Acórdão n.º 20/2010, de 6 de Julho de 2010, do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 10/2010)

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ACÓRDÃO Nº20/10 - 06. JUL. 2010 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 9/2010

(Proc. nº 10/2010 SRMTC)

  

DESCRITORES:

Contratação pública.

Esclarecimentos e sua disponibilização.

Programa do procedimento.

Divergência entre o estabelecido no Programa do procedimento e no Código dos Contratos Públicos.

Prazo de apresentação das propostas.

JOUE.

Divergência entre o exigido no Caderno de Encargos e o apresentado na proposta adjudicatária.

Exclusão de proposta.

  

SUMÁRIO:

I - Nos termos do artigo 50º, nºs 1 e 2 do Código dos Contratos Públicos (CCP) os esclarecimentos necessários à boa compreensão das peças do procedimento devem ser solicitados, por escrito, no primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas e prestados, também por escrito, até ao termo do segundo terço do mesmo prazo.

II - O pedido de esclarecimentos, mencionado no ponto anterior, pode ser efectuado por meio de correio electrónico.

III - Havendo divergência entre o estipulado no Programa do procedimento e o disposto no citado artigo 50º, nº1,do CCP, prevalece o estabelecido neste normativo, ex vi do artigo 51º do mesmo Código.

IV - Por força do disposto no artigo 50º, nº4, do CCP, os esclarecimentos prestados, além de ser notificados aos interessados que tiverem adquirido cópia das referidas peças, devem ser disponibilizados na plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante.

V - De acordo com o artigo 63º, nº1, do CCP, o prazo para a apresentação das propostas é fixado livremente, com respeito pelos limites mínimos estabelecidos no CCP, e, quando o anúncio do concurso público seja publicado no Jornal Oficial da União Europeia, não pode ser inferior a 47 dias, como impõe o artigo 136, nº1, do mesmo compêndio normativo.

VI - Tendo em conta o disposto nos artigos 70º, nº2, al. b) e 49º, nº4, do CCP, a existência de divergências, entre o exigido no Caderno de Encargos e o apresentado na proposta do adjudicatário, não constitui fundamento de exclusão da proposta, no caso de esta não apresentar atributos que violem os parâmetros base fixados naquele Caderno e de o concorrente demonstrar, de forma adequada e suficiente, que as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem, de modo equivalente, as exigências definidas, naquela peça procedimental, relativamente às especificações técnicas.

VII - Sendo a ilegalidade resultante da violação do disposto no artigo 50º, nºs 1, 2 e 4, do CCP, geradora de anulabilidade e não resultando do processo ter havido efectiva alteração do resultado financeiro do contrato, estão reunidos os pressupostos justificativos da concessão do visto, com a formulação de uma recomendação, se for expectável que, no futuro, a entidade adjudicante não volte a incorrer na referida ilegalidade, de harmonia com o estipulado pelo artigo 44º, nº4, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

Conselheiro Relator: António M. Santos Soares

 

ACÓRDÃO Nº 20/10 - 06.JUL. 2010 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 9/2010

(Proc. nº 10/10 - SRMTC)

Acordam os juízes do Tribunal de Contas, em Plenário da 1ª Secção:

I - RELATÓRIO

1. Recorreu o Secretário Regional dos Assuntos Sociais, do Governo Regional da Madeira, da Decisão nº 09/FP/2010, de 9 de Abril de 2010, da Secção Regional da Madeira, do Tribunal de Contas, que recusou o visto ao contrato de "Fornecimento de duas viaturas auto-escada", celebrado em 4 de Fevereiro de 2010, entre o Serviço Regional de Protecção Civil, IP-RAM (SRPC) e a empresa "Extincêndios - Equipamentos de Protecção e Segurança, SA", (Extincêndios, SA), pelo valor de 1.472.499,00 €, acrescido de IVA.

Tal decisão foi proferida com base no disposto no artigo 44º, nº3, al. c), da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, e, em síntese, com os seguintes fundamentos:

a) O pedido de esclarecimentos expressado pelo concorrente "Extincêndios, SA" foi formulado para além do prazo previsto no artigo 50º, nºs 1 e 2, do Código dos Contratos Públicos (CCP);
b) No que toca à divulgação dos esclarecimentos prestados, o artigo 50º, nº4, do CCP não se basta com a sua notificação aos concorrentes que adquiriram a cópia das peças do procedimento, já que se exige que a entidade adjudicante proceda à respectiva disponibilização no portal da Internet dedicado aos contratos públicos, ou na plataforma electrónica por ela utilizada;
c) Os esclarecimentos prestados pelo júri, a solicitação de um concorrente, não configuram um "esclarecimento necessário à boa compreensão e interpretação das cláusulas do caderno de encargos", mas, diversamente, "assumem novas especificações técnicas que ali não estavam contempladas", o que extravasa o disposto no artigo 50º, nº1, do CCP e viola o princípio da estabilidade das regras concursais, e, por arrastamento, os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência consagrados no nº4, do artigo 1º, do mesmo Código;
d) Ainda que se encarassem as alterações introduzidas nas cláusulas do caderno de encargos à luz das rectificações de erros ou omissões das peças do procedimento, não era o júri, mas sim o órgão competente para a decisão de contratar, a entidade competente para proceder a essas rectificações;
e) A proposta base da adjudicatária - quer para o Lote 1, quer para o Lote 2 - devia ter sido excluída, nos termos do artigo 70º, nº2, al. b), do CCP, uma vez que não satisfazia integralmente as exigências do fornecimento posto a concurso pelo SRPC, tal como havia sucedido com a proposta do concorrente "Jacinto Marques de Oliveira, Sucrs." (cfr. artigo 146º, nº2, al. o), do CCP);
f) A inobservância das regras jurídicas dos artigos 50º, nºs 1 e 2 e 70º, nº2, al. b), do CCP, bem como dos princípios, supra referidos, que disciplinam a actuação da Administração, no domínio da contratação pública, torna anulável o acto de adjudicação, nostermos do artigo 133º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), invalidade esta que se transmite ao contrato celebrado, nos termos do nº2, do artigo 283º, do mesmo CCP;
g) A recusa do visto compreende-se, dado que, só a improdutividade do contrato celebrado, garante a protecção adequada do interesse público e os fins visados pelas normas desrespeitadas.

