Acórdão n.º 166/2009, de 20 de Novembro de 2009, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1314/2009)

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ACÓRDÃO N.º 166/2009 - 20.Nov.2009 - 1ª S/SS

(Processo n.º 1314/09)

  

DESCRITORES:

Empreitada de Obras Públicas / Erro / Omissão / Apresentação das Propostas/ Alteração do Resultado Financeiro Por Ilegalidade / Recusa de Visto 

SUMÁRIO: 

1. Nos termos do art.º 61.º, n.º 5 do Código dos Contratos Públicos, o órgão competente para a decisão de contratar deve pronunciar-se sobre os erros e omissões identificados pelos concorrentes, até ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas.

2. Por seu turno, os concorrentes devem, de acordo com o disposto no n.º 7 do referido artigo, identificar expressa e inequivocamente, os termos do suprimento de cada um dos erros e omissões aceites pela entidade adjudicante.

3. A lei não exige um formalismo especial para a evidenciação do modo de suprimento dos erros e omissões, desde que da proposta se retire, expressa e inequivocamente, o modo como foi efectuado esse suprimento.

4. A não apresentação do modo de suprimento dos erros e omissões em listas separadas, tal como o júri do procedimento entendeu, não pode ser considerada como circunstância justificativa da exclusão de propostas.

5. Uma vez que o critério de adjudicação era o do preço mais baixo, e que o concorrente excluído apresentava a proposta com menor preço, a ilegalidade verificada alterou o resultado financeiro do contrato, com agravamento do respectivo valor para a entidade adjudicante, o que constitui fundamento de recusa de visto nos termos do art.º 4.º, n.º 3, al. c) da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.

Conselheiro Relator: António M. Santos Soares

 

ACÓRDÃO Nº 166 /09 - 20.NOV. 09 - 1ª S/SS

Proc. nº 1314/09

Acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção:

I - RELATÓRIO  

A Câmara Municipal de Viseu remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada celebrado, em 23 de Junho de 2009, com a empresa "Oliveiras, SA - Engenharia e Construção", pelo valor de 1.469.845,26 €, acrescido de IVA, tendo o mesmo por objecto a "Reinterpretação do Parque Aquilino Ribeiro".

II - MATÉRIA DE FACTO

Para além do referido acima, relevam para a decisão os seguintes factos, que se dão por assentes:

A) O contrato supra indicado foi precedido de concurso público, cujo aviso de abertura foi publicado no Diário da República, 2ª série, de 23 de Dezembro de 2008 e no "Jornal da Beira" de 8 de Janeiro de 2009;

B) O preço base, para efeitos do concurso, foi de 1.790.773,65 €;

C) O prazo de execução da obra é de 210 dias;

D) A consignação ainda não ocorreu;

E) No ponto 11 do Programa de Concurso, estabeleceu-se que o critério de adjudicação é o do preço mais baixo;

F) Apresentaram proposta 9 concorrentes, tendo sido excluídos 7, na fase de Análise das Propostas;

G) A fundamentação apresentada pelo júri, no Relatório Preliminar de Análise das Propostas, para a proposta de exclusão dos concorrentes referidos na alínea anterior, foi a seguinte (1): 
 " ... Os concorrentes nº 2 e 8 incluíram no valor da proposta os erros e omissões (mapa único). Os restantes apresentaram a lista de erros e omissões separadas da proposta, pelo que ao valor da proposta se vão adicionar os valores para os erros e omissões. No entanto neste último caso, houve concorrentes que no artigo 002 007 002 006, apenas apresentaram um valor para o mesmo (na proposta ou nos erros e omissões), não se descriminando a diferença entre o valor para cada uma delas. Por este motivo não é possível fazer a avaliação do valor deste artigo, referente ao preço base e aos erros e omissões, sendo por isso excluídos ao abrigo do descrito na alínea c) do nº 2 do artº 70 do CCP...".

