Acórdão n.º 15/2011, de 5 de Julho de 2011, do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1700/2010)

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ACÓRDÃO Nº 15/11 - 05.JUL. 2011 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 12/2011-R

(Proc. nº 1700/2010)

I - RELATÓRIO

I.1. Pelo Acórdão n.º 14/11 - 22.MAR.2011- 1.ª S/SS, o Tribunal de Contas recusou o visto ao contrato de empreitada para a construção da "CICLOVIA LOURINHÃ/ÁREA SUL", celebrado em 15 de Novembro de 2010, entre o Município da Lourinhã e a sociedade Construções Pragosa, S.A., pelo valor de € 948.615,06, acrescido de IVA.

I.2. A recusa do visto, proferida, em 22 de Março de 2011, ao abrigo da alínea c) do nº 3 do artº 44º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) (1), teve por fundamento a ilegalidade na utilização da figura do concurso público urgente, tal como previsto no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e nos artigos 155.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP) (2).
A decisão recorrida considerou que não se verificavam no caso todos os pressupostos estabelecidos no n.º 2 do referido artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 para a aplicação do mecanismo excepcional em causa, uma vez que o requisito referido na alínea a) desse n.º 2 (tratar-se de um projecto co-financiado por fundos comunitários) não se encontrava preenchido.
Mais considerou que não se mostrava existir uma situação de urgência evidente e efectiva na realização e acabamento da obra que justificasse a adopção do concurso público urgente e que a fixação do prazo para a apresentação das propostas violava os princípios da proporcionalidade, legalidade, concorrência e igualdade.

I.3. Inconformado com o Acórdão, o Município veio dele interpor recurso, em 12 de Abril de 2011, pedindo a concessão de visto ao contrato. 
Em defesa do pretendido apresentou as alegações processadas de fls. 9 a 15 dos autos, que aqui se dão por reproduzidas, e de que se destacam os seguintes argumentos:

a) Quando a alínea a) do n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 exige que se esteja perante projectos co-financiados por fundos comunitários para que se possa adoptar o procedimento de concurso público urgente, não se refere expressamente a que a candidatura esteja previamente aprovada. A recorrente considera que "havendo uma forte presunção de que tal venha a acontecer, e com uma interpretação que não seja tão restritiva" (...) "aquela norma se encontra respeitada". 

O Município refere que a candidatura ao financiamento comunitário não se encontrava aprovada, mas que o respectivo processo se encontrava praticamente concluído e que a decisão seria presumivelmente breve e favorável, protestando juntar o documento logo que informado da decisão final.

b) Estão em causa trabalhos urgentes, que têm por objectivo eliminar os riscos actuais de circulação, que têm sido causa de sinistralidade e cuja não eliminação irá contribuir para uma maior sinistralidade grave.

c) O prazo de apresentação das propostas coaduna-se com as exigências legais.

d) Os concorrentes tiveram acesso a todas as peças do concurso a partir do momento da publicação do anúncio.

e) O facto de terem sido apresentadas 7 propostas demonstra a concorrência que houve e a efectiva capacidade do mercado em responder ao anúncio publicado.

I.4. O recorrente veio, em 21 de Abril de 2011, juntar aos autos documento comprovativo da aprovação do financiamento comunitário do projecto em causa, ocorrida em 19 de Abril de 2011 (3). 

I.5. O Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal de Contas emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, uma vez que o procedimento não evidenciou respeito pelos princípios gerais da contratação pública, designadamente quanto ao prazo concedido para a apresentação das propostas, o qual inviabilizou um procedimento verdadeiramente aberto e concorrencial.

