Acórdão n.º 21/2010, de 7 de Junho de 2010, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 455/2010)

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ACÓRDÃO Nº 21 /2010 - 7 de Junho de 2010/1ª S/SS

PROCESSO Nº 455/2010
 

A Câmara Municipal de Oeiras remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada, celebrado em 25.03.2010, com a Sociedade de Construções José Coutinho, S.A., pelo valor de €3 565 316,29, acrescido de IVA, tendo por objecto a construção de um Complexo Desportivo na localidade de Porto Salvo.

I. OS FACTOS

Para além da matéria acima referida, releva para a decisão a proferir a factualidade, dada como assente, e que segue:

1. O contrato em apreço, celebrado na sequência de deliberação camarária de 10.02.2010, foi precedido de concurso público, tendo o respectivo anúncio de abertura sido publicado no Diário da República, n.º 57, II Série, de 23.03.2009, e bem assim no Jornal Oficial da União Europeia, de 26.03.2009, sob o n.º 2009/S 59-084250;
2. Ao concurso apresentaram-se 22 concorrentes, tendo sido excluído um [empresa "Sotencil"] na fase de abertura e análise das propostas, por invocada violação do disposto no art.º 146.º, n.º 2, al. a), do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01. [apresentação da proposta para além do prazo-limite antes fixado];
3. O prazo de execução da obra é de 730 dias;
4. A consignação da obra ocorreu em 23.04.2010;
5. O preço-base da empreitada fixou-se em €5 521 395,04 [IVA excluído];
6. De acordo com a Secção IV.2.1, do Anúncio do Concurso, o critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa e inclui a ponderação dos seguintes factores:

a) Preço - 40%;

b) Valia e exequibilidade técnica da proposta - 60%;

7. O mapa de quantidades posto a concurso, nos seus artigos 1, 5, 7, 10, 12, 13 [Aquecimento (Campo 7)], 1 e 2 [Rede Eléctrica Pública (Campo 7 e 11)] e 3.11.5, 3.11.6 e 3.11.7 [IRED (campo 7 e 11)], contem referência a marcas comerciais, desacompanhadas da expressão "ou equivalente", de que destacamos as seguintes:

§ Hoval Atmogas;

§ Hoval Multival;

§ Wagner Euro C20AR;

§ Wagner Sungo;

§ Grundfos;

§ Luminária, mod. Alura;

§ Luminária, mod. Douro;

e

§ Cabo Coaxial e misto Televês;

Os artigos mencionados em 7. têm um valor de €66 805,70 e representam 1,87% do valor do contrato;

8. Questionado o Município de Oeiras sobre a matéria referida em 8., atento o disposto no art.º 49.º, n.os 12 e 13, do Código dos Contratos Públicos [C.C.P.], aquele respondeu o seguinte:
(...)
"Da análise efectuada à Lista de Trabalhos, verificou-se que, efectivamente, nas especialidades de iluminação pública e de IRED existem algumas designações de marcas comerciais sem a menção de "tipo" ou "equivalente". Serão transmitidas ao empreiteiro orientações escritas no sentido de se considerar " tipo...", não se obrigando ao fornecimento de marcas designadas."

