Acórdão n.º 143/2009, de 22 de Julho de 2009, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 349/2009)

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ACÓRDÃO N.º 143/2009 - 22.Jul.2009 - 1ª S/SS

(Processo n.º 349/09)

 

DESCRITORES:

Aquisição de Serviços / Concurso Público / Código dos Contratos Públicos / Contratação "in house" / Contratação Pública / Elemento Essencial / Protocolo / Publicidade de Concurso / Nulidade / Recusa de Visto

SUMÁRIO:

1. Em face do disposto no n.º 2 do art.º 5.º do Código dos Contratos Públicos, da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e dos princípios que enformam as regras de contratação pública, em especial o da concorrência, não pode considerar-se que a relação entre o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH) e o Hospital de Faro, seja uma relação "interna" equiparada À que é estabelecida pela entidade adjudicante com os seus próprios serviços, pelo que não se pode aplicar ao caso a excepção à aplicação das regras de contratação pública prevista no referido artigo.

2. Sendo o protocolo em causa um contrato público de aquisição de serviços, sendo a contratação efectuada após a entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos, sendo o contrato celebrado por um hospital E.P.E. e de valor superior ao referido na al. b) do art.º 7.º da Directiva n.º 2004/18/CE (€ 206.00.00) e não estando abrangido por qualquer excepção à aplicação do regime da contratação pública é-lhe aplicável o regime previsto no referido Código, incluindo a sua parte II  (cfr. arts. 1.º, n.º 2, 2.º, n.º 2, al. a) e 5.º, n.º 3, al. b) do Código dos Contratos Públicos).

3. Nos termos do art.º 20.º, n.º 1, al. b) do mesmo Código, o contrato deveria ter sido precedido de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação, com publicação no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE).

4. A falta de realização dos procedimentos referidos, designadamente, a ausência de concurso público, quando obrigatório, implica a falta de um elemento essencial da adjudicação, o que determina a nulidade do contrato (cfr. art.º 133.º do Código do Procedimento Administrativo e art.º 283.º, n.º 1 do Código dos Contratos Públicos).

5. A nulidade é fundamento de recusa de visto nos termos do art.º 44.º, n.º 3, al. a) da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.

Conselheira Relatora: Helena Abreu Lopes

ACÓRDÃO Nº 143 /2009 -22.JUL-1.ª S/SS

Processo nº 349/2009

 

1. O Hospital de Faro, EPE, remeteu para fiscalização prévia o denominado protocolo de "Prestação de Serviço de Tratamento e Fornecimento de Roupa em Regime de Aluguer ao Hospital de Faro, EPE", celebrado entre aquele Hospital e o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais - SUCH.

2. DOS FACTOS

Além do referido em 1. e noutros pontos deste Acórdão, relevam para a decisão os seguintes factos, evidenciados por documentos constantes do processo:

a) O protocolo em análise foi assinado em 22 de Dezembro de 2008;

b) Por força do protocolo, o SUCH prestará ao Hospital de Faro os seguintes serviços (1):
"a. Fornecimento, em regime de aluguer, de roupa hospitalar incluindo fardamentos, constituindo responsabilidade do SUCH adquirir, renovar e manter actualizado o "stock" definido pelo SUCH e pelo HF;
b. Recolha de roupa suja nos serviços do HF;
c. Pesagem de roupa suja no Serviço de Rouparia do HF, efectuada na presença de um funcionário do HF e de um funcionário do SUCH. As guias da roupa mencionarão os quilogramas de roupa suja que seguirão para tratamento;
d. Transporte da roupa para as instalações do SUCH;
e. Triagem da roupa em função da sua sujidade e tipologia;
f. Lavagem, secagem, calandragem, dobragem, prensagem e engomagem da roupa de acordo com a sua tipologia, nas instalações do SUCH;
g. Triagem da roupa que não esteja em condições de ser utilizada, por necessitar de ser reparada ou substituída, a qual será entregue em embalagens separadas;
h. Acondicionamento em embalagens de plástico devidamente fechadas, em quantidades adequadas ao tipo de roupa;
i. Entrega de roupa limpa nos serviços do HF, sendo a pesagem efectuada no Serviço de Rouparia na presença de um funcionário do HF e de um funcionário do SUCH. As guias de roupa limpa indicaram os artigos e os quilogramas de roupa tratada;
j. Fornecimento de 4 (quatro) carros fechados em estrutura de alumínio para o transporte interno da roupa, de 1 (uma) balança para pesagem da roupa e de um sistema informático composto por 5 (cinco) PDA e 1 (um) computador para gestão do processo de reposição de roupa nos Serviços."

c) Os serviços serão pagos ao SUCH pelo Hospital de Faro, com base na fixação de um preço por kilo de roupa, em função da sua tipologia (2). Acrescerá o valor do investimento a realizar com os equipamentos referidos na alínea j) da cláusula segunda do protocolo, que será "fraccionado e facturado mensalmente a título de renda e devidamente discriminado na factura da prestação de serviços" (3).

d) Nos termos da cláusula sexta, "em caso de rescisão antecipada do protocolo por iniciativa do HF, ou por resolução daquele, o HF pagará ao SUCH as prestações remanescentes do montante total do investimento à data da rescisão ou resolução."

e) Nos termos da cláusula oitava, em caso de não cumprimento dos serviços por facto imputável ao SUCH, o Hospital de Faro poderá proceder à aplicação de penalizações pecuniárias;

f) O protocolo foi estabelecido para o período de 1 de Janeiro de 2009 a 31 de Dezembro de 2009, podendo, nos termos da sua cláusula nona, ser renovado ou prorrogado;

g) O protocolo foi aprovado pelo Conselho de Administração do Hospital de Faro, em 30 de Dezembro de 2008 (4);

h) A adjudicação ao SUCH da prestação de serviços de tratamento e fornecimento de roupa em regime de aluguer para o ano de 2009 foi feita, em 5 de Fevereiro de 2009, pelo Conselho de Administração do Hospital de Faro, com um valor previsto de despesa de 689.536,00 € (5);

i) No preâmbulo do protocolo refere-se:
"O SUCH actua em regime de colaboração material com os seus Associados, como conjunto de meios postos em comum por estes, e em regime de concorrência e de mercado.
A actuação do SUCH, em regime de cooperação material com os Associados caracteriza-se, como bem se refere no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 145/2001, publicado na II Série do Diário da República n.º 95, de 23 de Abril de 2003, e homologado por Sua Excelência o Ministro da Saúde em 18 de Março de 2003, como um modelo de "auto-organização" das entidades do sistema de saúde que se associaram, para um funcionamento mais ágil e eficiente dos seus membros. Esta actividade caracteriza-se como uma actividade materialmente cooperativa, desenvolvida no interior de uma colectividade e para os membros desta, socorrendo-se dos meios que nela já existem, fruindo-os em comum e retirando as potencialidades que é possível extrair da optimização do uso dos recursos disponíveis";

j) Na proposta para a realização do ajuste directo refere-se: "O ajuste directo celebrado com o Such ao abrigo do parecer n.º 145/2001 publicado no Diário da República na II série de 23 de Abril de 2003 (6)";

k)Questionado sobre qual o fundamento legal para a realização do ajuste directo em face do novo regime constante do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, o Hospital de Faro respondeu da seguinte forma, pelo ofício n.º 210, de 2 de Junho de 2009:
"O Hospital de Faro, EPE, é associado do SUCH que tem como finalidade principal a prestação de serviços aos seus associados para um funcionamento mais ágil e eficiente dos serviços hospitalares.
A Procuradoria-Geral da República pronunciou-se através dos pareceres n.º P000011995 e P001452001 no sentido de que as entidades associadas do SUCH, quando recorram aos serviços por aquele prestados, estão dispensadas dos procedimentos de aquisição de bens e serviços, sendo que o Hospital ao celebrar o Protocolo n.º DCS/498/01/2009 com esta entidade fê-lo ao abrigo dos referidos pareceres."