I.6. Corridos os demais vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO 

II.1. DOS FACTOS

Da factualidade fixada no Acórdão recorrido, que se confirma e considera reproduzida, ressaltam-se os seguintes aspectos:

A) O contrato foi precedido de concurso público urgente, com invocação do disposto no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e nos artigos 155.º e seguintes do CCP;

B) A abertura do procedimento pré-contratual foi autorizada por deliberação da Câmara Municipal da Lourinhã, de 14 de Setembro de 2010, com base na Informação n.º 18/2010, de 10 de Setembro, que referia:
"...Evidencia-se a necessidade urgente de execução da referida empreitada, uma vez que se tem verificado, nos últimos tempos, um grande número de acidentes de viação pela ocorrência de atropelamentos, com eventual tendência a aumentar, uma vez que a adesão cada vez maior à prática desportiva, vulgo "caminhadas" e "passeios de bicicleta", potenciam esta perigosidade pelo facto de a actual via não cumprir os requisitos mínimos.
Saliente-se também que não existe outro equipamento com tais características no concelho. Por outro lado, a própria criação é uma oportunidade para melhorar a própria estrada municipal...

C) O aviso de abertura foi publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 17 de Setembro de 2010;

D) O ponto 9 do anúncio de abertura do concurso estabeleceu que as propostas deveriam ser apresentadas até às 23:59 horas do 5.º dia a contar da data do envio do anúncio para publicação no Diário da República;

E) O preço base da empreitada era de € 1.400.000;

F) O critério de adjudicação era o do mais baixo preço;

G) Ao concurso apresentaram-se sete concorrentes;

H) A adjudicação foi efectuada em 1 de Outubro de 2010;

I) A autarquia apresentou, em 29 de Outubro de 2010, a candidatura da obra a financiamento comunitário através do Programa Operacional Regional do Centro;

J) O contrato foi outorgado em 15 de Novembro de 2010;

K) À data do Acórdão recorrido a candidatura ao financiamento comunitário ainda não estava aprovada, encontrando-se em fase de análise.
Nos termos do disposto nos artigos 99.º, n.º 5, e 100.º, n.º 2, da LOPTC, consideram-se ainda como relevantes para a presente decisão os seguintes factos:

L) Em 19 de Abril de 2011, posteriormente à interposição do recurso, a Comissão Directiva do Programa Operacional Regional do Centro deliberou aprovar a candidatura ao financiamento comunitário;

M) Em 4 de Maio de 2011 foi assinado o Contrato de Financiamento que titula esse apoio financeiro (4). 


II.2. DO PROCEDIMENTO DE FORMAÇÃO DO CONTRATO

II.2.1. Da modalidade de concurso público urgente

Conforme já foi acima referido, a empreitada em apreço foi contratada através de um procedimento de concurso público urgente.
Vejamos em que consiste esta modalidade de procedimento.

O concurso público urgente encontra-se regulado nos artigos 155.º a 161.º do CCP, regendo-se, com as necessárias adaptações, pelas disposições que regulam o concurso público, em tudo o que não esteja especialmente previsto nos artigos referidos ou que com eles não seja incompatível.
Um dos aspectos comuns às duas modalidades é o de qualquer interessado em contratar poder apresentar a sua proposta, o que significa que a figura do concurso público urgente está, tal como a do concurso público, integralmente sujeita aos princípios da concorrência, transparência e igualdade (cfr. artigo 1.º, n.º 4, do CCP). Isto implica, designadamente, a publicidade da oferta de contratar, a utilização de critérios objectivos de selecção e a fundamentação da escolha.
Só que, com base na necessidade de fazer face a uma situação de urgência, o legislador previu, para essa eventualidade, a possibilidade de a administração utilizar um procedimento acelerado de concurso público.
Esta aceleração faz-se, essencialmente, à custa do seguinte:

- O concurso é publicitado no Diário da República através de anúncio, do qual constam desde logo o programa do concurso e o caderno de encargos;
- O prazo mínimo para a apresentação de propostas pode ser reduzido até 24 horas, sendo que, em circunstâncias normais esse prazo não poderia nunca ser inferior a 9 dias ou, em caso de obras não manifestamente simples, a 20 dias;
- Não são admitidos pedidos de esclarecimentos para a boa compreensão e interpretação das peças do concurso;
- Não há lugar à identificação de eventuais erros ou omissões do caderno de encargos;
- Não se prevêem prorrogações do prazo para apresentação de candidaturas;
- Os concorrentes são obrigados a manter as suas propostas por apenas 10 dias, sem qualquer prorrogação;
- Os concorrentes não podem consultar as outras propostas apresentadas;
- Não há lugar à constituição de um júri para conduzir o procedimento;
- Não é possível pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas;
- Não há lugar à prestação de caução para garantia da celebração do contrato e do exacto e pontual cumprimento das obrigações dele decorrentes;
- O critério de adjudicação só pode ser o do mais baixo preço;
- Não são elaborados relatórios de análise das propostas;
- Não há lugar a audiência prévia antes de proferida a decisão de adjudicação;
- O adjudicatário deve apresentar os documentos de habilitação exigidos no prazo máximo de 2 dias a partir da notificação da adjudicação.

Como facilmente se conclui, esta procedimentação envolve riscos acrescidos para a administração e diminuição significativa de garantias para os concorrentes, relativamente àquilo que é normalmente assegurado num concurso público.
Por um lado, sendo o prazo para apresentação de propostas diminuto e não havendo possibilidade de obter esclarecimentos ou rectificações aos cadernos de encargos, verifica-se o risco de os concorrentes se defenderem de eventuais incertezas através de empolamentos de preço ou, ao invés, através de fortes expectativas relativamente a correcções por trabalhos a mais. Em ambos os casos, as propostas poderão ser pouco ajustadas à realidade.
Acresce que a administração não poderá pedir quaisquer esclarecimentos sobre as propostas e que, se estiverem em causa documentos concursais (cadernos de encargos, projectos) mais elaborados, não é possível à entidade pública co-responsabilizar o adjudicatário pela identificação de eventuais erros (5), recaindo todos os custos de correcções futuras sobre a administração.
Sendo a tramitação do concurso muito rápida (a adjudicação terá de ser feita em 10 dias, já que é esse o prazo máximo de manutenção das propostas), a entidade adjudicante não dispõe de tempo para uma cuidada análise das propostas, que, designadamente, as avalie face ao que é exigido pelo caderno de encargos e face ao que é admissível em termos de programação dos trabalhos.
Estes riscos são ainda agravados pela não prestação de caução que garanta a boa execução contratual.
Em suma, a administração enfrenta a possibilidade de, nestas condições, obter más propostas e maus contratos e uma maior vulnerabilidade face ao incumprimento contratual e à probabilidade de enfrentar custos acrescidos com correcções futuras.
Por outro lado, os concorrentes podem dispor de muito pouco tempo para preparar as suas propostas, não podem esclarecer dúvidas nem obter rectificações das peças do concurso, não podem consultar as outras propostas nem prestar esclarecimentos sobre a sua, não têm acesso a relatórios de análise das propostas nem direito a ser ouvidos antes de proferida a decisão.
Por último, a não designação de um júri para conduzir o procedimento diminui as condições de colegialidade, imparcialidade e contraditório.
Estas circunstâncias significam que se prescinde no concurso público urgente de um conjunto de mecanismos que o legislador contemplou no âmbito do concurso público com o objectivo de garantir efectivas condições de concorrência, transparência, igualdade e imparcialidade bem como a adequada satisfação das necessidades públicas. O concurso público urgente é, pois, uma modalidade que envolve uma significativa diminuição dessas garantias e do respeito pelos princípios aplicáveis.
Nessa medida, o recurso ao concurso público urgente é indubitavelmente um mecanismo de natureza excepcional, que sacrifica interesses normalmente acautelados num procedimento ordinário de concurso público, e que, por isso, só deve ser utilizado em função de uma efectiva urgência que se sobreponha àqueles interesses e que, dessa forma, justifique a utilização dessa modalidade excepcional.

Mas mais.

