando a entidade adjudicante pretenda adquirir por ajuste directo, adoptado ao abrigo do disposto na al. g), do n.º 1, do art.º 27.º, planos, projecto ou quaisquer criações conceptuais que consistam na concretização ou no desenvolvimento dos trabalhos de concepção referidos no número anterior, deve previamente adoptar um concurso de concepção nos termos previstos no presente capítulo.

Art.º 220.º [Modalidades de concurso de concepção]
1 - O concurso de concepção reveste a modalidade de concurso público.
2 - Só pode ser adoptada a modalidade de concurso limitado por prévia qualificação quando a natureza dos trabalhos de concepção exija a avaliação da capacidade técnica dos candidatos.
3 - ....
4 - ...

E, com Margarida Olazabal Cabral (1), adianta-se que o concurso para concepção, sendo importado do Direito Comunitário, não constitui qualquer novidade, pois, de um lado, para além de o conhecermos em sede de direito comparado, tal figura procedimental já existia no nosso ordenamento jurídico - vd. art.os 94.º e 96.º, do Decreto-Lei n.º 55/95 e os comummente denominados "concursos de ideias", real modalidade de concurso para trabalhos de concepção.
Existe, pois, uma evidente convergência entre o Direito Comunitário [vd., ainda, a Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 31.03.2004] e o direito interno [vd., anteriormente, o Decreto-Lei n.º 197/99, de 08.06, art.º 164.º, e, presentemente, os art. os 219.º e 220.º, do C.C.P., acima transcritos] no sentido da aquisição de serviços relacionados com a concepção [onde se inclui o estudo prévio] exigirem a realização de concurso público e, nos casos estipulados na Lei, concurso limitado por prévia qualificação.  

b. Do Ajuste Directo.
O Caso em apreço.

b.1.
Como resulta do probatório fixado no acórdão recorrido e também inscrito em II., do presente, a entidade adjudicante e recorrente, ao adquirir os serviços, traduzidos na elaboração de um projecto de execução/arquitectura, sustentou-se no art.º 24.º, n.º 1, al. e), do C.C.P., que dispõe:
"Qualquer que seja o objecto do contrato a celebrar, pode adoptar-se o ajuste directo quando...por motivos técnicos, artísticos ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos, a prestação do objecto do contrato só possa ser confiada a uma entidade determinada (2) ".
Tal como se refere [e bem?] no acórdão recorrido, a citada disposição legal tem como epígrafe "Escolha do ajuste directo para a formação de quaisquer contratos", inserindo-se em Capítulo subordinado ao título "Escolha do procedimento em função de critérios materiais" que, sob o art.º 23.º, estabelece que "a escolha do procedimento nos termos do disposto no presente Capítulo permite a celebração de contratos de qualquer valor, sem prejuízo das excepções expressamente previstas".
Aquela regra resulta, como é sabido, da transposição para a ordem jurídica nacional de norma [art.º 31.º] de idêntico teor contida na Directiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 31.03.2004, e, afinal, empresta continuidade a idêntico regime já previsto no Decreto-Lei n.º 197/99, de 08.06 [vd. art.º 86.º, n.º 1, al. d)].

Aqui chegados, cumpre equacionar as seguintes questões:

§ Em face da normação vigente e aplicável, mostra-se viável a aquisição de serviços, traduzidos na elaboração de um projecto [de execução e/ou arquitectura] mediante ajuste directo?

§ "In casu", mostra-se adequado e legal o recurso ao ajuste directo enquanto procedimento para aquisição do serviço em apreço?

Passaremos, de seguida, à análise das questões suscitadas.

b.2. Da viabilidade do apelo ao ajuste directo na aquisição de projectos de execução e/ou de arquitectura.