9. No domínio do ponto 7 do Programa do Procedimento, a entidade adjudicante exigiu aos concorrentes a classificação de empreiteiro geral de obras ou construtor geral de edifícios de construção tradicional de 7.ª classe e diversas subcategorias correspondentes ao valor dos trabalhos especializados que lhes dizem respeito;
Questionado o referido Município acerca da razão que motivou a exigência da referida habilitação [vd., nesta parte, o disposto no art.º 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 09.01], aquele respondeu o seguinte:
(...)
Estamos perante uma empreitada cuja capacidade de habilitação incide sobre três subcategorias, de uma forma inusitadamente equilibrada, cujos trabalhos contabilizam valores estimados de ≈ € 920.000,00, em cada uma, com flutuações de +/- € 10.000,00.
As sub-categorias referidas são a 1ª e 5ª da 1ª categoria com valores muito semelhantes e a 2ª da 5ª categoria com um ligeiro ascendente de € 10.000,00 sobre as primeiras.
Contudo a empreitada em apreço diz respeito a um complexo desportivo, onde trabalhos de menor valor têm uma grande preponderância na qualidade do conjunto, não apenas os abrangidos nas três principais sub- -categorias, estruturas de betão da 1ª, revestimentos da 5ª e os movimentos de terras da 2ª. Assim não será o mais correcto colocar como condição inicial de acesso a 2ª sub-categoria da 5ª categoria em 7ª classe, actividade base de empresas especializados em infra-estruturas, quando está em causa um complexo desportivo, onde a qualidade de execução de balneários, pavimentos em relva sintética e iluminação exterior especializada são primordiais.
Por outro lado as empresas com a habilitação da 2ª da 5ª em 7ª classe são todas detentoras de alvará de empreiteiro geral de edifícios, o que de modo algum limitou o acesso ao concurso, 22 candidatos, com concorrência activa, dado tratarem-se de empresas vocacionadas para este tipo de trabalho, detentoras de equipas de trabalho rotinadas, boa relação com os fornecedores específicos necessários, perspectivava a obtenção da melhor relação preço /qualidade possível.
Este objectivo foi amplamente atingido já que dos 22 candidatos, 21 concorreram, com as duas melhores propostas separadas por apenas € 278,13 num valor global ≈ de € 3.565.500,00, 8,9% abaixo do valor médio das propostas apresentadas. Que por sua vez, foi de 73,5% abaixo do valor base.
Assim perante os factores encontrados na análise do conteúdo do concurso a opção foi, de procurar colocar condições de acesso que gerassem condições de acesso a concorrentes, com condições de concorrência efectiva e com a melhor relação preço / qualidade das propostas, já que não seria possível determinar uma única sub-categoria, mas sim as três, optando-se por procurar os candidatos com as melhores capacidades, sem nunca cercear o acesso objectivo a este tipo de empreitada.

10. A propósito do cumprimento do disposto no art.º 49.º, n. os 12 e 13, do C.C.P., que proíbe a inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais desacompanhadas da expressão "ou equivalente", o Município de Oeiras já foi objecto de recomendações exaradas nos Acórdãos n. os 123/05 - 1.ªS/SS, de 28.06, 48/04-1.ªS/SS, de 13.04, Decisão n.º 754/06, de 11.10, 1.ª S/SDV, e Acórdão n.º 8/2010, de 02.03, 1.ªS/SS;
Por outro lado, e no concernente ao cumprimento da legislação vigente a propósito das exigências habilitacionais [vd., no caso, o art.º 31.º, n. os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 09.01], o referido Município já foi objecto de várias recomendações, que se contêm no Acórdão n.º 360/2006, de 21.12, 1.ªS/SS; Decisão n.º 749/08, de 22.10, Decisão n.º 1277/09, de 18.11 e Decisão n. os 46/10, de 21.01.
 

II. O DIREITO 
 

No presente processo, suscitam-se, básica e essencialmente, duas questões:

§ A primeira relaciona-se com a inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais, desacompanhadas da menção "ou equivalente";

§ A segunda prende-se com o teor das exigências habilitacionais que, em rigor, não se ajustam à injunção que resulta do art.º 31.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 04.01.

Abordaremos, de seguida e pela mesma ordem, as questões equacionadas.

1. Especificações técnicas

Sob a epígrafe "Especificações técnicas", o art.º 49.º, do Código de Contratos Públicos, dispõe, nos seus n.os 12 e 13, o seguinte:

"Art.º 49.º
Especificações Técnicas
...
12.
É proibida a fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante ou uma proveniência determinados, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção, que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens.
13.
É permitida, a título excepcional, na fixação de especificações técnicas por referência, acompanhada da menção "ou equivalente", aos elementos referidos no número anterior quando haja impossibilidade de descrever, de forma suficientemente precisa e inteligível, nos termos do disposto nos n.os 2 a 4, as prestações objecto do contrato a celebrar."
...