l) Novamente confrontado com a questão, o Hospital, no ofício n.º 12781, de 9 de Julho de 2009, veio reiterar os fundamentos invocados nos pareceres da Procuradoria-Geral da República, invocando ainda o seguinte:
"(...) não será indiferente salientar, nesta sede, o que dispõe o art.º 5.º n.º 2 do referido Código (7) (...).
Ora, atento o teor do dispositivo legal supra transcrito, julga-se defensável subsumir o protocolo celebrado entre o SUCH e este Hospital seu associado à figura da contratação in house nele prevista.
(...) apontamos para a subsunção do protocolo em referência celebrado entre este Hospital e o SUCH à previsão do n.º 2 do art.º 5.º do Código dos Contratos Públicos, nos termos do qual se encontrará excluído da aplicação das regras da contratação pública nele previstas.
(...) Reconhecendo ser esta uma questão controversa e amplamente discutida, não pode esta Unidade Hospitalar deixar de sublinhar que foi de acordo com o entendimento supra explanado que a celebração do protocolo em referência com o SUCH teve lugar (corroborando, aliás, o entendimento preconizado no "Memorando Jurídico sobre o enquadramento geral das relações entre o SUCH e os seus associados públicos à luz das normas sobre contratação pública", em anexo, nos termos do qual a Sociedade de Advogados Sérvulo & Associados se pronuncia sobre a matéria em apreço, na sequência de solicitação que lhe foi endereçada pelo SUCH) (...)"

m) Os novos Estatutos do SUCH foram publicados em Dezembro de 2006, tendo, no entender, do próprio SUCH, reforçado a sua natureza associativa e privada (8);

n) Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, desses Estatutos, o SUCH tem por objecto tomar a seu cargo iniciativas susceptíveis de contribuir para o funcionamento mais ágil e eficiente dos seus Associados, designadamente prestando-lhes assistência técnica no domínio das instalações e equipamentos, assegurando a exploração ou a gestão de instalações técnicas e áreas industriais, incluindo lavandarias, centrais e transportes e constituindo unidades de serviços partilhados;

o) O artigo 6.º dos Estatutos do SUCH estabelece:
"1. Podem ser associados do SUCH as entidades, públicas ou privadas (9), que integrem o sistema de saúde português, bem como todas as instituições particulares de solidariedade social ou outras pessoas colectivas de utilidade pública administrativa que desenvolvam actividades de promoção e protecção da saúde.
2. Podem ser associados do SUCH serviços pertencentes ao Ministério da Saúde ou dele dependentes."

p) Em 17 de Abril de 2009, o Hospital de Faro juntou aos autos uma lista de associados do SUCH, à referida data, que consta a fls. 41 e seguintes. Essa lista identifica 95 associados, entre os quais se contam entidades do Sector Público Administrativo, Institutos Públicos, Entidades Públicas Empresariais, Instituições Particulares de Solidariedade Social, Pessoas Colectivas de Direito Privado e Utilidade Pública Administrativa, uma Cooperativa (CESPU) e um Hospital Privado (Hospital dos Lusíadas);

q) O Hospital de Faro é 1 desses 95 associados;

r) Nos termos do artigo 7.º dos Estatutos do SUCH, são direitos dos associados:
"1.a) Usufruir dos serviços prestados pelo SUCH nos termos que forem regulamentados;
b) Eleger os membros não nomeados dos órgãos sociais do SUCH;
c) Apresentar todas as propostas que julguem de interesse para a melhor prossecução dos fins do SUCH;
d) Reclamar perante o Conselho de Administração dos actos que considerem lesivos dos seus interesses;
e)Recorrer para a Assembleia-Geral dos actos do Conselho de Administração que julguem irregulares;
f) Examinar, na sede do SUCH, o orçamento e o relatório e contas.
2. Os associados podem apresentar à Assembleia-Geral propostas para a constituição da Mesa da Assembleia-Geral, do Conselho Fiscal e da Comissão de Vencimentos."

s) Nos termos do artigo 10.º dos Estatutos do SUCH, são órgãos do SUCH a Assembleia-Geral, o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal;

t) De acordo com o respectivo artigo 12.º, a Assembleia-Geral é constituída por representantes de todos os associados;

u) Por força do artigo 15.º, compete à Assembleia-Geral eleger e destituir os membros não nomeados dos órgãos do SUCH; apreciar e aprovar os planos estratégicos e de actividades; apreciar e aprovar o relatório e contas do exercício anual; pronunciar-se sobre a gestão do SUCH; deliberar, por maioria de três quartos dos associados presentes, sobre alterações aos estatutos; deliberar, por maioria de três quartos do número total de associados, sobre a dissolução do SUCH; deliberar, por proposta do Conselho de Administração, sobre a realização de empréstimos e a aquisição, alienação ou oneração de bens imóveis; deliberar, segundo proposta do Conselho de Administração, sobre a participação do SUCH noutras pessoas colectivas, nomeadamente, subscrição de participações, quotas ou acções na sua constituição, aquisição de participações, quotas ou acções em pessoas colectivas já constituídas ou adesão a associações constituídas ou a constituir; conhecer dos recursos interpostos da recusa de admissão como associados do SUCH, pronunciar-se sobre as questões que lhe sejam apresentadas nos termos regulamentares e aprovar o regulamento de quotização proposto pelo Conselho de Administração;

v) O número de votos de cada associado na Assembleia-Geral é determinado pelo valor percentual dos serviços adquiridos relativamente à facturação total do SUCH (cfr. artigo 14.º, n.º 6);

w) Conforme indicado a fls. 76 dos autos, o número de votos atribuídos ao Hospital de Faro na Assembleia-Geral do SUCH para o ano de 2009 é de 1 voto;

x) Nos termos dos artigos 16.º dos Estatutos, o Conselho de Administração do SUCH é composto por um Presidente, um Vice-Presidente e três Vogais. O Presidente e o Vice-Presidente são nomeados pelo Ministro da Saúde e os três Vogais são eleitos em Assembleia-Geral;

y) De acordo com o artigo 17.º, o Conselho de Administração assegura a gestão da associação, mediante o plano de actividades e o orçamento aprovado pela Assembleia-Geral;

z) O Conselho Fiscal, composto por três membros, é eleito em Assembleia-Geral (cfr. artigo 22.º);

aa) A intervenção do Ministro da Saúde traduz-se em:

- Nomear o Presidente e o Vice-Presidente do Conselho de Administração (artigo 16.º, n.º 2);
- Exercer a tutela sobre o SUCH (artigo 4.º);
- Homologar as alterações aos Estatutos aprovadas em Assembleia-Geral (artigo 15.º, n.º 2);
- Homologar a dissolução do SUCH, aprovada em Assembleia-Geral (artigo 15.º, n.º 2);
- Homologar a contracção de empréstimos que impliquem um nível de endividamento líquido igual ou superior a 75% dos capitais próprios apurados no exercício do ano transacto (artigo 15.º, n.º 3);

bb) O artigo 2.º, n.º 2, dos Estatutos estabelece que, para além de ser um instrumento de auto-satisfação das necessidades dos seus associados, o SUCH pode ainda, no regime de concorrência e de mercado, desenvolver actividades em todas as áreas de apoio das instituições e serviços que integram o sistema de saúde português, sejam ou não seus associados. O n.º 4 diz ainda que o SUCH pode alargar as suas actividades a instituições públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, desde que não resulte qualquer prejuízo para os associados e haja vantagem no plano económico e em matéria de enriquecimento e valorização tecnológica;

cc) Em 17 de Abril de 2009, foi junta ao processo uma lista de clientes do SUCH, na área de tratamento da roupa, que consta a fls. 45 e seguintes, entre os quais figuram não associados do SUCH, incluindo empresas privadas (nomeadamente, Casa de Repouso do Relógio, Lda., Casa de Saúde de São Mateus,S.A., CDI-Clínica de Diagnóstico pela Imagem, S.A., Hospor- Hospitais Portugueses, S.A., Império Bonança- Companhia de Seguros, S.A., SOERAD- Sociedade de Estudos Radiológicos, Lda., etc.);