Como é sabido, o concurso público constitui o procedimento - regra no domínio da contratação pública, pois, pela peculiaridade da sua tramitação, tal procedimento constitui uma forma particular de dar alento e substância aos princípios jurídicos da concorrência, da igualdade, da imparcialidade e da transparência, aliás, expressamente [vd. art.º 1.º, n.º 4], plasmados no Código dos Contratos Públicos.
Daí que os demais procedimentos [vd. a correspondente elencagem constante do art.º 16.º, n.º 1, do C.C.P.] e, mui especialmente, o ajuste directo, constituam reais excepções ao regime-regra, a exigirem, por consequência, cuidados redobrados na sua convocação.
De todo o modo, o apelo ao ajuste directo, embora seriamente restringido, é viável, não só em função de critérios materiais, mas também em razão do valor. O que se depreende dos art.os 23.º, 24.º e 21.º, do Código dos Contratos Públicos.

b.2.1.
Conforme já sublinhámos, está também em causa a (in) existência de fundamento legal para a aquisição de um determinado projecto de execução ou de arquitectura, sendo que, e a propósito, o recorrente não vislumbra algum impedimento normativo que, em tese, obste à adopção de tal procedimento para obtenção do bem ou serviço referido.

E, nesta parte, assiste-lhe razão.

Sucintamente, vejamos porquê.

Conforme já acentuámos, e tal decorre da Portaria n.º 701-H/2008 [vd. art.º 3.º], o projecto de execução e/ou projecto de arquitectura constitui uma das fases do projecto em geral, sendo que o dono da obra pode dispensar a exigência das restantes, onde se inclui o estudo prévio [modalidade do conceito "concepção"].
Logo, o projecto de arquitectura não tem de ser, necessariamente, antecedido por trabalhos de concepção, também entendidos como fase do projecto de obras em geral.
Daí que, e na ausência de aquisição de trabalhos de concepção, não seja sequer suscitável o apelo ao concurso público, exigido pelas normas contidas nos art.os 219.º e 220.º, do C.C.P.
E, em igual contexto, também não é ponderável o recurso ao ajuste directo para aquisição de projecto de arquitectura, procedimento que, ainda ao abrigo do art.º 219.º, n.º 2, do C.C.P., é adoptável sempre que, previamente, tiver ocorrido a aquisição de serviços de concepção mediante concurso.
Por outro lado, e com relevância para a economia da presente análise, o art.º 27.º, do C.C.P., sob a epígrafe "Escolha do ajuste directo para a formação de contratos de aquisição de serviços", dispõe:
" 1 - Sem prejuízo do disposto no art.º 24.º (3), no caso dos contratos de aquisição de serviços, pode adoptar-se o ajuste directo quando:
...
b) A natureza das respectivas prestações, nomeadamente as inerentes a serviços de natureza intelectual ou a serviços indicados na categoria 6 do anexo - II.A da Directiva n.º 2004/18/CE, do P.E. e do Conselho, de 13.03, não permita a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas... da aquisição pretendida;
...
g) O contrato, na sequência de um concurso de concepção, deve ser celebrado com o concorrente seleccionado...;
4. - Não pode ser adoptado o ajuste directo ao abrigo do disposto na al. b), do n.º 1, quando o serviço a adquirir consista na elaboração de um plano, de um projecto ou de uma qualquer criação conceptual nos domínios artístico..., da arquitectura (4), da engenharia e do processamento de dados."

Das normas citadas, é forçoso inferir o seguinte:

§ De um lado, a disciplina contida no art.º 27.º não obsta nem prejudica a plena vigência e aplicação das normas constantes do art.º 24.º, do C.C.P., o qual, como já se referiu, prevê a escolha do ajuste directo em função de critérios materiais aí explicitados [vd. n.º 1] e independentemente do valor;

§ De outro, confirma o teor da norma contida no art.º 219.º, n.º 2, do C.C.P., ao permitir o recurso ao ajuste directo na sequência de concurso de concepção;