H) Em sede de audiência prévia dos concorrentes, dois dos concorrentes com proposta de exclusão, apresentaram tempestivamente as suas pronúncias, tendo estas sido indeferidas pelo júri, com os fundamentos que, seguidamente, e em síntese, se indicam:
" ... o programa do procedimento não isenta os interessados do cumprimento do disposto no CCP.
(...) não consta do processo nenhum pedido de esclarecimentos que vise clarificar o modo de apresentação das listas dos preços unitários, sendo que essa é uma faculdade que assiste a todos os interessados.
(...) O júri elaborou uma lista onde constavam os erros e omissões à qual deu o título de "Anexo I - Erros e Omissões aceites", lista essa onde constavam unicamente os erros e omissões expressamente aceites pela entidade adjudicante, por proposta da equipa projectista e não uma reprodução do Mapa de Quantidades de Trabalhos, como refere o concorrente.
Nessa lista, fez-se a discriminação do que era novo e corrigido face à lista de preços unitários base, com sublinhado a cores e com nota, artigo a artigo, da aceitação dos erros.
No artigo 61º, nº 7 do CCP, impõe-se que "Nos documentos previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 57º (sendo que a lista de preços unitários e a lista de erros e omissões são, claramente para o júri, documentos enquadráveis neste articulado), os concorrentes devem identificar, expressa e e inequivocamente: a) Os termos do suprimento de cada um dos erros e omissões... b) O valor incorporado no preço ou preços indicados na proposta, atribuído a cada um dos suprimentos a que se refere a alínea anterior."
Daqui se concluindo que esta norma se destina exclusivamente aos concorrentes e não à entidade adjudicante, cabendo unicamente, a esta última, a obrigação de se pronunciar sobre os erros e omissões identificados por aqueles (nº 5 do art.61º do CCP).
(...) Damos razão ao reclamante a propósito da discordância com o fundamento invocado para a exclusão dos concorrentes, pois o fundamento de exclusão é o constante da alínea j) do nº 2 do artigo 146º e não o previsto na alínea c) do nº 2 do art. 70º...
(...) O esclarecimento que fosse pedido visaria, então, encontrar um valor deixado em branco no caderno de encargos e, portanto, destinar-se-ia a completar o respectivo atributo, o que é impedido pelo nº 2 do artigo invocado pelo concorrente. (...) O que se pretendia saber era em que medida a alteração das quantidades dos restantes artigos, que compunham o sub-capítulo 002 007 002 - Repuxos Isolados, afectavam os trabalhos de execução previstos no artigo 002 007 002 006 (este artigo destinava-se a medir os trabalhos de execução complementares ao fornecimento dos restantes artigos do sub-capítulo) e que tinha como unidade de medida "vg", tanto na lista de preços unitários base como na lista de erros e omissões...".

I) Dão-se aqui por inteiramente reproduzidos o Relatório Preliminar e o Relatório Final de avaliação das propostas, constantes de fols. 154 a 157 e de fols. 190 a 196 dos autos, respectivamente;

J) O concorrente nº2, (o consórcio formado pelas empresas „Vibeiras - Sociedade Comercial de Plantas, SA e „Mota-Engil, Engenharia e Construção, SA) - um dos concorrentes que veio a ser excluído - apresentou a proposta com o valor mais baixo - 1.295.783,44 €;

K) Foram, ainda, excluídos os seguintes concorrentes, que, também, apresentaram propostas com um valor inferior ao apresentado pela proposta adjudicatária:

§ Nº 5 - "Construtora Abrantina, SA" - proposta no valor de 1.395.966,62 €;
§ Nº 7 - "Consórcio Lopes & Irmão - Fical - Empreiteiro de Fernando & Carvalho, SA" - proposta no valor de 1.368.940,85 €;

L) Tendo este Tribunal solicitado a remessa de documento que consubstanciasse o suprimento dos erros e omissões apresentado pelos concorrentes excluídos, nas respectivas propostas, a entidade adjudicante veio a remeter tal documentação apenas relativamente aos concorrentes nºs 2 (o consórcio indicado na alínea anterior) e 4 (a empresa "Edivisa - Empresa de Construção, SA");

M) Relativamente ao Relatório do júri do procedimento concernente à Apreciação técnica e à Avaliação do cumprimento do artigo 61º, nº7, do Código dos Contratos Públicos foi emitida, por um perito em engenharia deste Tribunal, uma "Nota Técnica" com o seguinte teor:

"NOTA TÉCNICA
1314/09
CÂMARA MUNICIPAL DE VISEU - organismo
OLIVEIRAS, SA - adjudicatário
REINTERPRETAÇÃO DO PARQUE AQUILINO RIBEIRO - objecto  

Descritores:
Erros e Omissões

[CCP-artº 61º-nº7] Avaliação do grau de cumprimento
                        Exclusões/Reclamação
Relatório do Júri do Procedimento - Apreciação Técnica
Avaliação Técnica da Razoabilidade da Reclamação

A análise preliminar e sucinta do presente processo, permite, para já, concluir o seguinte:

Exclusão de Propostas

► Na fase de Análise de Propostas foram excluídas sete propostas, basicamente, e segundo os serviços, por motivos de terem incluído "(...) no valor da proposta os erros eomissões (mapa único)", no caso dos concorrentes nº2 [VIBEIRAS, SA/MOTA-ENGIL, SA] e 8 [CONSTRUÇÕES AMÂNDIO CARVALHO, SA], e no caso dos concorrentes nºs 4, 5, 6, 7 e 9) por, apesar de terem apresentado "a lista de erros e omissões separadas da proposta (...) no artigo 002 007 002 006 apenas apresentaram um valor para o mesmo (na proposta ou nos erros e omissões), não se discriminando a diferença entre o valor para cada uma delas", não sendo possível, ainda no entender dos serviços, segundo o Relatório do Júri de Procedimento, "fazer a quantificação do valor deste artigo, referente ao preço base e aos erros e omissões, sendo por isso, excluídas as respectivas propostas com fundamento na alínea j) do nº 2 do artigo 146º do CCP."

► Acontece que, 3 das propostas excluídas apresentavam um valor inferior à do putativo adjudicatário - a saber, o nº2 [VIBEIRAS, SA/MOTA-ENGIL, SA], a nº 5 [CONSTRUTORA ABRANTINA, SA] e a nº 7 [LOPES & IRMÃO/FICAL/E. FERNANDO & CARVALHO, SA]. O que assume especial relevância, dado que o critério de adjudicação era o preço mais baixo.

► No entanto, apenas 2 destes, os nºs 2 e 5 vieram a apresentar reclamação ao abrigo de audiência prévia, tendo a reclamação do concorrente nº 5 sido considerada intempestiva.

► Numa das devoluções do processo, foi solicitado a remessa de "cópia do documento que consubstancia o suprimento dos erros e omissões apresentado pelos concorrentes excluídos, nas respectivas propostas", mas, os serviços apenas enviaram a documentação relativa aos concorrentes nº2 [VIBEIRAS, SA/MOTA-ENGIL, SA] e nº4 [EDIVISA, SA], esta, sem interesse directo, uma vez que o valor da sua proposta, ainda que inferior ao preço-base, era superior ao do putativo adjudicatário.

Apresentação das Propostas - Instruções do D.O. - Artº 61º, nº7 do CCP

► Nos termos do Artº 61º, nº7 do CCP, isto é, os interessados, apresentaram ao órgão competente para contratar (D.O), os Erros e Omissões (E&O) por si "expressa e inequivocamente" identificados, tendo-se constatado que algumas empresas o fizeram, indicando, não apenas erros de quantidades nas medições (Emed), omissões de projecto (O) mas também, alguns lapsos (de escrita?) relacionados com troca de unidades (Eunid).
Nessas listas, cumprira-se, por parte dos interessados, a identificação "expressa e inequivoca"imposta no nº 1 do citado diploma.
Foi, em seguida, dado cumprimento ao estabelecido no nº 4 do mesmo artigo.