dd) Em 2 de Junho de 2009, foram remetidas listagens de clientes e de facturação relativamente a outras áreas de negócio do SUCH (Energia, Manutenção, Projectos e Obras, Segurança e Controlo Técnico, Limpeza Hospitalar, Resíduos e Nutrição), juntas a fls. 79 e seguintes, registando-se como clientes entidades privadas, como, por exemplo, British Hospital Lisbon XXI, S.A., Clínica de Montes Claros, Lda., Clínica Particular de Barcelos, Lda., Controlvet Segurança Alimentar, DALKIA- Energia e Serviços, S.A., Farma APS- Produtos Farmacêuticos, S.A., Ferticentro- Centro de Estudos de Fertilidade, S.A., IMAGRAN- Lab. de Imagiologia da Marinha Grande, Imalis- Meios Diagnósticos de Imagiologia de Leiria, Lda., Intercir- Centro Cirúrgico de Coimbra, Lda., SECIL- Companhia Geral de Cal e Cimento, S.A., Sociedade da Água do Luso, SOMINCOR- Sociedade Mineira de Neves Corvo, S.A., AICCOPN- Assoc. Indust. Const. Civil e Obras Públicas, Ensinave- Educação e Ensino Superior Alto Ave, Lda., Abbott Laboratórios, Lda., Codan Portugal Instrumentos Médicos, S.A., Serunion Restaurantes de Portugal, S.A., HPP Saúde- Hospital Privado de Santa Maria de Faro, Hospital Particular de Viana do Castelo, Lda., ACOS- Laboratório Veterinário de Beja, Ginásio Clube Português, Sociedade de Construções Soares da Costa, S.A., Tecnovia Açores- Sociedade de Empreitadas, S.A., SAMS, Clínica CUF Torres Vedras, S.A., Dr. Joaquim Chaves Laboratório de Análises Clínicas, S.A., Eurest Portugal- Soc. Europeia de Restaurantes, Lda., Ambitral Transporte de Resíduos, Lda., entre muitos outros, em que se incluem farmácias, clínicas, laboratórios clínicos, laboratórios farmacêuticos, lares, etc.

ee) Dos dados relativos ao volume de negócios do SUCH em 2008, fornecidos em 2 de Junho de 2009, e juntos a fls. 78, conclui-se que foram facturados a entidades não associadas do SUCH 21.614.562,09 €, representando 24,6% da facturação;

ff) Dos mesmos dados, conclui-se que a facturação a entidades privadas no referido ano foi de 7.484.990,73 €, representando 8,52% do total.

gg) O artigo 2.º, n.º 3, dos Estatutos estipula que as unidades de serviços partilhados constituídas pelo SUCH podem ser constituídas sob a forma de unidades orgânicas do SUCH ou sob a forma de pessoas colectivas integradas pelo SUCH e pelos seus associados e/ou por terceiras entidades;

hh) O artigo 3.º determina que, sempre que tal se mostre de interesse para a prossecução do seu objecto, o SUCH pode instituir ou participar na constituição de associações, sociedades ou pessoas colectivas de outra natureza, bem como adquirir ou alienar participações sociais;

ii) No Relatório de Gestão e Contas de 2008 do SUCH, oficiosamente junto ao processo, refere-se, na sua página 60:
"Tendo presente a publicação do novo Código dos Contratos Públicos - CCP, através do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, que veio unitariamente estabelecer a disciplina aplicável à formação dos contratos públicos, assumiu particular importância o enquadramento geral das relações entre os SUCH e os seus Associados públicos face às normas aplicáveis, no ordenamento jurídico nacional e comunitário, em matéria de contratação pública.
Em sede de aprofundamento destas matérias jurídicas, e tendo por base uma interpretação teleológica conforme às normas comunitárias, considera-se possível reconduzir as relações estabelecidas entre o SUCH e os seus associados públicos à figura das relações in house, com a consequente exclusão dos acordos celebrados no âmbito dessa relação jurídica da esfera de aplicação das regras sobre contratação pública, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 5.º do CCP.
Embora, desde sempre se tenha entendido e, portanto, defendido, que o SUCH, como organismo de direito privado não está sujeito à disciplina da contratação pública, a verdade é que, também desde sempre, se tem propugnado pelo respeito rigoroso dos princípios da boa fé, transparência, publicidade, igualdade e concorrência na formação dos contratos a celebrar pelo SUCH."  

3. A DOUTRINA DO PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA SOBRE O SUCH

A natureza da contratação entre os SUCH e os seus associados, quando estes se configuram como pessoas colectivas de direito público, maxime os hospitais do Serviço Nacional de Saúde, foi sempre muito controvertida, tendo dado origem a inúmeros pareceres, de que se salientam dois do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República: o parecer nº 1/95, publicado no DR, II Série, de 1 de Julho de 1995, e o parecer n.º 145/2001, publicado no DR, II Série, de 23 de Abril de 2003.
Ambos os pareceres referenciados foram emitidos durante a vigência das Directivas 93/36/CEE, 93/37/CEE e 93/38/CEE. No que ao direito interno se refere, o primeiro Parecer reporta-se ao regime constante do Decreto-Lei n.º 211/79, de 12 de Julho, anterior pois à integração de Portugal na então Comunidade Económica Europeia, e o segundo concluiu já sobre os Decretos-Lei nºs 55/99, de 2 de Março, e 197/99, de 8 de Julho, confessas transposições das Directivas de 1993, atrás identificadas.

Refiram-se aqui as conclusões do parecer de 2001, invocado no presente processo:
"1.ª O serviço de utilização comum dos hospitais (SUCH), criado nos termos do Decreto-Lei n.º 46 668, de 24 de Novembro de 1965, retomou, com a execução do procedimento previsto no Decreto-Lei n.º 12/93, de 15 de Janeiro, a estrutura associativa e a designação de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa (artigo 1.º, n.º 2, dos estatutos).
2.ª O SUCH, associação de entidades hospitalares públicas e privadas e de instituições particulares de solidariedade social que se dediquem à promoção e protecção da saúde, deve ser qualificado, pelas suas finalidades estatutárias e pelo regime de intervenção estadual a que está submetido, como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa.
3.ª No regime estatutário do SUCH compreendem-se traços juspublicísticos, com incidência na designação de titulares dos seus órgãos directivos pelo Governo (artigos 13.º, n.º 2, e 16.º, n.º 2, dos estatutos) e a sujeição de alguns actos de gestão a tutela integrativa do Estado (artigo 15.º, n.º 1, alíneas e), f) e g), dos mesmos estatutos).
4.ª A finalidade principal do SUCH é a prestação de certos serviços aos seus associados, para um funcionamento mais ágil e eficiente destes e em regime materialmente de cooperação e entreajuda, sem apelo a recursos exteriores.
5.ª No regime de concorrência e de mercado, o SUCH pode ainda desenvolver actividades em todas as áreas de apoio das instituições e serviços que integram o sistema de saúde português, sejam ou não seus associados.
6.ª O regime previsto nos Decretos-Leis n.ºs 59/99, de 2 de Março, e 197/99, de 8 de Junho, pressupõe a necessidade de recurso a contratantes externos, destinando-se a salvaguardar os princípios da concorrência e da imparcialidade em vista a garantir a igualdade de tratamento dos operadores que pretendam contratar com a Administração.
7.ª Consequentemente, a actuação do SUCH no exercício das atribuições referidas na conclusão 4.ª mostra-se excluída dos pressupostos de aplicação do regime jurídico dos diplomas legais mencionados na conclusão anterior.
8.ª Fora das situações a que se referem as anteriores 4.ª e 7.ª conclusões, o SUCH, sempre que, como dono de obra ou adjudicante de bens e serviços, careça de contratar com terceiros, inclui-se entre as entidades equiparadas a organismos de direito público, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, e 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, compreendendo-se, nessa estrita medida, no âmbito da aplicação subjectiva destes diplomas legais."

O cerne da doutrina do referido parecer é o de, nos contratos entre o SUCH e os seus associados públicos, não estar em causa o recurso, por estes, a um contratante externo.
As declarações de voto proferidas no parecer, discordando da qualificação jurídica atribuída ao SUCH, vão, aliás, no mesmo sentido fundamental: podendo qualificar-se o SUCH como um organismo de direito público, daí decorreria a possibilidade de contratação directa com outro organismo da mesma natureza.
Este entendimento era compatível com alguma doutrina construída sobre as directivas comunitárias então em vigor. Como refere Cláudia Viana (10), o disposto no artigo 1.º, alínea c), da Directiva 92/50/CEE e no artigo 1.º, n.º 6, da Directiva n.º 93/38/CEE, conjugado com o artigo 6.º da Directiva 92/50/CEE e com o artigo 11.º da Directiva 93/38/CEE, levava alguns autores a admitir que os contratos celebrados entre dois entes públicos estavam excluídos da regulação comunitária.
Nesse sentido, era relativamente ampla a possibilidade de caracterizar determinados tipos de contratação entre entes públicos como auto-satisfação de necessidades.
No entanto, e tal como se reconheceu quando se decidiu solicitar o segundo parecer à Procuradoria-Geral da República (11), assistiu-se, entretanto, a uma significativa evolução das circunstâncias, que coloca em causa a actualidade do parecer que se vem referindo.