2. Nas suas alegações, o Secretário Regional dos Assuntos Sociais do Governo Regional da Madeira formulou as seguintes conclusões:
"a) Como se demonstrou nos nºs 6 a 20 destas alegações, o pedido de esclarecimento feito pela concorrente Extincêndios em 30 de Julho de 2009 foi apresentado tempestivamente;
b) O mesmo sucede com a resposta a esse pedido, cujo prazo terminava em 19 de Agosto de 2009, data em que o SRPC a comunicou aos interessados que adquiriram as peças do concurso;
c) Concluindo-se que foram absolutamente respeitados os limites temporais previstos no artigo 50º, nºs 1 e 2, do CCP e no artigo 5º, nº1, do Programa de Concurso;
d) Ficou também demonstrado - nºs 24 a 26 destas alegações - que a entidade adjudicante não estava obrigada a disponibilizar os esclarecimentos na respectiva plataforma electrónica;
e) Como demonstrado ficou (nºs 28 a 54 destas alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidos) que através dos esclarecimentos prestados o júri não introduziu qualquer alteração no Caderno de Encargos;
f) A ter havido qualquer rectificação é porque era necessária e desejável, sendo certo que o Secretário Regional, ora recorrente, havia delegado todas as competências necessárias no júri e, em qualquer caso, ao proceder e ordenar, ele próprio, a notificação dos esclarecimentos aos interessados sempre os ratificou;
g) A proposta da concorrente adjudicatária deu pleno cumprimento ao disposto no Caderno de Encargos, como também se demonstrou acima nos nºs 57 a 72 destas alegações, para onde se remete;
h) Sendo certo que os 3 projectores não só substituem e asseguram o pretendido pelo Caderno de Encargos, como ainda o excedem, dado que o Caderno de Encargos, neste aspecto, exigia somente 200kw de iluminação e a proposta da adjudicatária prevê 210 w de iluminação;
i) Ao contrário do que aconteceu com a proposta da concorrente nº2, que violou aspectos imperativos fixados no Caderno de Encargos e foi, por isso, bem excluída do concurso;
j) Também a proposta da concorrente nº3 foi bem excluída, por aplicação da alínea g) do nº2 do artigo 146º do CCP;
k) Do exposto nestas alegações decorre que o acto de adjudicação do fornecimento à adjudicatária é perfeitamente legal, não havendo portanto qualquer fundamento para a recusa do visto ao contrato, sendo certo que a ocorrer ele sempre estaria sanado, já que não houve da parte de qualquer interessado concorrente impugnação do acto de adjudicação ou de qualquer outro acto procedimental e o prazo, para tanto, de há muito precludiu; l) Pedindo-se a este Alto Tribunal que reveja a Decisão recorrida e conceda o visto ao contrato sub judice;
m) Mesmo que se entenda que foi praticada alguma ilegalidade procedimental por parte do júri - o que apenas se admite por mera cautela mas não se aceita - deve o visto, na mesma, ser concedido, por aplicação do nº4, do artigo 44º da Lei nº 98/97;
n) É que, como se demonstrou nestas alegações, não houve, com a "ilegalidade" praticada, qualquer alteração ao resultado financeiro do contrato;
o) Sendo certo que a entidade adjudicante não tem quaisquer recomendações anteriores do Tribunal de Contas por prática das ilegalidades assacadas na Decisão recorrida;
p) Estando assim preenchidos os pressupostos para a aplicação do disposto no nº4 do Artigo 44º, da Lei nº 98/97 e para a concessão do visto ao contrato sub judice, como se decidiu, em casos similares nos Acórdãos deste Tribunal nºs 141/2007 (de 17/12/2007, Proc. nº 1375/2007); 136/2008, 9/2009 (de 18/02/2009, Proc. nº 1493/08) e 10/2009 (de 03/03/2009, Proc. nº 1356/08).

3. O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que o recurso merece provimento e de que, a ser entendido que ocorreu a violação do nº3, do artigo 50º, do CCP, deve ser concedido o visto com recomendações, "por haver suficiente justificação para tanto, atenta a ausência de comprovação de que tivesse ocorrido qualquer efectiva alteração do resultado financeiro do contrato".

4. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - MATÉRIA DE FACTO  

1. Tendo em conta o disposto no artigo 100º, nº2, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, o que consta da Decisão recorrida e as alegações do recorrente, considera-se assente a seguinte matéria de facto:

A) Por despacho de 25 de Junho de 2009, O Secretário Regional dos Assuntos Sociais, do Governo Regional da Madeira, autorizou a abertura de um concurso público internacional para o «fornecimento de duas viaturas auto-escada», aprovou as peças do procedimento e designou os membros do júri, especificando que a este competia "a realização de todos os actos inerentes ao procedimento, designadamente, os esclarecimentos referentes ao Caderno de Encargos e ao Programa de Concurso, a apreciação das propostas e a elaboração do relatório de avaliação das propostas e do relatório final", bem como delegou naquela entidade "a competência para a realização da audiência prévia, prevista no artigo 123º do Código dos Contratos Públicos";

B) O concurso, sujeito ao regime jurídico do Código dos Contratos Públicos, (CCP) tinha por objecto a aquisição de duas viaturas auto-escada: uma, do Tipo I (30 a 35 metros) - Lote 1; e outra, do Tipo II (50 a 55 metros) - Lote 2;

C) Em 10 de Julho de 2009, foi enviado para publicação, no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE), no Diário da República e no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, o anúncio de abertura do procedimento; (1)

D) O anúncio de abertura do procedimento concursal foi publicado, em 15 de Julho de 2009, no "Diário da República" e no "Jornal Oficial" da Região Autónoma da Madeira, e, em 17 de Julho do mesmo ano, no Jornal Oficial da União Europeia";

E) O anúncio referido na alínea anterior estabelece que as propostas deviam ser apresentadas até às 17 horas do 47º dia, a contar da data do envio para publicação do anúncio (Diário da República, 2ª série, de 15 de Julho de 2009) ou até às 17 horas do dia 26 de Agosto de 2009 (JOUE e Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira);

F) O critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais favorável e compreende a ponderação dos factores e subfactores indicados no artigo 12º, do Programa do procedimento, que aqui se dá por inteiramente reproduzido;

G) Por meio de documento datado de 30 de Julho de 2009, mas com registo de entrada no Serviço Regional de Protecção Civil da Região Autónoma da Madeira, de 4 de Agosto de 2009, a empresa "Extincêndios, SA" pediu esclarecimentos sobre algumas das características e especificações técnicas dos bens a fornecer;

H) A resposta ao pedido de esclarecimentos, subscrito pelo júri do procedimento, surgiu em 19 de Agosto, e, no que aqui interessa, incidiu sobre as seguintes cláusulas do Caderno de Encargos:

item

Caderno de Encargos

Esclarecimentos

1. 1. 2. do Anexo I - Peso Bruto

Peso bruto - 19 toneladas

O peso bruto de 19 toneladas não pode ser excedido, mas também não terá forçosamente de ser atingido

1.1.4. e 2.1.4. do Anexo I - Ângulos de atravancamento

Os ângulos mínimos de ataque e fuga deverão ser de 13º

Deverá ser cumprido o previsto na norma 1846-2 e, por conseguinte, reduzido o ângulo de fuga de 13 para 12º

1.1.8. do Anexo I - Motor

Com cilindrada compreendida entre 9 e 11 L (...)