E, por último,

§ Veda o recurso ao ajuste directo sempre que o serviço a adquirir seja um projecto de arquitectura, mas desde que ocorra o condicionalismo fáctico previsto na al. b), do citado art.º 27.º, ou seja, não proíbe, em absoluto, o recurso àquele procedimento, fazendo depender tal proibição da verificação do citado condicionalismo.
Por último, importa lembrar que, independentemente da existência de trabalhos prévios de concepção ou da restrição contida no art.º 27.º, n.º 4, do C.C.P., mostra-se legal o recurso ao ajuste directo para aquisição de projectos no domínio da arquitectura, desde que os correlativos contratos tenham valor inferior a € 25 000,00 [vd., neste sentido, o art.º 20.º, n.º 4, do C.C.P.].
Explicitadas as razões que, em tese, legitimam o recurso ao ajuste directo como procedimento adequado à aquisição de bens e serviços, traduzíveis em projectos de execução e/ou de arquitectura, ainda que em função de critérios materiais, importa saber se, "in casu", o procedimento seguido se reveste de conformação legal. 

b.3. Do ajuste directo
O caso em apreço.

Resulta do probatório que a escolha do ajuste directo como modo ajustado de aquisição do projecto para construção do Centro de Artes e Espectáculos de Viseu assentou na norma contida no art.º 24.º, n.º 1, al. e), do C.C.P., considerando-se, assim e por consequência, que se verificavam razões técnicas e artísticas propiciadoras do recurso àquele procedimento [não resulta do processo e do alegado que o procedimento escolhido se suporte na protecção de direitos exclusivos que, no caso, e em boa verdade, não se verificam].
E, na explicitação factual de tal fundamento [de cariz técnico e artístico], a entidade adjudicante, com relevância, invoca o seguinte:

§ Em abstracto, justificar-se-ia o cumprimento do disposto no art.º 219.º, do C.C.P. [concurso para aquisição de trabalhos de concepção];

Contudo, "face à identidade da obra, em que a par da satisfação de um programa funcional e dos atributos técnicos inerentes ao mesmo, se procura uma identificação com um estilo conhecido/pressupostos de desenvolvimento do projecto na sua relação com a envolvente urbana/integração de valências,..., face ao currículo e obras do Sr. Arq. Filipe Oliveira Dias na área em causa, como seja, o Teatro Sá da Costa, no Porto, Teatro Municipal de Bragança, o Teatro Municipal de Vila Real, o Centro de Artes da Covilhã e Casa das Artes de Espectáculo e da Criatividade, em S. João da Madeira", a adopção do ajuste directo, ao abrigo do art.º 24.º, al. e), do C.C.P., tem pleno fundamento.
Ou seja, e na peugada das alegações deduzidas pelo recorrente, as razões concretas e decisivas que determinaram a Câmara Municipal de Viseu a apelar ao ajuste directo como procedimento seguível radicam, basicamente, na identidade e estilo da obra [entendida nas vertentes artísticas e arquitectónica] subjacente ao Teatro Municipal de Vila Real, características acolhidas pela referida edilidade. Daí, e também, a adjudicação do projecto de arquitectura ao Arq. Filipe de Oliveira Dias, autor do projecto relativo àquela obra e a celebração do correspondente contrato.
Aquilatemos, pois, da sustentação legal do procedimento - ajuste directo - adoptado.

b.3.1.
Previamente, e com referência ao teor da norma contida no art.º 24.º, n.º 1, al. e), de C.C.P., importa sublinhar a indeterminação conceptual das expressões legais "motivos técnicos" e "artísticos" aí contidas, cujo sentido e alcance material cabe ao intérprete preencher. Fazendo-o, "in casu", com recurso a critérios restritivos, por forma a garantir os princípios a que se subordina a contratação pública.