De facto:

- Foram publicadas novas directivas europeias (12), que clarificaram (limitando) a possibilidade de celebração de contratos entre entidades adjudicantes;
- Foi proferida relevante jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu sobre a matéria, densificando as excepções à aplicação do regime comunitário de contratação pública e declarando o seu carácter restritivo;
- Foi publicado, no plano nacional, o novo Código dos Contratos Públicos (13), que alarga, significativamente, em nome do princípio da concorrência, o âmbito dos contratos cuja formação fica submetida aos procedimentos nele regulados;
- O estatuto jurídico dos hospitais públicos sofreu importante evolução, sendo que parte deles não fazem já parte do Sector Público Administrativo, tendo um regime empresarial;
- O estatuto e o regime do SUCH sofreram também modificações relevantes, que reforçaram a sua vertente associativa e privada, com enfraquecimento dos poderes tutelares e de controlo do Estado (14).

Face a essas mutações, a doutrina do parecer referenciado não pode já ter-se como segura e, como adiante veremos, sequer como actual e válida.

4. DA CONTRATAÇÃO COM O SUCH COMO UM EVENTUAL INSTRUMENTO DE AUTO-SATISFAÇÃO DE NECESSIDADES

a) Da natureza do contrato

b) O protocolo em apreciação consubstancia um acordo de vontades entre duas pessoas jurídicas distintas, entre as quais não existem relações hierárquicas.
Por outro lado, este acordo tem um conteúdo inequivocamente sinalagmático e obrigacional.
Como decorre claramente do seu objecto, identificado na alínea b) do ponto 2 deste Acórdão, o protocolo envolve a aquisição de serviços e, como se aponta na alínea c) do mesmo ponto, essa aquisição é feita contra o pagamento de um preço.
O que se refere nas referidas alíneas aponta, pois, claramente para que estamos perante um verdadeiro contrato oneroso de aquisição de serviços, que estabelece um benefício económico pela realização da prestação, e não perante qualquer forma de cooperação ou assistência mútua, estatutariamente determinada para a realização de uma missão de serviço público.
De facto, inexistem quaisquer cláusulas específicas de serviço público, o tipo de serviços em causa poderia ser adquirido no mercado e nele oferecido por qualquer operador e o incumprimento do contrato está sujeito a penalizações pecuniárias, o que dificilmente se concebe numa relação não contratual.
Ora, estando nós perante um verdadeiro contrato, importa sublinhar que o princípio geral hoje consagrado no Código dos Contratos Públicos é, ao contrário do que antes sucedia, o de que o regime de contratação pública nele estabelecido é tendencialmente aplicável à formação de todo e qualquer contrato público, entendendo-se por tal todo aquele que, independentemente da sua designação e natureza, seja celebrado pelas entidades adjudicantes referidas no Código (15)(16).
O Hospital de Faro, Entidade Pública Empresarial, é uma entidade adjudicante, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do Código, pelo que os contratos por ele celebrados são contratos públicos, como tal devendo ser qualificado o contrato que nos ocupa.
Estamos, pois, perante um contrato regido pelo Código dos Contratos Públicos e pela legislação comunitária de contratação pública.

c) Da natureza dos contratantes

Já referimos que o Hospital de Faro, Entidade Pública Empresarial, é uma entidade adjudicante, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do Código dos Contratos Públicos.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem vindo a afirmar claramente (17) que o regime de contratação pública se aplica, em princípio, aos casos em que uma entidade adjudicante celebra por escrito, com uma entidade dela distinta no plano formal e dela autónoma no plano decisório, um contrato a título oneroso que tenha um objecto abrangido por essas directivas, quer esta segunda entidade seja ela própria uma entidade adjudicante quer não.
Isto significa que desde que estejamos perante um contrato outorgado por duas entidades distintas, no plano formal e decisório, devemos aplicar as regras da contratação pública, mesmo que essas entidades sejam ambas entes públicos ou entidades adjudicantes.
As directivas de 2004, na senda da jurisprudência do Tribunal de Justiça, vieram clarificar que a participação de organismos de direito público como concorrentes em procedimentos pré-contratuais não pode pôr em causa a livre concorrência (18) e que a possibilidade de celebração directa de um contrato público entre entidades adjudicantes está, hoje, apenas prevista para contratos públicos de serviços e somente em caso de existência de um direito exclusivo (19). De acordo com a jurisprudência, esta excepção deve ser interpretada restritivamente (20).
Assim, é hoje bem claro (21), no plano do direito europeu dos contratos públicos, que a celebração de contratos públicos economicamente relevantes deve estar sujeita às normas de contratação pública, mesmo quando seja feita entre entidades públicas.
Ora, se a contratação inter-administrativa não é, em regra, e por si própria, considerada como uma forma de auto-satisfação das necessidades, a não ser em situações muito delimitadas, não há razões para deixar de aplicar os mesmos critérios rigorosos quando esteja em causa a contratação entre entes públicos e entes não públicos.
O SUCH é, na afirmação do parecer da Procuradoria-Geral da República referido no ponto anterior, uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, as quais têm sido consideradas pela doutrina dominante como pessoas colectivas de direito privado (22).
Como se refere na alínea ii) do ponto 2, o próprio SUCH se auto-qualifica como um organismo de direito privado.
Como se evidencia na alínea p) do ponto 2, e é consentido pelo artigo 6.º dos Estatutos, contam-se, entre os associados do SUCH, entidades privadas.
Acresce que, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea d), dos actuais Estatutos do SUCH, esta associação tem, hoje, também por objecto constituir unidades de serviços partilhados, destinadas a assegurar a prestação aos seus associados da generalidade dos serviços de apoio à prestação de cuidados de saúde. De acordo com o n.º 3 do mesmo artigo, e como se refere na alínea gg) do probatório, estas unidades de serviços partilhados podem ser constituídas sob a forma de pessoas colectivas integradas pelo SUCH e pelos seus associados e/ou por terceiras pessoas.
Conforme consta do site do SUCH (23), e consta em anexo ao Relatório de Gestão e Contas 2008, foram criadas pelo SUCH, designadamente, as seguintes entidades:

- SUCH Dalkia, Serviços Hospitalares: Criada em Junho de 1996, é um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), sendo 50% propriedade do Serviço de Utilização Comum dos Hospitais e os restantes 50% da DALKIA - Empresa de Serviços, Condução e Manutenção de Instalações Técnicas, S.A. Este ACE tem por objecto social a produção de energia eléctrica e a gestão das actividades dos seus membros relacionadas com a gestão e exploração de actividades de apoio em hospitais, designadamente o conjunto de serviços técnicos de manutenção de equipamentos e exploração de lavandarias (24).

- EAS - Empresa de Ambiente na Saúde, Tratamento de Resíduos Hospitalares Criada em Maio de 2001, a EAS é totalmente detida pelo Serviço de Utilização Comum dos Hospitais. Transformada em Maio de 2008 em EAS Unipessoal, Lda.com alargamento do seu objecto social, possui uma participação de 64,53% no capital da Valor Hospital, SA.

- Somos COMPRAS, ACE: Criado em Abril de 2007, Somos COMPRAS é uma entidade empresarial de serviços partilhados para a área de Compras e Logística na Saúde. São agrupados deste ACE, para além do SUCH, com 86%, três grupos hospitalares: - Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE e Hospital de Santa Maria, EPE, representando uma participação de 9%. Integra ainda este ACE, com uma participação de 5%, um parceiro especializado, a SGG - Serviços Gerais de Gestão SA, uma empresa do universo da DeloitteTouche Tohmatsu.

- Somos PESSOAS, ACE: Com uma participação de 95%, o SUCH é o principal agrupado do Somos PESSOAS, Agrupamento Complementar de Empresas criado em Junho de 2007, tendo a Capgemini, SA, como parceiro especializado, os restantes 5%. Este ACE disponibiliza serviços partilhados de gestão de Recursos Humanos.