Face à pertinência das considerações apresentadas pela "Extincêndios", o intervalo de cilindrada é alargado, passando a considerar-se entre 5 e 11 L

1.1.18. e 2.1.18. do Anexo I - Lubrificação

As viaturas deverão ser equipadas com bomba, ou bombas, de lubrificação centralizada para o chassis e para a super-estrutura.

Se a lubrificação do chassis é automática - satisfaz.

Se a lubrificação da super-estrutura não é automática - não satisfaz.

1.1.6.1 e 2.1.6.1. do Anexo I - Bancos

Os bancos do condutor e do passageiro do lado direito deverão ser reguláveis.

Tratando-se de uma questão que não é essencial, considera-se que se poderá prescindir do banco regulável para o passageiro do lado direito e passar-se a admitir a hipótese sugerida.

I) A resposta ao pedido de esclarecimentos foi transmitida no mesmo dia 19 de Agosto de 2009, por fax, às empresas que haviam adquirido o Caderno de Encargos: "Extincêndios", "Jacinto Marques de Oliveira Sucrs, Lda.", "Euro Safe" e "Secufogo";

J) O artigo 8º do Programa do procedimento prevê que, para além da proposta base, é admitida a apresentação de duas propostas variantes;

K) Ao concurso apresentaram-se três concorrentes, os quais apresentaram as seguintes propostas:

Proposta

Concorrente

Proposta nº 1 - Base - Lote 1

Extincêndios, SA

Proposta nº 2 - Base - Lote 2

Extincêndios, SA

Proposta nº 3 - Variante - Lote 1

Extincêndios, SA

Proposta nº 4 - Variante - Lote 2

Extincêndios, SA

Proposta nº 5 para os Lotes 1 e 2

Jacinto Marques de Oliveira, Sucrs.

Proposta nº 6 - Variante para os Lotes 1 e 2

Euro Safe - Importação e Exportação de Equipamentos de Segurança, Lda.

L) O Relatório Preliminar de Análise das Propostas, produzido em 19 de Novembro de 2009, dá conta da intenção de exclusão das propostas dos concorrentes "Jacinto Marques de Oliveira, Sucrs." e "Euro Safe", explicitando os respectivos fundamentos, e contém a seguinte proposta de ordenação final, após a aplicação do factores e subfactores do critério de adjudicação:

Lote 1

1º - "Extincêndios, SA" - Proposta base............94,99%
2º - "Extincêndios, SA" - Proposta variante.........93,14%  

Lote 2

1º - "Extincêndios, SA" - Proposta base ............93,44%
2º - "Extincêndios, SA" - Proposta variante..........91,29%  

M) Após audição dos interessados, veio a ser produzido, em 9 de Dezembro de 2009 (2), o Relatório Final de Avaliação das Propostas, o qual foi aprovado por despacho de 11 de Dezembro do mesmo ano, do Secretário Regional dos Assuntos Sociais do Governo da Região Autónoma da Madeira, que manteve as exclusões e a ordenação indicada na alínea anterior, bem como adjudicou os Lotes 1 e 2 às propostas base apresentadas pela empresa "Extincêndios, SA";

N) As propostas-base da concorrente "Extincêndios, SA", para cada um dos Lotes, posicionadas em 1º lugar, divergem do Caderno de Encargos nos itens e pelo modo a seguir indicados:

Lote 1

item

Caderno de Encargos

Proposta

1.1.18. e 2.1.18. do Anexo I - Lubrificação

A viatura deverá ser equipada com bomba, ou bombas, de lubrificação centralizada para o chassis e para a super-estrutura.

O chassis não necessita de lubrificação.

1.2.9. do Anexo I - Plataforma e Cofres

Os cofres deverão ser construídos em chapa com espessura mínima de 3mmm (...). O piso (plataforma) deverá ser de alumínio estriado resistente e com 5 mm de espessura.

Não há referência à espessura dos materiais

Lote 2

item

Caderno de Encargos

Proposta

2.1.6.2. do Anexo I - Cintos de segurança

Todos os lugares deverão dispor de cintos de segurança com 3 pontos de fixação.

Não se referem quantos são os pontos de fixação.

2.1.19 do Anexo I - Equipamento eléctrico

As viaturas deverão ser providas de dois Projectores orientáveis com potência superior a 100 W cada (um, para o lado direito da dianteira e outro, para o lado esquerdo da traseira da viatura).

Três projectores orientáveis

III - O DIREITO

1. Como se referiu acima, e agora se relembra, a Decisão recorrida recusou o visto ao contrato de "Fornecimento de duas viaturas auto-escada" com fundamento em que:

a) O pedido de esclarecimentos expressado pelo concorrente "Extincêndios, SA", foi formulado para além do prazo previsto no artigo 50º, nºs 1 e 2, do CCP;
b) No que toca à divulgação dos esclarecimentos prestados, o artigo 50º, nº4, do CCP não se basta com a sua notificação aos concorrentes que adquiriram a cópia das peças do procedimento, já que se exige que a entidade adjudicante proceda à respectiva disponibilização no portal da Internet dedicado aos contratos públicos, ou na plataforma electrónica por ela utilizada;
c) Os esclarecimentos prestados pelo júri, a solicitação de um concorrente, não configuram um "esclarecimento necessário à boa compreensão e interpretação das cláusulas do caderno de encargos", mas, diversamente, "assumem novas especificações técnicas que ali não estavam contempladas", o que extravasa o disposto no artigo 50º, nº1, do CCP e viola o princípio da estabilidade das regras concursais, e, por arrastamento, os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência consagrados no nº4, do artigo 1º, do mesmo Código;
d) Ainda que se encarassem as alterações introduzidas nas cláusulas do caderno de encargos, à luz das rectificações de erros ou omissões das peças do procedimento, não era o júri, mas sim o órgão competente para a decisão de contratar, a entidade competente para proceder a essas rectificações;
e) A proposta base da adjudicatária - quer para o Lote 1, quer para o Lote 2 - devia ter sido excluída, nos termos do artigo 70º, nº2, al. b), do CCP, uma vez que não satisfazia integralmente as exigências do fornecimento posto a concurso pelo SRPC, tal como havia sucedido com a proposta do concorrente "Jacinto Marques de Oliveira, Sucrs." (cfr. artigo 146º, nº2, al. o), do CCP);
f) A inobservância das regras jurídicas dos artigos 50º, nºs 1 e 2 e 70º, nº2, al. b), do CCP, bem como dos princípios, supra referidos, que disciplinam a actuação da Administração, no domínio da contratação pública, torna anulável o acto de adjudicação, nos termos do artigo 133º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), invalidade esta que se transmite ao contrato celebrado, nos termos do nº2, do artigo 283º, do mesmo CCP;
g) A recusa do visto compreende-se, dado que, só a improdutividade do contrato celebrado, garante a protecção adequada do interesse público e os fins visados pelas normas desrespeitadas.