► O D.O, ainda nos termos da legislação aplicável, elaborou e fixou, como lhe competia (com alguma dilação de prazos por si justificada por dificuldades do projectista), uma Lista de Erros Omissões Aceites, a qual não primava pela clareza na sua forma, por poder gerar algumas confusões na interpretação entre os "artigos a corrigir" e os "corrigidos", mas, sobretudo, por num dos artigos, o nº 002 007 002 006 - Instalação eléctrica, relacionado com a instalação de "Repuxos isolados" ter, a nosso ver, confusamente, indicado como "errado" o valor global (1) indicado no mapa de quantidades inicial e, manter como "corrigido" o mesmo valor global (1). O que, como se veio a constatar, criou confusão na interpretação dos concorrentes, pedidos de esclarecimento e orçamentação incongruente e, até incorrecta, por parte do putativo adjudicatário, porque se veio a verificar, orçamentou duplamente, esse item.

► Segundo o D.O., o nº 002 007 002 006 - Instalação eléctrica, estando relacionado com a instalação de "Repuxos isolados" veio a ser mencionado na sua Lista de Erros Omissões Aceites para salvaguardar a possibilidade de (re)orçamentação desse item global face ao acréscimo de intervenção entretanto detectado e "corrigido" na sua lista. Só que, a indicação feita pelo D.O., foi incorrecta e geradora de interpretações dúbias como se veio a verificar. E isso, porque os concorrentes ficaram sem saber, "expressa e inequivocamente" se se tratava de valor global (1) ou de valor global (1) + valor global (1). Nessa Lista de Erros Omissões Aceites, dever-se-ia, tão-só, ter indicado que haveria um "up-grade" naquele artigo, mas mantendo a designação valor global (1) , até porque a designação valor global é de per si, plural e abrangente.

Propostas dos concorrentes - ao abrigo do Artº 61º, nº7 do CCP

► As propostas dos concorrentes com maior interesse em serem analisados nesta Nota Técnica, por terem apresentado valores mais baixos e mais próximos do adjudicatário designado, caracterizaram-se, nesta questão dos E&O, da seguinte forma:

- O putativo adjudicatário apresentou os erros de quantidades nas medições (Emed) e as omissões de projecto (O) numa Lista de E&O separada, mas os lapsos (de escrita?) relacionados com troca de unidades (Eunid) na sua Lista Geral. Ou seja, não apresentou nem identificou de forma expressa e inequívoca. Além disso, orçamentou duas vezes o item 002 007 002 006 - Instalação eléctrica, por presuntivamente, não ter entendido o que estava em causa. O que não deixa de ser uma deficiência grave na documentação apresentada a concurso.
- O concorrente nº2 [VIBEIRAS, SA/MOTA-ENGIL, SA], por sua vez, apresentou a sua Lista de Preços Unitários (LPU), reformulada e integrando, como devia, os E&O aceites pelo D.O. Cumprindo o disposto no nº 7 do artº 61º do CCP. E, não duplicando o preço do artigo supra citado.
- Quanto ao concorrente nº4 [EDIVISA, SA], embora, sem interesse directo, uma vez que o valor da sua proposta, ainda que inferior ao preço-base, era superior ao do putativo adjudicatário, verificou-se que a sua Lista de Preços Unitários (LPU), ainda se revelou mais confusa, uma vez que, na sua Lista separada de E&O apenas inscreveu os valores supletivos das quantidades "erradas" nas medições.

Refira-se que a apresentação em listas separadas como era, presumivelmente pretendido pelo D.O., não é nada aconselhável em termos de "gestão futura" da obra por dificultar o enquadramento e identificação dos trabalhos.

► De facto, o D.O., veio a justificar a exclusão de sete propostas, basicamente, e segundo os serviços, por motivos de terem incluído "(...) no valor da proposta os erros e omissões (mapa único)", no caso dos concorrentes nº2 [VIBEIRAS, SA/MOTA-ENGIL, SA] e 8 [CONSTRUÇÕES AMÂNDIO CARVALHO, SA], e no caso dos concorrentes nºs 4, 5, 6, 7 e 9) por, apesar de terem apresentado "a lista de erros e omissões separadas da proposta (...) no artigo 002 007 002 006 apenas apresentaram um valor para o mesmo (na proposta ou nos erros e omissões), não se discriminando a diferença entre o valor para cada uma delas", não sendo possível, ainda no entender dos serviços, segundo o Relatório do Júri de Procedimento, "fazer a quantificação do valor deste artigo, referente ao preço base e aos erros e omissões, sendo por isso, excluídas as respectivas propostas com fundamento na alínea j) do nº 2 do artigo 146º do CCP."