Porque se trata de uma modalidade de concurso com os inconvenientes acima assinalados, o legislador rodeou a possibilidade da sua utilização de um conjunto de constrangimentos.
Desde logo, o artigo 155.º do CCP apenas previu a possibilidade da sua utilização para contratos de locação, de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços de uso corrente, assim afastando, por regra, a adopção dessa modalidade em casos de serviços de uso não corrente e de empreitadas de obras públicas.
Assim se compreende a obrigatoriedade de inclusão do programa de concurso e do caderno de encargos no anúncio do concurso, a não previsão dos mecanismos de esclarecimento e identificação de erros ou omissões do caderno de encargos e a possibilidade de fixação de um prazo tão curto para apresentação de propostas. Porque nas locações, na compra de bens móveis e nas aquisições de natureza corrente, os cadernos de encargos são normalmente simples, relativos a bens padronizados, e as propostas limitam-se, com frequência, a indicar o preço comercial do produto identificado.
Não é assim nos serviços não padronizados nem nas empreitadas de obras públicas.
Estas áreas envolvem uma reflexão mais aprofundada sobre as necessidades da entidade pública, uma análise dos requisitos pretendidos e dos projectos, um eventual confronto com os locais e condições físicas em que as obras deverão ter lugar e a formação de preços ajustados às circunstâncias específicas de cada caso.
Esse ajustamento exige tempo para a formulação de propostas sérias, incluindo a possibilidade de esclarecer dúvidas e identificar imprecisões e, certamente, por isso, não se admitiu aí a utilização da figura do concurso público urgente.
Sucede, no entanto, que o Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho (6), veio permitir que, durante o ano de 2010, e em determinadas circunstâncias, se pudesse adoptar o procedimento de concurso público urgente para a celebração de contratos de empreitada, o que foi também repetido, para 2011, no Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março (7).
Ou seja, previu-se que, excepcionalmente, se utilizasse em empreitadas de obras públicas um mecanismo já de si excepcional, o qual não foi justificadamente concebido para ser adoptado nesse âmbito.
Ora, essa dupla excepcionalidade impõe que se use de rigor e ponderação na identificação das situações em que é possível recorrer a esta modalidade de concurso bem como na aplicação das correspondentes regras.
Este rigor e ponderação devem, pois, ter em conta que estamos perante um mecanismo excepcional que carece de ser devidamente justificado e devem ter presente que quaisquer poderes discricionários da administração estão limitados pela observância dos princípios gerais da actuação administrativa, de que se destaca o princípio da proporcionalidade.  

II.2.2. Dos pressupostos para a aplicação da modalidade de concurso público urgente às empreitadas de obras públicas

Como acima apontámos, a autarquia adoptou, no caso, o concurso público urgente, invocando, para o efeito, o disposto no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e nos artigos 155.º e seguintes do CCP.
Como também já referimos, o artigo 52.º do referido Decreto-Lei n.º 72-A/2010 permitiu que, durante o ano de 2010, e em determinadas circunstâncias, pudesse adoptar-se aquela modalidade de procedimento para a formação de contratos de empreitada de obras públicas, o que, normalmente não seria consentido pelo regime do CCP.
Ora, estando nós precisamente perante um contrato de empreitada, importa apurar se, no caso, se verificaram as circunstâncias previstas naquela norma legal.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, a aplicação do regime dos artigos 155.º e seguintes do CCP a procedimentos de contratação de empreitadas só poderia ter lugar desde que cumulativamente:

a) Estivesse em causa um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato fosse inferior ao referido na alínea b) do artigo 19.º do CCP;
c) O critério de adjudicação fosse o do mais baixo preço. 