Por isso, e face às ilegalidades apontadas, foi recusado o visto, nos termos do artigo 44º, nº3, alíneas a) e c), da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

2. Para avaliar da justeza - ou não - da Decisão recorrida, importa avaliar os seus fundamentos.

É o que se fará de seguida.

2. 1. Em primeiro lugar, analisemos a questão da (in) tempestividade do pedido de esclarecimentos efectuado pelo concorrente "Extincêndios, SA". No que se refere aos esclarecimentos e à rectificação das peças do procedimento, vejamos o que dispõe o artigo 50º do CCP:

Artigo 50º
Esclarecimentos e rectificação das peças do procedimento
1 - Os esclarecimentos necessários à boa compreensão e interpretação das peças do procedimento devem ser solicitadas pelos interessados, por escrito, no primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas (3).
2 - Os esclarecimentos a que se refere o número anterior são prestados por escrito, pela entidade para o efeito indicada no programa do procedimento, até ao termo do segundo terço do prazo fixado para a apresentação das propostas (4)
3 - O órgão competente para a decisão de contratar pode proceder à rectificação de erros ou omissões das peças do procedimento nos termos e no prazo previstos no número anterior.
4 - Os esclarecimentos e as rectificações referidos nos números anteriores devem ser disponibilizados no portal da Internet dedicado aos contratos públicos ou em plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante e juntos às peças do procedimento que se encontrem patentes para consulta, devendo todos os interessados que as tenham adquirido ser imediatamente notificados desse facto.
5 - Os esclarecimentos e as rectificações referidos nos nºs 1 a 3 fazem parte integrante das peças do procedimento a que dizem respeito e prevalecem sobre estas em caso de divergência.  

Como se vê do disposto nos números 1 e 2 deste normativo, os esclarecimentos necessários à boa compreensão e interpretação das peças do procedimento, devem ser solicitados, por escrito, no primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas e devem ser prestados, também por escrito, pela entidade indicada no programa do procedimento, até ao termo do segundo terço do prazo fixado para a dita apresentação de propostas.
No caso aqui em apreço, o prazo fixado para a apresentação das propostas, tinha início na data do envio, para publicação, do anúncio de abertura do procedimento (vide a alíneas C) e E) do probatório) e termo às 17 horas, do 47º dia, a contar da referida data (vide a alínea E) do probatório).
Ora, como resulta da matéria de facto dada por assente na citada alínea C) do probatório, o anúncio da abertura do procedimento foi enviado para publicação no JOUE, bem como no Diário da República, e ainda no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, em 10 de Julho de 2009.
Assim, o prazo para a apresentação das propostas terminava às 17 horas do dia 26 de Agosto de 2009, tal como decorre da matéria factual assente na dita alínea E) do probatório, e foi indicado no JOUE e, também, no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira.
Nesta conformidade, os esclarecimentos deviam ser solicitados, de acordo com o disposto no nº1, do mencionado artigo 50º, do CCP, até ao dia 26 de Julho de 2009 e ser prestados até ao dia 11 de Agosto do mesmo ano.
Como se mostra da matéria de facto assente na alínea G) do probatório, o documento contendo o pedido de esclarecimentos formulado pelo concorrente "Extincêndios, SA", embora datado de 30 de Julho de 2009, só deu entrada no SRPC da Região Autónoma da Madeira, em 4 de Agosto de 2009, o que significa que foi apresentado para além do prazo previsto no citado artigo 50º, nº 1, do CCP, e em violação deste dispositivo, tal como apontou a Decisão recorrida.

2. 1. 1. Diz, porém, o recorrente que não se verificou esta ilegalidade.
Efectivamente, segundo este, o artigo 5º, nº1, do Programa do procedimento estipula que "os esclarecimentos deveriam ser apresentados, por correio, fax ou e-mail, até ao 16º dia consecutivo, a contar da data da publicação no Jornal Oficial da União Europeia'".
Assim, uma vez que a publicação do anúncio no JOUE ocorreu em 17 de Julho de 2009, o prazo para os pedidos de esclarecimentos terminava em 2 de Agosto de 2009. E, sendo este dia 2 de Agosto de 2009, um domingo, o prazo terminava no dia 3, do mesmo mês.
Por isso, tendo o pedido de esclarecimentos sido enviado por e-mail expedido em 30 de Julho de 2009, pelas 12:32 horas - como era admitido pelo Programa do procedimento - deve esta data ser considerada como a do pedido de esclarecimentos, nos termos do disposto no artigo 469º, nº1, al. a) do CCP.

Não tem razão o recorrente.

Por um lado, havendo divergência entre o estipulado pelo artigo 5º, nº1, do Programa do procedimento e o fixado pelo dito artigo 50º, nº1, do CCP, prevalece o disposto no artigo 50º, nº1, do CCP, de harmonia com o que estabelece o artigo 51º do mesmo Código: 

Artigo 51º
Prevalência
As normas constantes do presente Código relativas às fases de formação e de execução do contrato prevalecem sobre quaisquer disposições das peças do procedimento com elas desconformes.