Mais:

Tal como se verteu no acórdão recorrido, é imperioso evidenciar que, embora, amiúde, se considere a arquitectura ainda uma manifestação artística, o Código dos Contratos Públicos não acolhe tal orientação, deixando entender, isso sim, que arte e arquitectura se acolhem a realidades específicas e não confundíveis.
Em reforço do afirmado, atente-se na literalidade das normas contidas nos art.os 219.º, n.º 1 e 27.º, n.º 4, do C.C.P., onde os domínios "artístico" e de "arquitectura" são citados, autónoma e individualizadamente.
É, assim, seguro que a al. e), do art.º 24.º, do C.C.P., ao referenciar "motivos artísticos", não integra aí serviços desenvolvidos no âmbito da arquitectura. Donde decorre que o recurso ao ajuste directo só poderá ser agora ponderado em função da (in) verificação de motivos técnicos que tal legitimem.

O que faremos de seguida.

b.3.2.
Mau-grado a indeterminação conceptual da expressão "motivos técnicos" constante do citado art.º 24.º, n.º 1, al. e), do C.C.P., importa sublinhar que a melhor compreensão deste pressuposto factual obriga à sua interligação com a parte final do preceito, admitindo-se, assim, que o ajuste directo é viável quando a complexidade e singularidade técnicas são tais que a prestação do objecto do contrato só pode ser confiada a uma entidade determinada. Ou seja, e ainda na esteira da jurisprudência (5) deste Tribunal de Contas, o ajuste directo só é admissível quando, no mercado, e atenta a complexidade e exigência dos serviços a prestar, exista uma única entidade disponível e com aptidão técnica par assegurar a respectiva prestação. E, decorrentemente, só, assim, se legitima a dispensa do concurso público, ou, ainda, outro procedimento, mas de natureza concursal.

E, no caso em apreço, ocorre tal pressuposto? Ou, dito de outro modo, é inquestionável a verificação de tal condicionalismo?

A resposta só pode ser negativa.
Com efeito, é sabido que a recorrente "tomou como modelo para o seu Centro de Artes e Espectáculos a identidade e estilo subjacentes ao Teatro Municipal de Vila Real" [vd. alegações do recorrente] e, em consequência, para a elaboração de um projecto com iguais características, socorreu-se, sem hesitação, do respectivo autor - Arq. Filipe Oliveira Dias.
E, ainda, no apelo às alegações de recurso sob apreciação, o recorrente, após questionar a existência, em abstracto, de um outro arquitecto apto a executar e elaborar um projecto, responde afirmativamente, embora clarifique que essa não era a intenção e desejo da Câmara Municipal [vd. fls. 12, das alegações de recurso].
Sob este quadro factual, e pese embora a nobreza e excelência estética exibidas pelo Teatro Municipal de Vila Real, que se admitem, afigura-se-nos claro que a entidade recorrente, aquando da adjudicação do projecto, não estava certa da inexistência, no mercado, de um outro arquitecto apto a prestar tal serviço com idoneidade e os requisitos técnicos exigidos.
De resto, e com o respeito devido à qualidade dos projectos elaborados pelo Arquitecto em causa, não dispomos de razões para situarmos a discussão no patamar da infungibilidade, como, de resto, pretende o recorrente, ao citar obras com dimensão arquitectónica universal e distinguir, com justeza, diga-se, os respectivos e ilustres autores.
Soçobra, pois, o apelo ao ajuste directo com fundamento no art.º 24.º, n.º 1, al. e), do C.C.P..

b.3.3.
O recorrente alega ainda que a opção por um determinado modelo é uma decisão política inteiramente legítima e que se abriga aos respectivos poderes discricionários.
Clarifiquemos, cientes de que a abordagem a efectuar privilegiará, naturalmente, a noção jurídico-doutrinária do conceito "discricionariedade" e o respectivo confronto com a actividade administrativa sob apreciação.