No Acórdão recorrido deram-se por verificados os requisitos referidos em b) e c).
E bem. Conforme resulta dos factos referidos nos pontos I.1 e II.1.F), tais requisitos estavam preenchidos (8).
Mas não se deu por verificado o requisito referido na alínea a), uma vez que a candidatura da obra a financiamento comunitário, efectuada a 29 de Outubro de 2010, não se encontrava ainda aprovada (9).
Considerando não poder concluir-se que estávamos perante um projecto co-financiado por fundos comunitários, a decisão recorrida entendeu não estarem verificados todos os requisitos fixados pelo n.º 2 daquele artigo 52.º e, consequentemente, não poder aplicar-se ao caso o mecanismo do concurso público urgente.
Em face dos factos provados, que a recorrente não contesta, nada haveria a censurar a essa decisão.
Mas, conforme se assinala no ponto I.3., o que a recorrente vem contestar é a interpretação feita pelo Tribunal do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010.
No seu entender, quando aquela norma exige que se esteja perante projectos co-financiados por fundos comunitários para que se possa adoptar o procedimento de concurso público urgente, não se refere expressamente a que a candidatura esteja previamente aprovada. A recorrente considera que "havendo uma forte presunção de que tal venha a acontecer, e com uma interpretação que não seja tão restritiva" (...) "aquela norma se encontra respeitada".
Por outro lado, a recorrente veio comprovar que essa aprovação acabou por ter lugar, embora em data posterior à decisão impugnada e à própria interposição do recurso. Conforme consta dos pontos II.1.L) e M), tal aprovação apenas ocorreu em 19 de Abril de 2011, tendo a decisão de 1.ª instância sido proferida em 22 de Março de 2011 e o recurso interposto em 12 de Abril subsequente.
Resta, então, decidir se esta aprovação posterior releva para alteração da decisão tomada.
A jurisprudência deste Tribunal tem sido a de, por força do disposto nos artigos 99.º, n.º 5, e 100.º, n.º 2, da LOPTC e do princípio da economia processual, relevar, em recurso, factos posteriores à decisão recorrida, quando sejam de molde a ultrapassar as ilegalidades identificadas em 1.ª instância.
Importa, pois, apurar se a posterior aprovação da candidatura do projecto a financiamento comunitário convalida a adopção do concurso público urgente.
Como se referencia no Acórdão n.º 25/2011-12.ABR-1.ªS/SS, a situação a que se reporta a norma em causa é de difícil resolução por parte da Administração.
Quando a lei estabelece o co-financiamento de um projecto por fundos comunitários como pressuposto da adopção de um determinado procedimento, todas as regras interpretativas apontariam para que esse requisito devesse estar verificado quando se toma a decisão de escolha desse procedimento.
Sendo esse o momento relevante para aferir do preenchimento dos pressupostos legais da escolha, a eventual ilegalidade dessa decisão por falta de pressupostos não seria, obviamente, sanada pela ocorrência posterior desses requisitos.
Só que, conforme se aponta naquele Acórdão, as entidades de gestão dos financiamentos comunitários, por via de regulamentos por elas aprovados, exigem, para admitir e aceitar candidaturas e para aprovar financiamentos, que as obras já estejam concursadas e até adjudicadas. O que, também no caso dos concursos públicos urgentes, pressupõe a respectiva publicitação e tramitação.
E é sabido que o regime estabelecido no n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 visou um maior aproveitamento dos fundos comunitários ao dispor de Portugal (10), através da aceleração do grau de execução dos investimentos, critério eleito pelas instâncias e regras comunitárias para a aprovação das candidaturas.
Ou seja, o co-financiamento é um requisito para poder adoptar o concurso público urgente, mas, por outro lado, a conclusão do concurso é um requisito do co-financiamento.
Ora, conforme se refere no Acórdão em referência, "por forma a romper este "círculo vicioso", este Tribunal, em vários processos, valorou positivamente o facto de já estar assegurado tal financiamento quando decide os processos, pese embora este não estivesse assegurado quando se procedeu à abertura do concurso público urgente e não se verificasse, portanto, àquela data, o pressuposto legalmente fixado".
Concluiu, ainda assim, o referido aresto que os regulamentos relativos aos financiamentos comunitários devem ser adaptados à lei em vigor, comunicando essa necessidade à Comissão Técnica de Coordenação do QREN, à Autoridade de Gestão do Programa Operacional do Centro e ao Ministério Público.
Mesmo a admitir-se que esses regulamentos sejam fundados em direito comunitário, ainda assim se verifica uma contradição com a legislação nacional, pelo que o legislador deveria ponderar a sua resolução, eventualmente pela via do ajustamento do próprio direito interno.
Este Tribunal tem sido compreensivo relativamente a esta situação, que, como referimos, integra um círculo vicioso que o intérprete, o aplicador e o julgador têm de resolver enquanto o próprio legislador não o corrigir.
Sabendo embora que a abertura dos concursos é, de facto e inelutavelmente, determinada antes da apresentação das candidaturas aos financiamentos comunitários, tem este Tribunal entendido não dever basear a sua avaliação sobre a existência de co-financiamento na comprovação da mera apresentação dessas candidaturas nem dever fazer juízos de prognose ou probabilidade sobre a respectiva aprovação.
O que tem feito, como solução de compromisso, e para verificar o pressuposto, é exigir que a aprovação do co-financiamento tenha ocorrido, pelo menos, até ao momento em que decide sobre a legalidade do contrato em apreciação.
Nesta linha, e ainda que entenda nada haver a censurar nesta matéria à decisão recorrida, considera este Tribunal ser de relevar a aprovação do co-financiamento comunitário que foi obtida a posteriori e, nessa parte, dar agora por verificados os pressupostos estabelecidos no n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010. 