Por outro lado, embora o artigo 50º, nº1, do CCP estabeleça que os pedidos de esclarecimentos devam ser apresentados por escrito, poder-se-ia entender que os pedidos, expedidos por meio de correio electrónico, eram pedidos formulados por escrito.
Todavia, ainda que assim se entenda, o certo é que o pedido de esclarecimentos foi efectuado por meio de e-mail expedido em 30-07-2009, pelas 12:32 horas.
Logo, uma vez que o termo do primeiro terço do prazo para a apresentação das propostas coincidiu com o dia 26 de Julho de 2009, manifesto é que o mesmo foi apresentado para além do prazo estipulado no nº1, do citado artigo 50º, do CCP.
Além disso, e contrariamente ao defendido pelo recorrente, não cabe aqui a invocação do artigo 469º, nº1, al. c) do CCP.
Efectivamente, este normativo refere-se à data em que se consideram efectuadas as notificações previstas no Código e as comunicações entre a entidade adjudicante, ou o júri, e os interessados.
Na verdade, a alínea a), do nº1, estipula que as notificações e comunicações se consideram feitas na data da respectiva expedição, quando efectuadas através de correio electrónico.
Só que, no caso em apreço, não se está perante nenhuma notificação da entidade adjudicante, nem do júri, mas antes perante um pedido de esclarecimentos.
Diz, ainda o recorrente - para justificar a tempestividade do pedido de esclarecimentos - que existe um contradição entre o que dispõem os artigos 5º, nº1 e 9º, nº1, do Programa do procedimento, e que, prevendo este que o prazo de apresentação das propostas termina no 47º dia a contar do envio do anúncio para publicação no JOUE, e não na da respectiva publicação, tal implicaria que o prazo começasse a correr antes de os concorrentes tomarem conhecimento do anúncio e das condições para concorrer. Por isso, o termo inicial deste prazo, tal como o prazo para a presentação do pedido de esclarecimentos se iniciou com a efectiva publicação do anúncio no JOUE.
Por outro lado, diz também o recorrente que o anúncio do procedimento foi enviado para o Diário de República em 15 de Julho de 2009.
Ora, ao contrário do que vem alegado, o anúncio foi enviado para as publicações oficiais indicadas na alínea C) do probatório, da data aí indicada, ou seja em 10 de Julho de 2009.
Aliás, isso é o que, igualmente, resulta do e-mail enviado, em 10-7-2009, pela Imprensa Nacional ao SRPC, e cuja cópia foi trazida aos autos pelo recorrente, como se vê de fols. 91 dos autos.
Diz, ainda, o recorrente que o prazo para a apresentação das propostas deveria ser de 52 dias, contados a partir do envio do anúncio para publicação, de harmonia com o artigo 38º, da Directiva nº 2004/18/CE e do nº2, do artigo 55º, da Directiva nº 2004/17/CE, (5) e não os 47 dias que foram fixados, pelo que o primeiro terço do prazo (18 dias) teria sido observado.

Mais uma vez, não tem razão o recorrente:

Efectivamente, de acordo com o artigo 63º, nº1, do CCP, o prazo para a apresentação das propostas é fixado livremente, com respeito pelos limites mínimos estabelecidos no Código.
Por seu turno, o artigo 136º, nº1, do CCP, estabelece que, quando o anúncio do concurso público seja publicado no JOUE, não pode ser fixado um prazo para a apresentação das propostas inferior a 47 dias.
Ora, foi este, exactamente, o prazo que foi estipulado no caso presente.
Por isso, o termo do primeiro terço do prazo coincidiu, como se disse, com o dia 26-7-2009.
Improcede, pois, esta alegação do recorrente, como também não procede no que concerne à tese de que a resposta ao pedido de esclarecimentos, teria sido efectuada tempestivamente.
Na verdade o termo do segundo terço do prazo, para esta resposta - de harmonia com o disposto no nº2, do artigo 50º, do CCP - coincidiu com o dia 11 de Agosto de 2009 e não com o dia 19, dos mesmos mês e ano, como sucedeu na presente situação.
Verifica-se, pois, que foi violado o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 50º, do CCP.

2. 2. Vejamos, seguidamente, a questão da disponibilização dos esclarecimentos prestados pela entidade adjudicante.
A Decisão recorrida entendeu que não bastava a sua notificação aos concorrentes que adquiriram a cópia das peças do procedimento, uma vez que a lei (artigo 50º, nº4, do CCP), exige a disponibilização no portal da internet dedicado aos contratos públicos, ou em plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante.
Refere o recorrente que não tem razão a Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas, porquanto no nº1, do artigo 9º, do DL nº 18/2008, que aprovou o CCP, na sua redacção inicial, (6) se previa que as entidades adjudicantes, durante o prazo de um ano (ou seja até 29-7-2009), não estavam obrigadas a promover os seus procedimentos na plataforma electrónica, podendo recorrer ao suporte papel e que tal faculdade foi estendida até 31-10-2009, pelo DL nº 223/2009 de 11 de Setembro.

Também aqui, não tem qualquer razão o recorrente:

Efectivamente, o nº1, do artigo 9º, do DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro, na sua primitiva redacção, estabelecia que, durante o período de um ano, a contar da entrada em vigor do diploma, a entidade adjudicante podia fixar, no Programa do procedimento, que os documentos que instruem a proposta ou a candidatura podiam ser apresentados em suporte papel.
Só que, no caso em apreço, não estamos perante a forma como hão-de ser apresentados os documentos que instruem a proposta, mas sim perante a forma por que hão-de ser disponibilizadas as respostas a pedidos de esclarecimentos efectuados por potenciais concorrentes.
Ora, nos termos do artigo 50º, nº4 do CCP, os esclarecimentos e as rectificações a que aludem os nºs 1 a 3 do mesmo normativo, para além de deverem ser notificados a todos os interessados que adquiriram cópia das peças do procedimento, devem, também, ser disponibilizados na plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante, o que não sucedeu.
Foi, assim, violado o disposto no artigo 50º, nº4, do CCP, tal como se disse na Decisão recorrida.

2. 3. Vejamos, de seguida, a questão, salientada pela Decisão recorrida, de os esclarecimentos prestados não configurarem um "esclarecimento necessário à boa compreensão e interpretação das cláusulas do caderno de encargos", mas, diversamente, "novas especificações técnicas que ali não estavam contempladas", o que extravasaria o disposto no artigo 50º, nº1, do CCP e violaria o princípio da estabilidade das regras do procedimento.
Efectivamente, tal como se diz na Decisão recorrida, citando MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, (7) e já resultava do disposto no artigo 81º, nº1, do DL nº 59/99 de 2 de Março, os esclarecimentos a prestar devem cingir-se à necessidade de tornar claro, congruente e unívoco aquilo que, nos elementos patenteados no procedimento, era obscuro, ou passível de ser entendido em mais de um sentido.
A Decisão recorrida considerou que os items do Caderno de encargos (CE) eram claros e inteligíveis, não contendo qualquer passagem que carecesse de explicitação, e que os esclarecimentos prestados assumiram novas especificações técnicas que nele não estavam contempladas.
Ao contrário, refere o recorrente que o júri não introduziu quaisquer alterações não admitidas e que não extravasou o que lhe era consentido no âmbito do pedido de esclarecimentos.
Embora, como se disse, os esclarecimentos devessem ser disponibilizados a todos os potenciais concorrentes, pelas vias constantes do nº4, do artigo 50º, do CCP, - e não apenas levados ao conhecimento dos que adquiriram cópia das peças procedimentais - assiste razão ao recorrente, quando se pronuncia no sentido de que o júri não introduziu alterações inadmissíveis no Caderno de encargos patenteado a concurso.