b.3.3.4. Da Discricionariedade
Tal como a doutrina vem sustentando (6), a Administração [incluindo a local] subordina-se à Lei nos termos do princípio da legalidade. É, no entanto, verdade que a Lei regula, diversamente, a prática dos actos a praticar pela Administração Pública, quer pormenorizando, quer concedendo uma considerável margem de liberdade aos órgãos administrativos [regulamentação imprecisa].
Caso o legislador opte pela pormenorização, o resultado confunde-se, habitualmente, com a total vinculação da Administração à Lei. Situamo-nos, assim, no âmbito dos poderes vinculados, sendo que os actos administrativos exercidos sob tais poderes consideram-se actos vinculados.
Mas quando a Lei é, reguladoramente, omissa, cabe à Administração Pública decidir segundo critérios que, em cada caso, se mostrarem mais consentâneos com a prossecução do interesse público. Posicionamo-nos, agora, no plano dos poderes e actos discricionários.
Ainda de acordo com a doutrina elaborada a propósito, não existem poderes e actos absolutamente vinculados, nem actos e poderes totalmente discricionários. Dito de outro modo, os poderes e actos administrativos são, por regra, e simultaneamente, vinculados e discricionários. E, explicitando, diremos:

- No exercício dos poderes vinculados, a Lei deixa, com habitualidade, uma margem mínima de escolha livre de um ou outro elemento enformador do acto, o que traduz alguma discricionariedade;

- No exercício dos poderes e prática de actos discricionários, a decisão surge livre em alguns aspectos, mas nunca o será quanto à competência [conferida por lei] nem quanto ao fim a prosseguir (7).

- O poder discricionário deriva, forçosamente, da Lei, existindo apenas e na medida em que esta o atribua; "só pode ser exercido por aqueles a quem a lei o atribuir e para o fim com que a Lei o confere (8)".

Referenciando-nos àquela explanação conceptual, a escolha do procedimento em apreço [concurso público, ajuste directo...] configura, seguramente, um poder predominantemente vinculado, embora movendo-se também no domínio de alguma discricionariedade.
É vinculado, porque a escolha do procedimento se subordina a critérios de valor, definidos legalmente, a princípios [da concorrência, igualdade, transparência...e proporcionalidade] também consagrados na Lei, regulamentação e jurisprudência comunitárias, e ainda a critérios de natureza material. É também vinculado, porque o procedimento escolhido deverá assegurar o fim que a Lei, com tal acto, pretende realizar e que, como é sabido, se confunde com a prossecução do interesse público.
Assim, centrando-nos na matéria que vem impondo a presente reflexão e convocando aqui as considerações tecidas em torno dos conceitos "discricionariedade" e "vinculação", é indubitável que a decisão de construir um Centro de Artes e Espectáculos de Viseu e a idealização de um conceito arquitectónico [não artístico] e urbanístico da obra podem constituir uma decisão política, porque, de um lado, decorre de exigências culturais centradas na comunidade que visa servir e, do outro, mostra-se tomada por entidade - a Câmara Municipal de Viseu - com legitimidade democrática [conferida via eleitoral] para o fazer.
Constitui também uma opção de natureza político-gestionária, porque sobrevinda á ponderação das necessidades da população, avaliação da disponibilidade financeira e à identificação criteriosa de prioridades.
Contudo, e repetindo-nos, ao invés do asseverado pelo recorrente, a escolha do procedimento já não constitui uma decisão política em sentido próprio, configurando, isso sim, uma opção emergente de um complexo de actos administrativos que a lei disciplina com relevante pormenor. Tal como acima afirmámos, situamo-nos no plano do exercício de poderes e actos predominantemente vinculados.
Com referência ao caso que nos ocupa, vejamos sob que forma a escolha do procedimento e subsequente adjudicação se movem na estreita vinculação à Lei e em que medida tal envolvência reguladora deveria impor-se à prática de tal actividade administrativa e ao uso dos correspondentes poderes.