- Somos CONTAS, ACE: O SUCH detém uma participação de 95% na Somos CONTAS, agrupamento Complementar de Empresas (ACE) criado em Junho de 2007, para o desenvolvimento de serviços partilhados de gestão financeira, em que também é agrupado um parceiro especializado, a Accenture, SA, que detém os restantes 5%.

- Somos AMBIENTE, ACE: Com uma participação de 80%, o SUCH é o principal agrupado do Somos AMBIENTE, ACE, Agrupamento Complementar de Empresas criado em Julho de 2008. Esta unidade empresarial tem por objectivo principal a construção e exploração de um Centro Integrado de Valorização Energética, Reciclagem e Tratamento de Resíduos e conta com a participação de um parceiro especializado e de um parceiro tecnológico.

Estas participações repercutem-se na própria organização estrutural do SUCH. Assim, se atentarmos no seu organograma, verificamos a existência de áreas de negócio constituídas em sociedades, com órgãos sociais próprios, integrados por representantes do SUCH e das empresas participadas. Por exemplo: na Somos Pessoas, a Assembleia-Geral tem um representante da Cap Gemini; na Somos Contas, um representante da Accenture.
No Relatório de Gestão e Contas de 2008 refere-se que, nesse ano, se verificou o arranque das operações dos ACE, a externalização dos processos transaccionais e a definição da estratégia de empresarialização das áreas. Desta estratégia faz parte, como se refere a páginas 22 desse Relatório, a saída do SUCH da posição de prestador de serviços, externalizando-os, e a sua consolidação como parceiro e gestor de contratos.
Deste e de outros documentos, constantes do site do SUCH, resulta clara a actuação de natureza empresarial e de mercado adoptada pelo SUCH nos últimos anos e a estratégia em curso de reforço dessa perspectiva.
Como se referiu na alínea ee) do ponto 2 deste Acórdão, 24,6% da facturação do SUCH em 2008 (21.614.562,09 €) respeitou a entidades não associadas do mesmo.
Do exposto resulta que o novo modelo organizativo e a actividade desenvolvida dificilmente se compaginam com a tradicional visão do SUCH como um instrumento de pura "cooperação e interajuda", de "colocação em comum de meios para a obtenção de directas vantagens comuns, dentro do mesmo círculo pessoal dos associados" (25), como um mero braço dos seus associados para a auto-satisfação das suas necessidades.
Estamos agora perante uma organização empresarial sofisticada, que, para além de ser privada, conjuga meios próprios com parcerias de negócio, nas quais participam empresas privadas de carácter puramente mercantil.

d) De uma eventual relação in house

Referia o Advogado Geral no processo C-107/98, do Tribunal de Justiça, denominado processo Teckal, que, para que as regras de contratação pública sejam aplicáveis é necessário que seja celebrado um contrato, que o seja por escrito e que o co-contratante da entidade adjudicante, o fornecedor, tenha efectivamente a qualidade de terceiro relativamente a essa entidade.
Já vimos que estamos perante um verdadeiro contrato celebrado entre pessoas juridicamente distintas. Importa agora certificarmo-nos de que o co-contratante é efectivamente um terceiro para este efeito.
Isto porque, no Acórdão proferido naquele processo, se considerou que, em determinadas circunstâncias, a relação contratual entre pessoas jurídicas distintas pode, ainda assim, reconduzir-se a uma relação interna entre elas, para a qual não se justifica impor o recurso ao mercado.
O Acórdão referido marcou o início da construção jurisprudencial da teoria da contratação in house como justificação para a não aplicação das regras de contratação pública. Esta teoria foi desenvolvida, posteriormente, e sobretudo, nos Acórdãos proferidos nos processos C-26/03 (Stadt Halle), C-231/03 (Coname), C-458/03 (ParkingBrixen), C-29/04 (Comissão v. Áustria), C-340/04 (Carbotermo and Consorcio Alisei), C-410/04 (ANAV), C-295/05 (Asemfo/Tragsa), C-337/05 (Comissão v. Itália) e C-324/07 (Coditel).
Esta tese propugna a ideia de que uma entidade adjudicante está dispensada de cumprir as regras de concorrência quando escolhe realizar ela mesma as operações económicas de que necessita, embora, no âmbito da sua autonomia organizativa, através de uma outra entidade que funciona como um seu prolongamento administrativo. Será, então, essa especial relação de prolongamento que, integrando, no plano substantivo, uma relação de dependência entre os entes em causa, elimina a autonomia de vontade de um deles e permite considerar que o contrato não é celebrado com um terceiro.
O parecer da Procuradoria-Geral da República acima referido assentou na ideia de que o regime da contratação pública "pressupõe a necessidade de recurso a contratantes externos". Ora, é esta mesma ideia que enforma a figura jurisprudencial da contratação in house, que o próprio Hospital acabou por vir invocar (26).
Só que, como veremos, o Tribunal de Justiça estabeleceu para esta excepção às regras de contratação pública contornos muito mais exigentes do que aqueles que eram defendidos naquele parecer.
Aliás, a tendência da jurisprudência vai objectivamente no sentido de uma interpretação cada vez mais restritiva dos pressupostos aplicativos da doutrina das relações in house.
A tese defendida nos referidos acórdãos do Tribunal de Justiça, embora não tendo sido explicitamente vertida no texto das directivas de 2004 (27), foi, à semelhança do que sucedeu noutros Estados-Membros, expressamente incorporada no Código dos Contratos Públicos português. Consta, hoje, do seu artigo 5.º, n.º 2.
Face à delimitação jurisprudencial desta doutrina e à sua positivização na ordem jurídica portuguesa, deve entender-se que a mesma prevalece, hoje, sobre a tese defendida no parecer da Procuradoria-Geral da República e determina a sua desactualização (28). 

e) Requisitos da relação in house como fundamento de desaplicação da Parte II do Código dos Contratos Públicos e da Directiva n.º 2004/18/CE

Em primeiro lugar, importa observar que a celebração de contratos in house, com dispensa dos procedimentos de pré-contratação, pode ter lugar entre uma entidade adjudicante e uma entidade que o não seja.
Isso dispensa-nos, no caso, de analisar a eventual qualificação do SUCH como entidade adjudicante ou como organismo de direito público (29)(30).
Por outro lado, é importante precisar que, hoje, por força do estabelecido no Código dos Contratos Públicos, não podemos falar, na situação em causa, de uma não subordinação, em bloco, ao regime deste Código.
O que o n.º 2 do artigo 5.º estabelece é que, caso os pressupostos da contratação in house se verifiquem, ao contrato não será aplicável a parte II do Código, que se reporta aos procedimentos de formação do contrato.
No mais, poderá ser aplicável o regime constante das restantes partes do Código.
Quanto aos requisitos específicos para a desaplicação das regras de formação dos contratos, o invocado artigo 5.º, n.º 2, do Código determina que a sua parte II não é aplicável, desde que:

"a) A entidade adjudicante exerça sobre a actividade desta, isoladamente ou em conjunto com outras entidades adjudicantes, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços; e
b) Esta entidade desenvolva o essencial da sua actividade em benefício de uma ou de várias entidades adjudicantes que exerçam sobre ela o controlo análogo referido na alínea anterior."

A verificação cumulativa dos dois pressupostos referidos permite excepcionar os contratos do princípio geral da concorrência que enforma o regime de formação dos contratos públicos.
O Código não densifica o conteúdo daqueles requisitos, pelo que a sua interpretação e aplicação concreta deve ser feita tomando em consideração todas as circunstâncias de facto pertinentes, embora em consonância com os princípios da legislação europeia aplicável e com os critérios constantes da jurisprudência comunitária que a norma visou acolher.
Deve, pois, atender-se à orientação do Tribunal de Justiça no sentido de a interpretação da excepção dever ser "estrita", ou seja, dever garantir a salvaguarda máxima do princípio da concorrência.

f) Controlo exercido pela entidade adjudicante

Analisemos, então, a primeira das condições exigidas.

Vejamos se a entidade adjudicante exerce sobre a actividade da entidade com quem contrata, isoladamente ou em conjunto com outras entidades adjudicantes, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços.

Em que deve consistir exactamente esse controlo?