O que é, em nosso entender incorrecto, e lesivo da legalidade do procedimento, uma vez, é precisamente, a proposta do concorrente nº2 [VIBEIRAS, SA/MOTA-ENGIL, SA] a que cumpre, com rigor, a identificação "expressa e inequívoca", cumprindo o disposto no nº 7 do artº 61º do CCP. Alem disso, não duplica a orçamentação do artigo nº 002 007 002 006 - Instalação eléctrica, ao contrário do putativo adjudicatário.
O concorrente nº2 [VIBEIRAS, SA/MOTA-ENGIL, SA] , foi mal excluído, tendo apresentado CORRECTAMENTE a sua proposta.
O putativo adjudicatário não o fez (não apresentou nem clara nem de forma inequívoca !) e até duplicou o preço do item 002 007 002 006. Ou seja, formalmente ERRADO !

► O D.O. além o erro relacionado com o artigo nº 002 007 002 006 - Instalação eléctrica, interpretou mal, a nosso ver, a apresentação dos concorrentes das suas Listas de Preços Unitários (LPU), alterando o resultado do concurso, por ter excluído indevidamente a proposta do concorrente nº2 [VIBEIRAS, SA/MOTA-ENGIL, SA].

Do cumprimento do disposto no Artº 61º, nº7 do CCP

a) A Lista de Preços Unitários é um documento que faz parte integrante do "contrato";
b) A "identificação expressa e inequívoca" que poderá implicar uma necessidade de destaque específica dos items afectados e a alterar, será, porventura importante num formato eventualmente destacado, em termos "físicos/gráficos", na fase de apresentação ao D.O. por parte dos concorrentes, dos Erros e Omissões, até ao termo do quinto sexto do prazo (cf. Nº1 do artº 61º do CCP), mas, não já na fase final, isto é, no documento integrado final que já conterá, a súmula dos erros acertados e aprovados pelo Dono da Obra;
c) Pelo que, na Lista de Preços Unitários integrante da Proposta apresentada no acto do concurso, tal diferenciação "gráfica"será, de facto, irrelevante ou, até, dispensável, porque, aí, o que de facto importa, são os valores corrigidos, correcta e rigorosamente inseridos nos capítulos e items de medição. Ou seja, na prática, implicitamente, identificados "expressa e inequivocamente"

Unid.Apoio Técnico I - DepºControlo Prévio, 19 de Novembro de 2009
Víctor M. Roque Amaro, auditor, engº civil (IST) ".
 

III - O DIREITO 
 

1. A questão fundamental a resolver, no presente processo, traduz-se em saber se a deliberação de exclusão de alguns concorrentes, na fase da análise das propostas, do procedimento que antecedeu o presente contrato, foi ou não correctamente tomada, e, na negativa, quais as consequências que, para a adjudicação e para o contrato, resultaram de tal deliberação excludente.
Para aferir, no caso sub judice, da legalidade da mencionada deliberação, importa analisar o disposto no artigo 61º do Código dos Contratos Públicos (CCP), maxime nos seus números 5 a 7:

Artigo 61º
Erros e omissões do caderno de encargos
.........................................................................
5 - Até ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas, o órgão competente para a decisão de contratar deve pronunciar-se sobre os erros e omissões identificados pelos interessados, considerando-se rejeitados todos os que não sejam por ele expressamente aceites.
6 - A decisão prevista no número anterior é publicitada em plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante e junta às peças do procedimento que se encontrem patentes para consulta, devendo todos os interessados que as tenham adquirido ser imediatamente notificados do facto.
7 - Nos documentos previstos na alínea b) do nº1 do artigo 57º, os concorrentes devem identificar, expressa e inequivocamente:
a) Os termos do suprimento de cada um dos erros ou das omissões aceites nos termos do disposto no nº5, do qual não pode, em caso algum, resultar a violação de qualquer parâmetro base fixado no caderno de encargos;
b) O valor, incorporado no preço ou preços indicados na proposta, atribuído a cada um dos suprimentos a que se refere a alínea anterior.