À semelhança do que já sucedia no âmbito do Decreto-Lei n.º 59/99, 02.03 [vd. art.º 65.º, n. os 5 e 6], aquela disposição legal, agora inserta no C.C.P., tem por objecto impedir que, directa ou indirectamente, se afaste a candidatura de empresas que não preencham determinados requisitos, violando-se, assim e abusivamente, o princípio da concorrência. Ou seja, e dito de outro modo, com aquela disposição legal [art.º 49.º, do C.C.P.] pretende-se a participação dos concorrentes em condições de igualdade e a implementação do citado princípio da concorrência, impedindo, deste modo, o favorecimento ou prejuízo de certas empresas através da introdução de elementos discriminatórios no acesso aos concursos.
E, na reafirmação de tal princípio, o legislador, a título excepcional, apenas autoriza [vd. art.º 49.º, n.º 13] o recurso a tais referências, mas acompanhadas da menção "ou equivalente", quando não seja possível formular uma descrição das prestações do objecto da empreitada com recurso a especificações suficientemente precisas e inteligíveis por todos os interessados.
Atenta a factualidade descrita e dada por assente em I. [vd. I.7.], revela- -se evidente a violação do disposto no art.º 49.º, n. os 12 e 13, do Código dos Contratos Públicos, porquanto o mapa de quantidades patenteado no concurso obriga os potenciais concorrentes a fornecer material de marcas indicadas pelo dono da obra. 

2. Das Habilitações

a.
O art.º 31.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, sob a epígrafe "Exigibilidade e Verificação de Habilitações", dispõe o seguinte:
1. Nos concursos de obras públicas e no licenciamento municipal, deve ser exigida uma única subcategoria em classe que cubra o valor da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, sem prejuízo da eventual exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes.
2. A habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral, desde que adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global, dispensa a exigência a que se refere o número anterior.

A melhor interpretação das normas ora transcritas, aliás, na esteira de abundante e uniforme jurisprudência (1) deste Tribunal, impõe, como bom entendimento, o seguinte:

§ Caso o dono da obra exija apenas os requisitos indicados no n.º 1, do mencionado art.º 31.º, não violará alguma normação referente às habilitações exigidas a empreiteiros;

§ Exigindo, tão-só, as habilitações técnicas indicadas no n.º 2, do art.º 31.º, violará o disposto no n.º 1, desta mesma norma (art.º 31.º);

§ Prevendo-se no programa de concurso a possibilidade de os empreiteiros com a habilitação mencionada no n.º 1, do art.º 31.º e bem assim os empreiteiros possuidores da habilitação referida no n.º 2, de igual norma, poderem concorrer, não ocorrerá a violação de algum dispositivo legal regulador das habilitações exigidas aos empreiteiros;

§ E, por último, caso o dono da obra, em procedimento próprio, exigir mais do que uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, ou, de modo cumulativo, exigir ainda os pressupostos previstos nos n. os 1 e 2, da citada norma, violará o n.º 1, desta.  

Eis, em resumo, o sentido extraído da literalidade da norma (art.º 31.º) acima transcrita e que, adiante, influenciará, necessariamente, a componente dispositiva do presente acórdão.

b.
Conforme resulta da factualidade tida por fixada e melhor descrita em I.10, deste Acórdão, a entidade adjudicante exigiu no programa de concurso e para a execução da empreitada, a classificação de empreiteiro geral de obras ou construtor geral de edifícios de construção tradicional de 7 .ª classe e diversas subcategorias correspondentes ao valor dos trabalhos especializados e que a si respeitam.
Tal exigência, ponderada à luz do entendimento vertido em II. 2. a), deste acórdão, e demonstrativo do sentido que conferimos à literalidade das normas contidas nos n. os 1 e 2, do art.º 31.º, do Decreto-Lei n.º 12/2004, infringe, notoriamente, o disposto no sobredito n.º 1, desta mesma norma e diploma legal [aí se prescreve a obrigação de, nos concursos de obras públicas, ser exigida uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra].
A inobservância do preceituado no art.º 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 09.01,é ainda susceptível de limitar a concorrência, por redução do universo de potenciais oponentes ao concurso.