Para justificar esta asserção, dir-se-á o seguinte:

2. 3. 1. Efectivamente, tendo em conta a factualidade dada por assente na alínea H) do probatório, os esclarecimentos prestados incidiram sobre os seguintes items e matérias do Caderno de encargos (CE):

- Item 1.1.2. do Anexo I - Peso bruto;
- 1.1.4. e 2.1.4. do Anexo I - Ângulos de atravancamento;
- 1.1.8. do Anexo I - Motor;
- 1.1.18. e 2.1.18 do Anexo I - Lubrificação;
- 1.1.6.1. e 2.1.6.1. do Anexo I - Bancos.

2. 3. 2. No que concerne ao item "Peso bruto", que, no Anexo I ao CE, apenas continha a menção "19 toneladas", o esclarecimento consistiu na indicação de que essa tonelagem não podia ser excedida, mas podia não ser "forçosamente" atingida.
Como bem refere o Digníssimo Magistrado do Ministério Público, no seu Parecer, a boa compreensão deste item exigia que o CE contivesse, por exemplo, a expressão "até 19 toneladas".
A questão colocada relativamente à definição da tonelagem pretendida, tem a ver com o facto de, como diz o recorrente, quanto maior for o peso do veículo, maior terá de ser a distância entre eixos e, por outro lado, menor será a operacionalidade da viatura.
Assim, uma vez que a indicação contida no Caderno de encargos era imprecisa ou ambígua, - por ficar indefinido se a tonelagem indicada era a máxima consentida, ou se a mesma tinha que ser estritamente cumprida - importava esclarecer o que a entidade adjudicante pretendia.
Considera-se, assim, que o esclarecimento dado, constitui como que um acto de accertamento da exigência feita e não uma alteração ao Caderno de encargos.

2. 3. 3. No que respeita ao item "Ângulos de atravancamento", há que dizer que este item estava formulado no CE por forma incorrecta, uma vez que em divergência com a Norma Europeia EN 1846-2:2009, (8) sobre os respectivos requisitos técnicos.
Deste modo, o esclarecimento prestado não pode ser tido como uma alteração ao citado Caderno de encargos, mas antes como uma correcção ou rectificação da exigência, o que podia ser efectuado ao abrigo do disposto no artigo 50º, nº3, do CCP.

2. 3. 4. Relativamente ao item "Motor", estamos perante uma situação semelhante à referida no ponto anterior.
Assim, dir-se-á, com o recorrente e o Ministério Público, que o CE estava deficientemente formulado, visto que no mercado de chassis não há viaturas que, com cilindrada entre 9 e 11 litros, respeitem as normas em vigor, quanto à altura da cabina.
É que a Norma EN 14043:2005+A1:2009 (9) especifica, no seu ponto 5.2.3, como altura máxima admissível 3,30 metros, incluindo o parque escada comprimento máximo de 12 metros e largura máxima de 2,5 metros.
Deste modo, o esclarecimento prestado limitou-se corrigir ou rectificar erros do CE, harmonizando-o com normas europeias nessa matéria técnica, o que podia ser efectuado, também, nos termos do artigo 50º, nº3, do CCP.

2. 3. 5. No que concerne ao item "Lubrificação", importa dizer o seguinte:
O CE previa que a viatura devesse ser equipada com bomba (s) de lubrificação centralizada para o chassis e para a super-estrutura.
Por seu lado, o esclarecimento pedido consistiu em saber se seriam admissíveis viaturas com lubrificação automática.
A Decisão recorrida deu relevância negativa à circunstância de, na proposta adjudicatária, se apresentar uma solução em que o chassis não carecia de lubrificação.
Ora, com a evolução tecnológica que tem vindo a verificar-se na indústria automóvel, a existência de lubrificação automática constitui uma característica técnica mais actual e que responde, de modo igualmente eficaz, ás necessidades pretendidas.
Não se trata aqui de uma alteração substancial ao CE, mas apenas, e como refere o Ministério Público, da admissão da simples incorporação do sistema de lubrificação no próprio motor e não através de um mecanismo autónomo que lhe fosse acoplado, com sucedia nos modelos mais antigos.
A questão suscitada, só podia ser definida através da formulação de adequado esclarecimento, sendo que a resposta dada, atenta essa evolução tecnológica, não pode, assim, considerar-se como corporizando uma alteração ao CE.

2. 3. 6. Relativamente ao item "Bancos" referir-se-á que o CE previa que os bancos do condutor e do passageiro do lado direito, deviam ser reguláveis.
A dúvida colocada consistia em saber se o banco do passageiro do lado direito, podia ser fixo.
Como bem diz o Magistrado do Ministério Público, não está em causa o fornecimento do banco do passageiro, mas sim a "funcionalidade" do mesmo.
Como é compreensível, não estava em causa uma questão essencial para o bom desempenho das viaturas pretendidas.
Por isso, o esclarecimento prestado foi nesse sentido e tal solução revela-se, até, mais favorável, economicamente, para o erário público.
Entende-se, assim, não ter havido aqui, também, qualquer alteração essencial ou estrutural do CE, que não pudesse ser efectuada no âmbito da incidência do citado artigo 50º do CCP, nem violação do princípio da estabilidade, princípio este que, no seu estrito cumprimento, impõe que os documentos que servem de base ao procedimento se devem manter inalterados durante a pendência dos respectivos procedimentos.

2. 4. A Decisão recorrida considerou, por outro lado, que, ainda que se encarassem as alterações introduzidas no CE, à luz de erros e omissões das peças do procedimento, não era ao júri que competia proceder a essas rectificações, mas sim à entidade adjudicante.
Contra esta asserção reage o recorrente, referindo que não tem sentido esta questão da incompetência do júri, pela razão de que tal competência foi delegada no júri, como decorre da matéria de facto dada por assente na alínea A) do probatório.
Efectivamente, como resulta da factualidade assente na citada alínea A) do probatório, o Secretário Regional dos Assuntos Sociais do Governo Regional da Madeira, por despacho de 25 de Junho de 2009, delegou no júri a competência para a realização de todos os actos inerentes ao procedimento, designadamente os esclarecimentos referentes ao Caderno de encargos e ao Programa de concurso.
Porém, a validade, ou não, da delegação de competências efectuada, no que respeita à prestação dos esclarecimentos, é questão que não carece de ser abordada aqui.
Na verdade, a intervenção, no procedimento, do Secretário Regional dos Assuntos Sociais do Governo Regional da Madeira, veio ratificar a deliberação do júri, no que concerne aos esclarecimentos prestados, pelo que qualquer eventual ilegalidade, nesta matéria, encontra-se sanada.