De harmonia com o disposto neste normativo, até ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas, o órgão competente para a decisão de contratar deve pronunciar-se sobre os erros e omissões identificados pelos concorrentes (nº5).
A decisão tomada, quanto aos mencionados erros e omissões, deve ser publicitada pela entidade adjudicante e junta às peças do procedimento patentes para consulta, devendo todos os interessados que as tenham adquirido, ser notificados do facto (nº6).
Por seu lado, o mencionado artigo 61º, do CCP, estabelece, no seu nº7, alínea a), que, nos documentos referidos no artigo 57º, nº1, al. b) do CCP (2) devem os concorrentes identificar, expressamente e inequivocamente, os termos do suprimento de cada um dos erros e omissões aceites pela entidade adjudicante, do qual não pode resultar, em caso algum, a violação de qualquer parâmetro base fixado no caderno de encargos.

2. Como emerge da matéria de facto dada por assente no probatório, o júri do procedimento que antecedeu o presente contrato, propôs a exclusão de alguns concorrentes - designadamente o concorrente nº2 (o consórcio formado pelas empresas "Vibeiras, SA" e "Mota-Engil, SA") - por pretensa inobservância do disposto no referido artigo 61º, nº7 do CCP.
Com efeito, e como se colhe quer do Relatório Preliminar de Avaliação das propostas, quer do Relatório Final, o júri do procedimento entendeu que, v. g., os concorrentes nºs 2 e 8 ("Empresa de Construções Amândio de Carvalho, SA") incluíram no valor da proposta os erros e omissões e que, "não sendo apresentada a lista de erros e omissões separada", ficava o júri impedido de saber qual o valor atribuído aos artigos que se destinam a preencher os espaços deixados em branco (atributos da proposta) na lista de preços unitários base do caderno de encargos posto a concurso.
Por outro lado, segundo o júri, "... o artigo 002 007 002 006 tem como quantidade o valor 1 e unidade de medida - vg, destina-se a saber qual o valor atribuído pelos concorrentes à execução da totalidade dos artigos constantes do sub-capítulo respectivo e que foram todos alterados nas suas quantidades. Esse facto impossibilita o júri, mesmo que movido por um acesso de boa vontade e de diligência, para além do permitido na lei, de fazer a descriminação do valor que o concorrente pretende que se considere na sua proposta base e o montante atribuído ao respectivo artigo na lista de erros e omissões, o que será, decerto, o que o legislador quis evitar, e até impedir, ao incluir o nº7 do artigo 61º no CCP...".

2. 1. Não tem razão o júri, no que respeita à apreciação feita sobre o modo de cumprimento do disposto no artigo 61º, nº7 do CCP, nem quanto à exclusão (proposta e seguidamente consumada) dos concorrentes, pelos fundamentos que, a este respeito, invocou.
Efectivamente, e como se assinala na Nota Técnica indicada na alínea M) do probatório, os concorrentes apresentaram, ao órgão competente para a decisão de contratar, os erros e omissões que, expressa e inequivocamente, identificaram, sendo certo que aí se incluíram erros de quantidades nas medições (Emed), omissões de projecto (O), bem como lapsos relacionados com troca de unidades (Eunid).
Por outro lado, a entidade adjudicante elaborou uma "lista de erros e omissões aceites" que, aliás, não prima pela clareza na sua forma, podendo gerar confusões de interpretação entre os "artigos a corrigir" e os "artigos corrigidos". E, sobretudo, por, num dos artigos - o nº 002 007 002 006 - Instalação eléctrica - relacionado com a instalação de "Repuxos isolados" ter sido indicado como "errado" o valor global (1), indicado no mapa de quantidades inicial, e mantido como corrigido o mesmo valor global (1).
Esta situação acabou por criar confusão na interpretação, pelos concorrentes, bem como pedidos de esclarecimento e orçamentação incongruente e, até, incorrecta, como sucedeu com o adjudicatário que orçamentou duplamente aquele item.