3. Do Visto

Segundo o art.º 44.º, n.º 3, da Lei n.º 98/97, de 26.08, constitui fundamento da recusa do visto a desconformidade dos actos, contratos e demais instrumentos referidos com as leis em vigor que implique:

§ Nulidade;

§ Encargos sem cabimento em verba orçamental própria ou violação directa de normas financeiras;

§ Ilegalidade que altere ou possa alterar o respectivo resultado financeiro.

a.
As ilegalidades atrás enunciadas e resultantes da violação do art.º 49.º, n. os 12 e 13, do C.C.P. e do art.º 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 12/2004, não enformam alguma nulidade, por não subsunção à previsão do art.º 133.º, do Código de Procedimento Administrativo, preceito que elenca os actos administrativos integradores de tal forma de invalidade.
Por outro lado, e acentue-se, o acto de adjudicação da empreitada contem todos os seus elementos essenciais [a essencialidade traduz-se na indispensabilidade do elemento para a perfeição do acto e cuja falta, pela sua gravidade, impede a produção dos respectivos efeitos jurídicos].
Não sendo geradoras de nulidade, as mencionadas ilegalidades potenciam, isso sim, a anulabilidade dos actos em que se materializam [vd. art.º 135.º, do Código de Procedimento Administrativo].

b.
Também não ocorrem encargos sem cabimento em verba orçamental própria, nem se evidencia a violação directa de alguma norma financeira.

c.
Inverificada qualquer nulidade ou assunção de encargos sem prévia cabimentação, importará saber se, ainda assim, se mostra preenchido algum fundamento da recusa de visto.

Então, vejamos.

De acordo com o disposto no art.º 44.º, n.º3,al.c), da Lei n.º 98/97, de 26.08, constitui fundamento de recusa de visto, a ocorrência de uma ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado financeiro do contrato submetido a fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
Muito embora não resulte do processo que a violação das disposições legais - art.º 31.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 12/2004 e 49.º, n.os 12 e 13, do C.C.P. - tenha determinado, efectivamente, a alteração do resultado financeiro do contrato, é, no entanto, inquestionável, que os vícios identificados são susceptíveis de conduzir a esta última consequência.
Na verdade, a inclusão de marcas comerciais, desacompanhadas da menção "ou equivalente" e bem assim a exigência de habilitações técnicas em desconformidade com as legalmente fixadas, constituem circunstâncias com aptidão para afectar, negativamente, a concorrência e, assim, propiciar a alteração do resultado financeiro do contrato.

d.
Acresce que, conforme já se demonstrou em I. 11, deste acórdão [vd. a factualidade aí dada como assente], o Município de Oeiras já foi objecto de recomendações deste Tribunal e atinentes, de um lado, ao cumprimento da norma que veda a inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais desacompanhadas da expressão "ou equivalente" [vd. art.º 49.º, n. os 12 e 13, do C.C.P.] e, do outro, às regras que disciplinam as exigências habilitacionais a requerer pelos adjudicantes no domínio dos concursos [vd. art.º 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 12/2004].
O insistente incumprimento das citadas recomendações, aliado à possibilidade da alteração do resultado financeiro do contrato em razão das ilegalidades acima enunciadas, força-nos a concluir pela inverificação dos pressupostos conducentes ao uso da faculdade prevista no art.º 44.º, n.º 4, da Lei n.º 98/97, de 26.08.   

III.
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da 1.ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção, em recusar o visto ao contrato em apreço.
São devidos emolumentos [vd. art.º 5.º, n.º 3, do R.J.E. do Tribunal de Contas, em anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31.05].
Lisboa, 07 de Junho de 2010

Os Juízes Conselheiros, - (Alberto Fernandes Brás - Relator) - (João Figueiredo) -(António Manuel dos Santos Soares)  

Fui presente,

(Procurador-Geral Adjunto) - (Jorge Leal)

DECLARAÇÃO

Processo nº 455/2010

Subscrevo o acórdão com fundamento na violação dos nºs 12 e 13 do artigo 49º do CCP, e por não haver fundamento para uso da faculdade prevista do nº 4 do artigo 44º da LOPTC. Considero não ter havido violação do artigo 31º do Decreto-Lei nº 12/2004, por entender, face á demonstração feita no processo, que a habilitação de empreiteiro geral é a adequada para a obra em causa, nos termos do seu nº 2.

Lisboa, 7 de Junho de 2010

O Juiz Conselheiro, - (João Figueiredo)


(1) Acd. N.ºs 25/2009, de 29/06, 1.ª Secção/PL, 33/09-14/07 - 1.ª Secção /PL e n.º 2/2010, de 17/02, 1.ª Secção/PL, entre outros).