2. 5. Entendeu, por seu turno, a Decisão recorrida que a proposta adjudicatária devia ter sido excluída, nos termos dos artigos 70º, nº2, al. b) e 146º, nº2, al. o), ambos do CCP, por não satisfazer as exigências do fornecimento posto a concurso, tal como sucedera com a proposta do concorrente "Jacinto Marques de Oliveira, Sucrs."
Para tanto, considerou a Decisão ora impugnada que existem divergências entre a proposta adjudicatária e o exigido no CE, as quais se assinalam na alínea N) do probatório, ou seja:

a) No item "Lubrificação", enquanto o CE exigia que as viaturas estivessem equipadas com bomba(s) de lubrificação centralizada para o chassis e para a super-estrutura, a proposta refere que o chassis não necessita de lubrificação.
b) No item "Plataforma e Cofres", enquanto o CE estipulava que estes deviam ser construídos em chapa com a espessura mínima de 3 mm e que o piso (plataforma) devia ser em alumínio estriado resistente, com a espessura de 5mm, a proposta não faz referência à espessura dos materiais.
c) No item "Cintos de segurança", enquanto o CE exige que todos os lugares devem dispor de cintos de segurança com três pontos de fixação, a proposta adjudicatária não refere quantos são os pontos de fixação.
d) No item "Equipamento eléctrico", enquanto o CE exige que as viaturas devem ser providas de dois projectores orientáveis com potência superior a 100W cada um (um para o lado direito da dianteira e outro para o lado esquerdo da traseira), a proposta adjudicatária apresenta três projectores de 70W.

2. 5. 1. Vejamos, então, se estas divergências justificam que a proposta adjudicatária devesse ter sido excluída, nos termos das disposições dos artigos 70º, nº2, al. b) e 146º, nº1, al. o) do CCP.

Recorde-se o que estabelecem estes dispositivos legais: 

Artigo 70º
Análise das propostas
1 - .......................................................................
2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:
a) ....................................................................
b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspectos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos nºs 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49º.
...........................................................................

Artigo 146º
Relatório preliminar
1 - .........................................................................
2 - No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o Júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das Propostas:
........................................................................
o) Cuja análise revele alguma das situações previstas no nº2 do artigo 70º.
............................................................................ 

De harmonia com o que dispõe o citado artigo 70º, nº2, al. b) do CCP, a proposta adjudicatária deveria ser excluída se apresentasse atributos que fossem violadores de parâmetros base fixados no CE ou que violassem aspectos da execução do contrato a celebrar, não submetidos à concorrência.
Porém, ressalva esta norma o disposto no artigo 49º, nºs 4 a 6, do Código.
Importa, pois, aludir ao que dispõe o nº 4, deste artigo 49º: 

Artigo 49º
Especificações técnicas
............................................................................
4 - Não podem ser excluídas propostas com fundamento em desconformidade dos respectivos bens ou serviços com as especificações técnicas de referência, fixadas de acordo com o disposto nas alíneas a) ou b) do nº2, desde que o concorrente demonstre, de forma adequada e suficiente, que as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem, de modo equivalente, as exigências definidas por aquelas especificações. (10)
...........................................................................

2. 5. 2. Analisemos, então, as divergências entre a proposta adjudicatária e o CE, para efeitos da sua eventual subsunção ao disposto nos artigos 70º, nº2, al. b) e 146º, nº2, al. o), do CCP.

2. 5. 2. 1. Começando por observar a situação no que respeita ao item "Lubrificação", deve dizer-se que se verifica que a proposta adjudicatária apresentou uma solução em que a lubrificação do chassis é feita de forma automática e não através de bomba(s) de lubrificação.
Como se disse acima, a Decisão recorrida deu relevância negativa ao facto de a proposta adjudicatária prever uma solução em que o chassis não carece de lubrificação.
Ora, como vimos, a evolução tecnológica no âmbito da indústria automóvel, permitiu alcançar uma solução técnica, quanto a esta matéria, que possibilita a lubrificação automática do motor.
Estamos, assim, em presença de uma solução técnica que, para além de não violar os parâmetros base do caderno de encargos, satisfaz de modo equivalente as exigências definidas com a especificação técnica prevista no CE, tal como prevê o nº4, do artigo 49º, do CCP.
Não se verifica, pois, motivo para a exclusão da proposta, com fundamento no disposto na al. b) do nº2, do artigo 70º, do CCP.

2. 5. 2. 2. No que concerne aos items "Plataforma e Cofres", e Cintos de segurança", o que acontece é que a proposta adjudicatária não indica a espessura dos materiais, nem quantos são os pontos de fixação dos cintos de segurança.
Estamos aqui perante uma omissão de informação.
Ora, esta falta de informação não pode ser tida como uma violação dos parâmetros base fixados no CE.
É que, se, efectivamente, se verifica a falta de indicação da espessura dos materiais e a falta de indicação dos pontos de fixação dos cintos de segurança, certo é, também, que, como acentuam o Ministério Público e o recorrente, os concorrentes e, designadamente, o adjudicatário, prestaram uma declaração nos termos da qual se vinculavam às condições e exigências previstas no Caderno de encargos.
Nesta conformidade, considera-se, também, que, nesta parte, não ocorre motivo para a exclusão da proposta adjudicatária, por não se verificar o fundamento indicado no citado artigo 70º, nº2, al. b) do CCP.

2. 5. 2. 3. Relativamente ao item "Equipamento eléctrico", deve dizer-se, também, que a proposta adjudicatária não apresenta atributos que violem os parâmetros base fixados no CE.
Na verdade, o CE exigia que as viaturas deviam ser dotadas de dois projectores orientáveis com potência superior a 100W cada um (um para o lado direito da dianteira e outro para o lado esquerdo da traseira).
Ora, como resulta da matéria de facto dada por assente na alínea N) do probatório, a proposta adjudicatária apresenta três projectores com 70W.
Deste modo, a solução apresentada supera, no seu conjunto, os 200W (100W + 100W) exigidos no CE, e, por outro lado, tem a particularidade de observar o estipulado na norma europeia EN 1846-2:2009, que, como diz o recorrente, obriga a uma potência de iluminação de, pelo menos, 5 lux, medidos ao nível do solo, em volta de todo o veículo, com excepção da cabina.
Essa é, igualmente, prática do mercado, como se evidencia em documento apresentado pelo recorrente.
Assim, considera-se, também, que, nesta matéria, não se verifica motivo para exclusão da proposta adjudicatária, por não ocorrer o fundamento previsto na al. b), do nº2, do artigo 70º, do CCP.