Como se referiu no Acórdão n.º 106/09-11.MAI.2009-1.ªS/SS, citando Bernardo Azevedo (31):"Na expressão de R. PERIN / D. CASALINI, para que se possa concluir por uma relação de controlo análogo entre a Administração adjudicante e uma qualquer entidade dela distinta, sob o plano formal, é mister que, à primeira caiba um "penetrante poder de indirizzo" ou, segundo RICCARDO URSI, um "adstringente poder de direcção" sobre a actividade da entidade sujeita ao seu poder de controlo (organização in house), um poder que lhe permita exercer uma influência determinante (e não apenas dominante), sobre os objectivos estratégicos e as decisões vitais, a tomar pela organização in house."
Continua Bernardo de Azevedo no texto em causa: "Só assim se torna legítimo sustentar que a entidade controlada se assume como um meio próprio ou como uma estrutura interna da entidade adjudicante, nada mais existindo, afinal, que uma simples relação de «delegação inter-orgânica» (S. COLOMBARI) associada à neutralização ou diluição da personalidade jurídica própria da entidade dominada, que só subsiste em termos puramente nominais."
Como também afirma Alexandra Leitão, no texto já referido, este controlo deve traduzir-se num absoluto domínio sobre a autodeterminação da vontade do prestador do bem ou serviço.
Ou seja, a entidade adjudicatária deve comportar-se como um simples instrumento de concretização da vontade da adjudicante, não tendo autonomia real nem vontade negocial própria.
J.J. Pernas Garcia (32) definiu a situação desta forma: "só há uma vontade decisória que ordena a realização de uma determinada actividade a um apêndice próprio, mediante a adopção de um acto administrativo. O ente que recebe o mandato deve realizar o encargo sem que possa negar-se. A sua vontade não importa. O seu consentimento não é necessário".
Nesse sentido deverá poder concluir-se que a entidade dominada não goza "de uma margem de autonomia decisória sobre aspectos relevantes da sua vida, relacionados, por exemplo, com a estratégia comercial a seguir, as actividades a desenvolver, os endividamentos a contrair, etc." e que a entidade adjudicante está "em condições de fixar a orientação geral da empresa, atribuindo-lhe o capital de dotação, assegurando a cobertura de eventuais custos sociais, verificando o resultado da gestão e exercendo supervisão estratégica" (33).

No caso, a entidade adjudicante é o Hospital de Faro, que, como já vimos, é um dos 95 associados do SUCH.
Nos termos do artigo 2.º, n.º 2, dos Estatutos do SUCH, a este compete assegurar a gestão de lavandarias e outras instalações de apoio à actividade de prestação de cuidados de saúde. Mas o que se prevê é que o SUCH tome iniciativas neste domínio, oferecendo assistência técnica e serviços.
A incumbência surge como uma vertente do seu objecto social, descrito nos estatutos, e não como uma imposição administrativa da entidade adjudicante. As concretas prestações são asseguradas por via negocial.
Nestes termos, não se pode afirmar que a adjudicante possa impor ao SUCH a prestação dos serviços em causa. O SUCH oferece-os, no âmbito do seu objecto social (34), e não por determinação da adjudicante.
Face ao regime aplicável, afigura-se que, formalmente, o SUCH dispõe de liberdade quanto ao seguimento a dar a um pedido feito pelos seus associados, e também quanto ao preço aplicável às suas prestações (35)(36).
O SUCH possui, por outro lado, autonomia decisória para realizar quaisquer actos ou actividades não determinadas ou solicitadas pela adjudicatária.
Mas, mesmo que consideremos os seus associados como um conjunto homogéneo (37), e que se defenda que o SUCH está estatutariamente vinculado a oferecer-lhes determinado tipo de serviços (38), ou mesmo que se configurasse que essas actividades eram impostas pela entidade tutelar (o Estado) (39), a verdade é que, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º dos Estatutos, o SUCH pode também desenvolver livremente actividades "em regime de concorrência e de mercado", para outras entidades, actividades que dependem exclusivamente da sua vontade
Como se refere na alínea ee) do probatório, as actividades prestadas a não associados, em pleno regime de concorrência e de mercado, representam já perto de 25% da facturação do SUCH.
O SUCH tem, assim, uma significativa autonomia empresarial para destinar livremente ao mercado os seus próprios produtos, podendo exercer uma parte importante da sua actividade económica junto de outros operadores (40).
Ora, na perspectiva de vária doutrina (41), nestas circunstâncias, em que se verifica uma significativa liberdade de acção para a entidade realizar uma parte da sua actividade para terceiros, não é possível dar por verificada a existência do necessário controlo pela entidade adjudicante (42), não podendo qualificar-se a organização como um ente meramente instrumental nem a relação como in house.
Mas, se formalmente o SUCH tem um razoável grau de autonomia e liberdade negocial, importa apurar se existem sobre os seus órgãos decisórios mecanismos de controlo que permitem à entidade pública influenciar, na prática, as suas decisões, atribuindo-lhe a "possibilidade de influência determinante quer sobre os objectivos estratégicos quer sobre as decisões importantes" (43).
Como se referiu nas alíneas t) e seguintes do ponto 2, a Assembleia-Geral do SUCH tem poderes de aprovação dos planos estratégicos e de actividades, elege a maioria dos membros do Conselho de Administração e pode questionar a sua actuação.
O Hospital de Faro participa nessa Assembleia, embora apenas com um voto, entre muitos outros.
Bernardo de Azevedo, no texto citado, e em alinhamento com outros autores, defende que, desde que nos confrontemos com entidades pluriparticipadas, é necessário, para caracterizar uma relação in house, que o controlo pertença à entidade que concretamente adjudica o serviço, "o que significa que o mesmo se deve ter por excluído sempre que aquela detenha uma ínfima participação no capital social da entidade adjudicatária (seja pela excessiva dispersão das participações sociais, seja pela sua distribuição em termos desequilibrados)".
No entanto, a jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça, constante do acórdão proferido no processo C-324/07 (Coditel), que desenvolve ideia já aflorada no acórdão relativo ao processo C-295/05 (Asemfo/Tragsa), em inversão da doutrina que inicialmente foi propugnada no processo C-231/03 (Coname), vai noutro sentido.
Naqueles arestos reconhece-se que a possibilidade de as autoridades públicas recorrerem aos seus próprios meios para dar execução às suas missões pode ser exercida em colaboração com outras autoridades públicas e que, nesse caso, está normalmente excluído que uma dessas autoridades, a menos que detenha uma participação maioritária nessa entidade, exerça sozinha um controlo determinante sobre as decisões desta última.
Em consequência, entende o Tribunal que, nessas situações, pode concluir-se que o controlo de que cuidamos é exercido de forma conjunta pelas entidades públicas que detêm o ente criado, através de deliberações, se for caso disso aprovadas por maioria.
Esta mesma ideia foi consagrada no n.º 2 do artigo 5.º do Código dos Contratos Públicos, quando nele se exige que a entidade adjudicante exerça sobre a actividade da entidade com quem contrata um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços, isoladamente ou em conjunto com outras entidades adjudicantes.
Ora, como também se refere no processo Coditel: "(...) em circunstâncias (...) nas quais as decisões relativas às actividades de uma sociedade cooperativa intermunicipal detida exclusivamente por autoridades públicas são tomadas por órgãos estatutários dessa sociedade compostos por representantes das autoridades públicas associadas, o controlo exercido sobre essas decisões pelas referidas autoridades públicas pode ser entendido no sentido de permitir que estas últimas exerçam sobre aquela sociedade um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços."
Assim, e não obstante o Hospital de Faro deter apenas um voto na Assembleia-Geral do SUCH, isso não obsta à conclusão de que exerce controlo conjunto sobre ele, se constatarmos que os poderes de controlo da Assembleia-Geral abrangem, não apenas decisões estratégicas de mercado, mas também decisões individuais de gestão.

Há, no entanto, que analisar um outro elemento.