II.2.3. Dos pressupostos específicos para a aplicação da modalidade de concurso público urgente

Preenchidos os requisitos fixados pelo artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, poderemos aplicar ao caso o regime dos artigos 155.º e seguintes do CCP.
Mas isso implica, por sua vez, que, num segundo passo, se proceda à verificação dos pressupostos estabelecidos no artigo 155.º do CCP para a adopção desta modalidade procedimental.
Ora, este artigo estabelece que o procedimento de concurso público urgente só pode adoptar-se em caso de urgência.
O acórdão recorrido, no seu ponto III.5, considerou que este requisito se exprime por um conceito indeterminado, a preencher pelo recurso a valores e às circunstâncias de cada caso.
Considerando que estamos perante um desvio à tramitação normal do concurso público, que, como acima apontámos, implica o sacrifício de relevantes interesses públicos e de relevantes interesses dos concorrentes, acompanhamos o entendimento da 1.ª instância no sentido de que só poderia dar-se por verificada a exigida situação de urgência se se demonstrasse que a utilização de um procedimento normal resultaria ineficaz ou revelar-se-ia inidóneo para dar, em tempo oportuno, a resposta necessária a uma circunstância de risco ou perigo iminente e actual que se deva sobrepor àqueles interesses, por ameaçar seriamente a satisfação de um interesse público de maior relevo ou prioridade.
Ora, no âmbito da decisão recorrida, foi feita uma avaliação dos fundamentos avançados para a justificação da concreta situação de urgência. Nesse âmbito, foi ponderada a argumentação da autarquia de que a via em causa é o único acesso que liga o centro da vila da Lourinhã à praia da Areia Branca, que é uma via muito utilizada, sobretudo na época balnear, que se encontrava degradada e que a construção da ciclovia era um imperativo para minorar o risco de acidentes de viação.
A esse respeito foi considerado que, estando embora em causa a existência de uma situação a demandar solução por parte do Município, não se conseguiu fazer a demonstração de que essa situação representava um risco ou perigo iminente e actual a ameaçar seriamente a satisfação de interesses colectivos.
Em recurso, o município veio, no essencial, reiterar a fundamentação já antes apresentada, insistindo em que a não conclusão das obras antes do início do corrente Verão colocaria a população em sério risco de acidentes.
Ora, considera-se que o que vem alegado pela recorrente, no essencial idêntico ao que já antes referia, evidencia a urgência própria de todas as obras públicas, que em todos os casos visam melhorar as condições de utilização dos bens públicos pelos cidadãos.
Os argumentos avançados permitem concluir que a realização da obra num momento mais tardio permite, ainda assim, atingir os fins a que se destina, ainda que, se feita mais cedo, se atingissem melhor esses fins, por evitar alguns riscos no decurso do seu protelamento.
Mas tal não basta para caracterizar a especificidade da situação e a sua imperatividade face aos valores tutelados pelo procedimento normal de concurso.
Tanto mais que, como se referiu em 1.ª instância, o prazo de execução da obra não permite garantir a sua conclusão até ao início da época balnear e, assim, o risco para os utentes da via pode, até, ser aumentado pela convivência da sua circulação com os trabalhos na via.
Considera-se, assim, que a situação fáctica demonstrada não configura, efectivamente, uma situação de urgência que justifique, de acordo com o princípio da proporcionalidade, o recurso à modalidade excepcional de concurso público urgente, em termos de sacrificar relevantes interesses públicos e relevantes interesses dos concorrentes.
Em consequência, considera-se que, tal como havia sido considerado em 1.ª instância, não se verifica um dos pressupostos legais para o recurso a esta modalidade de concurso. 