3. Resta enfrentar a questão de saber qual a consequência jurídica da violação do disposto no artigo 50º, nºs 1, 2 e 4 do CCP, a que acima aludimos.
Não estando em causa nenhuma situação subsumível ao disposto na alínea b), do nº 3, do art.º 44º, da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto (LOPTC), a questão que se coloca é a de saber se se verifica algum dos fundamentos previstos nas alíneas a) e c) do referido preceito e, no caso de se verificar o fundamento previsto na alínea c), se é caso de se "conceder visto e fazer recomendações (...) no sentido de suprir no futuro tais ilegalidades".
A invalidade dos actos administrativos e, designadamente, a matéria da nulidade dos mesmos actos, é tratada nas secções III e IV, do Capítulo II, da Parte IV do Código do Procedimento Administrativo (CPA), mais precisamente nos artigos 133º (actos nulos), 134º (regime da nulidade), 137º (ratificação, reforma e conversão) e 139º, nº1, al. a) (revogação).
A violação dos dispositivos legais a que nos referimos atrás, não está prevista no elenco dos actos para os quais o artigo 133º, nº2, do CPA comina a nulidade, como forma de invalidade, porquanto:

- Os vícios supra identificados não estão previstos no nº 2 do artigo 133º do Código do Procedimento Administrativo (CPA); (11)
- Não existe qualquer outro dispositivo legal que, para aqueles vícios, comine expressamente essa forma de invalidade (vide nº 1 do artigo 133º do CPA);
- O acto de adjudicação da empreitada contém todos os seus elementos essenciais, considerando-se "elementos essenciais" todos os elementos cuja falta se consubstancie num vício do acto que, por ser de tal modo grave, torne inaceitável a produção dos respectivos efeitos jurídicos, aferindo-se essa gravidade em função da ratio que preside àquele acto de adjudicação (vide artigo 133º, nº 1, 1ª parte, do CPA). (12)
Ora, não sendo as ilegalidades verificadas, geradoras de nulidade, só podem as mesmas ser geradoras de anulabilidade, tal como se dispõe no artigo 135º do mesmo CPA.
Afastados que estão os fundamentos previstos nas alíneas a) e b) do nº 3, do artigo 44º da Lei nº 98/97, e tendo nós dado por assente que as violações de lei ocorridas são geradoras de anulabilidade, importa, agora, analisar se a situação em análise é enquadrável no disposto na alínea c) do n.º 3 do mesmo normativo.
Afigura-se-nos que a resposta só pode ser positiva.
Muito embora não resulte dos autos que, da violação dos supra mencionados nºs 1, 2 e 4, do artigo 50º, do CCP, tenha dimanado a alteração efectiva do resultado financeiro do contrato, não se suscitam dúvidas em afirmar que aqueles vícios são susceptíveis de potenciar o favorecimento ou desfavorecimento de alguns concorrentes, relativamente a outros, em razão da deficiente publicitação dos esclarecimentos, em violação, designadamente, dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da transparência e da concorrência, previstos no artigo 3º e 4º do CPA e no artigo 1º, nº4, do CCP.
Anote-se, a propósito, que, para efeitos da aplicação da alínea c), do nº 3 do artigo 44º da Lei nº 98/97, quando aí se diz "Ilegalidade que... possa alterar o respectivo resultado financeiro" pretende-se significar que basta o simples perigo ou risco de que da ilegalidade constatada possa resultar a alteração do respectivo resultado financeiro.
No caso vertente, e como se disse, não está, todavia, adquirida a efectiva ocorrência de uma alteração do resultado financeiro do contrato.
Por outro lado, expectável é que a formulação de uma recomendação seja suficiente para que a entidade adjudicante não volte, no futuro, a incumprir a lei.
Julga-se, pois, estarem reunidos os pressupostos justificativos do uso da faculdade prevista no artigo 44º, nº4, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.  

IV - DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Plenário, em dar provimento ao recurso, revogando, assim, a decisão recorrida, e, em consequência:

a) Conceder o visto ao contrato;
b) Recomendar à entidade adjudicante o rigoroso cumprimento, no futuro, do disposto no artigo 50º, nºs 1, 2 e 4 do Código dos Contratos Públicos e a difusão desta recomendação pelos seus serviços.

São devidos emolumentos (artigos 5º, nº1, al. b) e 6º, nº2, aplicáveis ex vi do artigo 17º, nº3, todos do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo ao DL nº 66/96 de 31 de Maio). 

Lisboa, 6 de Julho de 2010.

Os Juízes Conselheiros - (António M. Santos Soares, relator) - (Helena Abreu Lopes) - (João Figueiredo)

Fui presente

O Procurador-Geral Adjunto - (Jorge Leal)


(1) Vide fols, 91, 94 e 100 dos autos.  
(2) Vide fols. 403 dos autos.  
(3) Negrito nosso.
(4) Negrito nosso.
(5) As Directivas nºs 2004/17/CE e 2004/18/CE são oriundas do Parlamento Europeu e do Conselho, datam de 31 de Março de 2004 e foram alteradas pela Directiva nº 2005/51/CE, da Comissão, de 7 de Setembro e rectificadas pela Directiva nº 2005/75/CE, do Parlamento Europeu e da Comissão, de 16 de Novembro.
(6) A redacção deste normativo foi alterada pelo DL nº 223/2009 de 11 de Setembro.
(7) In "Concursos e outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa - Das Fontes às Garantias", ed. Almedina, 1998, pág. 286. 
(8) Norma relativa a "Viaturas de socorro e de combate a incêndio - Parte 2: Requisitos comuns - Segurança e desempenho", harmonizada ao abrigo da Directiva nº 2006/42/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Maio, (relativa às máquinas e que altera a Directiva nº 95/16/CE) e que foi objecto de Comunicação da Comissão, - no âmbito da execução daquela Directiva - inserta no JOUE nº C 309/41, de 18-12-2009. Esta Norma EN nº 1846-2:2009, por sua vez, revogou a Norma EN 1846-2:22001+A3:2009 que havia sido objecto de Comunicação da Comissão inserta no JOUE nº C 214/22, de 08-09-2009.
(9) Norma relativa a "Meios de elevação para combate a incêndio - Escadas rotativas com movimentos combinados - Requisitos de segurança e desempenho e métodos de ensaio", harmonizada com a Directiva nº 2006/42/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Maio de 2006, (relativa às máquinas e que alterou a Directiva nº 95/16/CE) e que foi objecto de Comunicação da Comissão inserta no JOUE, nº C 214/1, de 08-09-2009.
(10) Negrito nosso.
(11) Anote-se, contudo, que a enumeração é meramente exemplificativa.
(12) Vide, entre outros, os Acórdãos do Tribunal de Contas n.º 30/05-15NOV-1.ª S/PL, e nº 135/07 - 27. NOV.07-1ª S/SS.