O artigo 5.º, n.º 2, refere que o controlo pode ser exercido em conjunto com outras entidades adjudicantes e a jurisprudência do Tribunal de Justiça fala em controlo exercido por autoridades públicas.
Sucede que, no caso, o SUCH, como vimos nas alíneas o) e p) do ponto 2 e na alínea b) deste ponto 4, pode ter, e tem, associados privados e pode ser, e é, detentor de participações em entidades privadas.
Ora, é jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (44) que a participação, ainda que minoritária, de uma empresa privada no capital de uma sociedade no qual participa também a entidade adjudicante em causa exclui, de qualquer forma, que esta entidade adjudicante possa exercer sobre esta sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços(45).
Como se refere no acórdão relativo ao processo C-231/03 (Coname), uma sociedade aberta, pelo menos em parte, ao capital privado, não pode ser considerada uma estrutura de gestão "interna" de um serviço público.
Isto porque "a relação entre uma autoridade pública, que seja uma entidade adjudicante, e os seus próprios serviços se rege por considerações e exigências específicas da prossecução de objectivos de interesse público. Ao invés, o capital privado numa empresa obedece a considerações inerentes a interesses privados e prossegue objectivos de natureza diferente.
Em segundo lugar, a atribuição, sem concurso, de um contrato público a uma empresa de economia mista colide com o objectivo da concorrência livre e não falseada e com o princípio da igualdade de tratamento dos interessados a que se refere a Directiva (...), na medida em que, designadamente, esse procedimento permite a uma empresa privada com capital nessa empresa uma vantagem relativamente aos seus concorrentes.
Por conseguinte, (...), na hipótese de a entidade adjudicante pretender celebrar um contrato a título oneroso para serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação material da Directiva (...), com uma sociedade juridicamente distinta, em cujo capital detém uma participação com uma ou várias empresas privadas, devem ser sempre aplicados os procedimentos de adjudicação de contratos públicos previstos nesta directiva. (46)"
É certo que, no caso concreto, não estamos perante uma sociedade comercial.
Estamos, sim, perante uma associação, em que os associados contribuem com uma quota e, eventualmente, com contribuições, dotações e subsídios (47).
Em ofício dirigido pelo SUCH ao Hospital de Faro, a fls. 49 dos autos, refere-se, a este respeito, o seguinte:

"A par de associados de natureza pública, o SUCH integra instituições não públicas, no entanto, i) por um lado, estes, maioritariamente, prosseguem interesses de natureza altruística que não se distinguem substancialmente do interesse público prosseguido pelos associados públicos (como é o caso das Misericórdias); ii) e, por outro lado, o SUCH enquanto pessoa colectiva de natureza associativa, caracteriza-se pela prevalência do elemento pessoal, pela prossecução de fins não lucrativos, pela intransmissibilidade das participações sociais e pela não distribuição de dividendos."
Daí se conclui, no Memorando Jurídico junto aos autos (48), que "não se verificam os motivos da «desconfiança particular» demonstrada pela jurisprudência comunitária «em relação ao modelo empresarial em formato societário», em que se funda a ideia da incompatibilidade entre a participação de entidades não públicas no substrato pessoal de determinado ente instrumental e a prossecução pelo mesmo - inerente à referida natureza - de fins de interesse público."

Serão estes argumentos relevantes?

É certo que eles mitigam as preocupações reveladas pelo Tribunal de Justiça. Mas, a nosso ver, não são determinantes.
O SUCH tem já associados privados que não prosseguem interesses exclusivamente altruísticos (como é o caso do hospital privado), e pode vir a ter muitos outros (49). E, mesmo não podendo alienar a sua participação nem sendo beneficiários da distribuição de dividendos, estes associados participarão nas deliberações que determinam e influenciam as actividades do SUCH com subordinação a interesses privados e não públicos, o que acarreta os efeitos referidos pelo Tribunal de Justiça.
Mas, mesmo que considerássemos que a participação privada no SUCH é, no momento, marginal e irrelevante, ou que esses associados intervêm na qualidade de beneficiários e não de prestadores de serviços, as circunstâncias do caso levam-nos ainda a relevar a questão das participações detidas pelo SUCH e os ACE e entidades por ele criados e a que já atrás nos referimos.
Em especial no caso dos ACE através dos quais são prestados serviços, e que integram parceiros privados (50), a adopção de procedimentos de adjudicação directa ao SUCH (ou aos próprios ACE) permite que as empresas privadas participantes desse ACE beneficiem de uma clara vantagem relativamente aos seus concorrentes.
Acresce que, como acima se referiu, a estrutura organizativa do SUCH comporta a representação nos órgãos de administração de representantes desses parceiros privados, que estão colocados numa posição que lhes permite influenciar as decisões de gestão e, dessa forma, interferir com os interesses prosseguidos.
Ora, como se referiu no acórdão proferido recentemente no processo C-480/06 (Comissão v. República Federal da Alemanha), pode admitir-se que as autoridades públicas prossigam as suas missões de serviço público com base em instrumentos organizativos de natureza cooperativa, sem submissão às regras da contratação pública, mas "desde que a realização desta cooperação seja regida unicamente por considerações e exigências próprias à prossecução de objectivos de interesse público e que o princípio da igualdade de tratamento dos interessados consagrado na Directiva (...) seja garantido, de modo a que nenhuma empresa privada seja colocada numa situação privilegiada relativamente aos seus concorrentes."
Como acabámos de ver, o actual regime do SUCH não garante a subordinação exclusiva da sua gestão a objectivos de interesse público e a contratação directa do SUCH pelos seus associados não conduz à mera partilha e utilização de serviços comuns, num suposto modelo de auto-satisfação, mas à contratação indirecta de empresas privadas associadas (51), que, por essa via, são colocadas numa situação privilegiada relativamente aos seus concorrentes.
Esta actividade económica deve, claramente, ser norteada pelas leis do mercado, sob pena de a concorrência, princípio fundamental da contratação pública, poder ser desvirtuada.

g) Conclusão

Em face do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código dos Contratos Públicos, da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e dos princípios que enformam as regras de contratação pública, em especial o da concorrência, não pode, pois, considerar-se que a relação entre o SUCH e os seus associados públicos, e, em particular, entre o SUCH e o Hospital de Faro, seja uma relação "interna" equiparada à que é estabelecida pela entidade adjudicante com os seus próprios serviços.
Consequentemente, não pode aplicar-se ao caso a excepção prevista no artigo 5.º, n.º 2, do Código.
É também claro que não foi estabelecido a favor do SUCH qualquer direito exclusivo de prestação do serviço em causa (cfr. artigo 5.º, n.º 4,alínea a)).
Não se vislumbra outra qualquer excepção à aplicação das regras de contratação pública ao caso.  

5. DA ILEGALIDADE VERIFICADA E DA RESPECTIVA RELEVÂNCIA

Sendo o protocolo em causa um contrato público de aquisição de serviços, como já demonstrámos.
Sendo a contratação efectuada após a entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos.
Sendo o contrato celebrado por um hospital E.P.E. e de valor superior ao referido na alínea b) do artigo 7.º da Directiva n.º 2004/18/CE (52).
Não estando o mesmo abrangido por qualquer excepção à aplicação do regime da contratação pública.
É-lhe aplicável o Código dos Contratos Públicos, incluindo a sua parte II, nos termos do disposto nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º, n.º 2, alínea a), e 5.º, n.º 3, alínea b), do referido Código.
De acordo com o estipulado no artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, o contrato deveria ter sido precedido de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação, com publicação dos respectivos anúncios no Jornal Oficial da União Europeia.
Não tendo sido realizado nenhum destes procedimentos, resulta desta norma legal que o contrato não podia ter sido celebrado.
A ausência do concurso, obrigatório no caso, implica a falta de um elemento essencial da adjudicação, o que determina a respectiva nulidade, nos termos do artigo 133.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, como tem sido entendimento deste Tribunal.
Esta nulidade, que pode ser declarada a todo o tempo, origina a nulidade do contrato, nos termos do estabelecido no artigo 283.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos.
A nulidade é fundamento de recusa de visto, como estabelece a alínea a) do n.º 3 do artigo 44º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto. 

6. DECISÃO

Pelos fundamentos indicados, e por força do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 44.º da Lei n.º 98/97, acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção, em recusar o visto ao contrato acima identificado.
São devidos emolumentos nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Regime Jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio, e respectivas alterações.
Publique-se no Diário da República, após trânsito em julgado, nos termos do disposto no artigo 9.º, n.º 2, alínea f), da Lei n.º 98/97, na redacção da Lei n.º 48/2006, de 29 de Agosto.