b.4.
É sabido, e o recorrente também não o ignora, que o legislador, de modo especial, manda aplicar à contratação pública os princípios da concorrência, da igualdade e da transparência [vd. art.º 1.º, n.º 4, do C.C.P.].
Princípios que, de resto, já se prevêem no texto constitucional [vd. art. os 81.º e 266.º, da C.R.P.] e bem assim em Directivas Comunitárias [vd. Directivas n. os 2004/18/CE, 2004/17/CE] sobejamente conhecidas.
No concernente ao princípio da concorrência, e reafirma-se, este constitui actualmente a trave mestra da contratação pública, figurando até como uma espécie de "umbrella principle", que exige ao intérprete adequada conformação na atinente busca e identificação de soluções procedimentais.
O respeito pela concorrência e bem assim a respectiva promoção enformam o âmago e a essência dos procedimentos adjudicatórios. O que é facilmente entendível.
Na verdade, quanto mais pessoas se apresentarem como futuros contratantes, no "mercado administrativo", maior e melhor será o conjunto de ofertas contratuais, ou, vulgarmente, propostas.
A promoção do princípio da concorrência passa, afinal e repetindo-nos, por todo o direito da contratação pública, aí se destacando o citado art.º 1.º, n.º 4, e bem assim as normas contidas nos art. os 5.º e 16.º, adequadamente invocadas no acórdão recorrido.
Por sua vez, o apelo ao princípio da igualdade visa, no essencial, garantir a todos os operadores igualdade de acesso aos mercados públicos e assegurar igualdade de tratamento por banda da Administração. Para além de se suportar nos art. os 3.º e 266.º, da C.R.P., e art.º 5.º, do C.P.A., também o Código de Contratos Públicos manda observar tal princípio no domínio da contratação pública [vd. art.º 1.º, n.º 4].
No domínio da contratação pública é ainda aplicável o princípio da transparência, o qual se substancia pelo dever de publicitação da intenção de contratar e das condições essenciais do contrato, pela publicação das regras de cada procedimento e bem assim pela definição clara e precisa das regras relativas às principais decisões procedimentais.
Por último, importará referir que a contratação pública se rege ainda pelo princípio da imparcialidade [A Administração posicionar-se-á de modo equidistante relativamente aos diversos interesses] e ainda pelo princípio da proporcionalidade [vd. art.º 266.º, n.º 2 da C.R.P., e 5.º, n.º 2, do C.P.A.], também um princípio geral do direito comunitário, o qual exige à entidade adjudicante, no âmbito do procedimento, a não adopção de medidas que, injustificadamente, restrinjam a concorrência, a traduzir, desde logo, na definição do universo concorrencial.
Eis, pois, os princípios que, obrigatoriamente, a entidade adjudicante deveria ter ponderado e observado para, assim, propiciar uma escolha de procedimento com conformação legal.
E, mais especificamente, enunciam-se os princípios que a entidade adjudicante deveria considerar aquando da tomada de decisões sobre matérias não totalmente reguladas por lei e onde se admitia o apelo a algum poder discricionário.

b.4.1.
Mas na tarefa conducente à escolha do procedimento adequado, a entidade adjudicante não podia deixar de considerar e relevar as normas contidas no Código dos Contratos Públicos e que, no plano da aquisição de serviços relacionados com projectos de execução e de arquitectura, evidenciam forte restrição à adopção de procedimentos que limitem a concorrência.
Entre tais normas, destacam-se as contidas em artigos que passaremos a indicar:

§ Os art.os 219.º, 220.º e 27.º, n.º 1, al. g), onde se prevê o apelo ao ajuste directo, mas na sequência do concurso de concepção.