2. 2. No que concerne especificamente à apresentação da lista de preços unitários com indicação, expressa e inequívoca, dos termos do suprimento de cada um dos erros e omissões aceites, deve referir-se que, v. g., o concorrente nº2 (o consórcio atrás citado) a apresentou reformulada e integrando os erros e omissões aceites pelo dono da obra.
O que o artigo 61º, nº7, do CCP, pretende é que os documentos que constituem a proposta - indicados na alínea b) do nº1, do artigo 57º do CCP -, contenham o modo de suprimento de cada um dos erros e omissões aceites pelo dono da obra.
Ora, tal desiderato consegue-se, também, através da indicação, expressa e inequívoca, dos items e preços apresentados na proposta, resultantes daquela correcção, já efectuada, e aceite, pelo dono da obra.
Não exige a lei, pois, um formalismo especial para a evidenciação do modo de suprimento dos erros e omissões, desde que da proposta se retire, expressa e inequivocamente, o modo como foi efectuado esse suprimento.
A "identificação expressa e inequívoca" poderá, por exemplo, ser conseguida através de destaque específico dos items afectados e a alterar, designadamente em termos gráficos.
Porém, o que importa relevar é que a proposta contenha de forma explícita e inequívoca, os valores corrigidos, correcta e rigorosamente inseridos nos capítulos e items de medição, pois que, desse modo, se pode aferir o modo de suprimento dos erros e omissões aceites.
É que a proposta é, nos termos do artigo 56º do CCP, a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo.
A apresentação do modo de suprimento dos erros e omissões em listas separadas - como parece ser o entendimento do júri do procedimento - poderá ser uma maneira mais "fácil" para aferir esse suprimento.
Todavia, essa forma de apresentação, como se assinala na referida Nota Técnica, indicada na alínea M) do probatório, não será aconselhável em termos de "gestão futura" da obra, uma vez que dificultará o enquadramento e identificação dos trabalhos.
Do que acaba de se dizer, logo se alcança que não ocorreu a circunstância invocada para a exclusão dos concorrentes nºs 2 e 8, ou seja a verificação da impossibilidade de avaliação das propostas em virtude da forma de apresentação de algum dos respectivos atributos, tal como indicada no artigo 70º, nº2, al.c) do CCP.  (3)
Do mesmo modo, e pelas razões apontadas, também a exclusão das propostas supra mencionadas, não se podia verificar com o fundamento constante do artigo 146º, nº2, al. j), do mesmo CCP (4), como corrigiu o júri, após a pronúncia dos concorrentes efectuada ao abrigo dos artigos 147º e 123º do dito Código (vide a matéria de facto dada por assente na alínea H) do probatório).
Aliás, se concorrente houve que não procedeu correctamente à indicação expressa e inequívoca do modo de suprimento dos erros e omissões, esse foi, precisamente, o adjudicatário, já que, por exemplo, duplicou o preço do item nº 002 007 002 006 - Instalação eléctrica.
Foram, assim, ilegalmente excluídos os concorrentes nºs 2 e 8.

3. Vejamos, de seguida, as consequências da ilegalidade verificada.

3.1. Não estando em causa nenhuma situação subsumível ao disposto na alínea b) do n.º 3 do art.º 44.º da Lei n.º 98/97, a questão que se coloca é a de saber se se verifica algum dos fundamentos previstos nas alíneas a) e c) do referido preceito e, no caso de se verificar o fundamento previsto na alínea c), se é caso de se "conceder visto e fazer recomendações (...) no sentido de suprir no futuro tais ilegalidades".
A invalidade dos actos administrativos e, designadamente, a matéria da nulidade dos mesmos actos, é tratada nas secções III e IV, do Capítulo II, da Parte IV do Código do Procedimento Administrativo (CPA), mais precisamente nos artigos 133º (actos nulos), 134º (regime da nulidade), 137º (ratificação, reforma e conversão) e 139º, nº1, al. a) (revogação).
A ilegalidade a que nos referimos no ponto 2., atrás mencionado, não está prevista no elenco dos actos para os quais o artigo 133º, nº2 do CPA comina a nulidade, como forma de invalidade, porquanto:

- O vício supra identificado não está previsto no n.º 2 do art.º 133.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA);  (5)
- Não existe qualquer outro dispositivo legal que, para aquele vício, comine expressamente essa forma de invalidade (vide n.º 1 do art.º 133.º do CPA);
- O acto de adjudicação da empreitada contém todos os seus elementos essenciais, considerando-se "elementos essenciais" todos os elementos cuja falta se consubstancie num vício do acto que, por ser de tal modo grave, torne inaceitável a produção dos respectivos efeitos jurídicos, aferindo-se essa gravidade em função da ratio que preside àquele acto de adjudicação (vide artigo 133.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPA). (6)

Ora, não sendo a ilegalidade verificada, geradora de nulidade, só pode a mesma ser geradora de anulabilidade, tal como se dispõe no artigo 135º do mesmo CPA.

3. 2. Afastados que estão os fundamentos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do art.º 44 da Lei 98/97, e tendo nós dado por assente que a violação de lei ocorrida é geradora de anulabilidade, importa, agora, analisar se a situação em análise é enquadrável no disposto na alínea c) do n.º 3 do mesmo normativo.

A resposta a esta questão, só pode ser positiva.

De acordo com o artigo 44º, nº3, al. c) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, constitui fundamento de recusa do visto a desconformidade dos actos e contratos, com as leis em vigor, que implique ilegalidade que altere ou possa alterar o respectivo resultado financeiro.
Anote-se, a propósito, que, para efeitos da aplicação desta alínea c) do n.º 3 do art.º 44.º da Lei 98/97, quando aí se diz "Ilegalidade que... possa alterar o respectivo resultado financeiro" pretende-se significar que basta o simples perigo ou risco de que da ilegalidade constatada possa resultar a alteração do respectivo resultado financeiro.
Ora, no caso vertente, verifica-se, por um lado, que o critério de adjudicação, previsto no Programa de Concurso, é o do preço mais baixo.
Por outro lado, vários concorrentes que vieram a ser excluídos, apresentaram propostas com preço inferior ao apresentado pela empresa adjudicatária, sendo que, destes, o concorrente que apresentou o preço mais baixo foi o concorrente nº2, (consórcio formado pelas empresas "Vibeiras, Sociedade Comercial de Plantas, SA" e "Mota-Engil, Engenharia e Construção, SA"), o qual apresentou uma proposta com o valor de 1.295.783,44 €, valor este inferior, portanto, ao apresentado na proposta do adjudicatário e ao valor da adjudicação e do contrato (recorde-se no montante de 1. 469.845,26 €).
Resulta, assim, do que acaba de se expor, que, em consequência da ilegalidade praticada, foi alterado o resultado financeiro do contrato, com agravamento do respectivo valor, para a entidade adjudicante.
Está, pois, verificado o fundamento de recusa do visto a que alude a alínea c), do nº3, do artigo 44º, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.
  

IV - DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção, em recusar o visto ao contrato.
São devidos emolumentos (artigo 5º, nº3 do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, aprovado pelo DL nº 66/96 de 31 de Maio).
Lisboa, 20 de Novembro de 2009. 

Os Juízes Conselheiros - (António M. Santos Soares - relator) - (Helena Abreu Lopes) - (João Figueiredo)

Fui presente

O Procurador-Geral Adjunto - (Daciano Pinto)


(1) Vide fols. 156 dos autos. 
(2) O artigo 57º, nº1, al. b) do CCP estabelece que a proposta é constituída pelos documentos que, em função do objecto do contrato a celebrar e dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar
(3) Dispõe o artigo 70º, nº2, al. c) do CCP que São excluídas as propostas cuja análise revele a impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respectivos atributos.  
(4) O artigo 146º do CCP, sob a epígrafe "Relatório preliminar", estabelece na alínea j), do seu nº2, que no relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas que, identificando erros e omissões das peças do procedimento, não cumpram o disposto no nº7, do artigo 61º.  
(5) Anote-se, contudo, que a enumeração é meramente exemplificativa 
(6) Vide, entre outros, os Acórdãos do Tribunal de Contas n.º 30/05-15NOV-1.ª S/PL, e nº 135/07 - 27. NOV.07-1ª S/SS.