Lisboa, 22 de Julho de 2009 

Os Juízes Conselheiros, - Helena Abreu Lopes (Relatora) - João Figueiredo - Helena Ferreira Lopes

O Procurador-Geral Adjunto - (António Cluny)


(1) Cfr. cláusula segunda do protocolo.
(2) Cfr. cláusula quinta do protocolo
(3) Cfr. cláusula sexta
(4) Cfr. verso de fls. 77 e ponto 5 do ofício n.º 210, de 2 de Junho de 2009, do Hospital de Faro, a fls. 76.
(5) Cfr. fls. 3 e 4 dos autos.
(6) Cfr. fls. 3 do processo.
(7) A referência reporta-se ao Código dos Contratos Públicos.
(8) Cfr. http://www.somos.pt/Publicdocs/publications/brochura_institucional.pdf e http://www.somos.pt/Publicdocs/publications/Estatutos%20NET%2002.pdf
(9) Sublinhado nosso.
(10) Em Contratos públicos "in house" - em especial, as relações contratuais entre municípios e empresas municipais e intermunicipais, in Revista de Direito Regional e Local, n.º 00, Outubro-Dezembro 2007, pp 34 e ss.
(11) Referia-se, assim, no pedido: "(...)Com fundamento no parecer n.º 1/95 (Diário da República, II Série de 12 de Julho de 1995) tem vindo a entender-se que os SUCH - Serviços de Utilização Comuns dos Hospitais se situam fora dos pressupostos de aplicabilidade do regime do Decreto-Lei n.º 211/79,de 12 de Julho.
No entanto, a nova disciplina de realização das despesas públicas, os princípios que enformam a actividade da Administração Pública e a própria natureza dos SUCH têm vindo a pôr em causa a actualidade do já mencionado parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República;
É o caso do parecer anexo[2], solicitado a uma entidade estranha ao Ministério da Saúde, e que conclui pela necessidade de sujeitar o SUCH ao regime legal de realização da despesa pública. Em face do exposto, e atento o teor do artigo 37.º n.º 1 alínea a) da Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, venho solicitar a Vossa Excelência o Parecer do Conselho Consultivo da PGR sobre a questão de saber se o SUCH se pode considerar isento da legislação em vigor para a realização de despesa de aquisição de bens e serviços ou realização de obras públicas, ou, por outras palavras se se mantém actual a doutrina do Parecer da PGR n.º 1/95 já referido."
(12)
Directivas n.ºs 2004/18/CE e 2004/17/CE, de 31 de Março.
(13) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro.
(14) Os seus estatutos foram revistos em 2003 e em 2006. A versão actual foi publicada no Diário da República, II Série, de 29 de Dezembro de 2006.
(15) Cfr. Rui Medeiros, Âmbito do novo regime da contratação pública à luz do princípio da concorrência, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 69, Maio/Junho 2008.
(16) Cfr. artigo 1.º, n.º2, do Código dos Contratos Públicos
(17) Cfr., designadamente, o acórdão proferido no processo C-107/98 (Teckal).
(18) Cfr. Cláudia Viana, no texto já citado, e o 4.º considerando da Directiva 2004/18/CE: "os Estados-membros devem velar por que a participação de um proponente que seja um organismo de direito público, num processo de adjudicação de contratos públicos, não cause distorções da concorrência relativamente a proponentes privados."
(19)
Cfr. artigos 18.º da Directiva 2004/18/CE e 25.º da Directiva 2004/17/CE.
(20) Cfr. acórdão Teckal do Tribunal de Justiça, no processo C-107/98.
(21) O que não era tão marcado na altura em que foi produzido o parecer da Procuradoria-Geral da República acima referido.
(22) Cfr. declaração de voto de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, no parecer referido, e o ponto 1.1 do Memorando Jurídico anexo aos autos, em que Rui Medeiros e Marisa Martins Fonseca qualificam o SUCH como uma associação de direito privado e simultaneamente uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa.
(23) http://www.somos.pt/Publicdocs/EMPRESAS%20PARTICIPADAS%20SUCH_Set2008.pdf
(24) Sublinhado
nosso.
(25) Como se referia nos pareceres da Procuradoria-Geral da República e vem invocado nos autos.
(26) Cfr. alínea l) do ponto 2.
(27) Por falta de acordo quanto à redacção da norma.
(28) É, aliás, esse o entendimento implícito na posição do SUCH e, posteriormente, na do próprio Hospital de Faro - cfr. alíneas ii) e l) do ponto 2.
(29) Qualificação que o SUCH parece rejeitar (cfr. parte final da alínea ii) do probatório), embora tenhamos as maiores dúvidas a esse respeito.
(30) Refira-se a existência de doutrina no sentido de que as adjudicatárias de contratos celebrados in house estão, por sua vez, sempre sujeitas às regras dos mercados públicos quando pretendam contratar com privados, atendendo precisamente à sua configuração como prolongamento interno do ente público - Cfr. Alexandra Leitão, Contratos de prestação de bens e serviços celebrados entre o Estado e as empresas públicas e relações "in house", in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 65, Setembro/Outubro 2007, e Cláudia Viana, no artigo já acima citado.
(31) In "Estudos de Contratação Pública - I", Ed. Coimbra Editora, 2008, págs. 125 e 126
(32) Cfr. Juan José Pernas Garcia, Operaciones in house y el derecho comunitário de contratos públicos
(33)
Cfr. Pedro Gonçalves, in Regime Jurídico das Empresas Municipais.
(34) O qual consta dos estatutos, sendo que estes são alteráveis pelo órgão máximo do SUCH
(35) Não obstante e precisamente por se afirmar, a páginas 134 do Relatório de Gestão e Contas 2008, que o SUCH trabalha com "pequenas margens de negócio", para satisfazer a expectativa dos associados na melhor relação preço-qualidade.
(36) Cfr. acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo C-295/05 (Asemfo/ Tragsa).
(37)
Procurando descortinar a relação in house entre o SUCH e o conjunto de todos os seus associados.
(38) No Memorando Jurídico junto aos autos afirma-se que não é possível ao SUCH recusar as solicitações que lhe sejam dirigidas pelos associados.
(39) Em virtude de a mesma ter o poder de negar a homologação de uma eventual alteração dos Estatutos.
(40) Cfr. conclusões do Advogado-Geral no processo C-94/99 (Arge), do Tribunal de Justiça: a entidade só"deve ser considerada como totalmente vinculada à sua autoridade de tutela quando a relação orgânica que a une a ela se reveste de uma quase exclusividade, em benefício desta última, dos serviços que presta".
(41) Cfr., designadamente, autores citados e sufragados por Bernardo de Azevedo, no texto referenciado, e Alexandra Leitão, no artigo também já citado.
(42) Assim se inter-relacionando os dois requisitos referidos no n.º 2 do artigo 5.º do Código.
(43) Cfr. acórdãos proferidos nos processos C-458/03 (Parking Brixen) e C-340/04 (Carbotermo)
(44)
Cfr., designadamente, acórdãos proferidos nos processos C-26/03 (Stadt Halle), C-231/03 (Coname), C-29/04 (Comissão v. Áustria), e C-410/04 (ANAV).
(45)
Para Rui Medeiros (no texto acima citado) esta qualificação restritiva significa, na prática, que a jurisprudência exige um terceiro requisito para que se possa afirmar uma relação in house: a inexistência de participações privadas na entidade adjudicatária.
(46) Do acórdão Stadt Halle.
(47)
Cfr. artigo 24.º dos Estatutos.
(48) Subscrito, como já referimos, por Rui Medeiros e Marisa Fonseca.
(49) No acórdão proferido nos processos C-29/04 e C-410/04, o Tribunal de Justiça chamou a atenção para que não deve tomar-se em consideração apenas a situação num dado momento, mas a evolução que o regime das entidades consente, prevenindo, em especial, as sequências que podem redundar em expedientes violadores dos princípios.
(50) Como é o caso do Somos COMPRAS, ACE, considerado como central de compras pelo Decreto-Lei n.º 200/2008, de 9 de Outubro, e que, no Memorando Jurídico anexo aos autos, é confundido com o próprio SUCH.
(51) Ou mesmo de empresas privadas às quais o SUCH externaliza os serviços.
(52) O qual é, de acordo com o Regulamento (CE) n.º 1422/2007, de € 206.000,00.