§ O art.º 27.º, n.ºs 1, al. b) e 4, onde, verificado o circunstancialismo aí descrito, se veda o recurso ao ajuste directo;

§ O art.º 20.º, n.º 4, do C.C.P., preceito que, em caso de contratos de aquisição de projectos ou de criação conceptuais no domínio da arquitectura, só permite a celebração de contratos sequentes a ajuste directo com valor inferior a € 25 000,00 [sublinhe-se que nos demais contratos aí previstos, tal valor pode ascender a € 75 000,00 e € 100 000,00 (vd. art. os 20.º, n.º 1, a) e 21.º, do C.C.P.) e que o valor do contrato em apreço ascende a € 764 525, 21].

b.4.1.
Tal como já aflorámos, a legislação e princípios que envolvem e regulam a actividade da contratação pública e à qual a entidade adjudicante - Câmara Municipal de Viseu - se mostra vinculada, sugeriam, de um lado, uma interpretação restritiva da normação aplicável, nomeadamente, no plano da abordagem de conceitos indeterminados [vd. "motivos técnicos e artísticos", constantes do art.º 4.º, n.º 1, al. e), do C.C.P.] e, do outro, o privilegiamento do concurso [público ou limitado por prévia qualificação] enquanto procedimento adequado à aquisição do projecto de arquitectura em apreço.
Porém, apesar de não estar certa da inexistência, no mercado, de um outro arquitecto com aptidão para a elaboração de projecto com as características requeridas [reconhecido em sede de alegações], de se mostrar claro que o Código dos Contratos Públicos não equipara ou confunde os domínios artístico e da arquitectura e do facto da contratação pública ser disciplinada por regras e princípios que impõem a salvaguarda da efectiva e sã concorrência, a entidade adjudicante, ainda assim, lançou mão do ajuste directo, preterindo o concurso que, como é sabido, constitui o procedimento clássico da promoção e respeito pela referida concorrência e que, "in casu", se impunha.
Neste contexto, a entidade adjudicante não assegurou ainda, e em devida medida, o interesse público, elemento que vincula a actividade administrativa desenvolvida no âmbito da escolha do procedimento e que "in casu", com a observância da legislação e princípios aplicáveis, se traduz, a final, na obtenção das melhores propostas, quer no plano técnico, quer no plano financeiro.

IV. DO VISTO

Face ao enquadramento factual e legal descrito, impunha-se a abertura de concurso [público ou limitado por prévia qualificação] para a aquisição do projecto em causa.
A falta de tal concurso público ou limitado por prévia qualificação, nas circunstâncias descritas, constitui a preterição de um elemento essencial [e não formalidade essencial] que, nos termos do art.º 133.º, n.º 1, do C.P.A. e n.º 2, do art.º 284.º, do C.C.P., gera a nulidade da adjudicação e do subsequente contrato reportado à elaboração do Projecto - Centro de Artes e Espectáculos de Viseu.
Ao abrigo do art.º 44.º, n.º 3, da lei n.º 98/97, de 26.08, a nulidade, expressa na desconformidade dos actos e contratos com as leis em vigor, assume-se como fundamento da recusa de visto. 

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da 1.ª Secção do Tribunal de Contas, em Plenário, em negar provimento ao recurso [assentando tal negação em argumentação parcialmente divergente da inserta no acórdão recorrido], e, em consequência, manter a recusa do visto ao contrato acima identificado [vd. I.1.].
São devidos emolumentos legais.
Registe e notifique.
Lisboa, 14 de Setembro de 2010

Os Juízes Conselheiros, - (Alberto Fernandes Brás - Relator) - (José Luís Pinto Almeida) - (António Augusto dos Santos Carvalho) 

Vencido, a obra de arquitectura é eminentemente uma obra artística - concordaria com um motivo do Recurso.

Fui presente,

(Procurador-Geral Adjunto) - (Jorge Leal)


(1) In O concurso Público nos Contratos Administrativos
(2) Sublinhado nosso.
(3) Sublinhado nosso.
(4) Sublinhado nosso.
(5) Ac. N.º 170/09, de 04.12 -1.ªS/SS, entre outros.
(6) Vd., entre outros, Prof. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. II.
(7) Prof. Freitas do Amaral, ob. cit. - Sublinhado nosso.
(8) Idem.