II.2.4. Outros vícios procedimentais

O acórdão recorrido referia ainda outros vícios procedimentais, como seja a insuficiência do prazo fixado para apresentação de candidaturas.
Considera-se, nesta matéria, que só depois de se confirmar, nos dois passos atrás referidos, que o concurso público urgente pode ser adoptado se deverá averiguar se as regras desse concurso são observadas.
Tendo nós concluído que, no caso, faltou um dos pressupostos para a adopção da referida modalidade procedimental, e que isso fere o procedimento de ilegalidade, afigura-se-nos inútil avaliar da compatibilidade da tramitação utilizada com o modelo de um procedimento que, na realidade, não podia ter sido utilizado. 

II.3. Da ilegalidade verificada

Conclui-se, assim, pela violação do disposto no artigo 155.º do CCP, por se ter adoptado um concurso público urgente numa situação que não configurava a exigida urgência.
Em 1.ª instância considerou-se que essa ilegalidade era susceptível de alterar o resultado financeiro e, desse modo, enquadrava o fundamento de recusa de visto previsto na alínea c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC.
Acompanhamos também esse entendimento, na perspectiva de que se tivesse sido adoptado um concurso público normal outros concorrentes e propostas poderiam ter surgido mas também na perspectiva de que, a ser esse o procedimento adoptado, outros mecanismos teriam existido para assegurar a imparcialidade e a obtenção de melhores propostas (designadamente, a intervenção de um júri, mais tempo disponível para a preparação das propostas e a possibilidade de identificar eventuais erros e omissões do projecto e co-responsabilizar o adjudicatário pelos mesmos).
 

III. DECISÃO  

Assim, pelos fundamentos expostos, acorda-se em Plenário da 1ª Secção em negar provimento ao recurso, mantendo a recusa de visto ao contrato.
São devidos emolumentos nos termos da al. b) do n.º 1 do artº 16° do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo ao Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de Maio.  

Lisboa, 5 de Julho de 2011

Os Juízes Conselheiros,
(Helena Abreu Lopes - Relatora)
(José L. Pinto Almeida)
(António A. Santos Carvalho)

O Procurador-Geral Adjunto
(Jorge Leal) 


(1)  Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto, 35/2007, de 13 de Agosto, e 3-B/2010, de 28 de Abril. 
(2) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 18-A/2008, de 28 de Março, e alterado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 223/2009, de 11 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 278/2009, de 2 de Outubro, pela Lei n.º 3/2010, de 27 de Abril, e pelo Decreto-Lei n.º 131/2010, de 14 de Dezembro. 
(3) Cfr. fls 45 e seguintes e 67 e seguintes dos autos. 
(4) Cfr. fls. 73 e seguintes dos autos. 
(5) Cfr. artigo 378.º do CCP. 
(6) Decreto-Lei de execução orçamental para o ano de 2010. 
(7) Embora exigindo, nestes casos, a prestação de caução e, em 2011, também a fixação de um prazo mínimo de 15 dias para a apresentação de propostas. 
(8) O valor referido na alínea b) do artigo 19.º do CCP era, para 2010, de € 4 845 000. Cfr. Regulamento (CE) n.º 1177/2009 da Comissão, de 30 de Novembro de 2009, publicado no JOUE de 1 de Dezembro de 2009. 
(9) Cfr. pontos I.2 e II.1.I) e K) deste Acórdão. 
(10) Cfr., designadamente, o respectivo Preâmbulo.